Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001505-63.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VALMIR MELO DA SILVA

APELADO: VALMIR MELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001505-63.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VALMIR MELO DA SILVA

 

APELADO: VALMIR MELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação de ressarcimento ao erário movida pelo INSS, objetivando a restituição de valores pagos ao apelante a título do benefício de auxílio-doença por acidente de trabalho (NB 91/531.482.240), no interregno de outubro/2008 a dezembro/2008 e abril/2009 a junho/2009, em razão do exercício de atividade laborativa pelo segurado, concomitantemente à percepção do benefício.

A r. sentença julgou procedente o pedido, para o fim de condenar a ré a ressarcir os valores pagos a título de benefício de auxílio-doença (NB 531.482.240-3), devendo os índices de correção monetária ser os constantes da Tabela de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal — CJF - Cap. 4, item 4.3.1, com a substituição da TR pelo IPCA-E, a partir de 07/2009, e juros moratórios, contados da citação, no mesmo percentual dos remuneratórios de caderneta de poupança, nos termos do art. e12-F da Lei n.º 9.494/97 com a redação dada pela Lei n.º 11.960/09(RE 870.947). Condenada a ré ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados no valor de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC, observada a gratuidade da justiça.

Apela a parte ré, em que requer, preliminarmente, o sobrestamento do feito, por força do Tema 979 do STJ. No mérito, aduz a ocorrência da prescrição e, subsidiariamente, a impossibilidade de restituição dos valores recebidos, pois o mero exercício de atividade laborativa pelo autor, simultaneamente à percepção do benefício citado, não é motivo suficiente a ensejar a devolução dos valores recebidos, pois de boa-fé e para o sustento do núcleo familiar, sendo que o apelante ignorava o fato de que não poderia exercer labor enquanto estava em gozo de auxílio-doença.

Por sua vez, recorre o INSS, para que que haja incidência da taxa SELIC desde o desembolso de cada parcela do benefício (atualização na forma da lei – art. 37-A da Lei n.º 10.522/2002 e artigos 5º, § 3º, e 61 da Lei n.º 9.430/1996). Prequestiona a matéria para efeitos recursais.

É o sucinto relato.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001505-63.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VALMIR MELO DA SILVA

 

APELADO: VALMIR MELO DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 Inicialmente, tempestivos os recursos e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.

 A preliminar será analisada juntamente com o mérito.

PRESCRIÇÃO.

Inaplicável in casu a regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.

No caso dos autos, tendo sido a ação manejada contra o procurador do segurado, ou seja, não se tratando de demanda indenizatória ajuizada contra agentes públicos e pessoas equiparadas, no exercício da função pública, com a devida comprovação do ato de improbidade administrativa, não se trata de hipótese de imprescritibilidade, afastando-se assim a incidência do art. 37, § 5º, da CF (Apelação Cível nº 0002497-65.2010.4.03.6127/SP, Rel. Des. Fausto De Sanctis, J. em 26/06/2017).

Assentada a existência de prazo prescricional para as ações de reparação de danos da Fazenda Pública, remanesce a análise de qual o prazo prescricional para o INSS exercer sua pretensão.

Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp 1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).

Ressalte-se que o prazo prescricional não corre na pendência de pronunciamento final em sede de processo administrativo, ex vi do disposto no artigo 4º do Decreto 20.910/1932.

Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado para a apuração das irregularidades tramitou em novembro de 2011 e se findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em 25/01/2016, não há que se falar da incidência de prescrição.

PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.

É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:

"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".

"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular procedimento administrativo, não implica na suspensão ou cancelamento unilateral do benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis:

"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Ainda, o art. 115, II da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos indevidamente.

DO CASO DOS AUTOS                       

A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.

Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.

Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).

Ajuizou o INSS ação de ressarcimento ao erário em face de segurado, pretendendo a cobrança de valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário.

Da narrativa constante na inicial e da documentação acostada, depreende-se que a Sr. Valmir Melo da Silva, estando em gozo de benefício por incapacidade – auxílio-doença acidentário – manteve vínculos empregatícios por breves períodos, o que levou ao INSS, por meio de procedimento administrativo, a reclamar a devolução dos valores recebidos de forma indevida. Não obtendo êxito, o ente previdenciário ajuizou a presente demanda, no intuito de obter indenização no valor de R$19.323,39, para 01/2016, como ressarcimento ao erário.

Com efeito, da detida análise dos autos, constata-se que a parte ré desempenhou atividades laborativas (10/2008 a 12/2008 e de 04/2009 a 06/2009 - CNIS – ID 137794340 - Pág. 87) de forma concomitante com o recebimento do benefício de auxílio-doença (01/08/2008 a 31/07/2010, id 137794340 - Pág. 24/25), de modo que, ao descumprir com sua obrigação de comunicar o ente previdenciário acerca do retorno ao trabalho, afigura-se legitima a conduta da Autarquia de cobrar a devolução das parcelas de benefício recebidas nos períodos em que houve a prestação laboral.

A conduta omissiva da apelante não pode ser caracterizada de boa-fé, porquanto, detentora de benefício por incapacidade, permaneceu a trabalhar com vínculo empregatício, o que é completamente incompatível com a legislação em vigor, o que afasta, por conseguinte, a alegação de afronta ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

Por conseguinte, evidenciado o dolo, afasta-se o pedido de sobrestamento do feito, por força do Tema 979 do STJ: “Tema 979 - STJ – Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário”.

Inclusive, a arguição de ignorância não socorre a parte ré, nos termos da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que em seu artigo 3º, preceitua que: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".

Com relação à possibilidade de ressarcimento aos cofres públicos dos valores recebidos de forma indevida preceitua o art. 876 do Código Civil que: "todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".

Na mesma linha dispõe o artigo 884 do mesmo código:

"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários

(...)".

Ademais, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.

Portanto, cabível o ressarcimento ao Erário dos valores pagos indevidamente, sob pena de dar azo ao enriquecimento ilícito da requerida, e consequente violação ao princípio da moralidade pública, previsto no art. 37, "caput", da Constituição Federal.

Sendo assim, sem reparos a r. sentença recorrida.

CONSECTÁRIOS

O débito objeto de ressarcimento na presente ação não possui natureza tributária, não relacionado ao inadimplemento de tributo (art. 3º, CTN), ao contrário, traduz débito de natureza civil decorrente de ato ilícito apurado em processo administrativo.

Conquanto o artigo 37-A da Lei indicada faça menção a créditos de autarquias federais de qualquer natureza, do cotejo do ordenamento jurídico em vigor e partindo-se de uma interpretação teleológica da norma, que leva em conta os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, LINDB), de rigor seja afastada a incidência da Selic para atualização de valor de jaez correlato ao objeto de cobrança na presente ação.

Isso porque a Lei 10.522/02 é lei especial que trata especificamente do CADIN, cadastro informativo dos créditos não pagos no prazo legal, não podendo revogar lei geral (lei 8213/91). Tais créditos referem-se à prestação obrigatória exigida pelo Estado, no exercício de sua soberania, em razão do seu poder de império, como são os tributos, conotação à qual não se amolda o débito objeto dos autos.

Aliás, a Lei n. 11941, de 27 de maio de 2009, que incluiu o art. 37-A na Lei 10.522/02, dispõe sobre parcelamento ordinário de débitos tributários, remissão nos casos em que especifica, institui regime tributário de transição a partir da instalação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e dá outras providências.

Ou seja, a legislação em comento trata especificamente de créditos de natureza tributária, não sendo aplicável ao caso.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Em razão da sucumbência recursal majoro em 100% os honorários fixados em sentença, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, suspensa sua exigibilidade, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita, nos termos dos §§2º e 3º do art. 98 do CPC.

PREQUESTIONAMENTO

Cumpre salientar, diante de todo o explanado, que a r. sentença não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento suscitado pelo Instituto Autárquico.

Diante do exposto, nego provimento às apelações, observados os honorários advocatícios na forma acima fundamentada.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CUMULAÇÃO COM ATIVIDADE LABORATIVA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32.  AFASTADA A BOA-FÉ. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. SELIC. INAPLICABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 

- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.

- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação.

- Ajuizada a ação em 25/01/2016 e findo o processo administrativo em 2013, não há que se falar em prescrição.

- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

- Da narrativa constante na inicial e da documentação acostada, depreende-se que a Sr. Valmir Melo da Silva, estando em gozo de benefício por incapacidade – auxílio-doença acidentário – manteve vínculos empregatícios por breves períodos, o que levou ao INSS, por meio de procedimento administrativo, a reclamar a devolução dos valores recebidos de forma indevida. Não obtendo êxito, o ente previdenciário ajuizou a presente demanda, no intuito de obter indenização no valor de R$19.323,39, para 01/2016, como ressarcimento ao erário.

- Com efeito, da detida análise dos autos, constata-se que a parte ré desempenhou atividades laborativas (10/2008 a 12/2008 e de 04/2009 a 06/2009 - CNIS – ID 137794340 - Pág. 87) de forma concomitante com o recebimento do benefício de auxílio-doença (01/08/2008 a 31/07/2010, id 137794340 - Pág. 24/25), de modo que, ao descumprir com sua obrigação de comunicar o ente previdenciário acerca do retorno ao trabalho, afigura-se legitima a conduta da Autarquia de cobrar a devolução das parcelas de benefício recebidas nos períodos em que houve a prestação laboral.

- A conduta omissiva da apelante não pode ser caracterizada de boa-fé, porquanto, detentora de benefício por incapacidade, permaneceu a trabalhar com vínculo empregatício, o que é completamente incompatível com a legislação em vigor, o que afasta, por conseguinte, a alegação de afronta ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

- Inclusive, a arguição de ignorância não socorre a parte ré, nos termos da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que em seu artigo 3º, preceitua que: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".

- Portanto, cabível o ressarcimento ao Erário dos valores pagos indevidamente, sob pena de dar azo ao enriquecimento ilícito da requerida, e consequente violação ao princípio da moralidade pública, previsto no art. 37, "caput", da Constituição Federal.

- O débito objeto de ressarcimento na presente ação não possui natureza tributária, não relacionado ao inadimplemento de tributo (art. 3º, CTN), ao contrário, traduz débito de natureza civil decorrente de ato ilícito apurado em processo administrativo.

- Conquanto o artigo 37-A da Lei indicada faça menção a créditos de autarquias federais de qualquer natureza, do cotejo do ordenamento jurídico em vigor e partindo-se de uma interpretação teleológica da norma, que leva em conta os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, LINDB), de rigor seja afastada a incidência da Selic para atualização de valor de jaez correlato ao objeto de cobrança na presente ação.

- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.

- Apelações improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.