APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5291419-85.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO FERNANDO MARCELO MENDES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELIA MARIA ROLDAO
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA DA SILVA LARANJEIRA - SP290169-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5291419-85.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CELIA MARIA ROLDAO Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA DA SILVA LARANJEIRA - SP290169-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício de auxílio doença desde 31.01.2019 (data do indeferimento administrativo do benefício). Sobre as parcelas vencidas, incidirão correção monetária e juros de mora. Condenou ainda o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Custas na forma da lei. Foi concedida tutela antecipada. Sentença não submetida ao reexame necessário. Inconformado, o INSS apelou, sustentando, preliminarmente, a submissão da sentença à remessa oficial e a nulidade da r. sentença, com elaboração de nova perícia, sob fundamento de cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal, diante da insuficiência de fundamentação do laudo pericial e da sentença. No mérito, alega que a parte autora não preencheu os requisitos legais, de modo que são indevidos os benefícios, bem como requer a suspensão da tutela antecipada. Se esse não for o entendimento, requer a reconhecimento da prescrição quinquenal, a fixação do termo inicial, de modo a não permitir cumulação indevida de benefícios, a isenção do pagamento de custas e a fixação da data da cessação do benefício, nos termos do art. 60, §§8º e 9º, da Lei 8.213/91. Por fim, sustenta a vedação da cumulação de benefícios, bem como o desconto de valores auferidos pela parte autora na hipótese em que exerça atividade laborativa concomitantemente ao benefício pleiteado. Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5291419-85.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: CELIA MARIA ROLDAO Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRA DA SILVA LARANJEIRA - SP290169-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cumpre observar que, embora a sentença tenha sido desfavorável ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, não se encontra condicionada ao reexame necessário, considerados o valor do benefício e o lapso temporal de sua implantação, não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos (art. 496, I, NCPC). Rejeito a alegação do INSS de nulidade da r. sentença e do laudo pericial, uma vez que se verifica que o laudo pericial e a r. sentença encontram-se devidamente fundamentados nos termos dos artigos 473, 1º e 489, do CPC/15 e art. 93, IX, da CF. Ademais, o laudo pericial constante dos autos traz elementos suficientes ao deslinde da demanda, função precípua da prova pericial, de modo que é desnecessária a realização de nova perícia. Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil. A concessão de aposentadoria por invalidez reclama que o requerente seja segurado da Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e arts. 18, I, "a"; 25, I e 42 da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91). No que concerne às duas primeiras condicionantes, vale recordar premissas estabelecidas pela lei de regência, cuja higidez já restou encampada na moderna jurisprudência: o beneficiário de auxílio-doença mantém a condição de segurado, nos moldes estampados no art. 15 da Lei nº 8.213/91; o desaparecimento da condição de segurado sucede, apenas, no dia 16 do segundo mês seguinte ao término dos prazos fixados no art. 15 da Lei nº 8.213/91 (os chamados períodos de graça); eventual afastamento do labor, em decorrência de enfermidade, não prejudica a outorga da benesse, quando preenchidos os requisitos, à época, exigidos; durante o período de graça, a filiação e consequentes direitos, perante a Previdência Social, ficam mantidos. No que se refere ao requisito da incapacidade, o laudo pericial (ID 137877248), elaborado em 04.04.2019, atestou que a parte autora, com 54 anos, é portadora de artrose, restando caracterizada a incapacidade laborativa parcial e temporária, com início da incapacidade em 2016. O laudo pericial atesta que a parte autora, doméstica, encontra-se incapaz para o exercício dessa atividade. No que tange à controvérsia sobre a incapacidade ser parcial a jurisprudência entende que a análise das reais condições de reabilitação do segurado deve também levar em conta os aspectos socioeconômicos e culturais, vez que a compreensão míope do comando legal pode levar a situações em que, mesmo havendo a possibilidade teórica da reabilitação do segurado, se mostre improvável ou mesmo inviável a possibilidade fática deste alcançar nova ocupação laboral, deixando desprotegidos aqueles a quem a Lei de Benefícios procura proporcionar abrigo contra o mais absoluto desamparo. Assim, levando-se em conta as condições pessoais da autora (atualmente com 56 anos de idade) seu baixo nível de escolaridade e baixa qualificação profissional, verifica-se a dificuldade de sua colocação em outras atividades no mercado de trabalho, restando, assim, preenchidas as exigências à concessão do benefício de auxílio doença. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL. TRABALHADOR BRAÇAL. ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS, PROFISSIONAIS E CULTURAIS. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ENUNCIADO 83/STJ. É firme o entendimento nesta Corte de Justiça de que a concessão da aposentadoria por invalidez deve considerar, além dos elementos previstos no art. 42 da Lei n. 8.213/91, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho. Precedentes. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no AREsp 165059/MS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 04.06.2012) PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DESNECESSIDADE DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO À PROVA PERICIAL. ART. 42 DA LEI N.º 8.213/91. SÚMULA 168/STJ. 1. Estando o v. acórdão embargado em perfeita sintonia com a orientação jurisprudencial sedimentada desta Corte Superior, firme no sentido da "desnecessidade da vinculação do magistrado à prova pericial, se existentes outros elementos nos autos aptos à formação do seu convencimento, podendo, inclusive, concluir pela incapacidade permanente do segurado em exercer qualquer atividade laborativa, não obstante a perícia conclua pela incapacidade parcial", revela-se inafastável a aplicação, in casu, do enunciado sumular n.º 168/STJ, segundo o qual "não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado". 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg nos EREsp 1229147/MG, Rel. Min. Vasco Della Giustina, 3ª Seção, DJe 30.11.2011). Por sua vez, em consulta às informações do sistema CNIS/DATAPREV, presentes nos autos, verifica-se que a parte autora apresenta recolhimentos, como contribuinte individual, nos intervalos de 01.04.2014 a 30.11.2017 e 01.03.2018 a 30.06.2018, bem como recebeu auxílio doença, no intervalo de 13.08.2018 a 11.01.2019. Considerando que o Perito Judicial atestou a incapacidade em 2016, mantenho o termo inicial do benefício em 31.01.2019, data do indeferimento administrativo do benefício, conforme decidido pela r. sentença e diante da vedação da reformatio in pejus. Desse modo, não há que se falar em prescrição quinquenal, considerando que o termo inicial do benefício foi fixado em 31.01.2019 e a presente ação foi ajuizada em 2019. Assim, restaram preenchidos os requisitos carência e qualidade de segurado no momento da incapacidade. Dessa forma, positivados os requisitos legais, reconhece-se o direito da parte autora à concessão de auxílio doença desde 31.01.2019, tendo em vista as informações constantes do laudo pericial. A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício de auxílio doença desde 31.01.2019 (data do indeferimento administrativo do benefício). Nos termos dos artigos 101 da Lei n. 8.213/1991 e 71 da Lei n. 8.212/91, o benefício de auxílio-doença tem caráter temporário, de modo que a autarquia previdenciária não está impedida de reavaliar em exame médico as condições laborais do segurado. Ocorre que recentemente, a legislação pátria promoveu mudanças na aposentadoria por invalidez, no auxílio-doença e no tempo de carência. No tocante ao auxílio-doença, importante inovação ocorreu quanto à fixação de data de cessação do benefício. A jurisprudência desta Corte era pela impossibilidade de o juiz estabelecer um prazo peremptório para o recebimento do benefício por incapacidade, sob o fundamento de que, com base na Lei n. 8.213/1991, o benefício deveria ser concedido até que fosse constatada, mediante nova perícia, a recuperação da capacidade laborativa do segurado. A chamada "alta programada" não possuía base legal que lhe conferisse amparo normativo. Entretanto, com a publicação das Medidas Provisórias n. 739, de 07/07/2016, e n. 767, de 06/01/2017 (convertida na Lei n. 13.457/2017), conferiu-se tratamento diverso à matéria, com amparo normativo à alta programada. Tais inovações previram que o juiz, ao conceder o auxílio-doença, deve, "sempre que possível", fixar o prazo estimado para a duração do benefício. Fixado o prazo, o benefício cessará na data prevista, salvo se o segurado requerer a prorrogação do auxílio-doença, hipótese em que o benefício deverá ser mantido até a realização de nova perícia. A norma estabelece, ainda, que, se não for fixado um prazo pelo juiz, o benefício cessará após o decurso do lapso de cento e vinte dias, exceto se houver pedido de prorrogação. Confiram-se os parágrafos incluídos no art. 60 da Lei n. 8.213/91: Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (Redação dada pela Lei n. 9.876, de 26.11.99) (...). § 8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017). § 9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017) § 10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017) § 11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício. (Incluído pela Lei n. 13.457, de 2017). Como se vê, a fixação de data de cessação do benefício possui, agora, amparo normativo expresso, de modo que a lei não apenas autoriza, mas impõe que o magistrado fixe, "sempre que possível", data para a alta programada. Por essa razão, a princípio, inexiste impedimento legal para fixação de data para a alta programada. Por oportuno, convém destacar que a alta programada ora instituída por lei não impede a realização de perícia para se aferir a necessidade ou não de manutenção do auxílio-doença. Ela apenas impõe uma condição para que seja feita nova avaliação médica, qual seja, o requerimento de prorrogação do benefício. A meu ver, trata-se de exigência razoável e que não ofende qualquer dispositivo constitucional. Além disso, o acréscimo do §10 ao artigo 60 de Lei 8.213/1991 veio reforçar o poder-dever que o INSS possui de, a qualquer momento, convocar o segurado em gozo de auxílio-doença para que seja avaliado se ainda permanece a incapacidade ensejadora do benefício. No caso presente, considerando que o perito judicial sugeriu o prazo de 01 (um) ano para recuperação da parte autora, concedo o auxílio doença, pelo prazo de 01 (um) ano, a contar a publicação do presente acórdão. Cumpre observar ainda que o INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar as custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993). Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por Lei. Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para fixar a data da cessação do benefício e isentá-lo de custas, mantendo, no mais, a r. sentença, na forma da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONDIÇÕES PESSOAIS DA PARTE AUTORA. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO DOENÇA CONCEDIDO.
1. A concessão de aposentadoria por invalidez reclama que o requerente seja segurado da Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e arts. 18, I, "a"; 25, I e 42 da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91).
2. No que concerne às duas primeiras condicionantes, vale recordar premissas estabelecidas pela lei de regência, cuja higidez já restou encampada na moderna jurisprudência: o beneficiário de auxílio-doença mantém a condição de segurado, nos moldes estampados no art. 15 da Lei nº 8.213/91; o desaparecimento da condição de segurado sucede, apenas, no dia 16 do segundo mês seguinte ao término dos prazos fixados no art. 15 da Lei nº 8.213/91 (os chamados períodos de graça); eventual afastamento do labor, em decorrência de enfermidade, não prejudica a outorga da benesse, quando preenchidos os requisitos, à época, exigidos; durante o período de graça, a filiação e consequentes direitos, perante a Previdência Social, ficam mantidos.
3. In casu, presentes as considerações, introdutoriamente, lançadas, desponta a comprovação da satisfação dos pressupostos atinentes à qualidade de segurado e lapso de carência, certa, de outro lado, a demonstração da incapacidade laboral da parte autora, a embasar o deferimento do benefício ora pleiteado.
4. Assim, levando-se em conta as condições pessoais da parte autora, seu baixo nível de escolaridade e baixa qualificação profissional, verifica-se a dificuldade de sua colocação em outras atividades no mercado de trabalho, restando, assim, preenchidas as exigências à concessão do benefício de auxílio doença.
5. Apelação do INSS parcialmente provida.