Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021008-25.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: DOUGLAS AGOLETTI COSTA
IMPETRANTE: ALEX SANDRO OCHSENDORF, RENAN DE LIMA CLARO, MAYARA GIL FONSECA, NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO

Advogados do(a) PACIENTE: NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO - SP365799-A, MAYARA GIL FONSECA - SP364786-A, ALEX SANDRO OCHSENDORF - SP162430-A, RENAN DE LIMA CLARO - SP223799-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 


 

  

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021008-25.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: DOUGLAS AGOLETTI COSTA
IMPETRANTE: ALEX SANDRO OCHSENDORF, RENAN DE LIMA CLARO, MAYARA GIL FONSECA, NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO

Advogados do(a) PACIENTE: NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO - SP365799, MAYARA GIL FONSECA - SP364786, ALEX SANDRO OCHSENDORF - SP162430, RENAN DE LIMA CLARO - SP223799-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por Alex Sandro Ochsendorf e outros em favor de DOUGLAS AGOLETTI COSTA contra ato do r. Juízo Federal da 6ª Vara de Santos/SP, nos autos da Ação Penal nº 5006965-41.2019.4.03.6104.

 

Em suas razões, alega, em síntese: a) que o juízo impetrado indeferiu o interrogatório do paciente após o mesmo ter declarado que só responderia às perguntas de seu defensor, exercendo o seu direito de silêncio parcial às perguntas do Juízo e do MPF; b) afirma que foi requerida a anulação do feito por cerceamento de defesa em alegações finais, sobrevindo sentença condenando o paciente à pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, pela prática dos crimes capitulados nos artigos 33, caput, e 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343, de 23.08.2006; c) o silêncio não pode ser interpretado em prejuízo da defesa. Requer, liminarmente, seja sobrestado o andamento da ação penal nº 5006965-41.2019.4.03.6104 até a decisão final do presente Writ; no mérito, a concessão da ordem para anular o feito a partir do interrogatório do paciente.

 

A inicial veio acompanhada da documentação digitalizada (ID’s 137942566, 137942744, 137942568, 137942576, 137942734, 137942736, 137942737, 137942738, 137942739 e 137942740).

 

Foi indeferida a medida liminar pleiteada (ID 138040575).

 

Apresentadas as informações da autoridade  indigitada como coatora (ID 138628091 - Informação em Habeas Corpus), a Procuradoria Regional da República manifestou-se pela denegação da ordem (ID 138848064 - Parecer).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021008-25.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: DOUGLAS AGOLETTI COSTA
IMPETRANTE: ALEX SANDRO OCHSENDORF, RENAN DE LIMA CLARO, MAYARA GIL FONSECA, NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO

Advogados do(a) PACIENTE: NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO - SP365799, MAYARA GIL FONSECA - SP364786, ALEX SANDRO OCHSENDORF - SP162430, RENAN DE LIMA CLARO - SP223799-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Inicialmente, cabe ressaltar que mantenho o entendimento já esposado pela ocasião da apreciação da liminar, in verbis:

 

A ação de Habeas Corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e artigo 647 do Código de Processo Penal.

 

Sob essa ótica, cumpre analisar a presente impetração.

 

Afirma o impetrante a ocorrência de nulidade do processo por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento do interrogatório do paciente, que optou por responder somente às perguntas que fossem formuladas pelo seu defensor.

 

Extrai-se da presente impetração que em 28 de julho de 2020 foi proferida sentença condenando o réu, ora paciente, pela prática dos crimes capitulados nos artigos 33, caput, e 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006, à pena de 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 16 (oitocentos e dezesseis) dias-multa, no valor de um trigésimo do valor do salário mínimo vigente ao tempo do crime, conforme transcrição que segue (ID137942568):

 

(...) 

 

Cumpre consignar que contra sentenças definitivas de condenação ou absolvição, proferidas por juiz singular, cabe a interposição de Recurso de Apelação, nos termos do artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal.

 

Na esteira do atual entendimento adotado pelos Tribunais Superiores, revela-se inadequada a impetração de Habeas Corpus originário perante este E. Tribunal, em substituição ao recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade da garantia constitucional, ressalvada, contudo, a possibilidade de concessão da ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade.

 

Nessa diretriz, o C. Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido do não cabimento de Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio, conforme arestos assim ementados:

 

CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHADO. REINCIDÊNCIA E MAUS ANTECEDENTES. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Dessarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revolvimento probatório. 3. Malgrado o Julgador de 1º grau tenha imposto a pena base no mínimo legal, sem que o Parquet tenha apelado quanto ao tema, o que justificou a mantença do quantum de reprimenda em respeito à regra non reformatio in pejus, o paciente ostenta condenações que não configuram reincidência, mas que podem ser reconhecidas como maus antecedentes. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, condenações anteriores ao prazo depurador de 5 (cinco) anos, conquanto não possam ser valoradas na segunda fase da dosimetria como reincidência, constituem motivação idônea para a exasperação da pena-base a título de maus antecedentes. 5. Embora não se desconheça o teor da Súmula/STJ 269, não se infere manifesta ilegalidade na fixação do regime mais gravoso, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, por se tratar de réu reincidente e que ostenta maus antecedentes. 6. A aplicação de pena no patamar mínimo previsto no preceito secundário na primeira fase da dosimetria não conduz, obrigatoriamente, à fixação do regime indicado pela quantidade de sanção corporal, sendo lícito ao julgador impor regime mais rigoroso do que o indicado pela regra geral do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, desde que mediante fundamentação idônea. Precedentes. 7. Writ não conhecido. ..EMEN:(HC 201601914250, RIBEIRO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:12/12/2016 ..DTPB:.) (g.n.)

 

Na trilha desse entendimento, trago à colação arestos desta E. Décima Primeira Turma:

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA DOSIMETRIA DE PENA. NÃO CONHECIMENTO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. I. O presente habeas corpus tem por objeto a revisão da dosimetria da pena aplicada ao paciente pela sentença proferida nos autos da ação penal de n. 2016.61.42.000750-4, notadamente (i) o afastamento da agravante da reincidência, nos termos do artigo 64, I, do CP; (ii) o reconhecimento da confissão espontânea; (iii) a aplicação do artigo 65, III, a e b, do CP; e (iv) a redução do artigo 33, §4°, da Lei 11.343/06. II. A matéria suscitada neste writ é própria do recurso de apelação, o qual, frise-se, também foi manejado pela defesa do impetrante/paciente, consoante fls. 73 verso/81. Logo, de rigor o não conhecimento do habeas corpus, pois, conforme tem reiteradamente decidido esta C. Turma, pacificou-se o entendimento de que não é possível a utilização de habeas corpus como substitutivo de recursos próprios, máxime quando as questões trazidas pelo impetrante não são capazes de configurar manifesto constrangimento ilegal, pelo menos não ao ponto de excluírem a necessidade de um exame aprofundado de provas, próprio dos recursos de apelação. III. Habeas Corpus não conhecido. (HC 00036122820174030000, JUÍZA CONVOCADA GISELLE FRANÇA, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/11/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (g.n.)

 

(...)

 

Não se vislumbra, in casu, flagrante ilegalidade capaz de fundamentar a concessão da presente ordem.

 

Depreende-se do trecho da sentença supracitada, que a condenação do acusado ocorreu a despeito de seu silêncio no interrogatório. Nesse prisma, o decreto condenatório, nos termos em que fundamentados pelo Juízo sentenciante, mantém-se hígido, haja vista, o fato de existirem nos autos outros elementos que deram substrato ao decreto condenatório exarado pela autoridade apontada como coatora.

Por essas razões, em juízo de cognição sumária, não entrevejo, na espécie, a nulidade indicada pelo impetrante neste habeas corpus.

 

Ausentes os pressupostos autorizadores, INDEFIRO a liminar pleiteada.

 

A tais fundamentos, ora ratificados, somam-se os fundamentos que sustentam a improcedência da questão de fundo versada no presente writt, a seguir explanados.

 

A questão de direito controvertida nos autos objetiva visualizar a compleição do interrogatório judicial tal como manifestada na ordem jurídica pátria, sendo importante mencionar, de início, que a enunciação dos seus contornos definidores não significa mitigar a funcionalidade que pacificamente se lhe atribui enquanto instrumento da autodefesa, mas apenas descrever o instituto em sua plenitude.

 

A ampla defesa emerge como garantia constitucional do acusado no texto constitucional, consagrando-se no catálogo de direitos fundamentais do indivíduo expresso no artigo 5º, inc. LV, mas que deflui, contudo, do devido processo legal – o arcabouço estruturante do exercício da jurisdição através da participação equilibrada e justa dos sujeitos impactados pela decisão judicial.

 

Defender-se da acusação estatal é um preceito fundamentalmente posicionado e compreendido dentro do objetivo primordial do processo penal, que consiste em alcançar a paz social mediante a formulação da convicção judicial a respeito da imputação delitiva, de sorte que o direito de falar nos autos não constitui um fim em si mesmo, mas sim um mecanismo de participação destinado a legitimar o resultado útil que se persegue.

 

Com a experiência histórica forense, a conotação dos efeitos que poderiam advir da postura pessoal do acusado sofreu intensa lapidação. Originalmente, os artigos 185 e 186 do Código de Processo Penal rezavam que o acusado deveria submeter-se ao interrogatório, e que, conquanto não fosse obrigado a responder às perguntas do juiz, o seu silêncio poderia corroborar a convicção judicial de que incorrera na conduta denunciada, sustentando a própria condenação.

 

O efeito adverso do silêncio ao acusado, não sem razão, era bastante criticado por vulnerar o princípio geral do direto à não-autoincriminação, consagrado nas conhecidas fórmulas nemu tenetur se detegere (ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo) ou privilege against self-incrimination (privilégio da não autoincriminação), em decorrência do qual o acusado poderia permanecer em silêncio e isto não ser considerado em seu desfavor.

 

No plano do Direito Internacional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada em São José da Costa Rica em 22.11.1969 e incorporada ao direito interno mediante o Decreto nº 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 8º, 2, “g”, como garantia judicial de toda pessoa o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

 

Consigne-se, na linha do ora asseverado, que, especificamente no âmbito processual penal, o ato de interrogatório do acusado – erigido à categoria de meio de prova a partir da edição da Lei nº 10.792, de 01.12.2003 – mostra-se eminentemente pessoal no sentido de que cabe à autoridade judicial processante ouvi-lo e, a partir de suas considerações, acaso não haja a prevalência do direito constitucional ao silêncio (a Constituição Federal de 1988 conferiu especial proteção ao preso, em linha com a doutrina mais garantista, dispondo como cláusula pétrea enunciação nesse exato sentido: art. 5º,  LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado), compor o cenário fático subjacente no qual teria sido praticada – ou não – a infração penal.

 

Ressalte-se que a pessoalidade que fundamenta a realização do interrogatório referenda entendimento segundo o qual defeso mostra-se a realização de tal ato processual por meio de carta precatória, tendo o legislador previsto, para situações em que a princípio seria necessária a expedição de indicada carta, a possibilidade de realização do ato por meio de sistema de videoconferência (art. 185, § 2º, do CPP), tudo sempre visando preservar a interação pessoal entre autoridade judicante e acusado.

 

Adequando-se ao espírito do Constituinte, o Código Processual Penal passou a prever o instituto do interrogatório com a seguinte redação:

 

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Finalmente, a Lei nº 11.719, de 20.06.2008, situou o interrogatório como o derradeiro ato instrutório, conforme previsto atualmente pelos artigos 400, caput (procedimento comum ordinário) e 531 (procedimento comum sumário), ambos do diploma processual penal. Ainda assim, entretanto, permanece reputando-o como ato de instrução, de prova.

 

Apesar da reforma garantista, o interrogatório subsiste vinculado a uma série de proposições destinadas a balizar o seu aproveitamento como prova, a propósito dos dispositivos do Código de Processo Penal ora colacionados:

 

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

§ 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

§ 2o Na segunda parte será perguntado sobre: (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;  (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

IV - as provas já apuradas; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.  (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.  (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Art. 189. Se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas.  (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam.   

 

Constatada a sua regência legal, resulta acertado dizer que, apesar de veicular a promoção da ampla defesa, o interrogatório sedimenta-se tecnicamente no processo como um meio de prova, pois quando o réu resolve exercitá-lo, o magistrado o depreende de acordo com certa ritualística, sempre segundo o devido processo legal, e com o escopo maior de viabilizar a influência do réu sobre o seu convencimento acerca dos fatos. Não se afigura apenas lícito, mas necessário, submeter ao contraditório o réu que venha a exercer a prerrogativa de autodefesa, razão pela qual a disciplina legal do instituto sob análise.

 

Tais considerações não ignoram as controvertidas posições erigidas acerca da natureza jurídica do interrogatório, sendo bem conhecidas as correntes doutrinárias que o contemplam primordialmente como meio de prova, meio de defesa, havendo ainda quem o enxergue sob ambos os matizes, meio de prova e meio de defesa.

 

Ada Pelegrinni Grinover, por exemplo, defende que o direito ao silêncio seria o selo que garante o interrogatório como meio de defesa, assegurando a liberdade de consciência ao acusado. No artigo francamente intitulado O Interrogatório como Meio de Defesa: Lei n. 10.792/03 (originalmente publicado na Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. ja/ju 2005, p. 91-99, 2005), a douta professora afirma:

 

É certo que do interrogatório, voluntariamente prestado – rectius, das informações espontâneas do acusado, assegurada sua liberdade de consciência –, podem surgir elementos que constituam ‘fonte de prova’. Assim, a correta conceituação do interrogatório – em face da doutrina, primeiro; em face da Constituição, depois, e, mais tarde, pela incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ao ordenamento brasileiro – é a de que constitui ele meio de defesa, que – se e conforme o acusado falar – pode eventualmente servir como fonte de prova. (Destaquei)

 

Com a devida vênia à opinião em contrário que grassou em parte da doutrina e da jurisprudência, as sucessivas reformas legislativas não descrevem um movimento pendular do instituto - de meio de prova para meio de defesa. A feição probatória do interrogatório não é alijada nem mesmo pela doutrina inclinada ao negacionismo. Ocorre que os diferentes enfoques mencionados não são mutuamente excludentes e não esgotam a realidade do instituto que pretendem descrever, de sorte que afirmar tratar-se o interrogatório simplesmente de meio de defesa, sendo por isso irrefreável, é uma compreensão reducionista e insustentável diante do próprio regime legal que subsiste mesmo posteriormente às reformas da legislação processual.

 

Observe-se, nesse sentido, o escólio de Guilherme Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 16ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 483):

 

Note-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo. (Destaquei)

 

Mesmo garantindo-se o silêncio ao réu em sua efetividade máxima, a evolução legislativa que se observou preserva a possibilidade de formulação de indagações tipicamente interessantes para os demais sujeitos processuais, com a ressalva de que o silêncio não deve ser interpretado em desfavor da própria defesa.

 

Uma vez deflagrado a partir da livre iniciativa do acusado, o interrogatório, pelo princípio da comunhão das provas, incorpora-se ao acervo probatório do processo, de forma a sofrer o influxo do contraditório, sendo papel do magistrado e do órgão acusador, questionar, confrontar, esclarecer, interpolar ou completar as falas do interrogando.

 

Neste diapasão, o direito do réu à exposição de sua versão dos fatos não corresponde a um discurso unilateral monolítico, mas ao exercício da fala propagado no palco dialógico e interativo do processo.

 

Não se trata, portanto, de instituto inteiramente defensivo, tampouco inteiramente probatório: é defesa e é prova. O calar deve ser escanteado da formação da convicção judicial, mas o falar compõe, com alto peso, inclusive, o acervo probatório, inexistindo a discricionariedade pura do direito ao silêncio.

 

Consequentemente, se o réu deseja oferecer a sua versão dos fatos, deve interagir com os demais sujeitos processuais, pois é este o método de aquisição de toda a prova judicial, natureza que o interrogatório não deixou de possuir em momento algum.

 

Deste modo, denota-se que mesmo com as alterações promovidas na disciplina legal do instituto sob análise, o interrogatório permanece sendo devidamente formatado à segurança de sua forma de produção e ao regime teleológico do processo, do qual o magistrado é o maior fiador.

 

A incorporação do artigo 3º-A no Código de Processo Penal, promovida pelo ‘Pacote Anticrime’ (Lei nº 13.964/2019), diversamente do que a sua leitura assistemática sugeriria, não tolhe do juiz todo tipo de participação na construção da prova, como a sua redação poderia sugerir, in verbis: o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

 

Não se confunda o sistema acusatório, pelo qual se atribui a órgãos diversos as funções de acusar, defender e julgar, com o papel diretivo do juiz na colheita das provas. A propósito, vale colacionar como essa importante distinção foi exprimida por Murilo Alan Volpi e Matheus Tauan Volpi, no artigo denominado Sistema acusatório não veda a determinação de provas pelo juiz (disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-30/volpi-volpi-sistema-acusatorio-juiz#author, acessado em 18.08.2020):

 

Dessa forma, a determinação de produção de provas pelo juiz não é incompatível com o sistema acusatório, uma vez que o processo acusatório pode adotar tanto o adversarial system quanto o inquisitorial system (processo de desenvolvimento oficial). O que se veda é a substituição do órgão de acusação, o que não se verifica na determinação de produção de provas em pontos específicos reputados fundamentais para o completo esclarecimento dos fatos.

 

A efetivação do Direito material interessa à sociedade. Se a atividade jurisdicional tem por objetivo a manutenção integralidade do ordenamento jurídico, com vistas ao atingimento da paz social (função social do processo), deve o juiz adotar os esforços necessários para alcançá-lo. A concretização da função social do processo não é compatível com a figura do juiz inerte, passivo e refém das partes.

 

No sistema processual brasileiro, o magistrado permanece responsável pela condução efetiva do processo e da salutar reunião legítima das provas. Senão veja-se o disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal:

 

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

 

O magistrado, por presidir a instrução probatória, possui especial relevo na apreciação do direito ao silêncio, ao aferir prudencialmente se a mudez estratégica do réu, intercalada com uma ou outra resposta, revelando uma ou outra circunstância que lhe possa interessar, não pode vir eventualmente a  prejudicar a validação do interrogatório como meio de prova justamente coligido.

 

A prestabilidade do interrogatório é dimensionada, em última análise, pelo juiz, e sendo fundamentada a sua impressão de que o calar preordenado prejudica a intelecção das assertivas seletivas lançadas pelo réu, pode, ainda que excepcionalmente, concluir pela inaptidão de o interrogatório compor o conjunto probatório.

 

No caso da presente impetração, o Juízo Federal da 6ª Vara de Santos/SP, nos autos da Ação Penal nº 5006965-41.2019.4.03.6104, foi apontado como autoridade coatora por supostamente incorrer em cerceamento de defesa, indeferindo o interrogatório do ora paciente Douglas Agoletti Costa após ele ter declarado, na condição de réu, que só responderia às perguntas de seu advogado. A propósito, veja-se o excerto ora colacionado da sentença objurgada:

 

Em audiência o Réu DOUGLAS AGOLETTI COSTA afirmou a priori, de forma sumária e genérica que somente responderia às perguntas formuladas por seu advogado. O Réu ainda declarou que ‘eu vou responder as perguntas pelo meu advogado, tenho a instrução com ele’. Não há, entretanto, previsão legal (Arts. 185 e segs., CPP) ou constitucional (CF, Art. 133) para que a defesa proceda à instrução processual. E assim é em razão da oficialidade do ato, uma das garantias primordiais do acusado em processo penal. De se ver que a própria garantia ao (direito ao) silêncio apenas terá alguma razão de ser, caso as perguntas sejam formuladas pela autoridade investida para o ato estatal (o/a Juiz no caso em análise), segundo a dinâmica dos fatos e a dialética processual, pois, caso contrário, de onde o interesse em negar qualquer resposta? Direito ao silêncio para que, portanto? A recusa prévia, genérica e peremptória em se dirigir ao Juízo, ao Ministério Público e aos demais advogados, manifestada em audiência pelo Réu, a inviabilização de sua comunicação sem interferências, diretamente com o Juízo, e sua livre manifestação de vontade nesse sentido, deixaram claro que desejava ser ouvido somente pelo causídico. Dessa forma, a natureza do ato convolou-se em privada, posto que aos demais sujeitos do processo manietou-se o direito ao contraditório, ao exame cruzado, às formulações livres de perguntas; ao escrutínio, pelo Réu, de cada uma das questões ao tempo e modo em que são realizadas, etc., etc. – na dialética viva e dinâmica que é o processo. Desprovidos de função, todos passaríamos apenas a ser testemunhas passivas, de que exatamente? A defesa realizando ‘a instrução’, impondo o silêncio aos agentes públicos e aos advogados dos corréus, e onerando a estrutura estatal. Ainda, ato esse desprovido de contraditório, posto que a palavra dos demais sujeitos do processo foi sumariamente silenciada, em nome do ‘direito ao silêncio’. Assim, considerou-se suficiente que DOUGLAS AGOLETTI COSTA por si, ou através de seu advogado, fizesse uma declaração por escrito e assinasse, nela constando/fazendo constar suas razões. Fica, pois, rejeitada a preliminar.

 

De fato, o interrogatório judicial do acusado, como visto acima, não se coaduna com o poder de consignar sumária e genericamente que somente responderia às perguntas formuladas por seu advogado, recusando-se prévia e absolutamente a qualquer dialeticidade.

 

Como bem afirmou o magistrado ora apontado como autoridade coatora, elevar à categoria de interrogatório um ato infenso a qualquer manifestação ou interferência convertê-lo-ia em atuação meramente privada, alijando os demais atores processuais (juiz, órgão acusatório e defensores de corréus), uma vez que estes estariam reduzidos a meros espectadores de um discurso fechado e privado, às custas do tempo e da estrutura estatal, o que acabaria por lhe retirar as marcas da  oficialidade, da legalidade e do contraditório. A necessária interação pessoal entre magistrado e acusado estaria ausente, bem como as balizas trazidas pelo art. 188 do CPP estariam desatendidas.

 

Na forma pretendida pelo paciente, o interrogatório estaria convolado numa  manifestação insulada sem a possibilidade de confronto com o que viesse a externar (retirando-lhe, portanto, a credibilidade). Ao pretender suprimir a possibilidade de cotejo do que ele próprio viesse a verbalizar, o acusado transformaria o ato do interrogatório numa mera chancela de seus intentos em desrespeito à norma processual.

 

O direito ao silêncio, repise-se, não pode ser maculado em hipótese alguma. A opção por calar-se não pode trazer qualquer repercussão negativa à defesa do réu. Todavia, ampla defesa difere de arbítrio, de modo que, ao abrir mão do direito ao silêncio, o réu deve se submeter ao rito processual do interrogatório e não estabelecer unilateralmente a forma como o ato processual deva ser conduzido.  

 

In casu, ainda que fosse promovido na forma oral, o discurso unilateral, como pretendido no ato de seu interrogatório, não assumiria a valia de uma prova legitimamente construída. A credibilidade de sua versão, sem a possibilidade de confronto pela atuação do juiz, do órgão ministerial e da defesa de corréus, não poderia ser aquilatada, já que optou por eleger seu defensor como único a lhe formular perguntas.

 

Não existe direito de deturpar o ato do interrogatório na forma pretendida pelo ora paciente, cujo equivalente, aliás, bem oportunizou a autoridade judicial ao facultar-lhe a formulação de declaração escrita e assinada. Ao assim agir, a autoridade apontada como coatora nada mais fez do que acolher o intento do réu, eis que facultou a apresentação por escrito de suas razões, recebendo, assim, a devida consideração, de modo que não há que se cogitar em qualquer prejuízo ou  cerceamento de defesa.

 

Dessa forma, não se vislumbra flagrante ilegalidade ou abuso de poder no caso em tela.

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, DENEGO a ordem de Habeas Corpus.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Esse é um caso diferente e merece uma reflexão.

Assisti ao interrogatório feito pela juíza da 6ª Vara Federal de Santos. Li atentamente todas as manifestações dos impetrantes, as informações, o parecer do Ministério Público Federal e, especialmente, o voto do eminente Relator, a quem cumprimento pela profundidade.

Aqui ocorre o seguinte: não podemos perder de vista a situação concreta posta nos autos.

Não se trata propriamente de discussão ou de vedação do direito ao silêncio. O direito ao silêncio é consagrado, é uma garantia constitucional do processo para o acusado e é obrigação, mais do que dever, que se garanta o direito ao silêncio nos interrogatórios.

Fui juiz de primeiro grau por muitos anos, em matéria criminal, e sempre, mesmo antes da reforma da lei processual, quando foi alterado o art. 186 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.792, de 01.12.2003, eu já fazia valer o direito ao silêncio, sempre dizendo expressamente ao acusado que o seu silêncio não implicaria confissão nem importaria prejuízo à sua defesa. Isso é fundamental que o juiz diga expressamente ao acusado que vai ser interrogado.

No caso, a situação fugiu do que é natural porque não houve o exercício do silêncio parcial, como falou o eminente advogado na tribuna. Aqui está claro que havia uma estratégia da defesa de levar a condução do interrogatório para o defensor.

Não me parece que essa estratégia se coadune com os princípios do processo e com a ética processual que deve prevalecer no procedimento.

Sempre disse aos acusados que interrogava que aquele era um momento da defesa. Nesse ponto, tenho uma leve discordância de fundamento em relação ao eminente Relator no que toca à natureza do interrogatório, se é meio de prova ou meio de defesa. Pela nossa legislação, o interrogatório é as duas coisas, mas fundamentalmente, no meu entender, dentro de um sistema acusatório, ele é, para o acusado, mais um meio de defesa do que de prova.

Eu também sempre disse aos réus que interrogava que o interrogatório é o momento em que é possível a autodefesa, a defesa direta, ou seja, o momento em que o acusado poderia conversar com o juiz diretamente, sem a interferência ou a interveniência de quem quer que fosse.

No momento em que há o diálogo entre o juiz e o interrogando, o órgão do Ministério Público não fala, o defensor não fala.

Eventualmente, em alguma situação que possa extrapolar a normalidade, o defensor pode intervir - e mesmo o órgão do Ministério Público - para garantir a ampla defesa do interrogado ou a regularidade do procedimento. Mas fundamentalmente é um ato em que há um diálogo entre o juiz e o acusado. É o momento em que o acusado vai dar sua versão dos fatos. Se não quiser dar a sua versão e não quiser responder às perguntas do juiz, ele fica em silêncio, exerce o seu direito ao silêncio e disso nada pode ser extraído em seu prejuízo.

Quanto às perguntas das partes, não há um (re)interrogatório. Isso eu também sempre deixei claro, sempre foi o entendimento.

As reperguntas, isto é, as perguntas feitas ao interrogado pelo órgão do Ministério Público, pelo assistente da acusação, pelos defensores de corréus e pelo defensor do acusado, não são perguntas novas, sobre fatos não tratados pelo réu em seu interrogatório, mas perguntas relativas a dúvidas que decorrem do próprio depoimento do réu. É o que está expresso no art. 188 do Código de Processo Penal, que transcrevo:

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

Após proceder ao interrogatório”, ou seja, para que os demais possam perguntar, o juiz tem que ter procedido ao interrogatório, “o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido”.

Se restou algum fato para ser esclarecido”. Restou do quê? Daquilo que foi dito pelo acusado ao dar a sua versão dos fatos e ter respondido às perguntas do juiz.

Se nada foi dito, o que há para esclarecer?

Nada!

Se o réu diz “eu exerço o meu direito de ficar em silêncio”, perfeito. O juiz registra, podendo até deixar registradas as perguntas que não foram respondidas, sem que isso implique crime de abuso de autoridade - que está previsto no art. 15, parágrafo único, da Lei de Abuso de Autoridade, porque isso, deixe-se claro, não é insistência no interrogatório. O juiz consigna aquilo que gostaria de saber, de perguntar, para o seu esclarecimento.

A parte final do art. 188 diz “formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante”.

O que significa isso? Que, nesse momento, as perguntas não são formuladas diretamente ao acusado pelas partes, mas pelo juiz. Aqui não há a mesma regra que existe para a inquirição das testemunhas (CPP, art. 212).

Para as testemunhas, as partes formulam diretamente as perguntas, podendo o juiz não admitir as que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida (CPP, art. 212, caput), cabendo ao juiz formular perguntas complementares, sobre pontos não esclarecidos (CPP, art. 212, parágrafo único).

No interrogatório, as perguntas são formuladas pelo juiz porque, afinal, o interrogatório é ato do juiz (e para o juiz), cabendo às partes formular perguntas complementares, por intermédio do juiz, se este as entender pertinentes e relevantes.

Com efeito, deve-se ter em mente também o seguinte: se, além de meio de defesa (que o acusado exerce diretamente perante o juiz), o interrogatório é também meio de prova, é de indagar-se para quem é destinada essa prova.

Quem é o destinatário da prova? Quem precisa ser instruído? É a defesa? É a acusação?

Obviamente que não. É o juiz.

O juiz é quem precisa ser instruído para poder fazer o seu julgamento e, por isso, ele é o destinatário da prova.

Se o acusado exerce o seu direito ao silêncio (total ou parcial), disso não se pode inferir nada. O juiz não pode tirar nada do silêncio do acusado; nada que o prejudique; nada.

Contudo, aquilo que o acusado fala será considerado pelo juiz na sua valoração do conjunto probatório e como meio de defesa direta.

Assim, volto ao ponto. Após ter interrogado o acusado, o juiz indaga das partes se restou algo a ser esclarecido em função daquilo que tenha sido dito pelo acusado.

Se o acusado exerce o seu direito ao silêncio, não há o que ser indagado pelas partes.

No caso concreto em exame, e por isso repito que não se pode perder a perspectiva do caso concreto que se tem para decidir, houve uma clara tentativa de se desvirtuar a garantia do acusado ao silêncio para distorcer o processo penal e levar a condução do interrogatório para o defensor, como um ato exclusivo do defensor (mais até do que da defesa).

Não se pode confundir as coisas: uma coisa é o exercício do direito ao silêncio; outra coisa é tentar usar um direito, uma garantia fundamental para distorcer o processo penal e forçar a condução do interrogatório como ato exclusivo do defensor.

Observo, ademais, que, a seguir a linha de raciocínio dos impetrantes, no caso de existência de corréus, poderiam ser negadas as perguntas a outros corréus, à defesa de outros corréus.

Isso tudo não é correto!

Não é essa a ideia do direito ao silêncio, como conquista dos direitos humanos, como, aliás, bem destacou o eminente Relator em seu voto.

Não se pode levar a condução do interrogatório para o defensor porque, como já disse acima, o ato de interrogar é do juiz.

Aliás, talvez o interrogatório seja o momento principal do processo, sob a perspectiva da defesa, já que é o momento em que o réu pode dialogar. Por isso, quando fui juiz de primeiro grau, sempre fiz questão de fazer os interrogatórios e achava um contrassenso a defesa pedir que o interrogatório fosse feito por carta precatória.

Quem é o melhor juiz para ouvir o acusado?

É um juiz que eventualmente não tem interesse no feito porque não é dele ou o juiz que vai julgar o acusado?

Então, a estratégia de defesa, neste caso, não encontra respaldo na lei.

Cada defesa tem a sua estratégia e deve ser respeitada, mas ela tem limites dentro da legalidade.

No caso em exame, houve extrapolação, houve excesso. No exercício de um pretenso direito (o de conduzir o interrogatório), a defesa excedeu-se. Não é assim.

Como eu disse no início, assisti atentamente ao interrogatório. Por isso, registro que, se eu fosse o juiz da causa, teria agido de outra maneira. Contudo, a juíza é soberana naquele momento; agiu de uma forma que, ainda que eu não ache a melhor, do ponto de vista de urbanidade, não extrapolou a legalidade, e o que interessa aqui, para o julgamento deste habeas corpus, é o cumprimento estrito da Constituição e da lei.

No momento em que o acusado disse que só responderia às perguntas do seu defensor e a juíza falou “então o senhor está exercendo o seu direito de silêncio total” - em resumo o que se colocou foi isso -, e ele reiterou, orientado pelo seu defensor, “eu só vou responder ao que for perguntado pelo meu defensor”, então ela compreendeu; entendeu que aquilo era uma manifestação clara, concreta de exercício do direito total ao silêncio e, sendo assim, realmente não haveria o que ser esclarecido.

De outro lado, se a juíza tivesse agido pela forma como pretendida pela defesa no caso concreto, quando se chegasse às perguntas formuladas pela defesa desse acusado (o paciente, no caso), seria reaberta a possibilidade para o juiz intervir e formular perguntas.

Ou não?

É claro que sim.

E então?

O ato do interrogatório é de fundamental importância para a defesa, mas não dá ao defensor o direito de, usando desse argumento, conduzir o interrogatório.

Em tese - não digo neste caso, mas em tese -, esse tipo de estratégia pode até não ser benéfica para a própria defesa, na medida em que se perde uma oportunidade para esclarecer os fatos, para se formularem perguntas, para o acusado, com suas próprias palavras, seu próprio livre pensamento, exercer a sua própria defesa, dando a sua versão dos fatos.

Neste caso, refleti bastante.

Em relação ao interrogatório, existem dúvidas até quanto se existe o direito ao silêncio na sua primeira parte (quanto às perguntas sobre a pessoa do acusado), pois essa primeira parte é relevante para o juiz na elaboração de eventual sentença condenatória (CP, art. 59), mas em relação à segunda parte (sobre os fatos e a imputação) não há dúvida.

Quanto à qualificação, antes do interrogatório, também não há dúvida: o direito ao silêncio não existe.

Neste caso concreto, não podemos perder de vista a situação concreta que aconteceu, o que ocorreu naquela audiência.

Na audiência, a estratégia utilizada pela defesa, em meu entender, não se coaduna com aquilo que se espera de uma atuação dentro do processo penal. Por isso, a atitude da juíza - de compreensão como direito ao silêncio total e, portanto, que não haveria nada a ser esclarecido na segunda parte do interrogatório - é possível dentro desse contexto e não foi ilegal, não gerando a nulidade do interrogatório.

Outras questões que envolvam a causa serão, evidentemente, examinadas em eventual recurso de apelação.

Por esses motivos, acompanho o eminente relator e DENEGO A ORDEM.

É o voto.

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5021008-25.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: DOUGLAS AGOLETTI COSTA
IMPETRANTE: ALEX SANDRO OCHSENDORF, RENAN DE LIMA CLARO, MAYARA GIL FONSECA, NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO

Advogados do(a) PACIENTE: NICOLLE COSTA DO ESPIRITO SANTO - SP365799-A, MAYARA GIL FONSECA - SP364786-A, ALEX SANDRO OCHSENDORF - SP162430-A, RENAN DE LIMA CLARO - SP223799-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTOS/SP - 6ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Pedi vista dos autos para melhor analisar o contexto fático específico em que se deu o ato acoimado como ilegal, especialmente tendo-se em vista a alegação de uma potencial lesão (ou um potencial cerceamento) ao (ou do) direito à não autoincriminação, direito fundamental insculpido no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição da República.

Após refletir com detença acerca do tema, entendo assistir razão aos eminentes pares, a quem acompanho na denegação da ordem, acrescentando os breves apontamentos que seguem.

Em primeiro lugar, assento a premissa de que, a meu ver, o interrogatório constitui ato fundamentalmente vocacionado ao exercício discursivo da defesa, vale dizer, da narrativa do réu acerca de si mesmo e de tudo que envolva as imputações em seu desfavor vertidas, sendo essa sua natureza nuclear e função precípua. Certamente, como todo elemento oral colhido ao longo da instrução, tem ele, também, natureza de elemento probatório, mas disso não se pode extrair que partilhe do mesmo regime geral das provas.

Essa desequiparação se dá justamente na medida em que não se trata de mera prova requerida pela defesa, mas de ato cuja oferta ao réu – oferta porque cabe a este definir se se utilizará ou não dessa faculdade - constitui elemento nuclear da ideia de devido processo legal substantivo, e que está umbilicalmente ligado ao direito à não autoincriminação. Devido a isso, tem-se posicionamento amplamente majoritário na jurisprudência (a começar pela jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal) e na doutrina no sentido de ser possível ao réu não apenas silenciar totalmente (comparecendo ou não à audiência, ao seu alvitre), mas também silenciar parcialmente, na medida do que lhe pareça conveniente ao longo da dinâmica da inquirição. É dizer: o réu, no exercício de seu direito fundamental e indisponível à autodefesa e à não autoincriminação, pode (i) não comparecer à audiência de instrução e julgamento, (ii) comparecer mas exercer direito integral ao silêncio, sem que qualquer consequência negativa disso decorra, (iii) preferir a prática do interrogatório, mas se recusar a responder parte das perguntas formuladas, na medida do que entender conveniente ou oportuno. Não há que se falar, especificamente quanto a isso, em desequilíbrio. O que há é efetiva discricionariedade do réu no manejo de sua narrativa; obviamente, eventuais lacunas discursivas, inconsistências graves ou inverossimilhanças serão devidamente ponderadas na valoração da dimensão probante do interrogatório, podendo tornar seu valor probatório relativo ou reduzido. Mas disso não exsurge que o réu não possa adotar esse proceder em sua autodefesa, justamente em virtude do direito constitucional à não autoincriminação, o qual, em sua densidade normativa e como verdadeira conquista da civilização, alberga todas essas alternativas como mecanismos potenciais da defesa.

Ocorre que o caso concreto revela situação em que não se trata propriamente de nenhuma dessas alternativas. Não se teve, no ato capitaneado pela defesa e exercido pelo réu, tentativa de silêncio parcial, ou seja, de declinar de responder a parte das perguntas por não entender oportuno ou conveniente fazê-lo. Se disso se tratasse, ter-se-ia caso de concessão da ordem e nulidade do ato jurisdicional. O que se deu não foi tentativa de manejo das possibilidades defensivas de interrogatório, mas a busca por um desvirtuamento do regramento básico do instituto do interrogatório, o que não está abarcado pelas opções de como proceder com relação a esse ato.

Conforme exposto com precisão pelos e. Des. Federais Fausto De Sanctis e Nino Toldo, o que a defesa tentou foi uma exclusão prima facie da possibilidade de formular questões ao réu, tanto por parte do Juízo como do Ministério Público e das defesas de corréus. Friso: não uma negativa de responder a perguntas, mas uma rejeição abstrata e de pronto à mera formulação delas, com o anúncio de que o acusado apenas responderia às perguntas formuladas por seu advogado.

No entanto, como bem apontado pelo e. Des. Fed. Nino Toldo, o Código de Processo Penal é expresso ao disciplinar o interrogatório, cuja condução cabe exatamente ao Juízo, na condução de destinatário da prova e sujeito imparcial a quem incumbe formular perguntas – várias delas previstas na própria lei processual penal, nos incisos do art. 187, § 2º, do CPP – e dirigir toda a dinâmica do ato.

O que a defesa do acusado buscou fazer implicaria verdadeiro fracionamento da condução da audiência, porquanto um de seus atos mais relevantes, o interrogatório, passaria a ser conduzido e dirigido pelo defensor. A ideia não encontra guarida no ordenamento pátrio, que claramente estabelece os Magistrados como condutores do ato de interrogatório, seja por serem os presidentes das audiências e sujeitos imparciais do processo, seja por se tratar dos destinatários principais de todas as provas.

Concluo. Não se teve, aqui, tentativa de silêncio parcial, mas sim de subversão procedimental. Não houve uma interrupção do interrogatório após o réu se recusar a responder parte das perguntas formuladas (o que, repiso, é seu direito constitucionalmente assegurado). Houve o indeferimento de um pedido para que o “interrogatório” se convertesse em um exclusivo diálogo entre o defensor e o acusado; porém, isso equivale a descaracterizar o próprio instituto, que tem em sua estrutura normativa medular o órgão jurisdicional condutor da audiência, cuja participação central – como formulador das perguntas previstas em lei e condutor da própria dinâmica do ato, dialógica e de intervenção potencial dos demais partícipes da audiência – é inerente à própria natureza jurídica do ato como interrogatório em nosso ordenamento, a teor dos arts. 185 a 187 do Código de Processo Penal. A participação dos defensores (quanto a reperguntas) e da acusação no ato, bem o salientou o e. Des. Fed. Nino Toldo, é que encontra caráter complementar, do que dá demonstração a dicção do art. 188 do Código de Processo Penal, o qual prevê a possibilidade de reperguntas, autorizadas pelo Magistrado “após proceder ao interrogatório”. Sem condução pelo órgão jurisdicional, não se tem interrogatório judicial em sentido jurídico; por conseguinte, não houve lesão a direitos fundamentais do réu, mas o indeferimento de um pedido de alteração não prevista em lei e que alteraria a própria compleição do interrogatório como categoria jurídica, o que não se relaciona com os direitos fundamentais ao silêncio (total ou parcial) e à não autoincriminação.

De resto, em se tratando de busca por ato puramente unilateral, sem a participação dos demais sujeitos do processo (e principalmente do Magistrado condutor do feito), nada impediria a juntada de declarações escritas, contendo a versão do réu acerca dos fatos na forma que entenda apropriado, o que inclusive foi facultado expressamente pela autoridade de primeiro grau (vídeo da parte final da audiência no ID 137942737).

Por essas razões, além dos fundamentos expostos nos substanciosos votos dos Magistrados que me antecederam, entendo inexistir ilegalidade no ato da Juíza de primeiro grau quanto ao indeferimento do “interrogatório” na forma como pretendia a defesa do acusado, o que conduz à rejeição do pedido veiculado neste writ.

 

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E M E N T A

 

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DO INTERROGATÓRIO DO PACIENTE, APÓS ESTE TER DECLARADO QUE SÓ RESPONDERIA ÀS PERGUNTAS DE SEU DEFENSOR, RECUSANDO-SE PREVIAMENTE A RESPONDER QUALQUER OUTRO QUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU DE ABUSO DE PODER. ATO PROCESSUAL QUE DEVE SER MANTIDO. ORDEM DENEGADa.

- Inadequação da impetração à luz de que contra Sentenças Definitivas cabe Apelação Criminal, Entendimento dos Tribunais Superiores.

- Ainda que superado o descabimento da impetração,  mostra-se improcedente a questão de fundo ventilada no writt, concernente à possibilidade de o interrogado responder perguntas apenas da Defesa, recusando-se a responder a qualquer outro questionamento.

- Defender-se da acusação estatal é um preceito fundamentalmente posicionado e compreendido dentro do objetivo primordial do processo penal, que consiste em alcançar a paz social mediante a formulação da convicção judicial a respeito da imputação delitiva, de sorte que o direito de falar nos autos não constitui um fim em si mesmo, mas sim um mecanismo de participação destinado a legitimar o resultado útil que se persegue.

- Apesar da reforma legislativa que situou o interrogatório como o derradeiro ato instrutório, o interrogatório subsiste vinculado a uma série de proposições destinadas a balizar o seu aproveitamento como prova, a propósito dos dispositivos do Código de Processo Penal constantes dos arts. 187 a 190. Constatada a sua regência legal, resulta acertado dizer que, apesar de veicular a promoção da ampla defesa, o interrogatório sedimenta-se tecnicamente no processo como um meio de prova, pois quando o réu resolve exercitá-lo, o magistrado o depreende de acordo com certa ritualística, sempre segundo o devido processo legal, e com o escopo maior de viabilizar a influência do réu sobre o seu convencimento acerca dos fatos. Não se afigura apenas lícito, mas necessário, submeter ao contraditório o réu que venha a exercer a prerrogativa de autodefesa, razão pela qual a disciplina legal do instituto sob análise.

- Com a devida vênia à opinião em contrário que grassou em parte da doutrina e da jurisprudência, as sucessivas reformas legislativas não descrevem um movimento pendular do instituto - de meio de prova para meio de defesa. A feição probatória do interrogatório não é alijada nem mesmo pela doutrina inclinada ao negacionismo. Ocorre que os diferentes enfoques mencionados não são mutuamente excludentes e não esgotam a realidade do instituto que pretendem descrever, de sorte que afirmar tratar-se o interrogatório simplesmente de meio de defesa, sendo por isso irrefreável, é uma compreensão reducionista e insustentável diante do próprio regime legal que subsiste mesmo posteriormente às reformas da legislação processual.

- Uma vez deflagrado a partir da livre iniciativa do acusado, o interrogatório, pelo princípio da comunhão das provas, incorpora-se ao acervo probatório do processo, de forma a sofrer o influxo do contraditório, sendo papel do magistrado e do órgão acusador, questionar, confrontar, esclarecer, interpolar ou completar as falas do interrogando. Consequentemente, se o réu deseja oferecer a sua versão dos fatos, deve interagir com os demais sujeitos processuais, pois é este o método de aquisição de toda a prova judicial, natureza que o interrogatório não deixou de possuir em momento algum.

- Deste modo, denota-se que mesmo com as alterações promovidas na disciplina legal do instituto sob análise, o interrogatório permanece sendo devidamente formatado à segurança de sua forma de produção e ao regime teleológico do processo, do qual o magistrado é o maior fiador. No sistema processual brasileiro, o magistrado permanece responsável pela condução efetiva do processo e da salutar reunião legítima das provas. Senão veja-se o disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal. 

- Por oportuno, mão se confunda o sistema acusatório, pelo qual se atribui a órgãos diversos as funções de acusar, defender e julgar, com o papel diretivo do juiz na colheita das provas. No sistema processual brasileiro, o magistrado permanece responsável pela condução efetiva do processo e da salutar reunião legítima das provas, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal.

- A prestabilidade do interrogatório é dimensionada, em última análise, pelo juiz, e sendo fundamentada a sua impressão de que o calar preordenado prejudica a intelecção das assertivas seletivas lançadas pelo réu, pode, ainda que excepcionalmente, concluir pela inaptidão de o interrogatório compor o conjunto probatório.

- Como bem afirmou o magistrado ora apontado como autoridade coatora, elevar à categoria de interrogatório um ato infenso a qualquer manifestação ou interferência convertê-lo-ia em atuação meramente privada, alijando os demais atores processuais (juiz, órgão acusatório e defensores de corréus), uma vez que estes estariam reduzidos a meros espectadores de um discurso fechado e privado, às custas do tempo e da estrutura estatal, o que acabaria por lhe retirar as marcas da  oficialidade, da legalidade e do contraditório. A necessária interação pessoal entre magistrado e acusado estaria ausente, bem como as balizas trazidas pelo art. 188 do CPP estariam desatendidas.

- Na forma pretendida pelo paciente, o interrogatório estaria convolado numa  manifestação insulada sem a possibilidade de confronto com o que viesse a externar (retirando-lhe, portanto, a credibilidade). Ao pretender suprimir a possibilidade de cotejo do que ele próprio viesse a verbalizar, o acusado transformaria o ato do interrogatório numa mera chancela de seus intentos em desrespeito à norma processual. O direito ao silêncio, repise-se, não pode ser maculado em hipótese alguma. A opção por calar-se não pode trazer qualquer repercussão negativa à defesa do réu. Todavia, ampla defesa difere de arbítrio, de modo que, ao abrir mão do direito ao silêncio, o réu deve se submeter ao rito processual do interrogatório e não estabelecer unilateralmente a forma como o ato processual deva ser conduzido.  

- In casu, ainda que fosse promovido na forma oral, o discurso unilateral, como pretendido no ato de seu interrogatório, não assumiria a valia de uma prova legitimamente construída. A credibilidade de sua versão, sem a possibilidade de confronto pela atuação do juiz, do órgão ministerial e da defesa de corréus, não poderia ser aquilatada, já que optou por eleger seu defensor como único a lhe formular perguntas.

- Não existe direito de deturpar o ato do interrogatório na forma pretendida pelo ora paciente, cujo equivalente, aliás, bem oportunizou a autoridade judicial ao facultar-lhe a formulação de declaração escrita e assinada. Ao assim agir, a autoridade apontada como coatora nada mais fez do que acolher o intento do réu, eis que facultou a apresentação por escrito de suas razões, recebendo, assim, a devida consideração, de modo que não há que se cogitar em qualquer prejuízo ou  cerceamento de defesa.

- Dessa forma, não se vislumbra flagrante ilegalidade ou abuso de poder no caso em tela, devendo subsistir o ato processual impugnado. Permanecendo inteiramente válidos os fundamentos que ensejaram o indeferimento da liminar. Ordem denegada.


  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.