APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002748-52.2019.4.03.6104
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ALMIR ARAUJO REGIO
Advogado do(a) APELADO: LAURELISA PROENCA PEREIRA - SP238847-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002748-52.2019.4.03.6104 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: LUIZ ALMIR ARAUJO REGIO Advogado do(a) APELADO: LAURELISA PROENCA PEREIRA - SP238847-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ordinária de cobrança ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o pagamento de parcelas atrasadas do benefício de aposentadoria especial (NB 1709.036.288-9), referente ao período de 10/11/2016 a março/2019. A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, a fim de condenar a autarquia ré a pagar o valor das prestações vencidas entre o requerimento administrativo (10.11.2016) e a data de início de pagamento do benefício (março/2019) ao autor, descontado eventual valor pago administrativamente relativo a esse mesmo período. Determinou que as diferenças apuradas deverão ser atualizadas monetariamente, a partir do dia em que deveriam ter sido pagas, observando-se os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente ao tempo da liquidação, com incidência de juros de mora desde a citação até a expedição do precatório, observados os índices oficiais aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Condenou o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consoante art. 85, § 3º do CPC, observadas as prestações vencidas até a sentença. Apela a autarquia, em que requer a revogação dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, aduz que o atraso na liberação do pagamento dos valores atrasados encontra-se justificado, pois o INSS está procedendo a auditagem do benefício em questão. Dessa feita, após a conclusão do procedimento de auditagem, o INSS informará a este douto Juízo a conclusão do referido procedimento, bem como efetuará administrativamente o pagamento dos valores devidamente corrigidos. Subsidiariamente, requer que os valores das prestações devem ser apenas corrigidas monetariamente, sem previsão legal para a aplicação de juros. Ainda, em razão da sucumbência recíproca, requer que a parte exequente também seja condenada a pagar honorários advocatícios em favor do ente público. É o sucinto relato.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002748-52.2019.4.03.6104 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: LUIZ ALMIR ARAUJO REGIO Advogado do(a) APELADO: LAURELISA PROENCA PEREIRA - SP238847-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, dispôs que: "Art. 5º. Omissis. LXXIX. O Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Da análise do dispositivo constitucional acima transcrito, temos que a Carta Maior estendeu, de forma ampla, a fruição da gratuidade judiciária por todos aqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Atualmente, parte da matéria relativa à gratuidade da Justiça está disciplina no Código de Processo Civil, dentre os quais destaco o art. 98, caput, in verbis: “Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.” Com isto, objetivou o legislador ordinário justamente facilitar o acesso à Justiça àqueles que, necessitando acionar o Poder Judiciário para a defesa de seus interesses, não o fazem em razão de simples insuficiência de recurso e não mais por que trarão prejuízo de sua manutenção e de sua família. O pedido será formulado mediante mera petição ao Juízo, que somente o indeferirá mediante elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressuposto (inteligência do art. 99, caput c.c. §2º, do CPC/15.). Por seu turno, o texto do artigo 5º, do mesmo diploma legal, é explícito ao afirmar que se o juiz não tiver fundadas razões para indeferir o pedido de assistência judiciária gratuita, deverá julgá-lo de plano. A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência. A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. Conforme se depreende dos autos, restou consignada a alegação da parte interessada acerca da sua insuficiência de recursos. Observo que tal afirmação, por si só, é capaz de ensejar as consequências jurídicas, para possibilitar o acolhimento do pedido, pois se presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Cabe a parte contrária impugnar a alegação de insuficiência de recursos e não o Juiz “ex oficio” fazer tal impugnação, cabe apenas ao Juiz indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade. E mais, se comprovada a falsidade da declaração, ocorrerá a revogação do benefício e a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa. Frise-se que o benefício é concedido em caráter precário, pois se alterada sua situação financeira de modo que lhe permita arcar com as custas processuais e honorários advocatícios o benefício é cassado. Não é por outra razão que vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Registro, também, que diversa é a situação de quem necessita da assistência judiciária integral e gratuita e de quem necessita da gratuidade da judiciária ou justiça gratuita. A assistência jurídica é o gênero que tem como espécie a gratuidade judiciária. Fundamenta-se no art. 5º, inciso LXXIV, onde diz que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (CAHALI, 2004, p. 28). Segundo Ruy Pereira Barbosa, a “assistência jurídica significa não só a assistência judiciária que consiste em atos de estar em juízo onde vem a justiça gratuita, mas também a pré-judiciária e a extrajudicial ou extrajudiciária. A assistência jurídica compreende o universo, isto é, o gênero” (1998, p. 62). Este instituto é matéria de ordem administrativa, pois está direcionado ao Estado para, através das Defensorias Públicas, dar advogado àqueles que não têm condições financeiras de contratar um causídico particular para defender seus interesses num processo judicial. No caso em espécie, não estamos tratando da assistência judiciária integral e gratuita, mas do benefício da justiça gratuita, que é bem mais restritivo quanto a sua abrangência. A gratuidade judiciária ou justiça gratuita é a espécie do gênero assistência jurídica, e refere-se à isenção todas as custas e despesas judiciais e extrajudiciais relativas aos atos indispensáveis ao andamento do processo até o seu provimento final. Engloba as custas processuais e todas as despesas provenientes do processo. Este instituto é matéria de ordem processual, haja vista que a gratuidade judiciária ou justiça gratuita está condicionada à comprovação pelo postulante de sua carência econômica, perante o próprio Juiz da causa, como está previsto no art.5º, inciso LXXIV da Constituição Federal, norma que deve ser interpretada em consonância com o § 3o do art. 99 do CPC/2015, que prescreve: “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Consigno que é desnecessário ser miserável, ou passar por situações vexatórias, ou ser o interessado obrigado a fazer prova negativa para ter reconhecido o seu direito a concessão gratuidade da justiça. Reitero que a lei determina o deferimento a quem carece de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, mediante simples alegação de insuficiências de recursos. A lei não impõe nenhum outro requisito que não o de não possuir recursos para tais finalidades. Em que pese o atual Código de Processo Civil ter revogado os arts. 2º, 3º e 4º da Lei 1.060/1950, o teor quanto ao requisito para a concessão da gratuidade não restou alterado. É de se ressaltar que no caso em espécie estamos tratando do benefício à pessoa natural, cuja situação financeira, numa economia instável como a nossa, que lhe ceifa, constantemente, à capacidade de saldar despesas imediatas básicas como: alimentação, vestuário, assistência médica, afora gastos com água e luz. Saliente-se aqui, que mesmo se a condição econômica da pessoa natural interessada na obtenção da gratuidade da justiça for boa, mas se sua situação financeira for ruim ele tem direito ao benefício, pois são conceitos distintos o de situação econômica e o de situação financeira. Ressalto que, anteriormente, firmei meu entendimento no sentido de não nortear o direito à gratuidade da justiça, ancorado na conversão da renda do autor em número salários mínimos. Todavia, diante da necessidade de se criar um parâmetro mais justo e objetivo para o deferimento do benefício da justiça gratuita, bem como visando adequar-me ao entendimento majoritário desta E. Nona Turma, passei a adotar o valor do teto salarial pago pelo INSS, que em 2019 era de R$5.839,45 e, atualmente, está fixado em R$ 6.101,06, por entender que se afigura um critério adequado para balizar o montante suficiente a garantir a subsistência de uma família. Deixo consignado, entretanto, que tal regra comporta exceção, desde que a parte autora traga aos autos documentos demonstrando que sua situação financeira não permite arcar com eventual sucumbência. In casu, o autor recebe rendimentos de aposentadoria de R$5.230,95 brutos mensais, a título de rendimento (id Num. 146433018), ou seja, menos que o teto de salário estabelecido pelo INSS, presumindo-se a ausência de recursos. No mérito, cinge-se a questão, quanto ao pagamento de parcelas atrasadas da aposentadoria especial, acrescidas dos consectários legais, no período entre 10/11/2016 (DER/DIB) até 11/03/2019 (data que antecedeu a DIP). Alega o ente autárquico que a liberação para pagamento dos valores em questão fica condicionada à autorização do Gerente-Executivo da agência, de acordo com o art. 178 do Decreto 3048/99, após um procedimento de auditagem nos cálculos efetuados preliminarmente. É cediço que, nos termos do artigo 37 da CF/88, a Administração Pública deve pautar-se segundo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nesse passo, apesar do caráter de legalidade que reveste o procedimento de auditagem a que são submetidos os créditos gerados na concessão dos benefícios previdenciários, em atendimento ao disposto no artigo 178, do Decreto n. 3.048/99, não se pode permitir que o INSS proceda de modo que a morosidade seja o principal atributo de seus atos. Assim, ainda que se tenha percepção do grande volume de trabalho e do reduzido número de contingente à disposição da Autarquia, não pode o segurado ser penalizado na procrastinação de seus direitos. A propósito, transcrevo: PREVIDENCIÁRIO - CRÉDITOS GERADOS PELO PAB (PAGAMENTO ALTERNATIVO DE BENEFÍCIO) - DESNECESSIDADE DE AUDITAGEM - OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO IMEDIATO DOS VALORES PELO INSS. 1 - Não há razão jurídica para que, reconhecido o direito do autor ao benefício e, conseqüentemente aos seus atrasados, seja submetido a uma prévia auditagem, devendo o INSS, quando fazer gerar o valor do PAB (pagamento alternativo de benefício), já fazê-lo a partir da certeza quanto ao valor do crédito do segurado 2 - A auditoria no pagamento de valor reconhecido pela Administração decorre de alguma irregularidade e não de um direito legitimamente reconhecido por esta, sob pena de uma indevida procrastinação em relação ao normal das coisas. Se a cada valor devido e reconhecido pelo órgão competente, a Administração tiver que realizar auditagem, certamente que o direito do administrado estará sempre sob ameaça não fundada. Não havendo razão para auditagem dos valores, certamente que esta medida, como corriqueira na atuação administrativa, não se presta à eficiência da Administração - princípio inscrito no "caput" do art. 37, "caput", da Constituição Federal -, mas sim à sua ineficiência, com sérios prejuízos ao administrado. 3 - Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF 3ª Região; REOAC 1087442/SP; 10ª Turma; Relator Juiz Fed. Conv. Marcus Orione; DJ de 22.11.2006, pág. 291) Assim, se o réu reconheceu o direito do autor em aposentar-se a partir de 10/11/2016 (id Num. 146433017), o pagamento também deve ter início a partir dessa mesma data, sob pena de restar caracterizado seu enriquecimento ilícito. Quanto aos juros de mora, cumpre destacar que eles representam uma penalização imposta ao devedor que, acionado judicialmente, não cumpre espontaneamente a sua obrigação, e são devidos a partir do chamamento do réu ao processo pela citação. Por conseguinte, é devida a incidência de juros de mora na apuração dos atrasados, nos termos estabelecidos pela r. sentença. Tendo em vista a sucumbência em maior parte, deve a autarquia arcar por inteiro com as verbas de sucumbência, nos termos do que preceitua o artigo 86, parágrafo único do CPC. Ainda, com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência. Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS, observando-se no que tange à verba honorária os critérios estabelecidos no presente Julgado, nos termos da fundamentação. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. DEFERIMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. PARCELAS EM ATRASO. PAGAMENTO DE BENEFÍCIO. PROCEDIMENTO DE AUDITAGEM. CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Comprovada a hipossuficiência da parte autora em arcar com as custas e despesas processuais, o que justifica o deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita.
- É cediço que, nos termos do artigo 37 da CF/88, a Administração Pública deve pautar-se segundo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
- Nesse passo, apesar do caráter de legalidade que reveste o procedimento de auditagem a que são submetidos os créditos gerados na concessão dos benefícios previdenciários, em atendimento ao disposto no artigo 178, do Decreto n. 3.048/99, não se pode permitir que o INSS proceda de modo que a morosidade seja o principal atributo de seus atos.
- Assim, ainda que se tenha percepção do grande volume de trabalho e do reduzido número de contingente à disposição da Autarquia, não pode o segurado ser penalizado na procrastinação de seus direitos.
- Assim, se o réu reconheceu o direito do autor em aposentar-se a partir de 10/11/2016 (id Num. 146433017), o pagamento também deve ter início a partir dessa mesma data, sob pena de restar caracterizado seu enriquecimento ilícito.
- Quanto aos juros de mora, cumpre destacar que eles representam uma penalização imposta ao devedor que, acionado judicialmente, não cumpre espontaneamente a sua obrigação, e são devidos a partir do chamamento do réu ao processo pela citação.
- Por conseguinte, é devida a incidência de juros de mora na apuração dos atrasados, nos termos estabelecidos pela r. sentença.
- Tendo em vista a sucumbência em maior parte, deve a autarquia arcar por inteiro com as verbas de sucumbência, nos termos do que preceitua o artigo 86, parágrafo único do CPC.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015, a incidir, a teor da Súmula 111 do E. STJ sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência.
- Apelação improvida.