Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000245-32.2019.4.03.6141

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

RECORRIDO: JORGE DO ESPIRITO SANTO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000245-32.2019.4.03.6141

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: JORGE DO ESPIRITO SANTO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, com supedâneo no artigo 581, inciso I, do Código de Processo Penal, em face de decisão do Juízo Federal da 1ª Vara de São Vicente/SP, que rejeitou a denúncia oferecida contra JORGE DO ESPÍRITO SANTO, no tocante ao crime descrito no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, nos moldes artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, ante a aplicação do princípio da insignificância (ID 146175198).

Sustenta o Ministério Público Federal que o ingresso de cigarro estrangeiro no país configura o delito de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância. Pleiteia, assim, o recebimento da denúncia e o normal prosseguimento da ação penal (ID 146175199).

Contrarrazões da defesa pelo desprovimento do recurso (ID 146175203).

Em sede do juízo de retratação, foi mantida a decisão recorrida (ID 146175199).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo provimento do recurso (ID 146175199).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000245-32.2019.4.03.6141

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: JORGE DO ESPIRITO SANTO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O recorrido JORGE DO ESPÍRITO SANTO foi denunciado pela prática, em tese, do crime descrito no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/1968.

Narra a denúncia (ID 146175198):

"Consta do incluso inquérito policial que, no dia 8/1/2019, de manhã, no interior do estabelecimento comercial situado na avenida Pedro Américo, nº 465, bairro Parque das Américas, em Praia Grande/SP, JORGE DO ESPIRITO SANTO, em proveito próprio e no exercício de atividade comercial, possuía e expunha à venda 220 (duzentos e vinte) maços de cigarros das marcas Eight' e Gift', de origem/procedência estrangeira (paraguaia) e de comercialização proibida no País.

Consoante apurado, policiais civis receberam informação sobre a possível existência de armas de fogo em imóvel localizado na rua Aquiles Gonçalves de Oliveira, nº 71, em São Vicente/SP. No intuito de checar a veracidade de tal informação, dirigiram-se até o local e ali foram recebidos por Antonio Carlos do Espírito Santo, que lhes franqueou a entrada e explicou ser o imóvel (casa grande dividida em cômodos) compartilhado por três irmãos (Antonio Carlos do Espírito Santo, José Barros do Espírito Santo e JORGE DO ESPÍRITO SANTO), que residiam com suas respectivas famílias.

Além disso, os policiais verificaram a presença, no estabelecimento comercial diligenciado, de 220 (duzentos e vinte) maços de cigarros de origem estrangeira (paraguaia), sendo 140 (cento e quarenta) da marca Eight’ e 80 (oitenta) da marca Gift', que JORGE DO ESPÍRITO SANTO possuía e expunha à venda.

De acordo com o Laudo Pericial de Exame Documentoscópico (fls. 89/90), confeccionado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Técnico -Científica do Estado de São Paulo, os 220 (duzentos e vinte) maços de cigarros, das marcas Eight e Gift’, são de origem estrangeira (paraguaia) e não apresentam nenhum selo de controle fiscal para produtos dessa natureza, aprovados pela Receita Federal do Brasil, estando, portanto, irregulares para comercialização no País.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a Vossa Excelência JORGE DO ESPÍRITO SANTO, como incurso no art. 334-A, §1º, I, do Código Penal, c/c o art. 3º' do Decreto -Lei nº 399/1968. E requer que, recebida e autuada a presente denúncia, seja o acusado citado/intimado para apresentar resposta/defesa inicial e participar dos atos do processo, adotando-se o rito (ordinário) previsto nos arts. 395 a 405 do Código de Processo Penal (com a redação dada pelo art. 1º da Lei nº 11.719/2018), até final condenação, com a aplicação, no que couber, do disposto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, e a oitiva das testemunhas e do informante a seguir arrolados."

O Juízo de primeiro grau rejeitou a peça acusatória, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (ID 146175199):

"Entretanto, em que pese haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, tenho revisto meu posicionamento em relação ao crime de contrabando de cigarros, entendendo por ser aplicável, em determinados casos, o Princípio da Insignificância, de modo a afastar a tipicidade material da conduta. Vejamos.

Todavia, no caso dos autos, verifico o cumprimento de todos os requisitos acima destacados, uma vez que: a lesão ao bem jurídico foi mínima, visto que foram apreendidos em poder do denunciado cerca de 220 maços de cigarros paraguaios; a mercadoria foi apreendida antes de ter sido comercializada, de modo que não chegou a causar dano à saúde de eventuais consumidores; o suposto prejuízo fiscal do Estado é mínimo, considerando-se o valor dos produtos importados irregularmente; o denunciado ocupa posição de menor importância na cadeia comercial de produtos clandestinos, pois possui pequeno comércio, não realizando contrabando em larga escala.

Outrossim, quanto ofensa à saúde publica, é importante destacar que, em se tratando de cigarros, seja de procedência nacional ou estrangeira, fruto de contrabando ou não, estes causam efeitos comprovadamente nocivos à saúde dos consumidores, havendo, nessa toada, a meu ver, certa incongruência na utilização do fundamento de ofensa à saúde pública como óbice à aplicação do Princípio da Insignificância.

Ante o exposto, tendo presentes os motivos acima expedidos, e o mais que dos autos consta, com fulcro no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, REJEITO A DENÚNCIA ofertada pelo MPF por FALTA DE JUSTA causa para deflagração da ação penal, determinando o ARQUIVAMENTO do presente IPL."

Insurge-se o Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia pela incidência do princípio da insignificância, sob o argumento de que o ingresso de cigarro estrangeiro no país configura o crime de contrabando, ao qual não se aplica o aludido princípio (ID 146175199).

Assiste razão ao órgão ministerial.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação dos Tribunais Superiores no sentido de que a introdução de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação configura crime de contrabando, tendo em vista que se cuida de mercadoria de proibição relativa.

Embora o princípio da insignificância estabeleça que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de dano de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto, tratando-se de crime de contrabando, inviável a sua aplicação, independentemente do valor dos tributos elididos, na medida em que o bem jurídico tutelado envolve, sobremaneira, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas.

Na esteira desse entendimento, trago à colação julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a introdução clandestina de cigarros em território nacional, em desconformidade com as normas de regência, configura o delito de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância, por tutelar interesses que transbordam a mera elisão fiscal.

2. Não pode ser no writ enfrentada argumentação dependente de revisão interpretativa dos elementos probatórios dos autos, mas, apenas, a verificação, de plano, de grave violação de direitos do acusado/apenado, o que, na espécie, não ocorreu, sendo incabível o exame da desclassificação, porquanto demandaria revolvimento de prova.

3. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no RHC 118.270/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019) (grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLEITO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. ART. 159 DO RISTJ. NÃO CABIMENTO. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - Não é cabível pedido de sustentação oral em sede de agravo regimental, a teor do disposto no art. 159 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. II - O entendimento jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça é o sentido de que a importação clandestina de cigarros não implica apenas lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, como nas hipóteses de descaminho, mas atinge também a outros bens jurídicos, como a saúde, a ordem pública e a moralidade administrativa, o que desautoriza o reconhecimento da atipicidade material pela incidência do princípio da insignificância.

Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no REsp 1656382/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 12/06/2017)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO DE CIGARROS (ART. 334, § 1º, "D", DO CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O cigarro posto mercadoria importada com elisão de impostos, incorre em lesão não só ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. Precedente: HC 100.367, Primeira Turma, DJ de 08.09.11. 2. O crime de contrabando incide na proibição relativa sobre a importação da mercadoria, presentes as conhecidas restrições dos órgãos de saúde nacionais incidentes sobre o cigarro. 3. In casu, a) o paciente foi condenado a 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea d, do Código Penal (contrabando), por ter adquirido, para fins de revenda, mercadorias de procedência estrangeira - 10 (dez) maços, com 20 (vinte) cigarros cada - desacompanhadas da documentação fiscal comprobatória do recolhimento dos respectivos tributos; b) o valor total do tributo, em tese, não recolhido aos cofres públicos é de R$ 3.850,00 (três mil oitocentos e cinquenta reais); c) a pena privativa de liberdade foi substituída por outra restritiva de direitos. 4. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que "não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda" (HC 118.359, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 11.11.13). No mesmo sentido: HC 119.171, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJ de 04.11.13; HC 117.915, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 12.11.13; HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 14.12.12. 5. Ordem denegada.

(STF, HC 118.858, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 03/12/2013, DJe 17/12/2013) (grifo nosso)

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como exame formal de subsunção de fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso, para se verificar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz a incidência de proibição aparente da tipicidade legal e torna atípico o fato, apesar de lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para aplicação do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e também aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. Impossibilidade de incidência, no contrabando de cigarros, do princípio da insignificância. Não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda. 5. Ordem denegada.

(STF, HC 118.359, Rel. Min. Carmen Lúcia, Segunda Turma, j. 05/11/2013, DJe 08/11/2013) (grifo nosso).

Dessa forma, não merece prosperar a aventada aplicação do princípio da insignificância ao caso em apreço.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito para reformar a decisão e receber a denúncia contra JORGE DO ESPÍRITO SANTO, dada a inaplicabilidade, na hipótese, do princípio da insignificância, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ARTIGO 334-A, §1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL C/C ARTIGO 3º DO DECRETO-LEI Nº 399/1968. CIGARROS. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. RECURSO PROVIDO.

1. Denúncia que narra a prática, em tese, do crime definido no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/1968.

2. Seguindo o entendimento jurisprudencial sedimentado nos Tribunais Superiores, ressalvada a posição pessoal deste Relator, passa-se a considerar que a introdução de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação configura crime de contrabando (mercadoria de proibição relativa).

3. Tratando-se de crime de contrabando, resta inaplicável o princípio da insignificância, independentemente do valor dos tributos elididos, na medida em que o bem jurídico tutelado envolve, sobremaneira, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e segurança públicas. Precedentes.

4. Recurso em sentido estrito provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso em sentido estrito para reformar a decisão e receber a denúncia contra JORGE DO ESPÍRITO SANTO, dada a inaplicabilidade, na hipótese, do princípio da insignificância, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.