Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5008095-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: OZE PRUDENCE MADOU

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5008095-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: OZE PRUDENCE MADOU

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação e remessa oficial à sentença que concedeu mandado de segurança para recebimento e processamento do pedido de residência de estrangeiro com base em reunião familiar, “independentemente da apresentação de certidão de antecedentes criminais emitidos por autoridade judicial e legalizada pela embaixada do país de origem, bem como sem exigência complementar de tradução para língua portuguesa”.

Apelou a União, alegando que: (1) a apelante, na condição de solicitante de refúgio, tem direito à residência provisória no país enquanto pendente o respectivo processo, porém pretende residência definitiva no Brasil utilizando-se de partes de normas diversas, que estabelecem regimes jurídicos distintos, para burlar exigências impostas a todos os estrangeiros, sob invocação de fundamento humanitário  – “o que é repudiado pela ordem jurídica, que denomina tal prática como ‘dépeçage’”; (2) nos termos do artigo 22 da Lei 9.474/1997, enquanto pendente processo de solicitação de refúgio, aplica-se ao estrangeiro a Lei 13.445/2017, cujos artigos 31 e 37 determinam observância das formalidades previstas nos artigos 68, §§ 3º e 4º, e 129 do Decreto 9.199/2017 para processamento do pedido de autorização de residência; (3) a exigência visa a operacionalizar o previsto no artigo 30, § 1º, da Lei de Migração, que estabelece: “Não se concederá a autorização de residência a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado, desde que a conduta esteja tipificada na legislação penal brasileira, ressalvados os casos em que:”, inexistindo, pois, ilegalidade ou ofensa à razoabilidade; (4) a dificuldade para obtenção do documento junto à representação consular do país de origem no Brasil exige dilação probatória, incompatível com a via eleita; (5) o protocolo de solicitação de refúgio garante permanência no país e obtenção de documentos de identificação, como CTPS e CPF, juntados aos autos; (6) o documento apresentado pela impetrante encontra-se em idioma estrangeiro, devendo vir acompanhado de tradução juramentada, e cuja segurança de autenticidade somente é possível mediante legalização consular (artigos 129, § 6º, e 221, III, da Lei de Registros Públicos e 63, § 2º, do Decreto 9.199/2017); e (7) a pretensão afronta a separação dos poderes e soberania nacional; pelo que se requereu a reforma do julgado ou anulação da sentença, extinguindo o feito sem exame de mérito, por inadequação da via eleita para postular direito líquido e incerto.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5008095-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: OZE PRUDENCE MADOU

 

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, cuidam os autos de mandado de segurança impetrado contra o Delegado da Polícia Federal de Controle de Imigração para garantir recebimento e processamento de pedido de autorização de residência com base em reunião familiar, sem a apresentação da certidão de antecedentes criminais do país de origem legalizada e traduzida.

Não se trata, na espécie, de ampliar excepcionalidades de mitigação documental que sejam aplicáveis apenas aos detentores da condição reconhecida de refugiado, procedimento que se reputa indevido (ApCiv 5009299-60.2019.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e - DJF3 de 13/04/2020).

O caso dos autos envolve outra situação.

O impetrante, nacional de Costa do Marfim, portador de  documento provisório de registro nacional migratório e respectiva prorrogação de protocolo de refúgio com validade até 01/04/2020, CPF, certidão de nascimento de filho brasileiro em 28/07/2017 e RG do menor, apresentou com a inicial original do atestado de antecedentes criminais emitido pelo Registro Judiciário do Tribunal de Primeira Instância da República da Costa do Marfim, firmado por magistrado, com validade até 05/05/2019 e chancela do Ministério da Justiça – Seção do Tribunal de Sassandra, República da Costa do Marfim, e respectiva tradução por intérprete comercial matriculado na JUCESP, atestando a inexistência de antecedentes criminais pelo impetrante (ID 97090711).

Portanto, o que se discute, na espécie, não é a dispensa de documentação exigível, mas formalidade de legalização e tradução da certidão por autoridade consular brasileira, conforme informações prestadas pelo próprio impetrado: “Quanto à necessidade de tradução dos documentos produzidos em língua estrangeira, tem-se que, tal exigência decorre do disposto no art. 13, caput, da Constituição Federal de 1988, atentando ainda para o disposto no art. 224 do Código Civil e no art. 157 do Código de Processo Civil, [...] Ainda nesse sentido, assim dispõe o art. 129, § 6º, da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), [...] Nesse ponto, destacamos que, segundo informações extraídas do site do Ministério das Relações Exteriores - MRE, "Portal Consular" (http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/legalizacaode-documentos/documentos-emitidos-no-exterior), para que documentos oriundos de países estrangeiros que não façam parte da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização dos Documentos Públicos Estrangeiros, também conhecida como "Convenção da Apostila", possam surtir efeitos no Brasil, estes devem ser legalizados, unicamente, junto às Repartições Consulares do Brasil no exterior. Por fim, quanto à exigência da apresentação do atestado de antecedentes criminais dos locais onde tenha residido nos últimos cinco anos, devidamente legalizado e traduzido, importante ressaltar-se que tal exigência possui validade em lei e atos regulamentadores editados pelo Poder Executivo Federal (grifamos - ID 97090717).

A propósito de tal exigência, contudo, a Turma já reconheceu o descabimento, tendo em vista a inexistência de previsão de tal formalidade na legislação de migração (Lei 13.445/2017 e Decreto 9.199/2017), nos seguintes termos:

 

ApReeNec 5026842-13.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, Intimação via sistema 12/02/2020: “MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PARA FINS DE REUNIÃO FAMILIAR. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDA PELO PAÍS DE ORIGEM. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o prosseguimento do registro de autorização de residência com base em reunião familiar, sem a exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitidos por autoridade judicial e legalizada pela embaixada brasileira no Nepal, bem como sem a exigência complementar de tradução para a língua portuguesa. 2. Segundo a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), a residência poderá ser autorizada ao imigrante cônjuge com intuito de reunião familiar, sendo exigida pelo Decreto nº 9.199/2017 a apresentação de certidão de antecedente criminal ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde o imigrante tenha residido nos últimos cinco anos. 3. Conquanto o ato normativo estabeleça que o documento deva ser emitido por autoridade judicial, no caso em apreço, a impetrante apresentou documento expedido pelo Departamento de Investigação Criminal do Ministério do Interior do Nepal (ID 89095870 - Pág. 8), o qual é suficiente para comprovar a inexistência de antecedentes criminais, cumprindo, assim, a função da certidão exigida pela legislação. 4. Além disso, a legislação não faz qualquer exigência relativa à tradução do documento para a língua portuguesa ou à validação do mesmo pela embaixada brasileira do país de origem do estrangeiro. 5. Apelação e remessa necessária desprovidas.” (g.n.)

 

Realmente, atente-se, a propósito, que o Decreto 9.199/2017 é expresso em fazer tal exigência quanto a outro documento necessário para instruir pedido de autorização de residência, sem exigir tal formalidade para a certidão de antecedentes criminais do país em que residiu nos últimos cinco anos:

 

“Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:

I - requerimento de que conste a identificação, a filiação, a data e o local de nascimento e a indicação de endereço e demais meios de contato;

II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte;

III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II;

IV - comprovante de recolhimento das taxas migratórias, quando aplicável;

V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e

VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência.” (g.n.)

 

Caso houvesse alguma dúvida fundamentada, relevante e consistente, de interesse nacional, que não se circunscrevesse ao mero cumprimento de formalidade, a situação poderia ter solução distinta, com a análise do caso concreto, porém do que consta dos autos o que obstou o recebimento e processamento do pedido foi apenas a restrição formal, que não prejudica o exame de conteúdo material e substancial importante para a análise do mérito do pedido. Além do mais, nada obsta, em princípio, que diligências possam ser efetuadas pelo Ministério da Justiça e das Relações Exteriores, caso se reputem essenciais à apreciação do mérito do pedido administrativo. 

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA COM BASE EM REUNIÃO FAMILIAR. CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM. TRADUÇÃO E LEGALIZAÇÃO PELAS REPARTIÇÕES CONSULARES BRASILEIRAS.

1. O impetrante, nacional de Costa do Marfim, pretende recebimento e processamento de pedido de autorização de residência com base em reunião familiar, sem apresentação da certidão de antecedentes criminais do país de origem legalizada e traduzida.

2. No caso, foi apresentada com a inicial, dentre outros documentos, original do atestado de antecedentes criminais emitido pelo Registro Judiciário do Tribunal de Primeira Instância da República da Costa do Marfim, firmado por magistrado, com validade até 05/05/2019 e chancela do Ministério da Justiça – Seção do Tribunal de Sassandra, República da Costa do Marfim, e respectiva tradução por intérprete comercial matriculado na JUCESP, atestando a inexistência de antecedentes criminais pela impetrante. 

3. Portanto, o que se discute, na espécie, é a exigência de legalização e tradução de tal documento por autoridade consular brasileira, conforme informações prestadas pelo impetrado: “Quanto à necessidade de tradução dos documentos produzidos em língua estrangeira, tem-se que, tal exigência decorre do disposto no art. 13, caput, da Constituição Federal de 1988, atentando ainda para o disposto no art. 224 do Código Civil e no art. 157 do Código de Processo Civil, [...] Ainda nesse sentido, assim dispõe o art. 129, § 6º, da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), [...] Nesse ponto, destacamos que, segundo informações extraídas do site do Ministério das Relações Exteriores - MRE, "Portal Consular" (http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/legalizacaode-documentos/documentos-emitidos-no-exterior), para que documentos oriundos de países estrangeiros que não façam parte da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização dos Documentos Públicos Estrangeiros, também conhecida como "Convenção da Apostila", possam surtir efeitos no Brasil, estes devem ser legalizados, unicamente, junto às Repartições Consulares do Brasil no exterior. Por fim, quanto à exigência da apresentação do atestado de antecedentes criminais dos locais onde tenha residido nos últimos cinco anos, devidamente legalizado e traduzido, importante ressaltar-se que tal exigência possui validade em lei e atos regulamentadores editados pelo Poder Executivo Federal”.

4. Conforme entendimento da Turma, a legislação de migração (Lei 13.445/2017 e Decreto 9.199/2017) não faz qualquer exigência relativa à tradução do documento para língua portuguesa ou à validação do mesmo pela embaixada brasileira do país de origem do estrangeiro.

5. Caso houvesse alguma dúvida fundamentada, relevante e consistente, de interesse nacional, que não se circunscrevesse ao mero cumprimento de formalidade, a situação poderia ter solução distinta, com a análise específica do caso concreto, porém do que consta dos autos o que obstou o recebimento e processamento do pedido foi apenas a restrição formal, que não prejudica o exame de conteúdo material e substancial importante para a análise do mérito do pedido. Além do mais, nada obsta, em princípio, que diligências possam ser efetuadas pelo Ministério da Justiça e das Relações Exteriores, caso se reputem essenciais à apreciação do mérito do pedido administrativo. 

6. Apelação e remessa oficial desprovidas.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.