Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019104-38.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

AGRAVANTE: VTN EMBALAGENS - INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, EMBALAGENS MARA LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: MARCOS DE LIMA CASTRO DINIZ - PR33303, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: MARCOS DE LIMA CASTRO DINIZ - PR33303, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019104-38.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

AGRAVANTE: VTN EMBALAGENS - INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, EMBALAGENS MARA LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: FELLIPE CIANCA FORTES - PR40725-A, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: FELLIPE CIANCA FORTES - PR40725-A, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Agravo de instrumento interposto por VTN EMBALAGENS – INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA e EMBALAGENS MARA LTDA. contra a decisão que, em sede de medida cautelar fiscal incidental, deferiu a liminar requerida pela UNIÃO para o fim de reconhecer a existência de responsabilidade tributária por formação de grupo econômico e abuso de personalidade jurídica em relação aos requeridosdecretando-se a indisponibilidade dos bens de todos.

A decisão agravada foi lançada nestes termos:

 

Trata-se de ação cautelar fiscal incidental - distribuída por dependência à Execução Fiscal 3908-64.2010.8.26.0471 - movida pela UNIÃO FEDERAL em face de PORTO FELIZ INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PAPEL E PAPELÃO LTDA.CASERTA ADMINISTRAÇÃO DE BENS E PARTICIPAÇÕES LTDA.PORTOPEL S/AVETRAN LTDA COMÉRCIO DE PAPEL E PAPELÃOMERCANTIL MOR LTDAVTN EMBALAGENS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.EMBALAGENS MARA LTDA.CONTRAL COMÉRCIO DE RESÍDUO INDUSTRIAL LTDA MEOESTE COBRANÇAS E SERVIÇOS LTDA-EPPCOMÉRCIO DE RESÍDUO INDUSTRIAL ARARITAGUABA LTDA.LUCKTRANS CARGAS RODOVIÁRIAS LTDA-EPP; ROBERTO VETRANOLUCRECIA VETRANO; ROBERTO VETRANO JÚNIORRAQUEL VETRANOROBERTA VETRANO CARNELOSROSELI RODRIGUESJOÃO CARLOS VETRANOADALZINO MODESTO DE PAULA JUNIORJACKSON CARNELOSERIKA POZO ALMEIDARENATO FABRICIO DA SILVARODRIGO GUIDETTE DIOGO ANTONIO FLORENTINO visando a efetividade do recebimento dos créditos tributários em cobrança na Execução Fiscal 3908-64.2010.8.26.0471, no valor de R$ 14.802.883,68 de forma imediata e do valor consolidado do passivo tributário no importe de R$ 331.122.724,80.

Alega a autora que a Porto Feliz utiliza contas de créditos a receber de empresas ligadas (Embalagens Mara, VTN Embalagens, Mercantil Mor, Contral Comércio de Resíduos e Comércio de Resíduo Industrial Araritaguaba) para quitar contas de obrigações do seu passivo exigível; que considerando que essas empresas ligadas escrituram em suas contabilidades o desembolso desses recursos, isso demonstra que ou a Porto Feliz controla o recebimento desses valores em conta não escriturada (caixa dois), ou esses recursos foram utilizados para pagar os credores da Porto Feliz, o que pode ter sido feito para evitar que o dinheiro passasse pela mesma, já que esta empresa se encontra em recuperação; que foi constatado também um aumento nos saldos das contas de adiantamento a pessoas ligadas, no período analisado: de 2012 a 2015 a Porto Feliz concedeu mais adiantamentos do que o montante de adiantamentos quitados no período, ou seja, há uma tendência em todo esse período, de o dinheiro sair da empresa para as seguintes pessoas ligadas: Roberto Vetrano, Lucrecia Vetrano, Roberto Vetrano Junior, Roberta Vetrano Carnelos, Raquel Vetrano e Rodrigo Guidette (esposo de Raquel Vetrano) e não retornar; que a Porto Feliz compra notas fiscais frias de desperdícios ou aparas, criando um custo fictício que possibilita a redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no final do período de apuração, criando-se, também, um passivo fictício, já que não há pagamento a fazer, visto que a entrada de mercadorias foi fictícia; que a quitação dessas obrigações acaba por tornar-se uma manobra contábil capaz de camuflar a retirada dinheiro da empresa; que as situações observadas evitam que o dinheiro passe pela Porto Feliz e que a fuga de recursos da empresa em benefício de pessoas ou empresas ligadas ao núcleo familiar de Roberto Vetrano, nada mais são do que práticas fraudulentas que visam a dificultar ou impedir a satisfação dos créditos tributários sob responsabilidade da Porto Feliz.

Alega ainda que está plenamente comprovada a existência do grupo econômico de fato, chefiado pela Família VETRANO, que atua fraudulentamente, mediante notória confusão patrimonial e artifícios de desvio financeiro, através de seus administradores, em detrimento da recuperação dos créditos públicos, a justificar a quebra das personalidades jurídicas e responsabilização solidária de todos os agentes envolvidos.

Pleiteia, nos termos do art. 7º da Lei 8.397/1992, a decretação da indisponibilidade dos bens dos requeridos, até o limite da satisfação da dívida.

Relatados, decido.

A medida pleiteada independe do pagamento de custas (CPC, 295).

A tutela de urgência exige elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (300), podendo o juiz exigir caução, que pode ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la (§ 1o). Ela pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia (§ 2º). A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito (301). A parte beneficiária responderá pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa nas hipóteses do art. 302.

Verificam-se no presente caso os pressupostos da medida. A probabilidade do direito é demonstrada pelas fichas cadastrais de fls. 37/39; 41/43; 45/46; 48/49; 51/52; 54/55; 57/60; 62/63; 106/107; 109/111; 113/115; 117/120; 122/124; 126/127; 129/130 que confirmam a semelhança de endereços, de exercício de atividades no mesmo ramo de atuação e identidade de sócios entre as empresas e partes envolvidas, constatando-se assim a confusão patrimonial entre pessoas jurídicas, sendo cabível a decretação da indisponibilidade de bens dos requeridos.

Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. EXECUÇÃO FISCAL. Decretação liminar da indisponibilidade de bens de pessoas físicas e jurídicas, cuja responsabilidade tributária se alega decorrer da participação no chamado "GRUPO PETROSUL", grupo econômico de fato, supostamente existente para blindagem patrimonial da executada PETROSUL DISTRIBUIDORA TRANSPORTADORA E COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA, em fraude à satisfação das dívidas tributárias. Pretensão recursal de liberar contas do agravante pessoa jurídica EIRELI e da pessoa física que a constitui. INTERESSE JURÍDICO E LEGITIMIDADE DO RECORRENTE PRESENTES. Hipótese em que há confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa física. REQUISITOS PRESENTES PARA A CONSTRIÇÃO LIMINAR. Conjunto probatório suficiente para demonstrar, em cognição sumária, o abuso da personalidade jurídica da sociedade PETROSUL e de outras pessoas do grupo e o interesse em comum na realização do fato gerador. Indício de que o sócio do agravante foi administrador de "empresa satélite", utilizada com o aparente propósito de desviar o patrimônio da executada e fraudar o fisco. IMPENHORABILIDADE RELATIVA dos ganhos do trabalhador autônomo até cinquenta salários mínimos mensais. Considera-se impenhorável a conta da EIRELI, no limite estabelecido em lei, porque, no presente caso, há confusão entre a pessoa jurídica e a física. Liminar reformada em parte, para liberar os valores das contas bancárias da pessoa jurídica e da pessoa física, até o limite de cinquenta salários mínimos mensais. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2083179-02.2017.8.26.0000; Relator (a): Paulo Galizia; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Paulínia - SEF - Setor de Execuções Fiscais; Data do Julgamento: 26/06/2017; Data de Registro: 14/08/2017).

O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo consiste na dilapidação do patrimônio dos envolvidos, comprometendo, assim, o recebimento pelo fisco, dos créditos tributários devidos e não recolhidos aos cofres públicos.

Ante o exposto, DECRETO a indisponibilidade dos bens dos requeridos PORTO FELIZ INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PAPEL E PAPELÃO LTDA.CASERTA ADMINISTRAÇÃO DE BENS E PARTICIPAÇÕES LTDA.PORTOPEL S/AVETRAN LTDA COMÉRCIO DE PAPEL E PAPELÃOMERCANTIL MOR LTDAVTN EMBALAGENS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.EMBALAGENS MARA LTDA.CONTRAL COMÉRCIO DE RESÍDUO INDUSTRIAL LTDA MEOESTE COBRANÇAS E SERVIÇOS LTDA-EPPCOMÉRCIO DE RESÍDUO INDUSTRIAL ARARITAGUABA LTDA.LUCKTRANS CARGAS RODOVIÁRIAS LTDA-EPP; ROBERTO VETRANOLUCRECIA VETRANO; ROBERTO VETRANO JÚNIORRAQUEL VETRANOROBERTA VETRANO CARNELOSROSELI RODRIGUESJOÃO CARLOS VETRANOADALZINO MODESTO DE PAULA JUNIORJACKSON CARNELOSERIKA POZO ALMEIDARENATO FABRICIO DA SILVARODRIGO GUIDETTE DIOGO ANTONIO FLORENTINO.”

 

Nas razões recursais as agravantes sustentam, preliminarmente, a incompetência da Justiça Estadual para apreciar a Medida Cautelar Fiscal.

No mais alegam a inexistência de ficha cadastral da empresa VTN EMBALAGENS; a inocorrência de identidade de endereços entre a PORTO FELIZ, EMBALAGENS MARA E A VTN EMBALAGENS; a inocorrência de similitude de quadros societários e a falta de semelhança nas atividades.

Argumenta, também, que não estão presentes os requisitos capazes de autorizar o decreto de indisponibilidade de bens contra si, mesmo porque, ao contrário do afirmado pelo d. magistrado “a quo” não há confusão patrimonial entre as pessoas jurídicas, consoante entendimento consolidado no STJ ao afirmar que esta se caracteriza “pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas” (AgRg no AREsp 831.748/SC)

Conclui, assim, estar ausente a probabilidade do direito e que a decisão recorrida fere a liberdade econômica, a preservação da empresa, a função social da empresa e da propriedade, como também a razoabilidade e a proporcionalidade.

Em seu pedido específico requer seja concedida tutela antecipada recursal para suspender a decisão que decretou a indisponibilidade dos bens das agravantes, uma vez que não há dos autos qualquer documento que indique a existência do “grupo econômico”, tampouco a ocorrência da confusão patrimonial.

Alternativamente, requer seja liberado o bloqueio relativamente aos ativos financeiros das agravantes, aos bens já negociados, aos bens absolutamente impenhoráveis e aos veículos, mantendo-se apenas o bloqueio no tocante aos bens do seu ativo permanente, em respeito aos limites previstos nos arts. 2º, caput, 4º, caput e §§ 1º e 2º da Lei nº 8.397/82.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido (ID 5122188).

Houve a interposição de agravo interno por parte das agravantes (ID 6564869), no qual aduzem a legalidade dos lançamentos contábeis e da forma de pagamento adotado pelas empresas.

Alegam a completa independência entre as empresas e que o Sr. Roberto Vetrano retirou-se dos quadros da Embalagens Mara em 2002.

Afirmam que a Porto Feliz fabrica bobinas de papel e as agravantes embalagens de papel, não havendo semelhança entre as atividades das empresas.

Sustentam que nunca pagaram débitos da Porto Feliz com seu próprio capital e que o objeto social das empresas é distinto.

Argumentam que a Porto Feliz não está mais entre os seus maiores fornecedores de bobinas de papel .

Destacam que para a caracterização do grupo econômico não importa a mera identidade de sócios, sendo necessária a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”, conforme prevê o art. 2º, § 3º, da CLT.

Por fim, complementam suas razões com a ausência de pedido de redirecionamento da execução nos autos das execuções fiscais e a suficiência patrimonial da Porto Feliz.

Juntam diversos documentos relacionados a cessões de créditos entre as agravantes e a Porto Feliz e a entrada e saída de valores.

Pedem assim o provimento do recurso, reformando-se a decisão agravada para conceder os efeitos ativo e suspensivo requeridos no agravo de instrumento, determinando-se a suspensão da medida cautelar fiscal em favor da Fazenda Nacional, diante da inexistência da plausibilidade do direito e do perigo de demora invocados, até julgamento do recurso”.

Contrarrazões da União Federal pelo improvimento de ambos os recursos, respectivamente o agravo de instrumento (ID 7455373) e o agravo interno (ID 7490297).

As agravantes, posteriormente, ingressaram com diversas petições nas quais formulam vários requerimentos.

Alegam fato novo por conta do bloqueio de valores em conta corrente, com fundamento nos artigos 493 e 933 do CPC e também o direito superveniente, que decorre da edição da Lei nº 13.874/2019, trazendo novos requisitos para o artigo 50 do Código Civil e ainda fixando premissas a respeito da boa-fé do particular e do reconhecimento de sua vulnerabilidade perante o Estado (arts. 2º, II e IV, 3º e 7º da Lei nº 13.874/2019).

Além disto, argumenta com a edição da Medida Provisória nº 899/2019 (MP do contribuinte legal) que ao prever a transação e nova oportunidade de regularização das dívidas torna-se incompatível com a determinação de indisponibilidade de bens das agravantes.

Informa ter sido protocolizado, em primeiro grau, pedido de revogação da medida cautelar de indisponibilidade de bens, reiterada também no presente recurso.

Proferido despacho (ID 131056483) que afastou a alegação de fato novo e afirmou que quanto “ao advento da Lei nº 13.874/2019 e da MP nº 899/2019, tais normas serão objeto de exame quando do julgamento do presente recurso”.

No tocante ao pedido de revogação da liminar, adveio a negativa em 1ª instância, fato que ensejou a interposição de novo agravo de instrumento por parte das ora recorrentes (AI nº 5004769-43.2020.4.03.0000).

Novamente as agravantes apresentam mais um requerimento, reiterando os termos do agravo interno e pleiteando o acolhimento de pedido subsidiário “a fim de que se determine a limitação da ordem de indisponibilidade aos bens do ativo permanente da pessoa jurídica, nos moldes do art. 4º, §1º, da Lei nº 8.397/92, com o consequente desbloqueio de todas as contas bancárias das agravantes”.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019104-38.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

AGRAVANTE: VTN EMBALAGENS - INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, EMBALAGENS MARA LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: FELLIPE CIANCA FORTES - PR40725-A, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A
Advogados do(a) AGRAVANTE: FELLIPE CIANCA FORTES - PR40725-A, MARCELO DE LIMA CASTRO DINIZ - PR19886-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Por primeiro, a preliminar de incompetência da Justiça Estadual não merece exame na presente via recursal. Isto porque a questão é objeto de apreço em provimento jurisdicional distinto que foi impugnado mediante a interposição de outro agravo de instrumento (AI 5026312-39.2019.4.03.0000).

A documentação trazida pela Fazenda Nacional junto à inicial da ação originária, especialmente a petição inicial – fls. 01/26 do feito originário e a representação para fins de propositura de medida cautelar fiscal (Relatório Fiscal) – fls. 579/778 da demanda principal, permite desvelar um amplo cenário de fraudes e práticas aparentemente ilícitas (blindagem patrimonial, confusão patrimonial e operacional, práticas contábeis fraudulentas etc), com complexa imbricação societária possivelmente urdida na tentativa de concentrar os débitos na empresa que se encontra em recuperação judicial e é grande devedora (Porto Feliz).

Após esmiuçado relatório instruído com planilhas, quadros explicativos, fluxogramas, árvores genealógicas da Família Vetrano e fotos em que é detalhada toda a forma de agir do grupo econômico de fato, a Receita Federal apresentou a seguinte conclusão:

“A Porto Feliz é uma grande devedora, que se encontra em recuperação judicial. Analisando seu fluxo de caixa nos anos 2014 e 2015, foi constatado um fluxo positivo de caixa nos dois exercícios, conforme item 3 do relatório. Entretanto, mesmo com fluxo positivo de caixa nesses exercícios, o saldo das contas contábeis de tributos a pagar continuou crescendo. Durante a análise das operações comerciais e da contabilidade da Porto Feliz, foram observados indícios de confusão patrimonial com empresas do grupo, tais como: Embalagens Mara, VTN Embalagens, Mercantil Mor, Contral Comércio de Resíduos, Comércio de Resíduo Industrial Araritaguaba e Lucktrans Cargas Rodoviárias. Foi observada, também, pela análise das contas de adiantamentos a pessoas ligadas, uma tendência de saída de dinheiro da empresa em benefício de pessoas ligadas como: Roberto Vetrano, Lucrecia Vetrano, Roberto Vetrano Junior, Roberta Vetrano Carnelos, Raquel Vetrano e Rodrigo Guidette. Por fim, após identificarmos todas as empresas integrantes do grupo econômico, bem como aquelas nas quais foi observada a confusão patrimonial, realizamos a busca de seus bens, bem como de seus sócios, pela caracterização da responsabilidade prevista no art. 135 do CTN. Além dessas pessoas, também buscamos os bens de empresas dos filhos de Roberto Vetrano e de outras pessoas com estreita relação familiar, como os cônjuges dos filhos”.

Encontram-se suficientemente descritas na peça exordial as condutas adotadas pelos corréus, estabelecendo a autora o cruzamento de inúmeros elementos que justificam, num primeiro momento, o pedido de indisponibilidade de bens e corresponsabilidade.

É da jurisprudência desta Corte Regional que indícios de operações fraudulentas justificam a medida ora questionada (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI 0026368-70.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 07/08/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/08/2014).

Em casos tais é "...entendimento pacificado nesta Corte de que comprovada a existência de grupo econômico de fato, a responsabilidade é solidária de todas as empresas que o integram" (destaquei - PRIMEIRA TURMA, AI 0025457-58.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 06/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/05/2014).

Esse cenário não pode ser desprezado na singularidade ora examinada.

Noutras palavras, o d. Magistrado se debruçou sobre a questão fática e seus contornos jurídicos, dentro do âmbito de conhecimento possível na via estreita do cautelar fiscal.

De seus fundamentos não emerge impropriedade judicante.

O contexto dos autos permite supor um grupo econômico formado pelas empresas que compõem o chamado Grupo PORTO FELIZ, sendo elas firmas sob controle da Família VETRANO. O modus operandi adotado pelo aglomerado econômico permite supor que seus integrantes adotam meios de esvaziamento patrimonial ou transferência de bens, de modo a prejudicar os vultosos créditos públicos (valor consolidado do passivo tributário no importe de R$ 331.122.724,80).

É certo que o grupo econômico é figura do capitalismo e em si mesmo nada tem de errado; a situação muda quando aparecerem elementos – ainda que indiciários – sérios de que a multiplicidade de empresas não é tão inocente como aparenta, o que levou o MM. Juiz, com base no extenso Relatório Fiscal, com acerto, a decretar a indisponibilidade dos bens dos requeridos, inclusive da ora agravante.

A responsabilização das demais empresas do grupo fático e de seus sócios foi amplamente demonstrada no extenso relatório - que foi acolhido pela decisão ora impugnada - onde ficou claro o interesse comum, mormente por conta dos sócios das coligadas serem membros da mesma família ou agregados, dando embasamento à solidariedade tributária.

Trecho da contraminuta é muito elucidativa no ponto (destaquei):

Na mesma linha, a incidência da hipótese prevista no inciso IX, do referido artigo 2º, da Lei 8.397/92, também foi perfeitamente apontada pela ampla investigação promovida pela Receita Federal (ver minucioso relatório fiscal), que identificou uma série de atos fraudulentos praticados com o precípuo objetivo de dificultar ou impedir a satisfação dos créditos tributários. Como exemplo, a Receita constatou, ao analisar o fluxo de caixa da empresa, que, apesar dos fluxos positivos nos exercícios financeiros de 2014/2015, o saldo das contas contábeis de tributos a pagar continuou crescendo. Foi observado, ainda, que a PORTO FELIZ utiliza contas de créditos a receber de empresas ligadas (Embalagens Mara, VTN Embalagens, Mercantil Mor, Contral Comércio de Resíduos e Comércio de Resíduo Industrial Araritaguaba) para quitar contas de obrigações do seu passivo exigível. Considerando que essas empresas ligadas escrituram em suas contabilidades o desembolso desses recursos, isso demonstra que ou a Porto Feliz controla o recebimento desses valores em conta não escriturada (caixa dois), ou esses recursos foram utilizados para pagar os credores da Porto Feliz, o que pode ter sido feito para evitar que o dinheiro passasse pela mesma, já que esta empresa se encontra em recuperação judicial (ver itens 4.1.1 até 4.1.4 e 4.1.6 do relatório) Verificou-se, ainda, um aumento nos saldos das contas de adiantamento a pessoas ligadas, direta ou indiretamente, à empresa (Roberto Vetrano, Lucrecia Vetrano, Roberto Vetrano Junior, Roberta Vetrano Carnelos, Raquel Vetrano e Rodrigo Guidette), tendo ela, no período analisado, concedido mais adiantamentos do que recebido quitação dessas operações (ver item 4.2 do relatório). Também se apurou que a PORTO FELIZ compra notas fiscais frias de desperdícios ou aparas, realizando uma manobra contábil com vistas a camuflar a retirada dinheiro da empresa (ver item 4.1.5 do relatório)”.

Ademais, o fato de a União não ter requerido na execução fiscal a desconsideração da personalidade jurídica da Porto Feliz é despicienda. Isto porque é perfeitamente possível o reconhecimento do grupo econômico diretamente na medida cautelar fiscal.

A respeito dos temas abordados calha transcrever o entendimento jurisprudencial do STJ, mais especificamente a respeito do interesse comum, da confusão patrimonial e da possibilidade de aferição da responsabilidade tributária no âmbito da própria cautelar fiscal (grifei):

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CAUTELAR FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. GRUPO ECONÔMICO. INTERESSE COMUM. ART. 535 DO CPC/1973. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL. MATÉRIA DECIDIDA COM ESTRITO FUNDAMENTO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. REEXAME. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. MÉRITO DESFAVORÁVEL À RECORRENTE. DECISÃO RECORRIDA APLICOU CORRETAMENTE O DIREITO À ESPÉCIE.

1. Insurge-se a recorrente contra acórdão que manteve a indisponibilidade de bens do seu patrimônio decretada em Medida Cautelar Fiscal, por estar reconhecida a formação de grupo econômico de fato e a existência de interesse comum entre a recorrente e devedora principal.

(...)

7.Nesse ponto, sustentou o Tribunal de origem, exaustiva e detidamente (fls. 1821-1833, e-STJ), haver "indícios claros de grupo econômico" (fl. 1833, e-STJ), com indicação de todos os "pontos de contato" entre a recorrente e a executada.

(...)

14. E mesmo se ultrapassada a vedação da Súmula 7/STJ, o que se admite apenas para argumentar, no mérito melhor sorte não obteria o Recurso Especial. Isso porque a decisão recorrida aplicou corretamente os dispositivos legais tidos por violados, uma vez admitidos os fatos descritos no aresto impugnado.

15. O art. 2º da Lei 8.397/1992 prevê seja a ação cautelar fiscal requerida em face do sujeito passivo da obrigação tributária. Já o art. 121, parágrafo único, do CTN, considera sujeito passivo da obrigação tributária (i) o contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e o (ii) responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

16. A inclusão da recorrente no polo passivo da cautelar fiscal obedece à previsão legal e depende apenas da sua condição como responsável tributário à luz do CTN.

17. Nesse particular, o Superior Tribunal de Justiça entende ser aplicável a responsabilidade solidária do art. 124 do CTN quando há comprovação de práticas comuns, prática conjunta do fato gerador ou, ainda, quando há confusão patrimonial.

18. É o que se passa na espécie, em que o Tribunal local reconheceu a existência de grupo econômico e ligações empresariais estreitas entre a recorrente e a devedora originária decorrentes da administração familiar das empresas, coincidência de endereços e objetos sociais, movimentação da conta bancária da recorrente pelo fundador da executada, esvaziamento patrimonial da devedora originária concomitantemente ao desenvolvimento econômicos da recorrente. Tudo a demonstrar não só a existência, no mundo dos fatos, de grupo econômico integrado pela recorrente, como o interesse comum previsto no art. 124 do CTN.

(...)

21. Verifica-se, in casu, a presença dos requisitos não só para a responsabilização da recorrente (art. 124, CTN), como também para sua inclusão no polo passivo da cautelar fiscal (art. 2º, Lei 8.397/1992).

22. O art. 135 do CTN foi bem afastado na origem e merece reiteração nesta instância, pelos mesmos fundamentos (aplicabilidade, ao caso, do art. 124, I).

23. Por fim, o exame específico da imprescindibilidade da prova pericial, com fulcro no art. 333, II, do CPC/1973, no caso concreto esbarra de forma invencível na Súmula 7/STJ.

24. Recurso Especial conhecido, em parte, e nessa parte não provido.

(REsp 1689431/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 19/12/2017)

 

Em complementação, o artigo 1º, parágrafo único da Lei nº 8.397/92 possibilita o requerimento da medida cautelar fiscal, mesmo antes da constituição do crédito tributário o que se perfaz por meio do lançamento e este é, nos termos do artigo 142 do CTN, o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

É possível, pois, concluir que a qualidade de devedor não é essencial para que a pessoa física ou jurídica figure no polo passivo da medida assecuratória. Isso porque, se o crédito tributário ainda não foi constituído, o sujeito passivo sequer foi formalmente identificado.

Em outras palavras, é desnecessária a correspondência entre o devedor da obrigação tributária e os legitimados passivos da medida cautelar fiscal.

Por fim, descabida a alegação de suficiência patrimonial da Porto Feliz.

O patrimônio da empresa não alcança sequer 30% do montante total de seus débitos fiscais. É o que se depreende da leitura da contraminuta ao fazer referência à escrituração contábil fiscal (ECF) de 2016 (ID 7462055, pág. 03 - grifos nossos):

 

“No caso, consoante já bem exposto na inicial, a executada original - PORTO FELIZ INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PAPEL E PAPELÃO LTDA - está em Recuperação Judicial (processo nº 1000988-27.2015.8.26.0471, em trâmite perante a 2ª Vara da Comarca de Porto Feliz/SP) e possui débitos consolidados bem superiores ao seu patrimônio líquido. Assim, considerando que, nos termos do ECF/2016, o ativo total da PORTO FELIZ perfaz o montante de R$ 128.607.457,38 e que seu patrimônio líquido é negativo (R$ - 61.090.375,97), resta evidenciado que a empresa possui mais obrigações do que bens e direitos e que a liquidez de seu patrimônio está comprometida, dando ensejo à concessão da medida cautelar fiscal com base no inciso IV, do artigo 2º, da Lei 8.397/92. Ademais, sendo certo que a empresa possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados correspondem a mais de trezentos e trinta milhões de reais, ultrapassando trinta por cento do seu patrimônio conhecido, a concessão da medida cautelar também se mostra necessária de acordo com o prescrito pelo inciso VI, do mesmo artigo 2º, da Lei 8.397/92”.


 

Apesar dos inúmeros argumentos propalados pelas recorrentes no sentido de afastar a ligação com a PORTO FELIZ (devedora principal) uma pesquisa na Internet revela exatamente o oposto.

O sítio eletrônico http://www.embalagensportofeliz.com.br/ corresponde à pagina da internet do autointitulado “GRUPO PORTO FELIZ LTDA”. No referido “site” está clara a incursão da Porto Feliz não só no âmbito das bobinas de papel, mas também no ramo das embalagens de papel, caixas de papelão, embalagens personalizadas e embalagens para frigorífico etc, in verbis (consultas realizadas em 05/10/2020):

Fabricamos Caixas de papelão para correios e transportadora, parda lisa, com corte vinco, nos mais variados tamanhos e formatos. Além disso, a empresa Porto Feliz disponibiliza os serviços de criação e desenvolvimento de embalagens personalizadas para as mais diversas necessidades e exigências dos clientes” (http://www.embalagensportofeliz.com.br/index.php/component/content/?view=featured).

E mais, ao tratar das embalagens frigorificadas com tratamento hidrorepelente, verifica-se afirmação acerca da existência do GRUPO DE EMBALAGENS PORTO (grifos nossos):

O papel é um material altamente absorvente que interage com a umidade do ambiente. Para garantir a resistência à umidade, o Grupo Embalagens Porto emprega uma tecnologia própria que trata o papelão ondulado com aplicação de resinas e torna a embalagem apropriada para as câmaras frigoríficas que acondicionam produtos como carnes, laticínios, legumes ou flores” (http://www.embalagensportofeliz.com.br/index.php/14-home-porto/47-embalagens-frigorificadas).

Mais uma vez está patente que a Porto Feliz, representada por Roberto Vetrano, abraça as empresas das filhas (Embalagens Mara e VTN Embalagens) como fazendo parte de um grupo econômico denominado GRUPO EMBALAGENS PORTO.

Inclusive, na aba relacionada aos produtos fabricados pelo GRUPO há destaque para as embalagens de papelão ondulado (http://www.embalagensportofeliz.com.br/index.php/produtos/papelao-ondulado) onde constam fotos, muitas delas idênticas, às constantes do agravo interno, no ponto em que tratam do catálogo de produtos da VTN EMBALAGENS.

O evidente elo existente entre as empresas recorrentes e a PORTO FELIZ, novamente está traduzido logo na primeira página do site da devedora principal onde está estampada a foto de testes laboratoriais de embalagens frigorificadas hidrorepelentes. Comparando-se essa imagem com a 3ª foto vista na página da agravante VTN Embalagens na internet (http://vtnembalagens.com.br/empresa.html#simple2), é possível constatar, de plano, que ambas as fotos são idênticas.

Esta forma de proceder da Porto Feliz e de seu administrador, manifestando abertamente os laços entre as empresas, faz cair por terra qualquer alegação em sentido contrário levantada pelas partes agravantes tanto no agravo interno quanto no recurso de instrumento.

Quanto ao pedido de liberação dos ativos financeiros, entendo que dado o montante espantoso dos débitos fiscais acumulados e o modus operandi revelado pelas investigações do Fisco é incabível, em sede de cognição sumária, o acolhimento do pleito da agravante de limitação da indisponibilidade aos bens do ativo permanente.

Anoto que posteriormente o magistrado de 1º grau acolheu o pleito formulado neste sentido - liberação da indisponibilidade de ativos financeiros - em relação a todos os requeridos, o que ensejou a interposição de agravo de instrumento por parte da União (AI 5022814-32.2019.4.03.0000) a mim distribuído em 13.09.2019, no qual proferi decisão deferindo o efeito suspensivo, porque ficou constatada a plausibilidade das alegações fazendárias, in verbis:

(...) o decreto de indisponibilidade já fora ratificado nesta Corte - ainda que de modo provisório - no bojo de múltiplos agravos de instrumento interpostos por corréus, em decisão provisória que se mantém hígida. Cito, por exemplo, os recursos de nº 5019279-32.2018.4.03.0000 e 5019201-38.2018.4.03.0000.

A propósito, a decisão recorrida (fl. 10.652 dos autos originais) foi proferida em resposta ao requerimento das corrés VTN EMBALAGENS – INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA e EMBALAGENS MARA LTDA, sendo que estas já haviam deduzido anteriormente idêntico pedido de limitação do bloqueio ao bens do ativo permanente no AI 5019104-38.2018.4.03.0000, no qual indeferi o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Sem motivos "novos" e ponderáveis (capazes de afastar a preclusão pro iudicato) não pode o Magistrado de 1ª instância inovar no processo de modo a fazer tábula rasa de decisão do Tribunal que assumiu o efeito substitutivo”.

Após, o julgamento colegiado do recurso, em 23/01/2020, dando provimento ao agravo de instrumento da União e julgando prejudicados os agravos internos das agravadas, houve a interposição de embargos de declaração, rejeitados em 02/07/2020, seguidos de novos aclaratórios apresentados em 15/07/2020.

A alegação de que a Fazenda Pública defende, na Cautelar Fiscal, a existência de Grupo Econômico, com base na aplicação do artigo 50 do CC e que tal artigo foi modificado por legislação posterior (Lei nº 13.874/2019) que criou novos requisitos e, ainda, que esta norma não foi considerada no julgamento, é descabida.

Os brocardos jurídicos “iura novit curia” e “da mihi factum, dabo tibi ius” dão supedâneo à conclusão de que o juiz não fica adstrito aos artigos de lei citados pela parte.

Aqui se trata de matéria tributária regulamentada pelo Código Tributário Nacional (recepcionado como lei complementar) que possui previsão a respeito da desconsideração da pessoa jurídica no artigo 135.

Em outras palavras, não vem ao caso a discussão a respeito da alteração do artigo 50 do Código Civil por outra lei ordinária (Lei nº 13.874/2019): normas hierarquicamente inferiores ao CTN.

Quanto à alegação de incidência da MP nº 899/2019 (MP do contribuinte legal) também não assiste razão às agravantes.

Dois são os motivos.

Primeiramente, o § 1º, do artigo 1º da referida medida provisória dispõe:

A União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação em quaisquer das modalidades de que trata esta Medida Provisória, sempre que, motivadamente, entender que a medida atenda ao interesse público”.

Cabe, pois, à União, no caso à Fazenda Nacional, propor mediante ato discricionário, de forma individual ou por adesão (art. 3º da MP 899/2019) e sempre visando o interesse público, a transação, nos termos do artigo 171 do CTN.

A transação, portanto, não é direito potestativo do contribuinte. Depende do exame de conveniência e oportunidade do Fisco. Sempre tendo em mente que, na singularidade, se busca a recuperação de crédito tributário de vultosa monta.

Em segundo lugar, o devedor também poderá propor a transação, que será examinada pelo Fisco com base nos critérios previstos na MP, mas tal discussão é imprópria no presente momento processual e, ademais, não foi objeto de debate na decisão agravada, não podendo ser trazida per saltum a esta Corte Regional.

Jamais a MP 899/2019, ao trazer em seu bojo a mera possibilidade de transação poderia, ipso facto, dar azo à liberação da indisponibilidade de bens dos componentes do grupo econômico de fato, por mera incompatibilidade, ainda mais diante das graves e reiteradas práticas descritas e demonstradas nos autos da medida cautelar fiscal.

Conclui-se, portanto, que as alegações inseridas no agravo interno são insuficientes para modificar a decisão que indeferiu a antecipação de tutela recursal e já foram debatidas e afastadas no presente voto e na decisão posteriormente proferida no agravo de instrumento interposto pela Fazenda Nacional (AI 5022814-32.2019.4.03.0000).

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, ficando prejudicado o agravo interno.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL: EXAME EM POSTERIOR DECISÃO OBJETO DE OUTRO AGRAVO. RELATÓRIO FISCAL ESMIUÇADO. INDÍCIOS DE OPERAÇÕES FRAUDULENTAS. GRUPO ECONÔMICO FAMILIAR DE FATO. INTERESSE COMUM. CONFUSÃO PATRIMONIAL. SOLIDARIEDADE TRIBUTÁRIA. TAREFA PROBATÓRIA: INVIÁVEL NO ÂMBITO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECONHECIMENTO DO GRUPO NOS AUTOS DA CAUTELAR FISCAL: POSSIBILIDADE. LEGITIMADOS PASSIVOS. INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL DA DEVEDORA ORIGINÁRIA. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE ATIVOS FINANCEIROS: OBJETO DE OUTRA DECISÃO TAMBÉM IMPUGNADA PELOS RECORRENTES. APLICAÇÃO DO ARTIGO 50 DO CC, COM ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.874/2019: DESCABIMENTO. ARTIGO 135 DO CTN: INCIDÊNCIA. MP Nº 899/2019: A TRANSAÇÃO NÃO É DIREITO POTESTATIVO DO CONTRIBUINTE. INDISPONIBILIDADE MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. A preliminar de incompetência da Justiça Estadual não merece exame na presente via recursal. Isto porque a questão é objeto de apreço em provimento jurisdicional distinto que foi impugnado mediante a interposição de outro agravo de instrumento (AI 5026312-39.2019.4.03.0000).

2. Encontram-se suficientemente descritas no esmiuçado relatório fiscal e na peça exordial as condutas adotadas pelos corréus, estabelecendo a autora o cruzamento de inúmeros elementos que justificam, num primeiro momento, o pedido de indisponibilidade de bens e corresponsabilidade.

3. É da jurisprudência desta Corte Regional que indícios de operações fraudulentas justificam a medida ora questionada (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI 0026368-70.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 07/08/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/08/2014).

4. É "...entendimento pacificado nesta Corte de que comprovada a existência de grupo econômico de fato, a responsabilidade é solidária de todas as empresas que o integram" (destaquei - PRIMEIRA TURMA, AI 0025457-58.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 06/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/05/2014).

5. O contexto dos autos permite supor um grupo econômico formado pelas empresas que compõem o chamado Grupo PORTO FELIZ, sendo elas firmas sob controle da Família VETRANO. O modus operandi adotado pelo aglomerado econômico permite supor que as empresas do grupo adotam meios de esvaziamento patrimonial ou transferência de bens, de modo a prejudicar os vultosos créditos públicos (valor consolidado do passivo tributário no importe de R$ 331.122.724,80).

6. A responsabilização das demais empresas do grupo fático e de seus sócios foi amplamente demonstrada no extenso relatório - que foi acolhido pela decisão ora impugnada - onde ficou claro o interesse comum, mormente por conta dos sócios das coligadas serem membros da mesma família ou agregados, dando embasamento à solidariedade tributária.

7. O fato de a União não ter requerido na execução fiscal a desconsideração da personalidade jurídica da Porto Feliz é despicienda. Isto porque é perfeitamente possível o reconhecimento do grupo econômico diretamente na medida cautelar fiscal. Precedente do STJ sobre os temas discutidos (REsp 1689431/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 19/12/2017).

8. O patrimônio da Porto Feliz não alcança sequer 30% do montante total de seus débitos fiscais. É o que se depreende da leitura da contraminuta ao fazer referência à escrituração contábil fiscal (ECF) de 2016.

9. O sítio eletrônico da Porto Feliz evidencia em diversas oportunidades a existência de um Grupo Econômico, conduzido pelo sócio administrador da Porto Feliz, e formado pelas empresas de seus familiares, na singularidade, as empresas que fabricam embalagens de papelão (VTN Embalagens e Embalagens Mara), ora agravantes, de propriedade de suas filhas.

10. O referido grupo é autointitulado, ora de Grupo Porto Feliz Ltda., ora de Grupo Embalagens Porto.

11. Quanto ao pedido de liberação dos ativos financeiros, entendo que dado o montante espantoso dos débitos fiscais acumulados e o modus operandi revelado pelas investigações do Fisco é incabível, em sede de cognição sumária, o acolhimento do pleito da agravante de limitação da indisponibilidade aos bens do ativo permanente.

12. Há notícia de que pleito formulado neste sentido - liberação da indisponibilidade de ativos financeiros - foi posteriormente acolhido em relação a todos os requeridos pelo magistrado de 1º grau, o que ensejou a interposição de agravo de instrumento por parte da União (AI 5022814-32.2019.4.03.0000) a mim distribuído em 13.09.2019, no qual proferi decisão deferindo o efeito suspensivo, porque ficou constatada a plausibilidade das alegações fazendárias.Em julgamento colegiado, o recurso da União foi provido.

13. Aqui se trata de matéria tributária regulamentada pelo Código Tributário Nacional (recepcionado como lei complementar) que possui previsão a respeito da desconsideração da pessoa jurídica no artigo 135. Em outras palavras, não vem ao caso a discussão a respeito da alteração do artigo 50 do Código Civil por outra lei ordinária (Lei nº 13.874/2019): normas hierarquicamente inferiores ao CTN.

14. A MP nº 899/2019 ao cuidar da transação não cria direito potestativo do contribuinte. O instituto depende do exame de conveniência e oportunidade do Fisco. Sempre tendo em mente que, na singularidade, se busca a recuperação de crédito tributário de vultosa monta.

15. Agravo de instrumento improvido. Agravo interno prejudicado.

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  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, ficando prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.