APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0009517-27.2011.4.03.6110
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: GUILHERME GRIMALDI JACOMASSI
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA DE BARROS - SP289271
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0009517-27.2011.4.03.6110
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: GUILHERME GRIMALDI JACOMASSI
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA DE BARROS - SP289271
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R E L A T Ó R I O
Remessa oficial e apelação interposta pela União contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para determinar a liberação em favor do autor exclusivamente dos bens constantes do auto de identificação e constatação (Id 90645007, p. 165/166) , independentemente do pagamento de imposto, em observância ao disposto nos artigos 2°, incisos I, II, IV e VI, e 35, inciso I, da Instrução Normativa RFB n.º 1.059/20 10. Sem fixação de honorários advocatícios, em razão da sucumbência recíproca (Id 90645008, p. 04/21).
Aduz (Id 90645008, p. 32/36) que:
a) o recorrido alega que parte dos bens acondicionados no contêiner TRIU 549.706-3 lhe pertence e requer a sua liberação sem a apresentação do conhecimento de carga em seu nome;
b) o conhecimento de carga (bill of landing) é o pilar jurídico de todo o sistema de transporte internacional de cargas, dado que consiste em documento internacionalmente padronizado e aceito, que permite a identificação dos proprietários dos bens transportados;
c) no transporte internacional, o transportador marítimo informa à autoridade aduaneira os dados do proprietário da carga, isto é, o consignatário do conhecimento de carga, que é o responsável pelos tributos incidentes na nacionalização dos bens ou seu abandono, além de eventuais irregularidades, na forma dos artigos 46, caput, do Decreto-Lei n.º37/66, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º2.472/88, 554 do Decreto n.º 6.759/2009 e 9º da Instrução Normativa n.º 1.059/2010.
Em contrarrazões (Id 90645008, p. 40/42), a União requer o desprovimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0009517-27.2011.4.03.6110
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: GUILHERME GRIMALDI JACOMASSI
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA DE BARROS - SP289271
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
I - Dos fatos
Ação proposta por Guilherme Grimaldi Jacomassi contra a União, com vista à liberação de bens de sua propriedade, acondicionados no contêiner TRIU 549.706-3.
II – Da aplicação da lei processual
Inicialmente, ressalta-se que sentença recorrida foi proferida em 27.11.2013 (Id 90645008, p. 21), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum , segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciado Administrativo n.º 01/2016, do STJ).
III – Da liberação da bagagem desacompanhada
Cinge-se a questão à possibilidade de liberação da bagagem desacompanhada retida no Porto de Santos/SP.
a) Da residência no exterior
O Regulamento Aduaneiro prevê a concessão de isenção de impostos à bagagem desacompanhada em relação aos bens de uso e consumo pessoal de brasileiros que permaneceram no exterior por período superior a um ano, nos termos dos artigos 155 e 162, verbis:
Decreto n.º 6.759/09
Art. 155. Para fins de aplicação da isenção para bagagem de viajante procedente do exterior, entende-se por (Norma de Aplicação relativa ao Regime de Bagagem no Mercosul, Artigo 1, aprovada pela Decisão CMC no 18, de 1994, e internalizada pelo Decreto nº 1.765, de 1995):
I - bagagem: os objetos, novos ou usados, destinados ao uso ou consumo pessoal do viajante, em compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem, bem como para presentear, sempre que, pela quantidade, natureza ou variedade, não permitam presumir importação com fins comerciais ou industriais;
I - bagagem acompanhada: a que o viajante traga consigo, no mesmo meio de transporte em que viaje, desde que não amparada por conhecimento de carga ou documento equivalente;
III - bagagem desacompanhada: a que chegue ao País, amparada por conhecimento de carga ou documento equivalente; e
Art. 162. Sem prejuízo do disposto no art. 157, o brasileiro ou o estrangeiro residente no País, que tiver permanecido no exterior por período superior a um ano, ou o estrangeiro que ingressar no País para nele residir, de forma permanente, terá direito à isenção relativa aos seguintes bens, novos ou usados (Norma de Aplicação relativa ao Regime de Bagagem no Mercosul, Artigo 11, item 1, aprovada pela Decisão CMC no 18, de 1994, e internalizada pelo Decreto nº 1.765, de 1995):
I - móveis e outros bens de uso doméstico; e
II - ferramentas, máquinas, aparelhos e instrumentos, necessários ao exercício de sua profissão, arte ou ofício, individualmente considerado. [destaquei]
No caso, entendo que restou comprovada a residência do autor no Reino Unido por prazo superior a um ano, entre agosto de 2008 e dezembro de 2009 (Id 90645007, p. 18).
b) Da liberação da bagagem desacompanhada
De acordo com o apelado, a empresa Pathfinder foi contratada para realizar o transporte de sua mudança do Reino Unido para o Brasil, reuniu os pertences de outros clientes e promoveu a importação de maneira irregular, com a emissão do conhecimento marítimo (bill of landing) em nome de terceira pessoa desconhecida, razão pela qual estão os bens retidos no porto, dado que a autoridade aduaneira exige a apresentação da documentação para promover o desembaraço.
Os artigos 155, inciso II, 553, 554 e 555 do Decreto n.º 6.759/2009 regulam o despacho aduaneiro de importação e dispõem sobre o tema, verbis:
Art. 155. Para fins de aplicação da isenção para bagagem de viajante procedente do exterior, entende-se por:
III - bagagem desacompanhada: a que chegue ao País, amparada por conhecimento de carga ou documento equivalente; e
Art. 554. O conhecimento de carga original, ou documento de efeito equivalente, constitui prova de posse ou de propriedade da mercadoria.
Parágrafo único. A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá dispor sobre hipóteses de não-exigência do conhecimento de carga para instrução da declaração de importação.
Art. 555. A cada conhecimento de carga deverá corresponder uma única declaração de importação, salvo exceções estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Por sua vez, a Instrução Normativa RFB n.º 1.059/2010, estabeleceu em seu artigo 9º a relação de documentos necessários ao desembaraço da bagagem desacompanhada:
Art. 9º O despacho aduaneiro de importação da bagagem desacompanhada será efetuado com base em DSI, registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), instruída com:
I - a relação dos bens, contendo descrição e valor aproximado, por volume ou caixa; e
II - o conhecimento de carga original ou documento equivalente, consignado ao viajante ou a ele endossado.
§ 1º O despacho aduaneiro dos bens poderá ser realizado pelo próprio viajante ou por despachante aduaneiro, na unidade da RFB com jurisdição sobre o recinto alfandegado onde se encontrem depositados.
Não obstante o regramento legal estabelecido, ausentes os documentos necessários, não pode o autor ser penalizado com perda dos seus bens, em razão pela irregularidade praticada pela empresa. A jurisprudência construída para a solução dessa questão ampara-se no direito à propriedade, na boa-fé e na apresentação indícios mínimos da veracidade do alegado. In casu, entendo que os documentos Id 90645007, p. 30/33, demonstram o vínculo existente entre o autor e a Pathfinder, empresa no ramo de transporte internacional, e indicam a relação dos bens que lhe pertencem, razão pela qual são suficientes para autorizar o desembaraço aduaneiro. No mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. BAGAGEM DESACOMPANHADA. DECRETO Nº 6.759/09. ARTIGOS 155, 158, 161, E 554. FALTA DE APRESENTAÇÃO DO CONHECIMENTO DE CARGA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO EQUIVALENTE. SUFICIÊNCIA PARA A LIBERAÇÃO DOS BENS APREENDIDOS. PESSOA FÍSICA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE REGIONAL. DIREITO SUBSIDIÁRIO À INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS. SÚMULA 421 STJ. PRECEDENTES DESTA CORTE REGIONAL. APELAÇÃO PROVIDA.
1 - Pretende a autora obter o direito à retirada de seus pertences trazidos de Portugal em caráter de bagagem desacompanhada e acondicionados em duas caixas de nº 1659 no contêiner MSKU 019576/2, ou, subsidiariamente, caso já decretada a pena de perdimento, o direito à correspondente indenização, retidos em recinto alfandegário em razão de que não realizada a comprovação de sua propriedade por meio da apresentação do respectivo conhecimento de carga.
2 - Da análise dos autos, verifica-se que a autora, Maria Rosa Rodrigues Cavalcante, à época residente em Portugal, contratou a empresa Nova Express para realizar o transporte de seus pertences pessoais, os quais foram acondicionados em duas caixas de nº 1659 e enviados ao Brasil em 28/12/2010, em nome de Paulo Januário Cavalcante, conforme Guia de Encomenda nº 531659. No entanto, em virtude de problemas de ordem burocrática com sua aposentadoria naquele País, retornou ao Brasil somente em janeiro de 2012, enquadrando-se assim na hipótese do § 3º do art. 161 do Regulamento Aduaneiro instituído pelo Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009.
3 - Com efeito, da simples leitura do documento da guia de encomenda expedida pela empresa contratada pela autora, pode-se constatar a relação de objetos por ela enviados ao Brasil, acondicionados em duas caixas de papelão, tendo essa guia sido registrada sob o nº 531659. Assim, na ausência do conhecimento de carga, a referida guia de encomenda deve ser considerada como documento equivalente, conforme previsão do Regulamento Aduaneiro instituído pelo Decreto nº 6.759/09, em atenção ao princípio da razoabilidade que rege os atos administrativos, uma vez que não se mostra sensato exigir da autora, pessoa física, o conhecimento da legislação pertinente, bem como dos trâmites alfandegários, sendo suficiente, neste caso, a simples comprovação da propriedade de seus bens pelos meios disponíveis, conforme lhe faculta o próprio Regulamento Aduaneiro.
4 - Precedentes desta Corte Regional.
5 - Assim, restando devidamente comprovada a propriedade dos pertences de uso pessoal remetidos pela autora, impõe-se a concessão do direito pleiteado, para o fim de se determinar a imediata liberação dos bens apreendidos, ou, na hipótese de já decretado seu perdimento, seja-lhe concedido o direito à indenização pelo valor correspondente.
6 - Indevidos honorários advocatícios na espécie, em razão da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a ré se encontra representada pela Defensoria Pública nos autos, em oposição à União Federal.
7 - Apelação provida.
(TRF 3ª Região, Terceira Turma, AC 0000833-24.2013.4.03.6311, Rel. Des. Fed. Antônio Cedenho, j. 04.07.2018, e-DJF3 Judicial 1 de 12.07.2018, destaquei).
DESEMBARAÇO ADUANEIRO. BRASILEIRA QUE RETORNOU AO BRASIL APÓS MORAR NO EXTERIOR. BAGAGEM DESACOMPANHADA. COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO DE CARGA. DOCUMENTOS EQUIVALENTES. ORDEM DE FRETE. POSSIBILIDADE DE RETIRADA.
1. A impetrante, após residir durante dois anos nos Estados Unidos da América do Norte, ao regressar ao Brasil, optou por trazer seus pertences como bagagem desacompanhada, contratando os serviços da empresa Fastway Moving, com sede na Flórida, USA.
2. A empresa relacionou no conhecimento de transporte os pertences de diversas pessoas em nome apenas de um dos clientes, recusando-se os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil na Alfândega do Porto de Santos a efetuar o desembaraço aduaneiro e a liberação das bagagens desacompanhadas da impetrante.
3. A impetrante apresentou como comprovante de propriedade, a Ordem de Frete e Serviço e a sua Packing List (lista de pertences). Referidos documentos foram emitidos pela própria transportadora, podendo ser reconhecidos como "documentos equivalentes" para fins do disposto no art. 155, inciso III, do Decreto nº 6.759/2009.
4. Não parece razoável impedir que a impetrante retire seus bens em razão de erro cometido pela transportadora ao não emitir o conhecimento de carga corretamente.
5. A Ordem de Frete e Serviço e a Lista de Pertences comprovam para os fins devidos que os bens indicados são de propriedade da impetrante, devendo ser dada a aplicação extensiva ao disposto em comento, reconhecendo-se como aceitáveis os documentos apresentados.
6. Sentença reformada para assegurar a liberação da bagagem e pertences personalíssimos da impetrante, vez que são de sua propriedade, conforme comprovado pelas provas pré constituídas apresentadas.
7. Cabe à autoridade impetrada realizar a checagem de se os bens alegados são os que se encontram apreendidos, entregando os respectivos à impetrante.
(TRF 3ª Região, Sexta Turma, AC 0009929-39.2012.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, j. 26.03.2015, e-DJF3 Judicial 1 de 10.04.2015, destaquei).
IV – Do dispositivo
Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação.
É como voto.
E M E N T A
ADUANEIRO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO. AGRAVOS RETIDOS. DESEMBARAÇO. BAGAGEM DESACOMPANHADA. AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO DE CARGA. COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE. REEXAME E RECURSO DESPROVIDOS.
- A sentença recorrida foi proferida em antes da vigência da Lei n.° 13.105/2015 (NCPC), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciado Administrativo n.º 01/2016, do STJ).
- O Regulamento Aduaneiro (Decreto n.º 6.759/09) prevê, nos artigos 155 e 162, a concessão de isenção de impostos à bagagem desacompanhada em relação aos bens de uso e consumo pessoal de brasileiros que permaneceram no exterior por período superior a um ano.
- Não obstante o disposto nos artigos 155, inciso II, 553, 554 e 555 do Decreto n.º 6.759/2009 e 9º da Instrução Normativa RFB n.º 1.059/2010, que regulam despacho aduaneiro de importação, ausentes os documentos necessários, não pode o autor ser penalizado com perda dos seus bens, em razão pela irregularidade praticada pela empresa. A jurisprudência construída para a solução dessa questão firma-se no direito à propriedade, na boa-fé e na apresentação indícios mínimos da veracidade do alegado.
- Os documentos juntados aos autos demonstram o vínculo existente com a empresa do ramo de transporte internacional e indica a relação dos bens que lhe pertencem, razão pela qual são suficientes para autorizar o desembaraço aduaneiro. Precedentes
- Remessa oficial e apelação provida.