Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003706-56.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: JOAO COSTA LEITE

Advogado do(a) APELANTE: JOSEANE DE ARRUDA PINTO - MS21660-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003706-56.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: JOAO COSTA LEITE

Advogado do(a) APELANTE: JOSEANE DE ARRUDA PINTO - MS21660-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.

A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida. Subsidiariamente, pleiteia “caso reconhecida a insuficiência de provas para embasar os pedidos iniciais, que a sentença de primeiro grau seja reformulada a fim de julgar extinto o processo sem resolução de mérito”.

Sem contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003706-56.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: JOAO COSTA LEITE

Advogado do(a) APELANTE: JOSEANE DE ARRUDA PINTO - MS21660-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­V O T O

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

 

APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)

 

O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.

Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).

Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.

Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.

Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).

Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.

Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.

Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.

Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.

É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”

 

"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

 

DO CASO DOS AUTOS

 

O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 24.06.2017, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.

Para demonstrar as alegações, juntou os seguintes documentos:

- certidão de casamento, celebrado em 07.02.1998, qualificando o autor como “operador de máquinas”;

- Escritura de Compra e Venda, de 13.06.2008, referente à um imóvel com "área de terras com 5.0000(cinco hectares) denominada área n.º 15 do Loteamento Rural Sitiolândia”, adquirido por Lucio da Costa Leite e sua mulher Cacilda Vareiro Leite e

- Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Sidrolândia-MS, em nome do autor, com data de admissão em 15.03.2016.

Insta asseverar que o INSS juntou aos autos as informações do Sistema CNIS da Previdência Social, emitidas em maio de 2018, em nome do autor e de sua esposa.

Com relação ao autor constam os seguintes registros:

- CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORREA empregado de 05.08.1981 a 13.05.1983;

- CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORREA empregado de 02.09.1983 a 15.12.1983;

- LUDIO MARTINS COELHO FAZENDA MIMOSO empregado de 01.06.1984 a 31.01.1985;

- CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORREA empregado de 09.04.1985 a 17.08.1985;

- CBPO ENGENHARIA LTDA. empregado de 01.03.1988 a 30.09.1988;

- COTRIJUI - COOPERATIVA AGROPECUARIA & INDUSTRIAL empregado de 03.04.1989 a 01.07.1989;

- ENGECAM CONSTRUTORA LTDA empregado de 01.10.1993 a 01.12.1993;

- CONSTRUTORA SANCHES TRIPOLONI LTDA empregado de 17.02.1994 a 31.08.1994;

- USINA MARACAJU SA empregado de 03.09.1996 a 25.04.1997;

- CORTEL MAQUINAS E SERVICOS LTDA empregado, com data de início em 08.09.1997 e última remuneração em 12.1997;

- CONDOMINIO EDIFICIO BEVERLY HILLS empregado de 12.04.1999 a 14.07.1999;

- ROJO DUARTE & SILVA LTDA empregado, com data de início em 01.03.2000, com última remuneração em 12.1997;

- AGENCIA ESTADUAL DE GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS empregado, com data de início em 22.07.2002, com última remuneração 04.2004;

- ADEMIR CARLOS BELINATTO - FAZENDA AGUA BRANCA empregado de 01.06.2004 a10.09.2004;

- FAZENDA SANTA OTILIA AGRO-PECUARIA LTDA empregado de 01.03.2005 a 14.04.2005;

- ENGEPAR - ENGENHARIA E PARTICIPACOES LTDA empregado com data de início em 19.05.2005 e última remuneração em 05.2005

- SEARA ALIMENTOS LTDA empregado de 19.02.2007 a 15.04.2010;

- AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES / COOPERATIVAS Contribuinte Individual de 01.07.2010 a 30.09.2010;

- MATOSUL AGROINDUSTRIAL LTDA empregado de 01.10.2010 a 11.01.2012;

- CONSTRUTORA ZANELLA LTDA empregado de 17.06.2013 a 20.09.2013;

- TV - TECNICA VIARIA CONSTRUÇÕES LTDA empregado de 08.10.2013 a 06.12.2013;

- EDUARDO CORREA RIEDEL empregado de 02.06.2014 a 10.07.2014;

- PROTECO CONSTRUÇÕES LTDA empregado de 25.07.2014 a 22.10.2014;

- NEOVIA INFRAESTRUTURA RODOVIARIA LTDA empregado de 06.03.2015 a 29.04.2015 e

- GOMES & AZEVEDO LTDA empregado de 07.11.2017 a 27.12.2017;

 

No que tange a esposa do demandante a consulta acima mencionada revela os seguintes registros:

- J F DE JESUS empregada de 01.08.1978 a 30.06.1979;

- AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES / COOPERATIVAS contribuinte individual de 01.12.2004 a 31.12.2004, 01.03.2005 a 31.03.2005 e 01.05.2005 a 31.05.2005;

- HARUMI & HIROMI LTDA empregada de 16.10.2007 a 17.12.2007;

-  TDB TEXTIL LTDA empregada a partir de 04.02.2008, com última remuneração em 06.2010;

- AUXILIO DOENCA PREVIDENCIARIO com data de início em 28.04.2010 e situação “ATIVO”

Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram genericamente que conhecem a parte autora e afirmam o alegado labor rural.

A testemunha Sr. Cristiano Pereira de Andrade Neto afirmou que conhece o autor desde 2007, quando o requerente se mudou para a Chácara vizinha com a esposa. Asseverou que o demandante não trabalha na cidade e vê sempre na chácara.

Por sua vez, a testemunha Sr. Edilberto Dias, afirmou que conhece o requerente há 30 anos. Aduziu que o requerente tem a profissão de empreiteiro, roça pasto, faz cerca e há 12 anos vive na chácara com a esposa, cultiva mandioca, cria porco e galinha. Indagado sobre atividade urbana do demandante, respondeu que não sabe informar se o ora apelante trabalhou na cidade ou se tem outra atividade.

O valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar, é inconteste.

No entanto, verifica-se que o início de prova material encartado aos autos não foi confirmado pela prova testemunhal, cujos depoimentos foram vagos e imprecisos, não esclarecendo detalhes sobre a atividade campesina da parte autora, apenas afirmando genericamente o labor rural.

Ademais, conforme revela a consulta realizada no Sistema CNIS mencionada anteriormente, o requerente exerceu atividade urbana, ao longo de sua vida, em contraposição ao declarado pelas testemunhas.

Como ressaltado pelo Juízo a quo: “De todo o contexto, extrai-se que a parte autora exerceu atividade urbana por um considerável lapso de tempo, descaracterizando, assim, o exercício de atividade rural em regime de economia familiar. Caso em que não se aplica o entendimento consagrado pelo STJ no REsp 1352721/SP, julgado sob a sistemática de recurso repetitivo, pois não se trata apenas de ausência ou insuficiência de início de prova material, e sim da existência de outras provas constantes nos autos que são desfavoráveis à pretensão da parte autora”.

Dessa forma, embora a documentação juntada qualifique o autor como lavrador, não é suficiente esse início de prova material a corroborar o exercício da atividade rural, eis que o conjunto probatório é insuficiente para demonstrá-lo pelo prazo exigido em lei.

Esclareça-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.

De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido.

Posto isso, nego provimento à apelação.

É o voto.

 

AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.

- A prova produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.

- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.