Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001322-08.2020.4.03.6124

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA
PACIENTE: LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR

Advogados do(a) PACIENTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO - GO12921, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA - GO52037-A

IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM JALES/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001322-08.2020.4.03.6124

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA
PACIENTE: LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR

Advogados do(a) PACIENTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO - GO12921, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA - GO52037-A

IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM JALES/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Ovídio Inácio Ferreira Filho e Gabriel Celestino Saddi Antunes Ferreira em favor de LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR, objetivando o trancamento de Procedimento Investigatório Criminal instaurado pelo Procurador da República em Jales/SP.

Consta da impetração que o Ministério Público Federal propôs ao paciente Acordo de Não Persecução Penal, nos autos do Procedimento Investigatório Criminal 1.34.030.0000078/2020-95, para que o investigado não fosse denunciado pela prática dos delitos previstos nos arts. 171, § 3º e 313-A, todos do Código Penal.

Alegam os impetrantes que não haveria elementos que justificassem o prosseguimento das investigações que deram ensejo ao Procedimento Investigatório Criminal - PIC 1.34.030.000078/2020-95, do que decorreria a necessidade de seu trancamento. Sustentam que o paciente não se trata de membro da organização criminosa, e sim uma vítima em razão dos atos praticados pelos gestores da Instituição de Ensino.

Subsidiariamente, pretendem a concessão da ordem para que seja possibilitada a revisão das condições dispostas no Acordo de Não Persecução Penal proposto pelo Ministério Público Federal.

Postulam a concessão de liminar “para que seja trancado o procedimento administrativo nº 1.34.030.000078/2020-95”. No mérito, requerem a concessão definitiva da ordem a fim de que seja trancado o Procedimento Investigatório Criminal - PIC 1.34.030.000078/2020-95.

O pedido liminar foi indeferido (ID 146357496).

A autoridade impetrada prestou informações (ID 146857564).

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 148084267).

É o relatório.

Em mesa.

 

 

 

 

 

 

 


HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001322-08.2020.4.03.6124

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA
PACIENTE: LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR

Advogados do(a) PACIENTE: OVIDIO INACIO FERREIRA FILHO - GO12921, GABRIEL CELESTINO SADDI ANTUNES FERREIRA - GO52037-A

IMPETRADO: PROCURADOR DA REPÚBLICA EM JALES/SP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Como se extrai dos autos, o mencionado procedimento foi instaurado pelo Ministério Público Federal para apurar possíveis fraudes na obtenção do Fundo de Financiamento Estudantil FIES por alunos e outras pessoas intermediadoras.

Consta que o Ministério Público Federal propôs ao paciente Acordo de Não Persecução Penal, nos autos do Procedimento Investigatório Criminal 1.34.030.0000078/2020-95, para que o investigado não fosse denunciado pela prática dos delitos previstos nos arts. 171, § 3º e 313-A, todos do Código Penal.

Cumpre transcrever a portaria de instauração do referido PIC (ID 146857576):

PORTARIA PA Nº 28 de 24 de agosto de 2020.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que subscreve a presente, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com especial fundamento nos artigos 127 e 129, inc. I, da Constituição Federal; artigos 6º, 7º e 8° da Lei Complementar 75/93; e art. 28-A do Código de Processo Penal; e: Considerando que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, conforme disposto no artigo 1º da Lei Complementar nº 75/93;

Considerando que é sua função institucional, privativa, promover a ação penal pública, na forma da lei; Considerando que o artigo 28-A do Código de Processo Penal determina que não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as condições ali elencadas ;

Considerando, por fim, que o Procedimento Administrativo é instrumento competente para embasar atividades não sujeitas a Inquérito Civil.

RESOLVE:

Com fundamento art. 8º, IV, da Resolução CNMP 174/17 , instaurar Procedimento Administrativo, vinculado à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, com o intuito de oferecer a LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR acordo de não persecução penal, pelos delitos tipificados no artigo 171, §3º, e no artigo 313-A, c/c o artigo 70, todos do Código Penal, investigados no Inquérito Policial n° 5001276-53.2019.403.6124 e PIC n° 1.34.030.000020/2020-41.

DETERMINA:

a) distribua-se o presente ao 1º Ofício por prevenção aos apuratórios acima citados;

b) junte-se aos autos ficha de antecedentes criminais do(a) investigado(a) e pesquisa atualizada de endereço, extraídas do Sistema ASSPA;

c) notifique-se o(a) investigado(a), encaminhando-lhe a proposta de acordo de não persecução penal para assinatura, esclarecendo todas as implicações de concordar ou não com o que proposto, bem como orientando que todos os documentos devem ser encaminhados por meio de peticionamento eletrônico;

d) observe o Setor Jurídico os prazos previstos no ato normativo supramencionado, procedendo-se ao acompanhamento necessário para deliberação de prorrogação do prazo do presente procedimento, quando for o caso;”

Neste writ, os impetrantes alegam, em resumo, que inexistem indícios suficientes para lastrear uma denúncia, tampouco para justificar a persecução inicial, de maneira que o paciente encontra-se sofrendo constrangimento ilegal. Aduzem que o paciente seria vítima – e não membro – da organização criminosa que fraudava benefícios concedidos pelo FIES.

O trancamento de inquérito policial ou de procedimento investigatório criminal, como é o caso dos autos, através do habeas corpus é medida excepcional, que apenas se justifica quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias não evidenciadas nesta via de cognição sumária.

Nesse sentido, o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL GRAVE. INDICIAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Por se tratar de medida excepcional, somente se admite o trancamento prematuro de persecução penal, sobretudo na fase do inquérito policial e via habeas corpus, na hipótese de absoluta ausência de justa causa, atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou, ainda, inépcia formal da denúncia. Precedentes.

2. No caso, modificar a conclusão de que não seria possível se aferir, de imediato, ilegalidade capaz de trancar as investigações, demandaria necessário reexame das provas dos autos, o que não se admite na via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.

3. Ausente a apontada negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o acórdão apreciou, fundamentadamente, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, não havendo falar em violação do art. 619 do CPP.

4. Agravo regimental improvido.

(AgRg nos EDcl no AREsp 1411691/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019) (grifo nosso)

O procedimento investigatório criminal que embasa este habeas corpus destina-se a averiguar possíveis fraudes na obtenção do Fundo de Financiamento Estudantil FIES por alunos e outras pessoas intermediadoras.

O modus operandi dos eventuais crimes cometidos pelo paciente foram descritos na notificação que consta do PIC. Por oportuno, transcrevo trecho elucidativo (ID 146857576):

“Consta das investigações que LUIS EDUARDO DIAS CARVALHO DE ALENCAR, de forma livre, consciente e voluntária, contando com a participação necessária, ao menos, dos investigados José Fernando Pinto da Costa, Sthefano Bruno Pinto da Costa, Rosival Jaques Molina, Adeli de Oliveira e Davi Bonfim Correia, todos denunciados nos autos n° 5001113-73.2019.403.6124 (item “3.1.2” da DENÚNCIA 001), obteve para si e para a instituição Universidade Brasil vantagem indevida proveniente da contratação de Financiamento Estudantil do Governo Federal – FIES mediante fraude, mantendo em erro o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE e em prejuízo deste. Conforme apurado, em especial pelos elementos reproduzidos e sintetizados na Informação n° 30/20192 e no Relatório Individualizado 01/20193 , o investigado ingressou no curso de Medicina na Universidade Brasil por meio de Vestibular da VUNESP, em dezembro de 2018, inicialmente como aluno “regular” e, posteriormente, foi transferido para o Campus Anhangabaú em São Paulo para cursar Medicina na condição de “aluno especial” (ID 24864071, pág. 12). Neste contexto, mediante o auxílio de membros da organização criminosa já citada, o estudante realizou sua inscrição no sistema SisFIES solicitando financiamento para o segundo semestre de 2018 (2018/2) para o curso de Farmácia do Campus Fernandópolis da Universidade Brasil (ID 24864071, pág. 12, e ID 29399476, pág. 23/27 ), apesar de ser, de fato, aluno do curso de Medicina daquela mesma instituição. Tais dados, como era de praxe, foram inseridos diretamente por membros da organização criminosa com acesso ao SisFIES – os quais criaram usuário e senha próprios do aluno para este fim – e posteriormente validados pela CPSA do Campus Fernandópolis, que expediram em nome do aluno o Documento de Regularidade de Inscrição – DRI (ID 29398871, pág. 8/10). Na posse deste documento, ciente da inveracidade das informações ali apostas, o investigado se dirigiu até a Caixa Econômica Federal – CEF onde formalizou a contratação do financiamento estudantil, com a clara intenção de transferir o financiamento para o curso de Medicina posteriormente, por ocasião de aditamento no sistema. No semestre seguinte, o estudante conseguiu efetivar o aditamento/transferência do FIES para o curso de Medicina, bem como aditamentos posteriores para prosseguir neste curso com o financiamento. Diálogo interceptado durante as investigações entre duas ex-funcionárias da universidade também denunciadas na Operação Vagatomia (Neide de Lourdes Ferreira da Silva e Edna Maria Alves Bianchi) apontam que o aluno LUIS EDUARDO foi cooptado pelo núcleo comercial, liderado por Rosival Jaques Molina e Adeli de Oliveira , e auxiliado por Davi Bonfim Correia, assecla do aludido núcleo, para a obtenção da contratação fraudulenta do FIES (índice 627444784 , de 06/03/2019, referente aos RIT 02 e 03), provavelmente mediante o pagamento de elevada quantia. Assim, restou demonstrado que o investigado, de forma livre, consciente e voluntária, obteve para si e para a instituição Universidade Brasil vantagem indevida proveniente da contratação de FIES mediante fraude (inserção de dados falsos em sistema de informação e documento apresentado perante a CEF), mantendo em erro o FNDE e em prejuízo deste, praticando assim, em concurso formal, como autor, o delito tipificado no artigo 171, §3º, do Código Penal, e como partícipe, o delito tipificado no artigo 313-A do Código Penal, este praticado diretamente pelos membros da organização criminosa.”

Ora, conforme se observa, há indícios a lastrear a instauração e o prosseguimento do Procedimento Investigatório Criminal - PIC 1.34.030.000078/2020-95. Os impetrantes limitaram-se a aduzir, de forma genérica e sem embasamento em prova pré-constituída, como se exige nesta via, a inexistência de indícios suficientes para lastrear uma denúncia, tampouco para justificar a persecução inicial, cabendo salientar que há, em tese, elementos de autoria e materialidade reunidos no apuratório, bem como que não se comprovou nesta impetração a existência de causa extintiva da punibilidade quanto a todos os fatos apurados, ou excludente de qualquer espécie.

Por derradeiro, consigno que o procedimento investigatório criminal em questão, assim como o inquérito policial, é procedimento administrativo inquisitivo que busca viabilizar a atividade persecutória do Estado, destinando-se à colheita de elementos probatórios acerca da materialidade da infração penal e sua autoria.

Trata-se de atividade instrutória preliminar e embasadora da opinio delicti ministerial para a eventual propositura da ação penal, não sendo plausível cogitar a imposição de qualquer constrangimento ilegal contra o paciente - que passa a ser apenas objeto de investigação - em decorrência de sua instauração.

Dispõe a jurisprudência:

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. ELEMENTOS INFORMATIVOS. EMBASAMENTO FÁTICO PARA IMPUTAÇÃO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. TRANCAMENTO. EXCESSIVA DELONGA PARA O ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. COMPLEXIDADE DOS FATOS. QUANTIDADE DE PESSOAS ENVOLVIDAS. ESMERO NO PRETENSO ESQUEMA DELITIVO. ESTAGNAÇÃO DO CADERNO INVESTIGATIVO. NÃO OCORRÊNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE TERMO FINAL DETERMINADO PELA ORIGEM. RECURSO DESPROVIDO.

1. A princípio, o inquérito policial apenas fornece elementos informativos, que se prestam para a formação da opinio delicti do órgão acusador, sendo que, para a sujeição do indivíduo aos rigores do processo penal, é indispensável que a polícia amealhe elementos informativos suficientes e iluminados pela coerência, sob pena de se iniciar uma ação penal iníqua e inócua, carente, pois, de justa causa.

[...]

5. Recurso a que se nega provimento.

(RHC 50.548/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 25/09/2015) (grifo nosso)

Destarte, ao menos por ora, não há se cogitar da inexistência de indícios suficientes para justificar a persecução inicial. Em vista disso, não há flagrante ilegalidade no prosseguimento do procedimento instaurado para apuração dos delitos previstos nos arts. 171, § 3º e 313-A, todos do Código Penal.

Em relação às alegações relacionadas ao conteúdo do Acordo de Não Persecução Penal, o art. 28-A do Código de Processo Penal estabelece que "não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...)"

O Acordo de Não Persecução Penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti".

Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85).

Entendo que tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de sua aplicação. Ademais, as questões atinentes à possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal possuem caráter negocial a ser travado entre as partes.

Da análise dos autos, não se verifica ilegalidade ou abuso de poder a justificar a revisão das cláusulas do ANPP oferecido pelo Parquet.

Compulsando os autos verifico que o paciente deduziu os seguintes pedidos: “a) expedido ofício à Caixa Econômica Federal acerca da existência de débitos referentes ao financiamento estudantil em seu nome; b) a redução dos valores fixados na prestação pecuniária, por entender desproporcional; c) a aplicação analógica do artigo 28-A, § 14º do Código de Processo Penal, caso não seja reduzido o montante proposto para o caso de opção pela prestação pecuniária; d) o agendamento de audiência para oitiva do investigado e discussão de uma das cláusulas do acordo”.

O Ministério Público Federal, em resposta, manifestou-se fundamentadamente sobre os requerimentos do paciente, nos seguintes termos:

“Quanto ao pedido de redução do valor a ser pago em caso de opção pelo pagamento de prestação pecuniária, a notificação expedida ao investigado foi expressa em relação à inadmissibilidade de apresentação de contrapropostas. Ademais, a notificação também indicou a possibilidade do investigado prestar serviços à comunidade, em substituição ao pagamento da prestação pecuniária, cujos termos serão fixados pela Justiça Federal, mas permitirá que a pena alternativa seja cumprida em períodos diversos aos das atividades regulares do investigado (finais de semana, por exemplo). Assim, as condições gerais do acordo de não persecução penal são proporcionais ao delito cometido. Essas condições são as mesmas oferecidas a todos os investigados na mesma situação que o requerente, possibilitando que todos os interessados cumpram pena alternativa de prestação de serviço à comunidade, caso não tenham condições de arcar com valor proposto a título de prestação pecuniária.

Sobretudo por questão de coerência e justiça, nenhuma exceção será concedida a qualquer investigado específico.

O pedido de aplicação do §14º do artigo 28-A do Código de Processo Penal se mostra incabível, pois, segundo o texto expresso do dispositivo, a remessa ao órgão superior do Ministério Público se presta aos casos de recusa, por parte do Parquet, em propor o acordo de não persecução penal, não se destinando a apresentação de contrapropostas ou discussão das cláusulas do acordo apresentado.

Por fim, a audiência judicial prevista no artigo 28-A, §4º, tem a finalidade exclusiva de realizar a homologação do acordo de não persecução penal previamente formalizado entre o Ministério Público e a parte investigada. Não se presta, portanto, à discussão dos termos da proposta de acordo.

Por outro lado, há contradição na manifestação do investigado: de início, é indicada a intenção de celebrar o acordo de não persecução, porém o investigado afirma que "não vislumbrou nenhuma prova que pudesse dar azo a uma eventual condenação". Como se sabe, a confissão formal e circunstanciada da prática do delito é pressuposto de existência e requisito de validade do acordo (art. 28-A, caput)”.

Pelos documentos juntados aos autos, observo que, conforme asseverou o Ministério Público Federal (ID 146857564), o paciente não pretende confessar a prática dos delitos cometidos, conforme exigência legal, o que inviabiliza a formalização do acordo, nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal, além de pretender a fixação de valor menor a título da prestação pecuniária. Neste último ponto, conforme se extrai das informações prestadas, “a notificação também indicou a possibilidade do investigado prestar serviços à comunidade, em substituição ao pagamento da prestação pecuniária, cujos termos serão fixados pela Justiça Federal, mas permitirá que a pena alternativa seja cumprida em períodos diversos aos das atividades regulares do investigado (finais de semana, por exemplo)”, de forma que há alternativa ao pagamento da prestação pecuniária.

No mais, não é o caso de aplicação analógica do artigo 28-A, § 14º, do Código de Processo Penal na hipótese concreta, em que o Ministério Público Federal ofereceu alternativas que inclusive ostentam caráter não pecuniário e não comprometem a realização de atividades profissionais e estudantis do paciente. Tampouco se tem caso de determinação de oitiva do investigado e discussão das cláusulas, já que o acordo deve ser travado entre acusação e defesa diretamente, de forma que a mera discordância com os termos da proposta ofertada não é suficiente para que suas cláusulas sejam revistas pelo Judiciário. 

Dessa forma, não vislumbro ilegalidade ou constrangimento ilegal a ser sanado nessa etapa processual, seja pela instauração do procedimento investigatório criminal seja em razão do conteúdo das cláusulas constantes do ANPP ofertado ao paciente.

Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

HABEAS CORPUS. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE INXISTÊNCIA DE INDÍCIOS A JUSTIFICAR A PERSECUÇÃO INICIAL. INOCORRÊNCIA. ARTS. 171, § 3º E 313-A, TODOS DO CÓDIGO PENAL. REVISÃO DAS CLÁUSULAS DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. O trancamento de inquérito policial ou de procedimento investigatório criminal, como é o caso dos autos, através do habeas corpus é medida excepcional, que apenas se justifica quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade, circunstâncias não evidenciadas nesta via de cognição sumária.

2. O procedimento investigatório criminal que embasa este habeas corpus destina-se a averiguar possíveis fraudes na obtenção do Fundo de Financiamento Estudantil FIES por alunos e outras pessoas intermediadoras.

3. Ora, conforme se observa, há indícios a lastrear a instauração e o prosseguimento do Procedimento Investigatório Criminal. Os impetrantes limitaram-se a aduzir, de forma genérica e sem embasamento em prova pré-constituída, como se exige nesta via, a inexistência de indícios suficientes para lastrear uma denúncia, tampouco para justificar a persecução inicial, cabendo salientar que há, em tese, elementos de autoria e materialidade reunidos no apuratório, bem como que não se comprovou nesta impetração a existência de causa extintiva da punibilidade quanto a todos os fatos apurados, ou excludente de qualquer espécie.

4. Destarte, ao menos por ora, não há se cogitar da inexistência de indícios suficientes para justificar a persecução inicial. Em vista disso, não há flagrante ilegalidade no prosseguimento do procedimento instaurado para apuração dos delitos previstos nos arts. 171, § 3º e 313-A, todos do Código Penal.

5. O procedimento investigatório criminal trata-se de atividade instrutória preliminar e embasadora da opinio delicti ministerial para a eventual propositura da ação penal, não sendo plausível cogitar a imposição de qualquer constrangimento ilegal contra a paciente - que passa a ser apenas objeto de investigação - em decorrência de sua instauração.

6. O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de sua aplicação. Ademais, as questões atinentes à possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal possuem caráter negocial a ser travado entre as partes.

7. Da análise dos autos, não se verifica ilegalidade ou abuso de poder a justificar a revisão das cláusulas do acordo de não persecução penal oferecido pelo Parquet.

8. Ordem denegada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.