APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000216-65.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: MARGARIDA SELERI LOURENCO
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TELES FIGUEIREDO LIMA - MS17638
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000216-65.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: MARGARIDA SELERI LOURENCO Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TELES FIGUEIREDO LIMA - MS17638 APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: Cuida-se de recurso de apelação cível interposta contra a r. sentença proferida em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, que declarou a ilegitimidade de parte do INSS quanto à implantação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como quanto ao pagamento dos valores atrasados, vindo a extinguir a execução. A parte embargada interpôs recurso de apelação, no qual sustenta que a r. sentença, tal como proferida, viola a coisa julgada formada nos autos da ação de conhecimento; alega que “o juiz singular usurpou a competência do Superior Tribunal de Justiça, quando de ofício prolatou nova sentença, como se representasse instância superior”, bem como que os valores já recebidos a título de aposentadoria não podem ser devolvidos, pois irrepetíveis. Intimada, a autarquia não apresentou contrarrazões. É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000216-65.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: MARGARIDA SELERI LOURENCO Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TELES FIGUEIREDO LIMA - MS17638 APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: DO BENEFÍCIO CONCEDIDO Na ação de cognição, foi concedido o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, desde a data da citação (04/06/2014), uma vez reconhecido período de atividade rural de 1977 a 1990 e demais períodos considerados incontroversos. Com o trânsito em julgado, o benefício foi implantado, com início de pagamento em 01/12/2017. Instado, o INSS apresentou cálculos de liquidação, que totalizaram R$ 44.457,57. Subsequentemente a parte beneficiária apresentou petição de cumprimento de sentença. A autarquia peticionou à guiza de impugnação ao cumprimento de sentença e alegou, em suma, que, ao efetuar a implantação do benefício concedido, a Equipe de Atendimento a Demandas Judiciais do INSS, órgão responsável pelo cumprimento das decisões judiciais, verificou a existência de um vínculo estatutário de 1990 a 2008 por parte da demandante, e que fora computado na concessão do benefício, sem que se juntasse a correspondente certidão de tempo de contribuição. Demais disso, segundo alegou o Instituto, a concessão do benefício junto ao Regime Geral de Previdência Social exige a vinculação do beneficiário ao regime geral e sua desvinculação do regime próprio, nos termos do art. 99 da Lei n. 8.213/91, o que não teria ocorrido no caso dos autos. Foram carreados documentos oriundos do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul que comprovam a nomeação e posse da demandante em 25/06/1990 no cargo de Agente de Inspeção de Alunos/Agente de Atividades Educacionais, com a descrição das ocorrências funcionais (“vida funcional”). Diante desses elementos, o Juízo a quo determinou que se oficiasse à Agência de Previdência Social do Estado Juntado ofício da Diretora de Benefícios da Agência de Previdência Social de Mato Grosso do Sul, de 20/07/2018, com informação de que a beneficiária encontra-se ativa no cargo de Agente de Inspeção de Alunos, com contribuições ao RPPS desde 25/06/1990, e que não haveria possibilidade de atender o pedido de Certidão de Tempo de Contribuição porque não houve desvinculação da funcionária do regime próprio. A parte exequente insistiu na apuração dos valores vencidos referentes a seu benefício de aposentadoria, tendo em vista a ocorrência de coisa julgada. DA ALEGADA ILEGITIMIDADE DE PARTE Ao proferir a r. sentença guerreada, o Juízo a quo observou que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido na ação de conhecimento decorreu da soma do lapso de atividade rural ao exercício da atividade urbana de 1990 a 2008. Verificamos haver, na esteira do entendimento de Sua Excelência, prova incontestável do vínculo estatutário da segurada em relação ao Estado de Mato Grosso do Sul, de modo que não caberia ao INSS a obrigação de implantar o benefício de aposentadoria e de pagar os valores correlatos. Declarou-se, enfim, a ilegitimidade de parte (INSS), por força de disposição legal (art. 525, § 1º, II, do CPC), ante a existência confirmada do vínculo estatutário, sendo certo que o interregno de trabalho rural - cujo reconhecimento restou ressalvado -, afigura-se insuficiente para o deferimento da aposentadoria por tempo de contribuição. Entendemos que a r. sentença não merece retoque. Ficou explícita a ilegitimidade do Instituto com a comprovação de que foi utilizado o tempo de contribuição alusivo ao cargo público (regime estatutário) para fins de aposentadoria afeta ao regime geral, sem que houvesse manifestação expressa de vontade da recorrente nesse sentido, situação que acarretaria impedimento a eventual gozo de benefício pelo regime próprio de previdência, de tal modo que a administração estadual se viu impedida de expedir a certidão de tempo de contribuição. Veja-se, a propósito, a disciplina legal em vigor (Lei n. 8.213/91): “Art. 99. O benefício resultante de contagem de tempo de serviço na forma desta seção será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.” No mais, a alegação de que haveria o óbice da coisa julgada não se sustenta. O artigo 535, inciso II, do CPC/2015 reza que, in litteris: “Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: II - ilegitimidade de parte;” (g.n.). Sobre o tema, proclama Tereza Arruda Alvim Wambier, que em consonância como regime de cumprimento de sentença, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece a impugnação como instrumento de defesa da Fazenda Pública, no procedimento de cumprimento de sentença, em continuidade ao processo de conhecimento. A impugnação é incidente ao cumprimento da sentença e as decisões proferidas podem ficar revestidas pela autoridade da coisa julgada, a depender do que se alegue por meio dessa forma de defesa.” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Tereza; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breve Comentários ao Novo Código de Processo Civil,. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1550). DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS O objeto da controvérsia não consubstancia mera prestação recebida indevidamente, como parece decorrer do pedido autárquico acolhido pelo Juízo a quo; antes, corporifica benesse de natureza alimentar, que, pelo que se apreende até o momento, esvai-se na mantença dos agraciados. Sob tal raciocínio, tenho que, na análise de hipóteses como a vertente, o Julgador deve, necessariamente, observar o preceituado no art. 5º da LICC, de que "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Para além, que são objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988 [art. 3º] "construir uma sociedade livre, justa e solidária [art. 3º, inc. I]" e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", não se me afigurando razoável compelir, ex vi legis, isto é, via interpretação literal do texto, a parte autora a devolver o que, por força de pronunciamento judicial transitado em julgado, fazia jus, notadamente porquanto, à ocasião da prolação do ato decisório, foram consideradas satisfeitas as exigências previstas na normatização de regência da espécie. In casu, não se afigura crível detivesse e/ou detenha a parte segurada conhecimento técnico a diferenciar o recebimento de determinada verba em caráter precário. Auferindo-a, decerto acreditava ser um seu direito a se realizar. Nesse ensejo, entendemos que prospera o tópico recursal atinente a não devolução dos valores pagos a título de benefício previdenciário. DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, NOS EXATOS TERMOS ACIMA EXPENDIDOS. É O VOTO.
e à Equipe de Atendimento de Demandas Judiciais da Gerência Executiva do INSS, solicitando fornecimento de certidão de tempo de contribuição da autora, informação quanto à data de sua desvinculação ao referido órgão, bem como de informes do CNIS.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ARTIGO 535, II, CPC/2015. ILEGITIMIDADE DO INSS. VÍNCULO ESTATUTÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES REBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBLIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Ficou explícita a ilegitimidade do Instituto com a comprovação de que foi utilizado o tempo de contribuição alusivo ao cargo público (regime estatutário) para fins de aposentadoria afeta ao regime geral, sem que houvesse manifestação expressa de vontade da recorrente nesse sentido, situação que acarretaria impedimento a eventual gozo de benefício pelo regime próprio de previdência, de tal modo que a administração estadual se viu impedida de expedir a certidão de tempo de contribuição.
Não existência de óbice da coisa julgada, por força de lei. (Artigo 535, inciso II, do CPC/2015).
A noção de que se presume a boa-fé nas relações entre o Estado e o indivíduo assegura o cumprimento da necessária prevalência dos direitos fundamentais, notadamente o da dignidade da pessoa humana.
Não se afigura razoável compelir, ex vi legis, isto é, via interpretação literal do texto, a parte autora a devolver o que, por força de pronunciamento judicial transitado em julgado, fazia jus, notadamente porquanto, à ocasião da prolação do ato decisório, foram consideradas satisfeitas as exigências previstas na normatização de regência da espécie.
Apelação parcialmente provida.