APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008361-62.2010.4.03.6102
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR
Advogado do(a) APELANTE: EVALDO DE ANDRADE TEIXEIRA - SP139780-A
APELADO: UNIMED DE BATATAIS COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogados do(a) APELADO: DANIELA MONTEIRO TREVIZANI - SP425162-A, MARIA CAROLINA PARANHOS DELFRARO - SP319036-A, ANA PAULA BOTTO PAULINO - SP264396-A, MAURICIO CASTILHO MACHADO - SP291667-A
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008361-62.2010.4.03.6102 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR Advogado do(a) APELANTE: EVALDO DE ANDRADE TEIXEIRA - SP139780-A Advogados do(a) APELADO: DANIELA MONTEIRO TREVIZANI - SP425162-A, MARIA CAROLINA PARANHOS DELFRARO - SP319036-A, ANA PAULA BOTTO PAULINO - SP264396-A, MAURICIO CASTILHO MACHADO - SP291667-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação contra sentença de procedência de embargos à execução fiscal, declarando inexigível a taxa de saúde suplementar, instituída pela Lei 9.961/2000, fixada verba honorária de 10% do valor atualizado da ação executiva. Apelou a ANS, alegando que: (1) os requisitos da cobrança encontram-se previstos em lei, não tendo havido qualquer transferência para a Resolução Normativa ANS 10/2000; (2) a base de cálculo é prevista pelo inciso I do artigo 20 da Lei 9.961/2000, conforme o número médio de usuários de cada plano de saúde; (3) atos normativos da ANS apenas explicitaram que a contagem da média levaria em conta o número de usuários no último dia útil de cada mês e acrescentou a palavra aritmética, definindo o procedimento para apurar a média de usuários; (4) a interpretação foi razoável e operacional em relação ao conceito de “média de usuários”, sem afrontar a definição legal e não onerar excessivamente as operadoras de plano de saúde; (5) não houve prejuízo aos sujeitos passivos, vez que a normatização possibilitou que fosse feita a média de usuários no período de 3 meses, evitando cálculo complexo; (6) o Superior Tribunal de Justiça, em casos idênticos (SAT, CFEM, Taxa de Classificação Vegetal e taxa de renovação de licença para estabelecimento comercial e industrial) acolheu entendimento de que, havendo fixação da base de cálculo por meio de lei, é possível o detalhamento de seu conceito por meio de decreto; (7) o tema estaria fora da competência da Corte Superior, pois de índole nitidamente constitucional; (8) ainda que se entenda que a resolução extrapolou poder regulamentar, é incabível a restituição integral, devendo ser apurado o valor recolhido a maior em relação ao critério calcado na apuração diária, na medida em que "a lei já trouxe em si mesmo a definição da forma de apuração do número médio — o cálculo diário, durante o trimestre"; (9) em se tratando de ação ajuizada depois da Lei Complementar 118/2005, a compensação ou repetição, se deferida, é restrita pela prescrição quinquenal contada de cada pagamento; e (10) há jurisprudência regional pela validade da cobrança. Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: UNIMED DE BATATAIS COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008361-62.2010.4.03.6102 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR Advogado do(a) APELANTE: EVALDO DE ANDRADE TEIXEIRA - SP139780-A Advogados do(a) APELADO: DANIELA MONTEIRO TREVIZANI - SP425162-A, MARIA CAROLINA PARANHOS DELFRARO - SP319036-A, ANA PAULA BOTTO PAULINO - SP264396-A, MAURICIO CASTILHO MACHADO - SP291667-A V O T O Senhores Desembargadores, é uníssona a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça em relação à inexigibilidade da taxa de saúde suplementar, na forma como atualmente prevista nos artigos 18 a 20 da Lei 9.964/2000. É que a vagueza do texto legal faz com que a materialidade da base de cálculo da exação seja definida primariamente por norma regulamentar (presentemente, na forma da Resolução Normativa ANS 89/2005), com consequente violação ao princípio da legalidade tributária. A exemplo (grifos nossos): Registre-se que não se desconhece a atual tendência da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à flexibilização da legalidade estrita, no sentido de ser possível ao legislador delegar às instâncias regulamentares a perfectibilização da hipótese de incidência tributária (inclusive no que tange ao critério quantitativo), desde que a legislação contenha desenho normativo mínimo a evitar o arbítrio, corrente que defende o que tem se denominado "legalidade suficiente" (em oposição à "legalidade estrita"). Contudo, no caso da taxa de saúde suplementar mesmo esta baliza mínima resta violada. Eis o quanto diz a Lei 9.964/2000: "Art. 20. A Taxa de Saúde Suplementar será devida: Como se vê, a norma limita-se a indicar “número médio de usuários” e que a taxa “será devida anualmente”, mas recolhida em quatro momentos ao ano. A norma regulamentar em vigor, contudo, dispõe: "Art. 4º A Taxa de Saúde Suplementar por Plano de Assistência à Saúde – TPS, tem como determinantes a quantidade de beneficiários, a cobertura e a área de abrangência geográfica dos planos de assistência à saúde, bem como a segmentação/classificação da Operadora, conforme disposto na Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n.º 39, de 27 de outubro de 2000. Ora, exsurge evidente, não há, no texto legal, elementos que permitam tornar ao menos determinável ou mensurável a base de cálculo, na forma como restou prevista no regulamento. Neste sentido, é fato que a expressão "número médio de usuários" é suficiente para se compreender referência à média “simples” (porque “aritmética” todas as médias são, revelando que mesmo a Resolução 89/2005 também padece de atecnia textual), dado ser a forma mais difundida cotidianamente de cálculo de médias, comumente referida, justamente, como “média”, de maneira genérica. Todavia, não há como se identificar quais os valores que devem compor a apuração: a média simples supõe tanto a indicação de quais como quantos elementos mensuráveis devem ser somados e divididos. Transpondo ao caso, haveria que se saber, a partir diretamente da lei, a frequência do registro do número de usuários e o intervalo de registros a ser considerado para o cálculo. A indicação de quatro datas de pagamento não permite deduzir a frequência de registro (nada existindo que embase a assunção de que seria diária, como defende a agência reguladora, o que, de todo o modo, já estaria de pronto em desacordo com a regra regulamentar erigida, que utiliza apenas um dia por mês). Trata-se de questão que influi nodalmente no cálculo da exação, na medida em que a eleição arbitrária de datas ou intervalo de datas para registro tem o condão de modular sensivelmente o quantum debeatur. Aliás, sequer é possível assumir que o intervalo de cálculo seria trimestral. De fato, considerando a confusa previsão de que a taxa é devida anualmente (do que se infere, pela praxe, ano civil) mas com quatro pagamentos periódicos no começo de março, junho, setembro e dezembro, o método adotado pela agência reguladora exige que o ano-base corra de dezembro a dezembro (de maneira plenamente sui generis) ou que o pagamento de março abranja um mês da competência anterior e dois da atual, a evidenciar o esforço necessário à materialização da base de cálculo. Embora outros arranjos menos heterodoxos fossem possíveis, a escolha aleatória de agrupamentos de registros igualmente importa expressiva variação no calor devido apurado ao ano. Observa-se, portanto, que o caso não se amolda aos paradigmas citados no apelo da agência reguladora, em que se delega à instância regulamentar a definição apropriada de um conceito determinado e periférico à hipótese de incidência (por exemplo, “grau de risco leve, médio ou grave” como na hipótese da contribuição ao SAT, objeto do RE 343.446). Aqui, há criação da própria estrutura da base imponível, em si, via regulamento. Não comporta provimento, portanto, a apelação. Cumpre, ao fim, o exame do cabimento de arbitramento de honorários advocatícios recursais, a teor do disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, e dado o assentado, na Corte Superior, a propósito do tema (AgInt nos EREsp 1.539.725). Neste sentido, considerado o arbitramento originário, o desenvolvimento recursal do feito e os demais critérios de aferição previstos nos §§ 2º a 6º e 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, reputa-se cabível o acréscimo do percentual de 5% (cinco por cento) ao importe fixado na origem. Ante o exposto, nego provimento à apelação, fixando a verba honorária adicional pela interposição nos termos supracitados. É como voto.
APELADO: UNIMED DE BATATAIS COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
AREsp 1.551.000, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19/12/2019: "TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TAXA DE SAÚDE COMPLEMENTAR. ART. 20, I, DA LEI Nº 9.961/00. ART. 3º DA RDC Nº 10. BASE DE CÁLCULO PREVISTA EM REGULAMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 97, IV, do CTN. TAXA INDEVIDA. SÚMULA 83/STJ. 1. Segunda consta nos autos, "cinge-se o deslinde da demanda à apreciação da validade da instituição da Taxa de Saúde Suplementar cuja base de cálculo seja o número de segurados da cooperativa, nos termos do art. 20 da lei n.° 9.961/2000". 2. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, é ilegal a cobrança da Taxa de Saúde Suplementar (art. 20, I, da Lei 9.961/2000), tendo em vista que a definição de sua base de cálculo pelo art. 3º da Resolução RDC 10/2000 implica desrespeito ao princípio da legalidade (art. 97, IV, do CTN). 3. Agravo conhecido para não conhecer do Recurso Especial."
I - por plano de assistência à saúde, e seu valor será o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, deduzido o percentual total de descontos apurado em cada plano, de acordo com as Tabelas I e II do Anexo II desta Lei;
II - por registro de produto, registro de operadora, alteração de dados referente ao produto, alteração de dados referente à operadora, pedido de reajuste de contraprestação pecuniária, conforme os valores constantes da Tabela que constitui o Anexo III desta Lei.
§ 1o Para fins do cálculo do número médio de usuários de cada plano privado de assistência à saúde, previsto no inciso I deste artigo, não serão incluídos os maiores de sessenta anos.
§ 2o Para fins do inciso I deste artigo, a Taxa de Saúde Suplementar será devida anualmente e recolhida até o último dia útil do primeiro decêndio dos meses de março, junho, setembro e dezembro e de acordo com o disposto no regulamento da ANS."
Art. 5º A TPS deverá ser recolhida até o último dia útil do primeiro decêndio dos meses de março, junho, setembro e dezembro de cada ano.
Art. 6º A TPS será devida à base de R$ 2,00 (dois reais) por beneficiário por ano, ou R$0,50 (cinqüenta centavos de real) por beneficiário por trimestre.
§ 1º A TPS será calculada pela média aritmética do número de beneficiários no último dia do mês, considerados os 3 (três) meses que antecederem ao mês do recolhimento, conforme Anexo I desta Resolução."
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. BASE DE CÁLCULO DEFINIDA EM NORMA REGULAMENTAR.
1. É uníssona a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça em relação à inexigibilidade da Taxa de Saúde Suplementar, na forma como atualmente prevista nos artigos 18 a 20 da Lei 9.964/2000. É que a vagueza do texto legal faz com que a materialidade da base de cálculo da exação seja definida primariamente por norma regulamentar (presentemente, na forma da Resolução Normativa ANS 89/2005), com consequente violação ao princípio da legalidade tributária.
2. Não se desconhece a atual tendência da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à flexibilização da legalidade estrita, no sentido de ser possível ao legislador delegar às instâncias regulamentares a perfectibilização da hipótese de incidência tributária (inclusive no que tange ao critério quantitativo), desde que a legislação contenha desenho normativo mínimo a evitar o arbítrio, corrente que defende o que tem se denominado "legalidade suficiente" (em oposição à "legalidade estrita"). Contudo, no caso da Taxa de Saúde Suplementar mesmo esta baliza mínima resta violada.
3. É certo que a expressão "número médio de usuários" é suficiente para se compreender referência à média “simples” (porque “aritmética“ todas as médias são, revelando que mesmo a Resolução 89/2005 também padece de atecnia textual), dado ser a forma mais difundida cotidianamente de cálculo de médias, comumente referida, justamente, como “média”, de maneira genérica. Todavia, não há como se identificar quais os valores que comporão a apuração: a média simples supõe tanto a indicação de quais como quantos elementos mensuráveis serão somados e divididos. Transpondo ao caso, haveria que se saber, a partir diretamente da lei, a frequência do registro do número de usuários e o intervalo de registros a ser considerado para o cálculo.
4. A referência do dispositivo da sentença à normativa revogada (Resolução RDC ANS 10/2000), substituída, em termos equivalentes, pelo regramento infralegal atual (Resolução Normativa ANS 89/2005) configura evidente erro material, que poderia ter sido corrigido, inclusive, em sede de aclaratórios. A retificação poderia ocorrer até mesmo de ofício, de modo que trivial a procedência do quanto alegado, nesta quadra.
5. Sucumbência recursal fixada nos termos jurisprudenciais (AgInt nos EREsp 1.539.725), com acréscimo de 5% (cinco por cento) ao importe fixado na sentença a título de verba honorária (artigo 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC).
6. Apelação desprovida.