Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002478-42.2018.4.03.6143

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA.

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002478-42.2018.4.03.6143

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA.

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de embargos à execução fiscal opostos por INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA em face de execução fiscal ajuizada pela União Federal (Fazenda Nacional) visando a cobrança de dívida ativa  referente a diferença de IPI (CDA 80.3.18.000944-96, PA 10865.002913/2008-18, R$ 410.853,28, período 01/08/2003; CDA 80.3.18.001073-00, PA 13840.720115/2018-10, R$ 329.535,86, período 01/02/2003).

Alega a ocorrência de decadência nos termos do artigo 150, §4º, do CTN, pois existe prova do pagamento parcial do IPI para os períodos exigidos, seja mediante DARF, seja pela existência/utilização de saldo credor de no período, e a ciência da lavratura do auto de infração pela embargante se deu apenas em 28/08/2008.

Valor atribuído à causa: R$ 2.182.182,62.

Em sua impugnação aos embargos a União alega litispendência, uma vez que a questão debatida nesses autos, no que diz respeito a decadência do crédito relativo ao exercício 08/2003 já é objeto do Mandado de Segurança n° 5000906-51.2018.403.6143. No mais, sustenta a regularidade da execução em relação à parcela não atingida pela litispendência.

Manifestação da embargante em que requer a produção de prova pericial a fim de ratificar a existência de pagamento antecipado para os períodos objetos desta ação.

Em 11/05/2020 sobreveio a r. sentença que extinguiu o feito, sem resolução do mérito (art. 485, V, do Código de Processo Civil), em relação à parcela do pedido relacionada ao crédito tributário veiculado na Certidão de Inscrição de Dívida Ativa nº. 80.3.18.000944-96 e julgou procedentes os demais pedidos para declarar extintos os créditos tributários veiculados na Certidão de Inscrição de Dívida Ativa nº. 80.3.18.001073-00.

Condenação a União ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, §3º, do Código de Processo Civil, a incidir sobre o proveito econômico obtido pelo contribuinte. Sem condenação da embargante ao pagamento de honorários em face do encargo constante da CDA.

Apela a embargada.

Afirma que a r. sentença se equivoca por fazer uma indevida equiparação entre a antecipação de pagamento e a compensação de créditos escriturais, aceitando, inclusive, que créditos indevidamente empregados na apuração do IPI tenham o efeito de pagamento antecipado, a atrair a regra do art. 150, § 4º, do CTN.

Em síntese, alega que conta-se o prazo decadencial pelo art. 150, § 4º, do CTN quando, declarado o tributo, há a antecipação do pagamento; porém, no caso em comento, não há que se falar, especificamente, em pagamento, mas, sim, em compensação de créditos escriturais, com saldo credor, depois revertido, com a glosa dos créditos indevidamente utilizados, para saldo devedor. Alega que a compensação de créditos não é, tecnicamente falando, pagamento.

Afirma que os “pagamentos” realizados com créditos escriturais, no contexto da não-cumulatividade do IPI, apenas podem ser considerados legítimos, daí extraindo suas consequências jurídicas, quando efetuados nos termos da legislação em vigor.

Explica que no presente caso os créditos indicados como pagamentos realizados pela apelada não decorreram de disposição legal, daí porque não foram compreendidos como antecipação de pagamento pelo CARF.

Sustenta que o fato de alguns valores/créditos terem sido considerados válidos para fins de creditamento não afasta a constatação de que outros se mostraram inválidos, e justamente porque ambos são considerados para a existência de saldo positivo ou negativo de tributo efetivamente devido – e de eventual antecipação de pagamento – é que eles não podem ser examinados como realidades apartadas.

Conclui que não houve qualquer pagamento antecipado, e a compensação/creditamento ocorrida/o não pode ser considerada/o como pagamento e, assim, a situação ocorrida atraiu, portanto, a aplicação do art. 149, combinado com o art. 173, I, do CTN, determinando o lançamento de ofício das diferenças apuradas.

Requer seja conhecida e provida a presente apelação, para reformar a sentença e afastar a decadência pronunciada na origem, restabelecendo-se a validade dos créditos da inscrição n. 80.3.18.001073-00. Subsidiariamente requer a reforma da r. sentença no tocante aos honorários advocatícios, para que fixado em patamar adequado às características da demanda e em observância à razoabilidade e à proporcionalidade.

Apela a embargante. Requer a reforma parcial da r. sentença.

Sustenta que decadência é matéria de ordem pública e não sujeita à preclusão e que, nessa condição, não induz à litispendência, notadamente no caso dos autos, eis que o mencionado mandado de segurança já havia sido extinto sem o julgamento do mérito antes da prolação da r. sentença. Requer seja afastada a preliminar de litispendência parcial e consequentemente reconhecida a extinção por decadência também dos débitos da CDA 80.3.000944-96.

Sustenta ainda a inexistência de litispendência parcial pela ausência da tríplice identidade entre as ações, já que a causa de pedir e o pedido são distintos., uma vez que a causa de pedir do Mandado de Segurança nº 5000906-51.2018.4.03.6143 é a existência de prova do pagamento em espécie do imposto. Já na presente ação, a causa de pedir é a existência de compensação com créditos escriturais do imposto no período, devidamente registrados no livro de apuração (LAIPI).

Recursos respondidos.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002478-42.2018.4.03.6143

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA., UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INTERNATIONAL PAPER DO BRASIL LTDA.

Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO FRONER MINATEL - SP210198-A

 

 

V O T O

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Dou por interposta a remessa oficial.

A r. sentença merece ser mantida em seu inteiro teor, nas exatas razões e fundamentos nela expostos, os quais tomo como alicerce desta decisão, lançando mão da técnica de motivação per relationem, amplamente adotada pelo Pretório Excelso e Superior Tribunal de Justiça (STF: ADI 416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014ARE 850086 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 05-06-2015 PUBLIC 08-06-2015 -- ARE 742212 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 08-10-2014 PUBLIC 09-10-2014; STJ: AgRg no AgRg no AREsp 630.003/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2015, DJe 19/05/2015 -- HC 214.049/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 10/03/2015 -- REsp 1206805/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 07/11/2014 -- REsp 1399997/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013).

Assim, passo à transcrição do julgado ora contrastado, acolhendo-o em técnica de motivação até agora usada no STF (RMS 30461 AgR-segundo, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 07-04-2016 PUBLIC 08-04-2016):

".........................................................................................

Acolho a preliminar de litispendência parcial em relação ao Mandado de Segurança nº. 5000906-51.2018.4.03.6143.

A litispendência se dá quando se repete uma ação que está em curso. E essa repetição se verifica quanto há a repetição das mesmas partes, da mesma causa de pedir e do mesmo pedido (art. 337, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil).

As partes em ambas as ações são as mesmas. A causa de pedir em ambas também é a mesma, a decadência (art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional). E o pedido formulado no mandado de segurança é idêntico a uma parcela do pedido formulado nestes embargos: a extinção do crédito de IPI apurado entre 11/08/2003 e 20/08/2003 (Certidão de Inscrição de Dívida Ativa nº. 80318000944-96).

O embargante alega que a causa de pedir dos embargos seria distinta, mais ampla. Segundo ele, a única causa de pedir no mandado de segurança é a existência prova do pagamento em espécie do IPI, ao passo que nos embargos o pagamento parcial estaria comprovado pelo pagamento em espécie e pelo pagamento por meio de compensação (Id 18246848).

A causa de pedir é composta por fatos e por fundamentos jurídicos (art. 319, III, do Código de Processo Civil). Os fatos apresentados em ambas as ações são exatamente os mesmos: a existência de pagamento parcial e o transcurso do prazo de 5 anos entre a data de ocorrência do fato gerador e a realização do lançamento. O que as difere é a prova desses fatos, já que no mandado de segurança pretende-se provar o pagamento parcial por meio de pagamento em espécie e nos embargos pretende-se provar o pagamento parcial por meio de pagamento em espécie e de compensação.

Se cada forma de comprovação do pagamento parcial fosse considerada uma nova causa de pedir, seria difícil prever uma solução definitiva para a lide, algo que, como se pode supor, comprometeria severamente o princípio da segurança jurídica (art. 5º, caput, da Constituição Federal).

Ainda que no mandado de segurança já tenha sido proferida sentença sem resolução de mérito, como ainda não ocorreu o seu trânsito em julgado, o reconhecimento da litispendência parcial é medida que se impõe.

Passo, portanto, à análise do pedido relacionado aos créditos oriundos dos períodos de 1º/02/2003 a 10/02/2003 e de 11/04/2003 a 20/04/2003 (Certidão de Inscrição de Dívida Ativa nº. 80318001073-00).

Como se verá abaixo, a comprovação das matérias alegadas pelas partes dispensa a produção de outras provas, motivo pelo qual indefiro o pedido da embargante para produção de prova pericial e realizo julgamento antecipado do mérito (art. 355 do Código de Processo Civil).

O IPI é um tributo não cumulativo, devendo-se compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal). Daí porque o montante devido resultar “da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados” (art. 49 do Código Tributário Nacional).

Nos dois períodos em análise o contribuinte não apurou saldo devedor. Ao contrário, como as entradas teriam superado as saídas, foi apurado saldo positivo do tributo (Id 10693211).

Contudo, determinados créditos oriundos dessas entradas foram considerados indevidos, e, ao invés de crédito de IPI em tais períodos, foram apurados débitos, e, portanto, o correto seria que tivesse havido pagamento.

Ao se consultar o processo administrativo, verifica-se que no período de 1º/02/2003 a 10/02/2003 o embargante apurou crédito de R$ 733.902,71 e débito de R$ 594.016,58, perfazendo um saldo positivo de R$139.886,13. Contudo, o creditamento correto seria de R$ 156.170,59 a menos, havendo, pois, um débito de R$ 16.284,46.

No período de 11/04/2003 a 20/04/2003 o embargante apurou crédito de R$ 686.233,92 e débito de R$ 601.736,90, perfazendo um saldo positivo de R$ 84.497,02. Contudo, o creditamento correto seria de R$ 342.825,78 a menos, havendo, pois, um débito de R$ 258.328,76.

Esses débitos de R$ 16.284,46 e de R$ 258.328,76 são os que constam na Certidão de Inscrição de Dívida Ativa que lastreia a execução fiscal.

O embargante defende ter havido pagamento parcial, motivo pelo qual o termo inicial da decadência deve ser o fixado no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional. Já a embargada defende que não houve pagamento, motivo pelo qual o termo inicial da decadência deve ser o fixado no art. 173 do Código Tributário Nacional.

No lançamento por homologação, modalidade de lançamento aplicável ao IPI, atribui-se ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, operando-se o lançamento com o ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade exercida pelo obrigado, expressamente a homologa (art. 150, caput, do Código Tributário Nacional). Nesse caso, a Fazenda detém o prazo 5 anos, contados da ocorrência do fato gerador, para realizar essa homologação, findo o qual considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito (art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional).

Segundo entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça em precedente de observância obrigatória (Tema Repetitivo 163), quando não ocorre o pagamento antecipado no lançamento por homologação, passam a incidir as regras do lançamento de ofício, sendo o prazo de decadência contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, do Código Tributário Nacional).

O caso apresentado nos autos se afigura muito mais próximo do lançamento que decorre da não homologação do pagamento (art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional) do que do lançamento que decorre da ausência de pagamento (art. 173, I, do Código Tributário Nacional).

É fato incontroverso que parcela da glosa realizada pelo embargante foi indevida. Como também é fato incontroverso que, mesmo desconsiderando essa parcela indevidamente declarada como crédito, outros créditos foram considerados hígidos pelo Fisco para fins de creditamento de IPI. Tanto é assim que todas as saídas realizadas no período de 1º/02/2003 a 10/02/2003 geraram um débito de R$ 594.016,58, mas o saldo devedor apurado pela fiscalização foi somente de R$ 16.284,46. O mesmo sendo verificado em relação ao período de 11/04/2003 a 20/04/2003, no qual todas as saídas geraram um débito de R$ 601.736,90, e o saldo devedor apurado foi de R$ 258.328,76.

Nota-se, pois, que, a despeito de o contribuinte ter pretendido utilizar creditamento que se revelou indevido, outra parcela considerável do creditamento foi homologada pela Fazenda Pública. Houve, portanto, pagamento parcial. E, diante disso, o prazo decadencial deve ser regulado pelo disposto no art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional.

Tratando-se de créditos cujos fatos geradores ocorreram em 1º/02/2003 a 10/02/2003 e em 11/04/2003 a 20/04/2003, e como o lançamento ocorreu somente em 28/08/2008, passados mais de 5 anos, forçoso reconhecer a extinção de tais créditos em razão da decadência (art. 156, V, do Código Tributário Nacional).

........................................................................................”

Trata-se de excelente sentença, que honra a figura de seu prolator, o qual perscrutou com intensidade as alegações postas pela parte embargante, bem como a documentação colacionada nos autos, e extinguiu o processo sem resolução do mérito em relação em relação à CDA 80.3.18.000944-96 e procedentes em relação à CDA 80.3.18.001073-0.

No mesmo sentido da r. sentença é a jurisprudência consolidada do STJ:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. CREDITAMENTO. PAGAMENTO A MENOR. APLICAÇÃO DO REGIME DO ARTIGO 150, § 4º, DO CTN. DECADÊNCIA. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A jurisprudência consolidada por esta Corte dirime a questão jurídica apresentada a partir da existência, ou não, de pagamento antecipado por parte do contribuinte. Para essa finalidade, salvo os casos de dolo, fraude ou simulação, considera-se a menor o pagamento realizado através de creditamento parcialmente aceito, pois, a utilização de crédito pelo contribuinte decorrente da escrituração do tributo apurado em determinado período (princípio da não cumulatividade), que veio a ser recusada (glosada) pela Administração, insere-se na exegese do artigo 150, § 4º, do CTN. Precedentes: (AgInt no AREsp 356.577/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 08/08/2018).

2. Agravo parcialmente provido.

(AgInt no AREsp 1425553/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019)

Em que pese a decadência ser matéria de ordem pública, reconhecida a litispendência parcial destes autos - em relação à CDA 80.3.18.000944-96 - com o mandado de segurança mencionado, a alegada decadência não pôde ser apreciada nestes autos justamente porque deverá ser apreciada naqueles autos.

Os honorários advocatícios devem remunerar condignamente o trabalho do advogado, considerando que um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito consiste no valor social do trabalho (artigo 1º, IV, da Constituição Federal). Mas não se pode olvidar da necessária proporcionalidade que deve existir entre a remuneração e o trabalho visível feito pelo advogado. Inexistindo proporcionalidade, deve-se invocar o § 8º do artigo 85 do CPC de 2015: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º", mesmo que isso seja feito para o fim de reduzir os honorários, levando-se em conta que o empobrecimento sem justa causa do adverso que é vencido na demanda significa uma penalidade, e é certo que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, vale dizer, sem justa causa. Nesse âmbito, a fixação exagerada de verba honorária - se comparada com o montante do trabalho prestado pelo advogado - é enriquecimento sem justa causa, proscrito pelo nosso Direito e pela própria Constituição polifacética, a qual prestigia os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O saudoso Limongi França ensinava: "Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico" (Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987).

No atual Código Civil, legislação infraconstitucional permeada de razoabilidade e proporcionalidade constitucionais, há fundamento para obstar o enriquecimento sem causa no art. 844: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários...".

Na posição de Celso Antônio Bandeira de Melo, "Enriquecimento sem causa é o incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem, sem que, para supeditar tal evento, exista uma causa juridicamente idônea. É perfeitamente assente que sua proscrição constitui-se em um princípio geral do direito...os princípios gerais de direito estão subjacentes ao sistema jurídico-positivo, não porém, como um dado externo, mas como uma inerência da construção em que se corporifica o ordenamento, porquanto seus diversos institutos jurídicos, quando menos considerados em sua complexidade íntegra, traem, nas respectivas composturas, ora mais ora menos visivelmente, a absorção dos valores que se expressam nos sobreditos princípios..." (RDA, 210: 25/35).

Indo mais acima, o próprio STF elegeu o enriquecimento sem causa como uma situação contrária à Magna Carta, no AI-AgR182458, rel. Min. Marco Aurélio, Data da Decisão: 04/03/1997.

Concluo por entender que o §8º do art. 85 é uma cláusula que pode ser aplicada, em conjunto com o Código Civil e com princípios da Constituição, de modo a permitir a redução de verba honorária desproporcional e que represente enriquecimento sem causa, isto é, desvinculado do trabalho advocatício efetivamente prestado.

Justifica-se a adequação da verba honorária para evitar enriquecimento sem causa, mormente porque o STJ indica que, além do mero valor dado à causa, deve o julgador atentar para a complexidade da demanda (AgInt no AREsp 987.886/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 28/08/2017 - AgRg no AgRg no REsp 1451336/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 01/07/2015), sendo essa uma fórmula para se atender ao princípio da proporcionalidade e que sobrevive perante o CPC/15.

No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. VIGÊNCIA DO CPC/2015. ARBITRAMENTO NA ORIGEM. EXEGESE DO ARTIGO 85, §§ 2º E 8º, DO CPC/2015. JUÍZO DE EQUIDADE. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. O julgamento da causa em sentido contrário aos interesses e à pretensão de uma das partes não caracteriza a ausência de prestação jurisdicional tampouco viola o art. 1.022 do CPC/2015.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. A revisão de honorários advocatícios não é possível em sede especial porquanto implica incursão ao suporte fático-probatório carreado aos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ, salvo para rever a fixação de verba honorária em valor irrisório ou excessivo.

3. A apreciação equitativa (art. 85, § 8°), até mesmo por isonomia, deve aplicada não só quando irrisório o proveito econômico, mas também nas causas de elevado valor, quando o caso o exigir, para que se evite o enriquecimento desproporcional com o caso concreto.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1807495/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 19/09/2019 - grifei)

 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO ART. 85, §§ 3º E 8º DO CPC/2015, DESTINADA A EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DESPROPORCIONAL. POSSIBILIDADE.

1. No regime do CPC/1973, o arbitramento da verba honorária devida pelos entes públicos era feito sempre pelo critério da equidade, tendo sido consolidado o entendimento jurisprudencial de que o órgão julgador não estava adstrito ao piso de 10% estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC/1973.

2. A leitura do caput e parágrafos do art. 85 do CPC/2015 revela que, atualmente, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, o órgão julgador arbitrará a verba honorária atento às seguintes circunstâncias: a) liquidez ou não da sentença: na primeira hipótese, passará o juízo a fixar, imediatamente, os honorários conforme os critérios do art. 85, § 3º, do CPC/2015; caso ilíquida, a definição do percentual a ser aplicado somente ocorrerá após a liquidação de sentença; b) a base de cálculo dos honorários é o valor da condenação ou o proveito econômico obtido pela parte vencedora; em caráter residual, isto é, quando inexistente condenação ou não for possível identificar o proveito econômico, a base de cálculo corresponderá ao valor atualizado da causa; c) segundo disposição expressa no § 6º, os limites e critérios do § 3º serão observados independentemente do conteúdo da decisão judicial (podem ser aplicados até nos casos de sentença sem resolução de mérito ou de improcedência); e d) o juízo puramente equitativo para arbitramento da verba honorária - ou seja, desvinculado dos critérios acima - , teria ficado reservado para situações de caráter excepcionalíssimo, quando "inestimável" ou "irrisório" o proveito econômico, ou quando o valor da causa se revelar "muito baixo".

3. No caso concreto, a sucumbência do ente público foi gerada pelo acolhimento da singela Exceção de Pré-Executividade, na qual apenas se informou que o débito foi pago na época adequada.

4. O Tribunal de origem fixou honorários advocatícios abaixo do valor mínimo estabelecido no art. 85, § 3º, do CPC, almejado pela recorrente, porque "o legislador pretendeu que a apreciação equitativa do Magistrado (§ 8º do art. 85) ocorresse em hipóteses tanto de proveito econômico extremamente alto ou baixo, ou inestimável" e porque "entendimento diverso implicaria ofensa aos princípios da vedação do enriquecimento sem causa, razoabilidade e proporcionalidade" (fls. 108-109, e-STJ).

5. A regra do art. 85, § 3º, do atual CPC - como qualquer norma, reconheça-se - não comporta interpretação exclusivamente pelo método literal. Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, é juridicamente vedada técnica hermenêutica que posicione a norma inserta em dispositivo legal em situação de desarmonia com a integridade do ordenamento jurídico.

6. Assim, o referido dispositivo legal (art. 85, § 8º, do CPC/2015) deve ser interpretado de acordo com a reiterada jurisprudência do STJ, que havia consolidado o entendimento de que o juízo equitativo é aplicável tanto na hipótese em que a verba honorária se revela ínfima como excessiva, à luz dos parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC/1973 (atual art. 85, § 2º, do CPC/2015).

7. Conforme bem apreendido no acórdão hostilizado, justifica-se a incidência do juízo equitativo tanto na hipótese do valor inestimável ou irrisório, de um lado, como no caso da quantia exorbitante, de outro. Isso porque, observa-se, o princípio da boa-fé processual deve ser adotado não somente como vetor na aplicação das normas processuais, pela autoridade judicial, como também no próprio processo de criação das leis processuais, pelo legislador, evitando-se, assim, que este último utilize o poder de criar normas com a finalidade, deliberada ou não, de superar a orientação jurisprudencial que se consolidou a respeito de determinado tema.

8. A linha de raciocínio acima, diga-se de passagem, é a única que confere efetividade aos princípios constitucionais da independência dos poderes e da isonomia entre as partes - com efeito, é totalmente absurdo conceber que somente a parte exequente tenha de suportar a majoração dos honorários, quando a base de cálculo dessa verba se revelar ínfima, não existindo, em contrapartida, semelhante raciocínio na hipótese em que a verba honorária se mostrar excessiva ou viabilizar enriquecimento injustificável à luz da complexidade e relevância da matéria controvertida, bem como do trabalho realizado pelo advogado.

9. A prevalecer o indevido entendimento de que, no regime do novo CPC, o juízo equitativo somente pode ser utilizado contra uma das partes, ou seja, para majorar honorários irrisórios, o próprio termo "equitativo" será em si mesmo contraditório.

10. Recurso Especial não provido.

(REsp 1789913/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 11/03/2019 - grifei)

 

Assim, embora no caso dos autos o artigo 85 deva regrar a espécie, a equidade se ser observada para que não ocorra, na espécie, comprometimento de recursos públicos em situação de enriquecimento sem causa. Destarte, considerando a pouca complexidade da causa, que não exigiu desforços profissionais extraordinários, condeno a União em honorários de R$ 20.000,00, reajustáveis conforme a Res. 267/CJF.

Pelo exposto, nego provimento à apelação da embargante, dou parcial provimento à apelação da embargada e à remessa oficial, tida por ocorrida.

É como voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - MANDADO DE SEGURANÇA ALEGANDO A OCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA EM RELAÇÃO A UMA DAS CDAS IMPETRADO ANTERIORMENTE - LITISPENDÊNCIA PARCIAL - DECADÊNCIA - ARTIGO 150, § 4º, DO CTN - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA PARA REDUZIR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS.

1. Acolhida a preliminar de litispendência parcial em relação ao Mandado de Segurança nº. 5000906-51.2018.4.03.6143. As partes em ambas as ações são as mesmas. A causa de pedir em ambas também é a mesma, a decadência (art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional). E o pedido formulado no mandado de segurança é idêntico a uma parcela do pedido formulado nestes embargos: a extinção do crédito de IPI apurado entre 11/08/2003 e 20/08/2003 (Certidão de Inscrição de Dívida Ativa nº. 80318000944-96).

2. O IPI é um tributo não cumulativo, devendo-se compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal). Daí porque o montante devido resultar “da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados” (art. 49 do Código Tributário Nacional).

3. O embargante defende ter havido pagamento parcial, motivo pelo qual o termo inicial da decadência deve ser o fixado no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional. Já a embargada defende que não houve pagamento, motivo pelo qual o termo inicial da decadência deve ser o fixado no art. 173 do Código Tributário Nacional.

4. No lançamento por homologação, modalidade de lançamento aplicável ao IPI, atribui-se ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, operando-se o lançamento com o ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade exercida pelo obrigado, expressamente a homologa (art. 150, caput, do Código Tributário Nacional). Nesse caso, a Fazenda detém o prazo 5 anos, contados da ocorrência do fato gerador, para realizar essa homologação, findo o qual considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito (art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional).

5. Segundo entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça em precedente de observância obrigatória (Tema Repetitivo 163), quando não ocorre o pagamento antecipado no lançamento por homologação, passam a incidir as regras do lançamento de ofício, sendo o prazo de decadência contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, do Código Tributário Nacional).

6. O caso apresentado nos autos se afigura muito mais próximo do lançamento que decorre da não homologação do pagamento (art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional) do que do lançamento que decorre da ausência de pagamento (art. 173, I, do Código Tributário Nacional).

7. É fato incontroverso que parcela da glosa realizada pelo embargante foi indevida. Como também é fato incontroverso que, mesmo desconsiderando essa parcela indevidamente declarada como crédito, outros créditos foram considerados hígidos pelo Fisco para fins de creditamento de IPI. A despeito de o contribuinte ter pretendido utilizar creditamento que se revelou indevido, outra parcela considerável do creditamento foi homologada pela Fazenda Pública. Houve, portanto, pagamento parcial. E, diante disso, o prazo decadencial deve ser regulado pelo disposto no art. 150, §4º, do Código Tributário Nacional.

8. Tratando-se de créditos cujos fatos geradores ocorreram em 1º/02/2003 a 10/02/2003 e em 11/04/2003 a 20/04/2003, e como o lançamento ocorreu somente em 28/08/2008, passados mais de 5 anos, forçoso reconhecer a extinção de tais créditos em razão da decadência (art. 156, V, do Código Tributário Nacional).

9. Em que pese a decadência ser matéria de ordem pública, reconhecida a litispendência parcial destes autos - em relação à CDA 80.3.18.000944-96 - com o mandado de segurança mencionado, a alegada decadência não pôde ser apreciada nestes autos justamente porque deverá ser apreciada naqueles autos.

10. Adequação da verba honorária para evitar enriquecimento sem causa; condenação da União em honorários reduzida para R$ 20.000,00, reajustáveis conforme a Res. 267/CJF.

11. Apelação da embargante não provida. Apelação da embargada e remessa oficial, tida por ocorrida, parcialmente providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação da embargante, deu parcial provimento à apelação da embargada e à remessa oficial, tida por ocorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.