Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004896-54.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUIZ GUSTAVO RODRIGUES DA CRUZ

Advogado do(a) APELADO: ANDREA REGINA GALVAO PRESOTTO - SP242536-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004896-54.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUIZ GUSTAVO RODRIGUES DA CRUZ

Advogado do(a) APELADO: ANDREA REGINA GALVAO PRESOTTO - SP242536-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia a revisão de sua aposentadoria  para computar os novos salários-de-contribuição obtidos em processo trabalhista.

O pedido foi acolhido para condenar o INSS a proceder ao recálculo da RMI, incorporando os novos salários-de-contribuição aferíveis durante o vínculo laboral mantido pela parte autora. Estabeleceu, ainda, os efeitos financeiros da DIB, respeitada a prescrição quinquenal. Foram discriminados os consectários e protraída a fixação da verba sucumbencial.

O INSS apresentou apelação. Defendeu a improcedência do pedido, ao argumento do frágil conjunto probatório. Aduz que a sentença trabalhista constitui início de prova material, a ser complementada com outros elementos.

Contrarrazões apresentadas.

Os autos subiram a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004896-54.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LUIZ GUSTAVO RODRIGUES DA CRUZ

Advogado do(a) APELADO: ANDREA REGINA GALVAO PRESOTTO - SP242536-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.

No mérito, a pretensão é de revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante incorporação, no período básico de cálculo, dos salários-de-contribuição majorados por força de sentença proferida em processo trabalhista.

O cálculo da RMI tem como fundamentos normas constitucionais e legais.

O artigo 29, §3º, da Lei n. 8.213/1991, determina que serão "considerados para cálculo do salário-de-benefício os ganhos habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob forma de moeda corrente ou de utilidades, sobre os quais tenha incidido contribuições previdenciárias, exceto o décimo-terceiro salário (gratificação natalina)".(Redação dada pela Lei n. 8.870/1994)

Por força do art. 202 da Constituição Federal de 1988, na redação original, e do art. 29 da Lei n. 8.213/1991, também na redação primitiva, os últimos 36 maiores salários contributivos, dentro dos últimos 48, deviam ser contabilizados para fins do cálculo da renda mensal do benefício de aposentadoria.

Posteriormente, com o advento do artigo 3º da Lei n. 9.876, de 26/11/1999, para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que viesse a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício seria considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei n. 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei, observado o fator previdenciário.

Na hipótese, a parte autora ajuizou demanda trabalhista em desfavor do ex-empregador SERVIÇO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO), na qual obteve, por decisão de mérito, o reconhecimento do direito ao pagamento de verbas trabalhistas e consequentes reflexos, com repercussão nos salários-de-contribuição.

Observo que o INSS não figurou na lide obreira, incidindo, na espécie, o disposto no artigo 472 do CPC/1973 (art. 506 do atual CPC), de modo que a coisa julgada material não atinge a autarquia previdenciária.

Eis a redação do artigo:

"Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiro."

Com efeito, a sentença faz coisa julgada entre as partes, não prejudicando, nem beneficiando terceiros.

Ora, na controvérsia sobre o cômputo de serviço, a sentença da Justiça do Trabalho configura prova emprestada, que, nas vias ordinárias, deve ser submetida a contraditório e complementada por outras provas. Isto é, conquanto a sentença oriunda de reclamatória não faça coisa julgada perante o INSS, pode ser utilizada como um dos elementos de prova a permitir a formação do convencimento acerca da efetiva prestação laborativa.

Em vários outros casos, este relator entendeu pela impossibilidade de revisão de benefício previdenciário com base puramente em ações trabalhistas, nas quais ocorreram revelia ou acordos na fase de conhecimento e o consequente encerramento prematuro sem a produção de quaisquer provas relevantes.

Mas o presente caso é distinto, pois a reclamatória, aforada perante à 39ª Vara do Trabalho da Capital, foi resolvida por sentença de mérito (id 142250943 - Pág. 1/7), reconhecendo não a relação de emprego em si, mas a incorporação de valores oriundos de desvio de função desempenhada pela reclamante, os quais repercutirão diretamente no cálculo da RMI do segurado.

Constato, ademais, os recolhimentos previdenciários correspondentes. 

No mais, não se identificou a presença de qualquer indício de fraude ou conluio na reclamação trabalhista. Eventuais pormenores da lide trabalhista não mais interessam aqui, por força da coisa julgada.

No caso, não há ofensa à regra do artigo 55, §3º, da Lei n. 8.213/1991.

Tampouco violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, diante do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado. Nesse sentido: "(...) E no que concerne ao pagamento das respectivas contribuições, relativamente ao interregno do labor reconhecido, é de se ressaltar que compete ao empregador a arrecadação e o recolhimento do produto aos cofres públicos, a teor do artigo 30, inciso I, "a" e "b" da Lei 8.212/91 e ao Instituto Nacional da Seguridade Social a arrecadação, fiscalização, lançamento e recolhimento de contribuições, consoante dispõe o artigo 33 do aludido diploma legal, não podendo ser penalizado o empregado pela ausência de registro em CTPS, quando deveria ter sido feito em época oportuna, e muito menos pela ausência das contribuições respectivas, quando não deu causa. 3. E, no caso dos autos, houve a determinação de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, conforme observado dos termos da cópia da reclamação trabalhista apresentada pela parte autora, com a exordial". (TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7T, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA: 25/9/2017, FONTE_REPUBL.).

Desnecessária, por isso, a produção de outras provas. In casu, reputo suficiente a prova produzida à comprovação das contingências da relação de emprego da parte autora e, ipso facto, para fins de revisão do período básico de cálculo utilizado na composição da RMI (DIB 11/5/2010).

Nesse sentido:

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE BENEFÍCIO. REDUÇÃO INICIAL NO VALOR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INCLUSÃO DE PARCELAS SALARIAIS RECONHECIDAS EM RECLAMAÇÃO COM RETIFICAÇÃO DA CTPS. POSSIBILIDADE: PROVA PLENA DE VERACIDADE (ENUNCIADO 12/TST). APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS.

(...)

A exigência de início de prova documental somente se aplica para o reconhecimento de tempo de serviço, não se podendo aplicar, por analogia, a mesma regra na hipótese de reconhecimento de direitos trabalhista s em ação judicial, uma vez que norma de restrição de direitos não admite interpretação extensiva.

(...)

- Apelação e remessa oficial a que se nega provimento."

(TRF1, AMS 2001.38.00.003288-1, Rel. Des. Fed. Antônio Sávio de Oliveira Chaves, 1ªT, julgamento em 25/7/2005, votação unânime, publicado no DJ de 26/9/2005, p. 54)

"PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI DE BENEFÍCIO. ACRÉSCIMO DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO, EM RAZÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. POSSIBILIDADE. CONTRIBUIÇÕES. FISCALIZAÇÃO A CARGO DO INSS.

- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende ser a sentença transitada em julgado na Justiça do Trabalho prova material em lides da previdência. Neste sentido estão os inúmeros julgados que reconhecem o tempo de serviço comprovado através de sentença judicial proferida em Juízo trabalhista, para fins de concessão do benefício previdenciário.

- O autor teve seu pedido de equiparação salarial acolhido em lide trabalhista, fato este que resultou na majoração dos valores dos seus proventos salariais ao longo de sua vida laborativa. Sendo assim, tais valores, revistos em reclamação trabalhista, devem ser utilizados no cálculo da renda mensal inicial.

- Ao INSS cabe exercer a fiscalização sobre os empregadores no sentido de cobrar-lhes as contribuições devidas, não podendo o autor ser apenado pela inércia da autarquia previdenciária.

- Agravo interno improvido."

(TRF2, AGTAC 379073, Proc. 2003.51.02.002633-9, Rel. Des. Fed. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, 1ªT Espec, julgamento em 27/11/2007, votação unânime, DJ de 22/1/2008, p. 411)

Acerca do cálculo do salário-de-benefício, o art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/1991, dispõe:

"Art. 29. O salário-de-benefício consiste (redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

§ 3º Serão considerados para o cálculo do salário-de-benefício os ganhos habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob forma de moeda corrente ou de utilidades, sobre os quais tenha incidido contribuição previdenciária. (redação original)

§ 3º Serão considerados para cálculo do salário-de-benefício os ganhos habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob forma de moeda corrente ou de utilidades, sobre os quais tenha incidido contribuições previdenciárias, exceto o décimo-terceiro salário (gratificação natalina). (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994)

§ 4º Não será considerado, para o cálculo do salário-de-benefício, o aumento dos salários-de-contribuição que exceder o limite legal, inclusive o voluntariamente concedido nos 36 (trinta e seis) meses imediatamente anteriores ao início do benefício, salvo se homologado pela Justiça do Trabalho, resultante de promoção regulada por normas gerais da empresa, admitida pela legislação do trabalho, de sentença normativa ou de reajustamento salarial obtido pela categoria respectiva".

O teto do benefício revisando deve obedecer ao disposto nos artigos 29, § 2º, e 33, do próprio Plano de Benefícios, quando da liquidação do julgado.

Por fim, os efeitos financeiros são mantidos da DER, momento do reconhecimento tardio de direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, consoante compreensão sedimentada do C. STJ (vide REsp 1.637.856/MG, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 13/12/2016, DJe 2/2/2017), respeitada a prescrição quinquenal.

Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

Irretorquível, portanto, se afigura o r. julgado.

Resta mantida a condenação do INSS a arcar com os honorários de advogado, cujo percentual sobe para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.

Entretanto, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º, II, do referido diploma processual, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos.

Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.

Diante do exposto, nego provimento à apelação, mantendo íntegra a decisão recorrida.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO. CÔMPUTO DOS NOVOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO RECONHECIDOS EM SENTENÇA TRABALHISTA DE MÉRITO. POSSIBILIDADE. CONTRIBUIÇÕES. FISCALIZAÇÃO A CARGO DO INSS. PRINCÍPIO DA AUTOMATICIDADE. EFEITOS FINANCEIROS DA DER. SUCUMBÊNCIA.

- O cálculo da RMI do benefício previdenciário tem como fundamentos normas constitucionais e legais.

- Inteligência do artigo 29, §3º, da Lei n. 8.213/1991.

- A parte autora ajuizou demanda trabalhista, na qual obteve o reconhecimento do direito ao pagamento de verbas trabalhistas e consequentes reflexos, com repercussão nos salários-de-contribuição.

- Conquanto a sentença oriunda de reclamatória não faça coisa julgada perante o INSS, pode ser utilizada como um dos elementos de prova a permitir a formação do convencimento acerca da efetiva prestação laborativa.

- Reclamatória resolvida por sentença de mérito reconhecendo a relação de emprego e reflexos trabalhistas, os quais repercutirão diretamente no cálculo da RMI. Ademais, constatam-se os recolhimentos previdenciários correspondentes. Precedentes.

- Sem ofensa à regra do artigo 55, §3º, da Lei n. 8.213/1991, tampouco violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, diante do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado.

- O teto do benefício revisado deve obedecer ao disposto nos artigos 29, § 2º, e 33, da Lei 8.213/1991, quando da liquidação do julgado.

- Os efeitos financeiros são mantidos da DER, consoante compreensão sedimentada do C. STJ.

- Resta mantida a condenação do INSS a arcar com os honorários de advogado, cujo percentual sobe para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.

- Apelação do INSS conhecida e desprovida.
 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.