APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5353895-62.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PEDRO FERREIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: LUPERCIO PEREZ JUNIOR - SP290383-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5353895-62.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: PEDRO FERREIRA DA SILVA Advogado do(a) APELADO: LUPERCIO PEREZ JUNIOR - SP290383-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora busca o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial. A sentença, integralizada por embargos de declaração, julgou parcialmente procedente o pedido, para enquadrar como atividade especial os períodos de 09/11/1981 a 18/01/1982, 24/05/1983 a 13/06/1983, 18/07/1984 a 28/09/1988, 11/07/1989 a 18/06/1990, 20/06/1990 a 31/12/1990, 02/01/1991 a 30/11/1991, 01/12/1991 a 31/08/1994, 01/09/1994 a 03/10/2015 e determinar a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (DER). Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual sustenta a impossibilidade dos enquadramentos efetuados e a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, impugna os critérios de incidência da correção monetária. Prequestiona a matéria para fins recursais. Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5353895-62.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: PEDRO FERREIRA DA SILVA Advogado do(a) APELADO: LUPERCIO PEREZ JUNIOR - SP290383-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Passo à análise das questões trazidas a julgamento. Do enquadramento de período especial Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação: "Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela: (...) § 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço. § 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período." Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria. Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980. Nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça - STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008. Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais. Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016. Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço. Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999). Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003. Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014). Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI). Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente. Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais. Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo. No caso, no tocante ao intervalo controverso de 09/11/1981 a 18/01/1982, a especialidade restou demonstrada, via laudo pericial, o qual indica o exercício de atividades combinadas na agricultura e pecuária (trabalhador agropecuário), enquadrando-se nos exatos termos do código 2.2.1, do anexo do Decreto n. 53.831/1964. Nesse sentido: STJ, AINTARESP – Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial - 860631 2016.00.32469-5, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/6/2016; RESP – Recurso Especial - 1309245 2012.00.30818-2, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJE 22/10/2015. Quanto ao período de 24/05/1983 a 13/06/1983, consta do laudo técnico o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, fato que permite o enquadramento da atividade como especial. Com efeito, a atividade desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico excessivo, sujeição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema penosidade da função. Esse também é o entendimento desta Nona Turma: ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999, Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019. Em relação aos períodos de 18/07/1984 a 28/09/1988, 11/07/1989 a 18/06/1990, 20/06/1990 a 31/12/1990, 02/01/1991 a 30/11/1991, 01/12/1991 a 31/08/1994, 01/09/1994 a 03/10/2015, a parte autora logrou demonstrar, via laudo técnico, a exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos (graxa e óleo lubrificante) e defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado) - situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.6 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.2.6 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, e 1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/1999. Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00019264020134036111, Desembargador Federal Sergio Nascimento – 10ª Turma, e-DJF3: 5/8/2015; APELREEX 00035154020124036002, Desembargadora Federal Tania Marangoni – 8ª Turma, e-DJF3: 29/4/2015. Sobre o tema, cabe também destacar que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa (TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281). Além disso, cumpre acrescentar que se admite a prova pericial indireta ou por similaridade, em empresa similar àquela em que o segurado trabalhou, quando não houver meio de reconstituir as condições físicas do local onde efetivamente prestou seus serviços (REsp 1370229/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014). Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes. Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos debatidos. Nessas circunstâncias, a parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91. Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal. Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE n. 870.947). Os demais consectários não foram objeto de questionamento nas razões recursais, de modo que se mantêm à luz do julgado a quo. No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS somente para, nos termos da fundamentação, ajustar os critérios de incidência da correção monetária. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR NA AGROPECUÁRIA. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO À APOSENTADORIA ESPECIAL.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Constatado o exercício de atividades combinadas na agricultura e pecuária (trabalhador agropecuário), enquadrando-se nos exatos termos do código 2.2.1 do anexo do Decreto n. 53.831/1964.
- Em relação a outro período, consta do laudo pericial o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, fato que permite o enquadramento da atividade como especial, em razão da sujeição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema penosidade da função. Precedentes.
- Laudo pericial indica que a parte autora exercia suas atividades com exposição habitual e permanente, dentre outros fatores de risco, a hidrocarbonetos aromáticos e defensivos agrícolas (glifosato - herbicida organofosforado) - situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.6 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.2.6 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, e 1.0.17 do anexo do Decreto n. 3.048/1999.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise quantitativa e sim qualitativa (Precedentes).
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n. 870.947).
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Apelação do INSS parcialmente provida.