APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013927-12.2012.4.03.6105
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: ROSEMARY DA SILVA FERREIRA - ME
Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA - BA23215
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013927-12.2012.4.03.6105 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: ROSEMARY DA SILVA FERREIRA - ME Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA - BA23215 APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado por Rosemary da Silva Ferreira em face do Inspetor Chefe da Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas, objetivando obter provimento jurisdicional para que seja determinado à autoridade coatora que admita e dê normal seguimento ao recurso relativo ao auto de infração de nº 19482-000.075/2009-90, encaminhando-o à Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Aduz a impetrante que importou mercadorias, tendo a autoridade, após proceder a um irregular levantamento fiscal, lavrado contra ela o auto de infração, com aplicação de pena de perdimento. Informa que apresentou impugnação, demonstrando a regularidade das operações e a efetiva capacidade econômica da empresa, entretanto, por ser intempestiva a sua defesa, proferiu-se despacho decisório, declarando sua revelia e aplicando-se a pena de perdimento de forma definitiva, nos termos do artigo 27 do Decreto-lei nº 1.455/76, afastando-se a possibilidade de recurso. Alega que, inconformada com o evidente cerceamento de seu direito de defesa, apresentou recurso voluntário para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -CARF, entretanto, tem justo receio de que ele não terá seguimento, uma vez que a lei referida dispõe que os autos de infração que versem sobre a pena aplicada serão julga dos em instância única. Defende a inconstitucionalidade do referido dispositivo, alegando que este não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que colide com os princípios nela contidos, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa, devendo lhe ser garantido o duplo grau de jurisdição administrativa. A medida liminar foi indeferida. Contra essa decisão a impetrante interpôs Agravo de Instrumento tendo sido deferida, em parte, a antecipação da tutela recursal apenas para sustar a aplicação de pena de perdimento até ulterior decisão judicial (fls. 164/165-ID92516759). Por meio de sentença, o MM Juízo a quo julgou improcedente a ação, denegando a segurança. Sem condenação em honorários advocatícios (fls. 167/172-ID 92516759) Apela a impetrante, requerendo a reforma da r. sentença, pretendendo o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 27, § 4°, do Decreto-Lei n° 1.455/76, o garantiria o julgamento do recurso voluntário interposto pela Apelada no Auto de Infração (AI) n° 19482-000.075/2009-90 (fls. 177/193). Com contrarrazões às fls. 285/287, os autos foram remetidos a esta E. Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância, manifesta-se pelo desprovimento do recurso (fls. 289/292-ID92517470). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013927-12.2012.4.03.6105 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: ROSEMARY DA SILVA FERREIRA - ME Advogado do(a) APELANTE: JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA - BA23215 APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de a impetrante ter seu recurso apreciado em instância administrativa superior, a despeito de a antecedente impugnação ter sido considerada intempestiva nos termos do artigo 27 do Decreto-Lei nº 1.455/76 - ensejando assim a aplicação da pena de perdimento das mercadorias importadas, oriundas da China, por suposta interposição fraudulenta. Com efeito, o Decreto-Lei n° 1.455/76 estabelece, entre outras matérias, normas sobre mercadorias estrangeiras apreendidas. Nas hipóteses de dano ao erário, sujeitam-se à pena de perdimento as mercadorias conforme descreve o art. 23, incluído pela Lei n° 10.637/02, verbis: "Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: (...) V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei n° 10.637, de 30.12.2002) §1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei n° 10.637. de 30.12.2002) § 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados. (Incluído pela Lei n° 10.637, de 30.12.2002) Por sua vez, o artigo 27 estabelece o procedimento a ser adotado na apuração das infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 do mesmo diploma legal, in verbis: "Art. 27 As infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 serão apuradas através de processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão, e, se for o caso, de termo de guarda. §1º Feita a intimação, pessoal ou por edital, a não apresentação de impugnação no prazo de 20 (vinte) dias implica em revelia. § 2º Apresentada a impugnação, a autoridade preparadora terá o prazo de 15 (quinze) dias para remessa do processo a julgamento. § 3º O prazo mencionado no parágrafo anterior poderá ser prorrogado quando houver necessidade de diligências ou perícias, devendo a autoridade preparadora fazer comunicação justificada do fato ao Secretário da Receita Federal. §4º Após o preparo, o processo será encaminhado ao Secretário da Receita Federal que o submeterá a decisão do Ministro da Fazenda, em instância única. (...)" In casu, constam das informações trazidas pela autoridade impetrada que a autuada, ora apelante, foi cientificada do auto de infração em 16 de outubro de 2009 e apresentou impugnação em 10 de novembro de 2009, ou seja, foi apresentada de forma intempestiva, aplicando-se o disposto no §1° do art. 27, do Decreto-Lei n° 1.455/76, em razão da intempestividade da impugnação apresentada. Ora, a aplicação ao contencioso administrativo em uma única instância, conforme dispõe o artigo 27, § 4°, do Decreto-Lei n° 1.455/76, encontra-se em claro descompasso com a Constituição Federal, na medida em que não respeita as garantias que foram estendidas ao processo administrativo - devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa: Art. 5°. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos Ressalte-se que o c. STF, no RE n° 389.383 -SP, cujo tema central era a exigência do depósito de 30% para interposição de recurso voluntário perante o INSS, reviu seu posicionamento quanto ao direito ao duplo grau de jurisdição em processos administrativos e declarou inconstitucional a aludida exigência, precisamente por reconhecer o direito de defesa, do duplo grau de jurisdição e devido processo legal naquela instância. A propósito, em caso idêntico, destaco precedente desta corte: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO. ART. 27 DO DECRETO-LEI 1.455/76. JULGAMENTO EM ÚNICA INSTÂNCIA. OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. Não conheço do agravo retido interposto, visto que a impetrada não reiterou o pedido de sua apreciação, a teor do § 1º do artigo 523, do CPC. Em face do conteúdo das razões expendidas pela apelante, cuja insatisfação deveria ter sido especificada, para que o Tribunal pudesse apreciar os seus motivos e delimitar o âmbito de devolutividade recursal, em atendimento ao princípio do tantum devolutum quantum apelatum, restou inviabilizado o conhecimento do recurso interposto, em razão da dissociação entre a matéria enfrentada no recurso e o conteúdo da sentença atacada, ocorrendo, in casu, a falta de um dos requisitos essenciais para o juízo de admissibilidade recursal, ou seja, não houve contrariedade ao conteúdo decisório do ato jurisdicional impugnado, aliás, sequer houve compatibilidade entre eles, procedimento que equivale à falta de razões, conforme ditado pelo artigo 514 do Código de Processo Civil. Discute-se o direito ao julgamento de recurso administrativo em segunda instância, atinente ao Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias, lavrado em razão da emissão de duas faturas de exportação, de idêntica numeração, nas quais constavam mercadorias diversas entre si. O Decreto-lei nº 1.455/76, norma infra-constitucional, cuja vigência data de período anterior à Constituição Federal, traz uma restrição ao direito à interposição de recurso administrativo, assegurado pela Lei Maior. Referido dispositivo não foi recepcionado pela atual ordem constitucional, por trazer limitação a direito fundamental, ainda que implícito. Não se está aqui defendendo a impossibilidade de lei infraconstitucional regular direitos e garantias constitucionais, ainda que mediante a criação de limitações, mas que referida norma seja razoável e proporcional, e se harmonize com os interesses resguardados na constituição de modo conglobante. De fato, ao prever a norma julgamento de recurso administrativo em única instância, está a ofender os princípios do devido processo legal no âmbito administrativo, recentemente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 389383/SP, RE390513/SP e RE 504.288/BA, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Agravo retido e apelação não conhecidos e remessa oficial a que se nega provimento. (AMS 200861050040741; Rei. JUIZA ELIANA MARCELO; 3° Turma do TRF3; DJF3 JI DATA:27/09/2010 PÁGINA: 816) Desta feita, conclui-se que o § 4º do artigo 27 do Decreto-Lei 1455/71, ao prever instância única para apreciação de recurso do contribuinte, não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que colide com os princípios nela contidos, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa, devendo ser garantido à impetrante o duplo grau de jurisdição administrativa. Ante o exposto, dou provimento ao apelo, a fim de conceder a ordem para que a autoridade coatora dê seguimento ao recurso da impetrante, a ser encaminhado à Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Sem condenação em honorários advocatícios a teor do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. É como voto.
ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO DE BENS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECRETO-ART. 27 DO LEI Nº 1.455/76. DECISÃO IRRECORRÍVEL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
1.Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de a impetrante ter seu recurso apreciado em instância administrativa superior, a despeito de a antecedente impugnação ter sido considerada intempestiva nos termos do artigo 27 do Decreto-Lei nº 1.455/76 - ensejando assim a aplicação da pena de perdimento das mercadorias importadas, oriundas da China, por suposta interposição fraudulenta.
2. In casu, constam das informações trazidas pela autoridade impetrada que a autuada, ora apelante, foi cientificada do auto de infração em 16 de outubro de 2009 e apresentou impugnação em 10 de novembro de 2009, ou seja, foi apresentada de forma intempestiva, aplicando-se o disposto no §1° do art. 27, do Decreto-Lei n° 1.455/76, em razão da intempestividade da impugnação apresentada.
3. A aplicação ao contencioso administrativo em uma única instância, conforme dispõe o artigo 27, § 4°, do Decreto-Lei n° 1.455/76, encontra-se em claro descompasso com a Constituição Federal, na medida em que não respeita as garantias que foram estendidas ao processo administrativo - devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
4. O STF, no RE n° 389.383 -SP, cujo tema central era a exigência do depósito de 30% para interposição de recurso voluntário perante o INSS, reviu seu posicionamento quanto ao direito ao duplo grau de jurisdição em processos administrativos e declarou inconstitucional a aludida exigência, precisamente por reconhecer o direito de defesa, do duplo grau de jurisdição e devido processo legal naquela instância.
5. Apelo provido.