Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5002663-15.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ABRIL COMUNICACOES S.A.

Advogado do(a) APELADO: MURILO MARCO - SP238689-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5002663-15.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ABRIL COMUNICACOES S.A.

Advogado do(a) APELADO: MURILO MARCO - SP238689-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de embargos de declaração contra acórdão assim ementado:

 

"DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPJ E CSL. PREJUÍZOS FISCAIS. BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS. COMPENSAÇÃO. BENEFÍCIO FISCAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SUCESSÃO EMPRESARIAL. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR INCORPORAÇÃO. COMPENSAÇÃO. LIMITE DE TRINTA POR CENTO. APLICABILIDADE. ALEGAÇÃO DE RESPALDO EM JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA, COM FORÇA NORMATIVA. SUSCITAÇÃO DE INAPLICABILIDADE DE MUDANÇA POSTERIOR DE ENTENDIMENTO. PREMISSAS FÁTICAS E JURÍDICAS INFIRMADAS. VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA PARA DESCONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. APELO DO CONTRIBUINTE DESPROVIDO. RECURSO FAZENDÁRIO E REMESSA OFICIAL PROVIDOS.

1. O Supremo Tribunal Federal recentemente assentou, sob sistemática de repercussão geral, a constitucionalidade da limitação da compensação do saldo de prejuízos fiscais (RE 591.340). De outra parte, o Superior Tribunal de Justiça possui orientação firmada quanto à impossibilidade de afastamento da restrição em casos de extinção da pessoa jurídica (v.g., REsp 1.805.925).

2. A permissão de aproveitamento não é direito que deriva, de plano, em contraposição à hipótese de incidênciamas benefício fiscal que, como tal, depende de lei expressa e deve ser interpretado de forma estrita, sem ampliação ou restrição imprevista no próprio texto legal, tal qual ocorre na interpretação da incidência fiscal. Isto porque, se deferida a pretensão de forma a estender o benefício fiscal para hipótese não contemplada, o que se faz, em última análise, é reduzir a incidência fiscal sem fundamento legal, contrariando o princípio da legalidade. Os artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995, ao permitirem que prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sejam compensados para redução do lucro líquido ajustado à base de 30% no período-base subsequente, não fizeram exceção quanto a empresas extintas, por incorporação, como é o caso dos autos.

3. Não possuindo previsão legal o aproveitamento integral de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, quando exercido por quem a lei contempla como titular de tal direito, o que se pretende contraria o princípio jurídico básico segundo o qual não se pode transferir mais direito - no caso, propriamente, benefício fiscal - do que aquele do qual se é titular. A sucessão em direitos e obrigações, que decorre da incorporação, nos termos do artigo 227 da Lei 6.404/1976, tem por limite claro a transferência de direitos que o incorporado tenha, nas condições e limites respectivos, e não da forma pretendida, à revelia da legislação. A rigor, é, por certo, expectativa do empreendedorismo da iniciativa privada que as empresas atuem de forma perene e continuada, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social, porém tal premissa não consta da lei como fundamento para determinar que, em caso de extinção, possam ser aproveitados, de forma integral, prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas.

4. Não vinga a alegação de aplicação retroativa de mudança de entendimento jurisprudencial. No tocante ao enfoque constitucional apontado, verifica-se não ser aplicável ao caso concreto a maior parte do teor das normas invocadas. Não há direito adquirido à fruição de benefício fiscal em maior extensão do que a lei permite, tampouco coisa julgada, na espécie (se não, quando muito, a administrativa, a desfavor do impetrante). Não há que se dizer, tampouco, de exigência retroativa de tributo, já que o que se invalidou foi compensação contábil tida por indevida, não se discutindo, em verdade, o IRPJ e a CSL originalmente devidos no exercício, propriamente. Por último, não se cogita de ato jurídico perfeito em se tratando de lançamento de ofício tempestivo e instauração de procedimento administrativo de controle de legalidade por iniciativa do contribuinte.

5. O artigo 100 do CTN exauriu a regulação dos critérios gerais para definição de normas secundárias do sistema tributário, de modo que ainda que seja correto considerar que o artigo 76 da Lei 4.502/1964 (que, no que importante ao caso, prevê, no inciso II, a, que “não serão aplicadas penalidades enquanto prevalecer o entendimento - aos que tiverem agido ou pago o imposto de acôrdo com interpretação fiscal constante de decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal, inclusive de consulta, seja ou não parte o interessado”) foi recepcionado em alguma extensão, não é possível que prevaleça no que contradiga a normatização posterior de mesmo âmbito e, em tese, mesma hierarquia, como recomendam os princípios hermenêuticos aplicáveis a tal cenário.

6. A leitura retida do artigo 100, II, CTN, inclina à percepção de que o que se previu àquele momento foi que determinadas decisões, que passassem por processo de validação específico, na forma da lei, seriam alçadas à especial categoria de normas complementares da legislação tributária. Sequer as decisões do Supremo Tribunal Federal (tampouco as do Superior Tribunal de Justiça, ou de qualquer outro órgão do Judiciário) proferidas em sede de controle difuso de legalidade ou constitucionalidade, em que envolvidas partes e direitos subjetivos, possuem, por si, eficácia erga omnes. A produção de tal efeito ocorre apenas ante a procedimento de controle concentrado ou, ainda, diante da imposição de regime específico de julgamento, com quórum e regras próprias. Convalida-se, assim, à luz de tal dispositivo, o efeito vinculante das súmulas do CARF.

7. Segundo o regimento interno atual do CARF, bem assim na regência normativa imediatamente anterior, apenas mediante súmula as decisões proferidas pelo órgão adquirem efeito vinculante. Presentemente, inclusive, há, adicionalmente, necessidade expressa de intervenção do Ministro da Economia para que tal efeito seja estendido à Administração Tributária Federal. Similarmente, ao tempo da edição da Lei 4.502/1964, vigia o Decreto 54.767/1964, que previa a possibilidade de que a decisão final do Conselho de Contribuintes fosse submetida, por iniciativa fazendária, ao Ministro da Fazenda. Tal estrutura não existe mais, embora seja indubitavelmente relevante para a percepção dos efeitos do artigo 76, II, a, da Lei 4.502/1964, dado que a decisão dos Conselhos de Contribuintes não seria definitiva (e, assim, erga omnes), em havendo discordância do órgão fazendário. A bem da verdade, em relação a julgamentos individuais do Conselho de Contribuintes (atual CARF), desde 1971 há parecer normativo da antiga Coordenação do Sistema de Tributação (note-se, também norma "complementar", segundo o artigo 100, I, do CTN), que expressamente afirma que as decisões do Conselho de Contribuintes não possuem eficácia normativa. Também a doutrina produzida à época dos fatos, bem como precedentes jurisprudenciais, rejeitavam o caráter vinculante das decisões do CARF, conforme já sinalizara esta Turma, na espécie, quando do julgamento de embargos de declaração no AI 0010804-46.2016.4.03.0000.

8. Sob outro enfoque atinge-se a mesma conclusão. Partindo da observação de que o inciso III do artigo 100 do Código Tributário Nacional também alça à categoria de norma secundária "as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas", e não havendo dúvida que neste grupo incluem-se as autoridades responsáveis pelas atividades de fiscalização tributária, tem-se que as reiteradas autuações fiscais, por desrespeito à trava de 30% de aproveitamento de prejuízos fiscais, e as decisões do CARF em sentido diverso (ainda que por hipótese fossem concebidas como normas complementares) veiculariam comandos secundários gerais inconciliáveis entre si. Não há sentido em deliberadamente ignorar-se a força normativa atribuída pelo próprio Código Tributário Nacional à prática das autoridades fiscalizatórias que, como apontou o órgão fazendário em seu recurso, sempre entenderam pela aplicabilidade da limitação de utilização de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas em caso de dissolução de empresa.

9. A aplicação dos artigos acrescidos à LINDB pela Lei 13.655/2018 não induz resultado diverso. O novo artigo 24, ao interpretar, no respectivo parágrafo único, o que deve ser entendido por “orientações gerais”, conforme disposto no caput, mencionou expressamente a “prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público” que, no caso, apontava a conduta em discussão como irregular.

10. Como indicado no próprio estudo acadêmico invocado no recurso do contribuinte, a jurisprudência do CARF não se manteve, a rigor, unânime, havendo precedente pela manutenção da trava percentual em discussão, em acórdão de 19/10/2004. No mais, a própria existência de múltiplos conflitos sobre a interpretação da matéria no âmbito administrativo já deveria servir suficientemente à percepção de que a pretensão exercida por conta e risco da empresa em extinção não era pacífica. Até porque, conquanto possa se entender pela aplicação do artigo 24 da LINDB, promulgado em 2018, a fatos de 2007, é certo que, de todo o modo, a tal época, inexistente tal dispositivo, o contribuinte não possuía, a teor do já demonstrado, qualquer indicativo razoável de que poderia valer-se, sob sua própria interpretação, da jurisprudência administrativa, majoritária que fosse, como fundamento em tese hábil a manter conduta que, sabidamente, era objeto de autuação por parte das autoridades fiscais.

11. O princípio da confiança, conquanto informe as relações jurídicas em caráter geral, possui incidência casuística e circunstancial no âmbito da desconstituição de efeitos jurídicos. Exige-se, para tanto, análise sob prisma subjetivo da conduta atribuída a agentes envolvidos, segundo a especificidade de cada caso concreto, não se tratando de subsunção objetiva e indistinta como regra de anulabilidade de atos jurídicos. De fato, não há sentido em defender, a posteriori, a aplicação, com força desconstitutiva, do princípio da confiança, se não há demonstração de que a conduta da parte, que se diz prejudicada, foi realmente praticada sob tal signo. A discussão em abstrato, no sentido de que a empresa poderia ter se considerado, à época, respaldada por tal ou qual fundamento, a rigor distorce o próprio fundamento invocado, que exige que tal percepção tenha efetivamente sido influente na decisão tomada e que, de fato, o contexto à época indicasse tal leitura dos fatos como razoável.

12. De mais a mais, é necessário ainda pontuar que a valoração administrativa de norma legal, ainda que prestigiada por novos dispositivos da LINDB a título de louvável fomento de segurança jurídica, não é absoluta. Cabe, sem dúvida, ao Poder Judiciário, segundo o próprio sistema constitucional de garantias individuais, a interpretação última da legislação, pelo que não se pode falar de proteção à confiança ou à segurança jurídica, com base em jurisprudência, se não com referência àquela produzida pelos corretos órgãos com atribuição para dizer, em definitivo, o direito.  Nesta linha, em se tratando de jurisprudência administrativa, não há como se pretender que seja sobreposta à jurisprudência judicial (que também é referida no novo artigo 24 da lei em comento), acaso desta divirja. Sucede que ao menos desde 2002 o Superior Tribunal de Justiça sinalizava que a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas é benefício (a atrair as considerações meritórias iniciais, no sentido de que a fruição respectiva apenas é possível segundo regra legal própria, em interpretação literal), e desde pelo menos 2003 há precedente que aponta a necessidade de previsão legal expressa para procedimentos de compensação de prejuízos entre incorporada e incorporadora. Os julgados da Corte Superior sobre os dois aspectos apontados (compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas como benefício fiscal e higidez da trava em caso de extinção da pessoa jurídica) continuaram a ser reproduzidos durante a mesma década em relação à qual se argumentou que a jurisprudência administrativa vigia em sentido contrário, afora julgados regionais sobre o tema.

13. É certo que existiam, também, precedentes da Corte Superior que, ao apreciar a validade da trava, denotavam fundamento subjacente de que havia presunção no sentido da continuidade das atividades empresariais. Contudo, isto em nada macula a exposição. O que se coloca em relevo é apenas a constatação singela de que não se confirma a alegação de que haveria entendimento consolidado ou orientação geral que tenham sido revertidos abruptamente. Não se pode cogitar, com efeito, da existência de posição pacífica no sentido de que a compensação integral de prejuízos fiscais configurava direito do contribuinte, e não benefício fiscal, que poderia ser exercido independentemente de previsão legal expressa em caso de encerramento de atividades empresariais, como se pretendeu caracterizar em linha de evolução histórica do tema. Em síntese: i) não há como se pretender sobrepor a jurisprudência administrativa à judicial; ii) não havia proteção normativa que resguardasse a conduta praticada tão somente porque estaria em linha com a jurisprudência dominante do CARF, dada a existência de entendimento das autoridades fiscais, e do próprio Judiciário, em sentido diverso; e iii) tampouco consta dos autos qualquer prova consistente de que de fato tal circunstância tenha sido considerada, na espécie, ao momento da prática da conduta autuada pela autoridade fiscal (em razão da inexistência de prova material de tal erro de proibição por parte da incorporada), não há como se acolher o apelo do contribuinte neste ponto.

14. O fato de o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (que modificou a sistemática do voto de qualidade no âmbito do CARF, suprimindo-o em casos como o presente e determinando o empate de votação como resultado favorável ao contribuinte) ter sido criado com invocação expressa do artigo 112 do CTN não desnatura o teor deste comando, que é restrito a penalidades, independentemente de a redação final do novo dispositivo ter suprimido tal sentido do texto. Assim, não se pode manejar tal circunstância para atacar retroativamente o crédito principal, como se pretende nos autos, já que a própria possibilidade de retroação de direito admitida pelo CTN, seja pelo artigo 112 (que, a rigor, não cuida de aplicação intertemporal da legislação) como pelo artigo 106, II, é restrita a penalidades. O artigo 144 do Código Tributário Nacional, aliás, é expresso em, congruentemente, vedar a retroação de legislação, em caráter geral (com o que as outras disposições referidas devem ser tidas por hipóteses excepcionais e específicas).

15. Mesmo que aplicada a pretendida retroação, o resultado não seria a anulação do crédito tributário, mas a devolução dos autos ao CARF para, proclamado o resultado do julgamento em favor do contribuinte, conceder-se prazo à Fazenda para o que entendesse de direito. De toda a sorte não se verifica, na espécie, hipótese que autorize tal produção de efeitos ex tunc, para fim de validar a exclusão da multa de ofício aplicada. É que a a modificação de regra de votação de colegiado administrativo é norma processual e, desta feita, como consabido, é aplicável de imediato, mas apenas de forma prospectiva, como prevê o CPC/2015 (artigo 14).

16. A norma em questão não é híbrida. Não se pode ter como premissa e certeza jurídica que o voto de qualidade, por definição, é favorável à autuação fiscal. Com efeito, segundo dados oficiais do CARF produzidos em fevereiro do ano corrente, no curso de 2020, 3,2% das votações foram decididas por qualidade, sendo 1,3% (do total geral, ou 40,63% das votações decididas por tal sistemática de desempate) dos resultados a favor do contribuinte. Isto significa dizer que o voto de qualidade, em si, não possui qualquer conteúdo material, sequer indireto. Sendo técnica de votação que simplesmente elege um voto dentro do colegiado, seja qual for seu teor, como prevalente, é forçoso que se reconheça que a mecânica é desprovida de qualquer definição intrínseca de direito material.

17. Ao se afirmar que o encerramento da lide administrativa (logicamente, com manutenção da cobrança) é pressuposto da exigibilidade do crédito relativo à sanção, não mais do que se diz que o crédito há que estar definitivamente constituído, apenas, segundo o procedimento aplicável e vigente à época dos fatos. Não há como se extrair dessa observação qualquer conteúdo material intrínseco ao regime de votação adotado que permitiria que, caso alterado, fossem retroativamente modificados todos os resultados materiais produzidos anteriormente. Tanto mais na hipótese dos autos, em que o direito material se consolidou em sentido contrário ao defendido pelo contribuinte.

18. Inaplicável, de qualquer sorte, o artigo 112 do CTN ao caso. Não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O artigo 112 do CTN incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar seu entendimento sobre os fatos: no caso, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela Turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de "dúvida" do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado. 

19. É certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito. Perceba-se que, se assim não fosse, haveria que se considerar que cada voto divergente representa uma suposta carga de dúvida em relação ao entendimento inicial. Logo, todo julgamento não unânime seria marcado por uma carga de dúvida não solucionada. Às últimas consequências, qualquer sanção (e aqui é pertinente o contraste com o direito penal, ou mesmo a referência à tese do in dubio pro contribuinte) não validada de forma unânime haveria que ser anulada, porque a presunção de inocência não admite qualquer nível de dúvida, a evidenciar o desacerto da tese.

20. Mantido o crédito principal e a multa de ofício, não há como se afastar, tampouco, a incidência de juros moratórios. Neste tocante o artigo 161, CTN, prescreve que sobre o crédito tributário, integrado pelo valor da multa de ofício nos termos do artigo 113, § 3º, CTN, incide o encargo moratório, não se verificando, assim, qualquer ilegalidade ou excesso no lançamento fiscal.

21. Apelo do contribuinte desprovido. Apelação fazendária e remessa oficial providas."

 

Alegou-se, em síntese, que: (1) “o aresto embargado foi CONTRADITÓRIO e OBSCURO ao se pautar no entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 591.340/SP, aplicando parte de seus fundamentos ao caso vertente, mas deixando de observar que o Pretório Excelso consignou que a aludida norma de ‘restrição dirige-se à pessoa jurídica em pleno exercício de seu objeto social; ou seja, que não encerrou suas atividades, por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação’”; (2) “não se trata de conclusão extraída de “breve diálogo” ou de “obiter dictum” que representa “manifestação de parcela reduzida do colegiado”, mas dos fundamentos do voto condutor, de lavra do i. Ministro Alexandre de Moraes”; (3) portanto, as razões de decidir evidenciam que “a norma contida nos artigos 42 e 58, da Lei nº 8.981/95 e nos artigos 15 e 16, da Lei nº 9.065/95 não regula as hipóteses em que há descontinuidade da pessoa jurídica”; (4) a obscuridade do aresto é reforçada na medida em que os fundamentos do RE 591.340 deixam bastante evidente ser impossível “alargar a incidência da trava de 30% para além do seu pressuposto fático-lógico, na medida em que o relator para acórdão, Ministro Alexandre de Moraes, fez constar expressamente que a aplicação da trava é condicionada ao direito de compensação futura dos prejuízos fiscais, in verbis: “As leis em exame, na verdade, exprimem tecnica fiscal de compensação integral dos prejuízos fiscais registrados em determinado ano-base, sem divisa temporal (pro futuro), mas limitada a 30% a cada período, ate que haja o esgotamento do resultado negativo, respeitando-se, por um lado, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, e do outro, retirando-lhe o caráter confiscatório, já que a fórmula legal não implica a perda do direito a compensação de prejuízos, mas mera transferência, indefinida, para períodos posteriores (...)", indica TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR (Da compensação de prejuízos fiscais ou da trava de 30%. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT. Belo Horizonte, ano 10, n. 60, nov. / dez. 2012)”; (5) assim, embora afirme-se pautado no RE 591.340, o acórdão embargado não reflete o quanto decidido pela Corte Suprema, dado que os fundamentos adotados naquela instância não servem de base ao entendimento adotado pela Turma; (6) o aresto é ainda obscuro ao afirmar que a particularidade da extinção da empresa não seria dotada de relevância constitucional, pois não é possível inferir automaticamente da assertiva da Corte Suprema de que o abatimento de resultados negativos “poderia nem existir” que a limitação de 30% de compensabilidade de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, no encerramento da pessoa jurídica, seria igualmente constitucional, sob pena de tornar sem motivo o distinguishing que o próprio Supremo Tribunal Federal realizou em relação a tal cenário no julgamento do RE 591.340; (7) tampouco a definição da compensação de resultados negativos como benefício fiscal esvazia a natureza constitucional do debate, pois não há por que se assumir que a Corte Suprema igualmente entenderia a limitação, em debate, como constitucional no caso de encerramento da empresa; (8) há obscuridade também por se desconhecer a ventilada jurisprudência anterior do Superior Tribunal de Justiça referida pela Turma ao mencionar o REsp 1.805.925, julgado já em 2020; (9) o apelo demonstrou, com detalhes, que as regras das Leis 8.981/1995 e 9.065/1995 têm por pressuposto a continuidade da empresa e que este era o próprio motivo pelo qual se entendia que a previsão de restrição temporal à compensação de resultados negativos respeitava as balizas da matéria, já que interpretação diversa resultaria em ofensa à definição constitucional de renda e aos princípios da legalidade, limitação da competência tributária, capacidade contributiva, vedação ao confisco e isonomia (artigos 5º, caput e II, 145, § 1º, 146, III, a, 150, I a IV, 153, III, e 195, I, c, da Constituição Federal), além de contrariedade ao disposto nos artigos 177, 186 e 189 da Lei 6.404/1976, 43, 44, e 108 a 110 do Código Tributário Nacional, 2º da Lei 7.689/1988 e 4º da LINDB, porém “o aresto embargado se limitou a apreciar todos os fundamentos acima mencionados de forma conjunta e sob uma perspectiva diferente daquela suscitada pela Embargante”, de modo que “se amparou tão somente na premissa de que a compensação de prejuízos fiscais acumulados e de base negativas qualifica-se como benefício fiscal e, como tal, não admitiria suposta interpretação extensiva”; (10) o acórdão adotou premissas e conclusões que não refletem a matéria discutida e tampouco a realidade dos fatos, já que “partiu do pressuposto de que a ora Embargante teria a pretensão de absorver os resultados negativas da empresa por ela incorporada, utilizando-se da não aplicação da trava de 30% no balanço de encerramento daquela sociedade como mecanismo para viabilizar seu objetivo”, muito embora “a Embargante sempre deixou bastante claro, desde a exordial, que a vedação à transferência de prejuízos fiscais e bases negativas imposta pelo artigo 33, do Decreto-lei nº 2.341/87 não era objeto de discussão in casu justamente porque nunca teve a intenção de aproveitar, enquanto incorporadora, os resultados negativos da empresa por ela incorporada, tanto assim que não foi essa a acusação fiscal nos processos administrativos objeto dos mandamus em referência!”"; (11) "Também não se consegue depreender porquê o acórdão embargado embasou suas conclusões em desvios e ilicitudes supostamente cometidas pelos contribuintes, assim como em privilégios que lhe teriam sido concedidos, quando no presente caso nunca houve qualquer acusação nesse sentido"; (12) "há que se destacar a obscuridade no decisum embargado em relação à avaliação da legitimidade da tributação levada à efeito nas autuações formalizadas nos processos administrativos nº 16643.000303/2010-87 e nº 16643.000304/2010-21 sob a perspectiva de que se trataria de tributação imputada à grupo econômico, muito embora no presente caso se discuta única e exclusivamente a legalidade e a constitucionalidade da tributação pela renda da Tevecap S.A., individualmente considerada" de modo que "não há qualquer indício, menos ainda acusação, de que a Embargante, ou a empresa por ela incorporada, teria se valido da formação de um grupo econômico para se beneficiar dos efeitos da absorção dos resultados negativos acumulados por terceiros"; (13) ao passo em que a embargante demonstrou, com base em estudo acadêmico e parecer doutrinário, que existia entendimento administrativo pacificado em sentido favorável ao aproveitamento da íntegra dos prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL remanescentes quando da extinção da empresa, e que tanto o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.596.978) quanto a LINDB (artigos 23 e 24) vedam a aplicação retroativa de mudança de jurisprudência, em observância aos artigos 5º, XXXVI da Constituição Federal, 146 do CTN e 2º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei 9.784/1999, a decisão embargada, de maneira obscura, manejou o próprio artigo acadêmico contrariamente à pretensão deduzida e rejeitou a arguição a partir do manejo de precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais que versou sobre cenário diverso do discutido nestes autos; (14) afora a omissão sobre a aplicabilidade do REsp 1.596.978 ao caso, "não se consegue depreender qual seria a jurisprudência judicial que, no entender do aresto embargado, deveria prevalecer sobre a jurisprudência administrativa"; (15) o enfrentamento da questão é relevante para garantir isonomia entre a embargante e os contribuintes que não foram autuados em situação idêntica; (16) a discussão nestes autos não guarda relação com direito adquirido, instituto que não foi ventilado, mas com a defesa da possibilidade de utilização de um ativo da pessoa jurídica, por meio de compensação de resultados negativos, de modo que "o decisum ora embargado também implica em eventual impacto na observância ao princípio da isonomia sob esse viés, pelo que se requer se pronuncie acerca do artigo 165, §6º, da Constituição Federal e artigo 5º, inciso II, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), assim como sobre o artigo 33 da Medida Provisória nº 651/2014 (posteriormente convertida na Lei nº 13.043/2014)", pois "ao se interpretar de forma diversa, poderia implicar, ao fim e ao cabo, na invalidação desses atos administrativos e na declaração indireta de inconstitucionalidade dos aludidos dispositivos legais, em violação a cláusula de reserva de Plenário prevista no artigo 97, da Constituição Federal, o que se alega até mesmo para fins de prequestionamento"; (17) foi sustentado que o crédito tributário é ilegítimo, em razão da necessidade de aplicação do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (promulgado pela Lei 13.988/2020), o que se defendeu com base no artigo 106, I e II, do CTN, pois se trata de norma de natureza híbrida, na medida em que "atinge a presunção de legitimidade da configuração de situação infracional por meio de lançamento de ofício, ao estipular um novo critério para definir a legalidade concreta da infração tributária, então imputada ao contribuinte (regra material, de subsunção)", bem como com espeque no artigo 112 do mesmo diploma, dado que o Congresso Nacional aprovou a referida regra com o escopo de dar “concretude efetiva (pratica) ao que prevê o art. 112 do CTN”, sendo certo que a hermenêutica prevista pelo aludido artigo não se limita às penalidades e multas, mas efetivamente alcança a obrigação principal, como já restou decidido por esta C. Terceira Turma deste E. Tribunal na Apelação Cível nº 0013044-60.2015.403.6105", porém, o aresto embargado, em contradição com a própria fundamentação anterior (em que sobrepôs a "mens legis" sobre a "mens legislatoris"), destacou que a "mens legislatoris" do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 não pretendia a criação da norma que foi ao final aprovada ("mens legis"), e omitiu-se a respeito do quanto decidido nos autos 0013044-60.2015.403.6105; e (18) além disso, por igual "não houve pronunciamento do acórdão embargado quanto à configuração do lançamento de ofício como ato administrativo que formaliza, em linguagem competente, justamente a identificação de suposta infração à legislação tributária (nos termos do artigo 142, do Código Tributário Nacional) que, como tal, atrairia a incidência do artigo 106, inciso II, alínea “a”, do Código Tributário Nacional, que autoriza a aplicação do retroativa de normas que deixem de definir o fato imponível como 'infração'", tampouco "acerca do efeito prático da introdução do artigo 19-E à Lei nº 10.522/02 (qual seja: conferir nova interpretação à legislação tributária) e da consequente aplicação do artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional", já que "as infrações objeto de julgamentos administrativos decididos pelo voto de qualidade, que antes se presumiam legais e hábeis para surtir seus efeitos legais (certeza, liquidez e exigibilidade), agora passaram a ser reputadas como desprovidas de legitimidade e, por conseguinte, como inexistentes".

Requereu-se o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais invocados, nos seguintes termos (ID. 149016023, f. 24/26): 

 

"ARTIGO 5°, INCISOS LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 489, §1º, INCISO VI, 926 E 927, INCISO III, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: na medida em que asseguram o direito fundamental ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório e impõem que o julgador mantenha estável, íntegra e coerente a jurisprudência a partir da observância do entendimento adotado no julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e nos Recursos Extraordinário julgados sob o rito da Repercussão Geral, a exemplo do RE nº 591.340/SP e da ADI nº 2.588/DF, além de exigir que o julgador se manifeste expressamente sobre “jurisprudência ou precedente invocado pela parte”, in casu representada pelo acórdão proferido no bojo do REsp nº 1.596.978 e da Apelação Cível nº 0013044-60.2015.403.6105.

ARTIGOS 146, INCISO III, ALÍNEAS A E B, 153, INCISO III, 195, INCISO I, ALÍNEA C, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 43 E 44, AMBOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E ARTIGO 2º DA LEI 7.689/1988: que versam sobre a garantia da limitação da competência tributária, sobre a regra matriz de incidência tributária do IRPJ e da CSLL, bem como sobre o conceito constitucional e legal de renda e, ainda, sobre a riqueza tributada pela CSLL, dada a impossibilidade de a tributação sobre a renda recair sobre o patrimônio.

ARTIGO 5º, CAPUT E INCISO II E 150, INCISO I, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 97, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: na medida em que, sob o enfoque demonstrado pela Embargante, a imposição do limite de 30% em hipótese que não se enquadra no pressuposto lógico determinado para aplicação das Leis nº 8.981/95 e nº 9.065/1995, afronta a legalidade.

ARTIGOS 145, § 1º, 153, §2º, INCISO I, 150, INCISO IV, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: dos quais decorrem os princípios da capacidade contributiva, da universalidade e do não confisco, que também devem ser observados na tributação da renda, ao revés do que se vislumbra no caso vertente.

ARTIGO 5º, CAPUT E 150, INCISO II, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: que alça o princípio da isonomia à condição de direito fundamental, impedindo que contribuintes em situação de extinção sejam tributados de forma mais onerosa que aqueles que se encontram em atividade. 

ARTIGOS 177, CAPUT E §3º, 186 E 189, TODOS DA LEI Nº 6.404/76 E ARTIGO 249, DO RIR/1999: que definem o conceito de lucro, além de estabelecer que na sua apuração devem ser respeitadas as normas contábeis (dentre as quais se encontra o princípio da continuidade da pessoa jurídica), assim como devem ser contemplados os resultados negativos acumulados, além de vedar a transferência desses prejuízos para a pessoa jurídico incorporadora.

ARTIGOS 108, 109, 110, TODOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E AO ARTIGO 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (DECRETO-LEI Nº 4.657/42, COM REDAÇÃO DA LEI Nº 12.376, DE 2010): uma vez que proíbem que o conceito de lucro, definido pelo Direito Privado seja modificado para fins meramente tributários.

ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO XIII, DA LEI Nº 9.784/1999, que impõem a observância do princípio da moralidade, da lealdade e da eficiência à atividade da Administração Pública, impossibilitando, deste modo, seja exigido crédito tributário do contribuinte que pautou sua conduta tão somente na orientação consolidada pela própria Autoridade Tributária.

ARTIGO 165, §6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 5º INCISO II, DA LEI Nº 101/2000 (LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL) E ARTIGO 33, DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 651/2014 (CONVERTIDA NA LEI Nº 13.043/2014): que corroboram a conclusão no sentido de que o limite à absorção dos resultados negativos consiste em mera técnica legal de diferimento do tributo pois, do contrário, restariam indiretamente invalidados os atos administrativos exarados pela Receita Federal do Brasil que elencam as “isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia” concedidas anualmente, bem como os programas de regularização fiscal que autorizaram a utilização dos prejuízos fiscais pra quitação de tributos ou encargos legais.

ARTIGO 44, INCISO I, DA LEI Nº 9.430/96, visto que dispõe sobre a penalidade imposta nos processos administrativos nº. 16643.000303/2010-87 e nº 16643.000304/2010-21 e que, no limite, deveria ser interpretada de forma favorável à Embargante, nos termos do artigo 112, do Código Tributário Nacional, ante ao posicionamento firmado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais por quase uma década e os atos normativos veiculados pela Receita Federal no sentido de que o limite de 30% na compensação de prejuízos fiscais e bases negativas não é aplicado na especifica hipótese da extinção da pessoa jurídica.

ARTIGO 142, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, posto que revela que o lançamento de ofício consiste em ato administrativo que formaliza, em linguagem competente, a identificação da infração à legislação tributária e, como tal, atrai a incidência do artigo 106, inciso II, alínea “a”, do Código Tributário Nacional para autorizar a aplicação retroativa do artigo 19-E, da Lei nº 10.522/02, introduzido pela Lei nº 13.988/2020.

ARTIGO 148 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 15, INCISOS I, II E III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, na medida em que aplicação da trava de 30% na extinção da pessoa jurídica acaba, ainda, por transformar o tributo em verdadeiro empréstimo compulsório instituído pela União sem a observância dos requisitos prescritos nos referidos dispositivos."

 

Houve resposta pelo órgão fazendário.

Apresento o feito em mesa para julgamento (artigo 1.024, § 1º, CPC). 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5002663-15.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ABRIL COMUNICACOES S.A.

Advogado do(a) APELADO: MURILO MARCO - SP238689-A

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, são manifestamente improcedentes os embargos de declaração, inexistindo quaisquer dos vícios apontados, restando nítido que se cuida de recurso interposto com o objetivo de rediscutir a causa e manifestar inconformismo diante do acórdão embargado. 

Para a devida demonstração desta circunstância, e diante da ostensiva suscitação de contradições, omissões e obscuridades no pronunciamento meritório da Turma, analisa-se cada capítulo das alegações da embargante.

Os aclaratórios sustentam, ao início, que as razões de decidir do RE 591.340 estabelecem a inaplicabilidade das restrições de utilização contábil de resultados negativos, positivadas nas Leis 8.981/95 e  9.065/1995, na hipótese de descontinuidade da pessoa jurídica, o que teria sido desconsiderado pelo acórdão prolatado. Contudo, tal afirmação parte de leitura oblíqua de excerto isolado do voto do Min. Alexandre de Moraes, impondo-lhe interpretação que colide substancialmente com a conclusão alcançada pela Corte Suprema.

Neste sentido, é imperioso esclarecer que, no segmento destacado pela embargante ("Tal restrição dirige-se à pessoa jurídica em pleno exercício de seu objeto social; ou seja, que não encerrou suas atividades, por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação"), o Ministro Alexandre de Moraes (que proferiu o voto-condutor no caso) está narrando o panorama fático da lide, e não apresentando razões de decidir sobre o caso.

Esta circunstância pode ser percebida com clareza se ampliado o trecho do voto a ser analisado (grifos nossos):

 

Discute-se, no presente recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, a constitucionalidade das Leis Federais 8.891/1995 e 9.065/1995, nos pontos em que regulam a limitação (trava) de 30% do aproveitamento de prejuízos fiscais a serem deduzidos da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em anos-calendário subsequentes.

Tal restrição dirige-se à pessoa jurídica em pleno exercício de seu objeto social; ou seja, que não encerrou suas atividades, por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação.

 Esse, em síntese, o panorama fático-normativo estabelecido nestes autos.

 

O que o relator afirmou foi que, no limite da cognição do recurso em exame, a restrição restou aplicada à pessoa que não encerrou suas atividades, no contexto do relatório do caso. Não se trata de afirmação decisória, como transparece da posição, na estrutura do voto, do trecho destacado pela embargante (ao começo, na parte dedicada à narrativa dos fatos) e como evidencia a leitura do conteúdo circundante à assertiva.

Da mesma forma, o outro segmento destacado pela embargante (“'As leis em exame, na verdade, exprimem técnica fiscal de compensação integral dos prejuízos fiscais registrados em determinado ano-base, sem divisa temporal (pro futuro), mas limitada a 30% a cada período, ate que haja o esgotamento do resultado negativo, respeitando-se, por um lado, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, e do outro, retirando-lhe o caráter confiscatório, já que a fórmula legal não implica a perda do direito a compensação de prejuízos, mas mera transferência, indefinida, para períodos posteriores (...)" ) não é uma afirmação do Supremo Tribunal Federal, mas uma citação, dentro do voto do Min. Alexandre de Moraes, de excerto de artigo científico (que, sabe-se, alcança a conclusão de que a trava percentual não se justificaria em caso de extinção da pessoa jurídica).

Contudo, no voto, até porque, como bem destacou a embargante, o Supremo Tribunal Federal não analisou em tal oportunidade a situação do encerramento da empresa, a referência doutrinária é utilizada apenas para sustentar a higidez da trava em si, que não possuiria efeito confiscatório (o que, no âmbito da Corte Suprema, já havia sido assentado no RE 344.994), justamente sob o fundamento de que não há direito adquirido à compensação de prejuízos fiscais, por se tratar de benefício fiscal alheio aos fatos geradores tributários respectivos.

Novamente, é esclarecedora a ampliação dos limites do trecho selecionado pela embargante (grifos nossos):

 

"Ora, não se pode aduzir que a legislação ordinária possibilitou a taxação de renda ou lucro fictícios a atingir o patrimônio/capital da empresa, ao entendimento de que, na ordem fática, registram-se prejuízos decorrentes das atividades desenvolvidas pela pessoa jurídica contribuinte do IRPJ e da CSLL.

As leis em exame, na verdade, exprimem técnica fiscal de compensação integral dos prejuízos fiscais registrados em determinado ano-base, sem divisa temporal (pro futuro), mas limitada a 30% a cada período, até que haja o esgotamento do resultado negativo, respeitandose, por um lado, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, e do outro, retirando-lhe o caráter confiscatório, já que a fórmula legal não implica a perda do direito à compensação de prejuízos, mas mera transferência, indefinida, para períodos posteriores (…)", indica TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR (Da compensação de prejuízos fiscais ou da trava de 30%. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT. Belo Horizonte, ano 10, n. 60, nov. / dez. 2012).

Enfim, há uma faculdade legal de compensabilidade fiscal a configurar benesse ao contribuinte, segundo explicitado no RE 344.944 e conforme esclarecedora visão de TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, a saber (op. cit.):

"Tem-se, pois, de encarar uma técnica que é construída no espaço de 35 anos (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977) e que passa a obedecer a uma “necessidade interna” (OCANDO) que apõe, deste modo, limites ao voluntarismo político do Poder, o que essencial para um regime democrático. Essa necessidade repousa, no caso, na exigência de manter o fluxo de arrecadação (objetivo fiscal) e promover alguma finalidade econômica ou social (extrafiscal), partindo-se, então, do pressuposto de que os períodos de apuração se comunicam. Nesse sentido, a introdução, por último, do limite de 30% permite que as demonstrações financeiras, baseadas em técnicas antigas e reconhecidas, se efetuem mediante “uma regra gradual de compensação de prejuízos, tomando-se como referência os resultados obtidos em cada ano”, sendo que, para o Estado, isso significa “um fluxo estável de ingresso de receitas provenientes do imposto de renda” (E.M. – Mensagem 26). Isto não exclui a possibilidade de o governo estar preocupado com a realização de suas políticas econômicas e financeiras nem exige que se adentre à questão da natureza da compensação de prejuízos, mas submete as políticas às limitações da técnica e não ao contrário. A compensação de prejuízos, mesmo que entendida como um favor fiscal, não é, portanto, um instrumento tópico, que varia de política para política e de momento para momento ao arbítrio do legislador, mas tem uma dimensão pragmática ostensiva: ela recupera a validade da formação de prejuízos fiscais a serem compensados, evitando que eles se tornem imprestáveis num processo contínuo de apuração de receitas.

Por isso, a atribuição ao contribuinte da faculdade de compensar aquele excesso, não importa que se entenda a compensação como um benefício ao contribuinte e uma renúncia do Erário, está submetida às condições dadas pela lei. Em nenhum momento se lida com invocação de outra lei nem se preenche uma lacuna por falta de lei."

Consequentemente, rejeito os argumentos no sentido de que a limitação fiscal não se harmoniza com o que a CONSTITUIÇÃO FEDERAL predica a respeito dos conceitos de renda e lucro (resultados positivos), sem que haja dedução integral de prejuízos acumulados (resultados negativos) pretéritos. (...)”.

 

Veja-se que a contradição, em verdade, repousa na tese dos aclaratórios. Se o RE 591.340 não examinou o caso das empresas em extinção (como destacado não apenas pelo contribuinte nestes autos, antes do julgamento da apelação, mas pelos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal na ocasião e reconhecido, desde o princípio, no aresto embargado), não seria possível afirmar, lógica e coerentemente, dentro desta premissa, que as razões de decidir do julgado determinam que o entendimento firmado não se aplica ao caso de fusão, incorporação ou extinção de pessoas jurídicas. 

Deflui linearmente, desta maneira, que não há como se dizer que o voto-condutor subscreve, tanto menos com força normativa e decisória, as conclusões ulteriores do artigo científico utilizado (no que aborda o caso da extinção de empresas), ou que de qualquer forma tenha declarado, implicitamente, que a limitação percentual não se aplica no caso de encerramento da pessoa jurídica.

Primeiro porque, como visto, a leitura contextualizada dos trechos selecionados pela embargante aponta em sentido contrário a esta conclusão.

Em segundo lugar, porque mesmo que isto houvesse sido categoricamente afirmado, o que não é sequer o caso, a assertiva haveria que ser considerada obter dictum, pois, repita-se ainda mais uma vez, o RE 591.340 não tratou da hipótese de extinção da pessoa jurídica.

Aliás, por oportuno, avançando nas alegações dos aclaratórios, a incursão, pelo voto embargado, no registro do diálogo dos Ministros durante o julgamento do RE 591.340 somente se fez necessária diante da defesa, pela ora embargante, em sustentação oral, de que tais trechos denotariam posição do Supremo Tribunal Federal sobre o caso de encerramento da empresa, o que, como visto, não procede. 

Já no texto do voto ora embargado foi ressaltado que a argumentação era, de saída, contraditória (como demonstrado acima), mas, ainda assim, por intuito de afastar qualquer dúvida e promover fundamentação exauriente à solução da lide, foi-se além, para analisar quais seriam, de toda a sorte, as repercussões das afirmações dos Ministros frente ao quanto decidido pela Corte. Isto foi feito com base em cotejo de extensos trechos do voto-condutor do RE 591.340, a partir dos quais o acórdão embargado extraiu as premissas iniciais que permeiam toda a base para julgamento do mérito controvertido nestes autos.

Pela clareza, reproduz-se o trecho em questão do voto embargado (grifos nossos):

 

"Neste tocante, o Supremo Tribunal Federal recentemente julgou a matéria em discussão, sob sistemática de repercussão geral:

RE 591.340, Rel. p/ acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 03/02/2020: "TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA JURÍDICA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. PREJUÍZO. COMPENSAÇÃO. LIMITE ANUAL. LEI 8.981/1995, ARTS. 42 E 58. LEI 9.065/95, ARTS. 15 E 16. CONSTITUCIONALIDADE. 1. A técnica fiscal de compensação gradual de prejuízos, prevista em nosso ordenamento nos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995, relativamente ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, não ofende nenhum princípio constitucional regente do Sistema Tributário Nacional. 2. Recurso extraordinário a que nega provimento, com afirmação de tese segundo a qual É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL."

O apelo do impetrante (protocolizado previamente a tal precedente), em antecipação, arguiu que o resultado deste julgado não condicionaria a espécie, dado que não abrangia a peculiaridade dos casos em que a empresa é extinta na pendência de valores passíveis de compensação. Contudo, trata-se de precedente relevante pela repercussão geral admitida, conferindo, assim, aplicação obrigatória ao vetusto paradigma então firmado sobre o mérito e a natureza jurídica da "trava". Ainda que a ressalva tenha, de fato, constado do voto do relator, o julgado indubitavelmente aproveita ao caso presente ao assentar que: i) a trava percentual de aproveitamento de prejuízos fiscais de IRPJ e base de cálculo negativa de CSL é constitucional; e ii) tal mecanismo configura benefício fiscal (entendimento este, aliás, há tempos existente e mantido na ocasião).

É relevante o entendimento do voto-condutor a este respeito (grifos nossos):

Mas, como se trata de concessão de benefício fiscal deferido ao contribuinte, e não exatamente de instituição ou majoração tributária, as alegações, com fulcro no princípio supra e no da isonomia, carecem de relevância/pertinência na hipótese em exame, pois, efetivamente, a controvérsia repousa não na incidência tributária sobre a renda (IRPJ) e o lucro (CSLL) da pessoa jurídica, mas na questão da limitação de prejuízos decorrentes da atividade empresarial.

(...)

Porque, em verdade, não há, a meu ver, um direito adquirido de poder compensar prejuízos no lucro, compensar prejuízos para efeitos de análise do lucro e da tributação.

No regime capitalista, a questão de lucro e prejuízo é uma questão de contingência negocial do dia a dia. O que os governos legislativos fazem, até como apoio a empresas, principalmente a micro e pequenas empresas, é editar normas que auxiliem o empreendedorismo; mas não há um direito adquirido para isso. Uma dessas normas, um desses sistemas de normas é exatamente o sistema de compensação de prejuízos fiscais. (...) Esse mecanismo, em especial, esse mecanismo de compensação de prejuízo fiscal, possibilita que se deduza dos prejuízos fiscais, imposto de renda sobre a pessoa jurídica e da base de cálculo negativa, deduzam-se do lucro líquido esses prejuízos fiscais, mas no limite de 30%. Esse limite poderia ser 20%, poderia ser 40% ou esse limite poderia não existir. Não há a obrigatoriedade, num país de sistema de livre concorrência, não há obrigatoriedade da previsão de compensação de prejuízos; não há aqui uma cláusula pétrea: a garantia de sobrevivência de empresas ineficientes, empresas que não conseguiram, por qualquer que seja o motivo, não conseguiram sobreviver ao mundo mercado.

(...)

No meu ponto de vista, a Constituição não impõe, permite uma faculdade legal - a discricionariedade do Congresso Nacional, desde que respeitados os princípios do Sistema Tributário Nacional, os quais efetivamente foram respeitados, e essa série de precedentes assim os demonstra - de compensabilidade fiscal. Aqui, é uma benesse ao contribuinte que poderia ser maior, menor ou nem existir. Porém, esses 30% não ferem, a meu ver, nenhum dos princípios constitucionais do Sistema Tributário Nacional.”

Cumpre esclarecer que, embora destacado pela patrona da impetrante por ocasião da sustentação oral realizada, o breve diálogo registrado no acórdão publicado pelo Supremo Tribunal Federal, entre os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Luiz Fux (em que tecidas considerações hipotéticas sobre como o caso seria entendido se estivesse em discussão a excepcionalidade de extinção da empresa), é desinfluente à presente análise. É que, para além de tratar-se de obiter dictum (corolário lógico da tese de que os casos de incorporação não foram julgados na ocasião) e representar manifestação de parcela reduzida do colegiado (sendo que sequer é possível extrair com segurança qual seria a posição do Ministro Luiz Fux no mérito, dado que a colocação registrada nas transcrições dos debates aparenta ser, antes, simples descrição de qual seria o ponto controverso “em jogo” se o caso em julgamento abordasse a hipótese de extinção de empresas), não há oposição, de qualquer forma, em relação ao que aqui se toma de relevante deste julgado, no momento: como já se disse, que as afirmações vinculantes de que a trava de utilização de prejuízos fiscais é constitucional e que a possibilidade desta compensação, em si, é benefício fiscal.

De toda a sorte, convém perceber que, dos trechos acima reproduzidos do voto-condutor (acompanhado, note-se, pelo Ministro Luiz Fux), é possível inferir o estabelecimento de silogismo entre tais conclusões. Sendo a compensação benefício fiscal, “que poderia nem existir”, a limitação é constitucional. Em última análise, seria consequência necessária deste raciocínio, inclusive, admitir que a própria posição acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (vencidos precisamente os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, além do Ministro Ricardo Lewandowski) significaria que a aventada particularidade dos casos em que há extinção da empresa não possui relevância constitucional, em verdade. Com efeito, se a compensação sequer precisaria existir, sem qualquer mácula à principiologia constitucional tributária, não é possível sustentar que a restrição do benefício em tal ou qual caso ensejaria vício desta natureza.

Neste cenário, afastada a discussão de princípios tributários, a irresignação seria obrigatoriamente reduzida à arguição de ausência de subsunção do fato à norma, isto é, sustentar-se que a hipótese de extinção da empresa está, ab initio, fora do campo de incidência da trava, pelo que não se trataria de modificar a literalidade da regra, mas apenas de reconhecer que esta não seria a regência legal do caso. Contudo, nesta quadra a arguição perderia a estatura constitucional, pois, ao limite, haveria aplicação equivocada da legislação federal.”

 

Não se identifica qual obscuridade vislumbrou a embargante ao afirmar a “impossibilidade de se compreender os motivos pelos quais o acórdão embargado sustentou que a presente controvérsia não deteria natureza constitucional, a despeito de a discussão proposta envolver precipuamente a aferição se a incidência do limite de 30% na específica hipótese de extinção da pessoa jurídica está em consonância com a competência constitucional tributária, com o conceito constitucional de renda e com os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, o que desde logo se prequestiona”. Em sentido contrário, a resposta aos embargos opostos revela que o órgão fazendário compreendeu com clareza a técnica de fundamentação utilizada (neste sentido, veja-se, especificamente, ID. 150875072, f. 11, in fine).

O que se verifica, desta forma, antes de obscuridade apta a validar o manejo de aclaratórios, é a existência de mera discordância de mérito, calcada em suposto error in judicando da Turma, característica reiterada das alegações da embargante nesta oportunidade.

De toda a forma, sintetizando singelamente o raciocínio descrito no voto no ponto em apreço, a sanar eventual dúvida da embargante (ainda que não seja este o escopo dos embargos de declaração), o que se expôs foi que, se a compensação de prejuízos poderia simplesmente não existir, em caso nenhum, e isto seria um cenário constitucional (premissa maior, extraída literalmente da ratio decidendi do voto-condutor do julgamento do RE 591.340), é irrelevante, para modificar tal conclusão de constitucionalidade, se em tal ou qual caso o contribuinte encerrou as atividades empresariais ou não (premissa menor, relativa à espécie). Como explicou a Turma, apenas seria possível, ao limite, tentar arguir que a trava não se aplica no caso de extinção da empresa porque não há subsunção do fato à norma (por interpretação extensiva de hipótese legal de benefício fiscal, cogitando-se de condicionamento implícito da trava à continuidade da pessoa jurídica), porém não porque a restrição da compensação neste cenário proporcionaria violação ao texto constitucional.

Desta maneira, ainda que se afastasse a contradição da arguição da embargante, em sustentação oral, da relevância dos trechos destacados dos debates de julgamento do RE 591.340 (pois, como se supõe já demonstrado de maneira exauriente, é inviável dizer que o Supremo Tribunal Federal não analisou o caso das empresas em extinção ao mesmo tempo em que se quer extrair conclusões diretamente da fundamentação do julgado, com validade jurisprudencial, no sentido de que teria sido esclarecido que na hipótese de encerramento de atividades a solução seria outra), a conclusão meritória deles extraída, por simples operação de lógica formal, é diversa da pretendida.

É importante que se destaque, a partir do raciocínio acima e dada a extensa arguição dos embargos de declaração no sentido de que a Turma manteve fundamentação contraditória, que, coerentemente ao pressuposto de que o Supremo Tribunal Federal não analisou o caso da extinção de pessoas jurídicas, a Turma não imputou à Corte Suprema qualquer conclusão ou inclinação decisória sobre tal cenário.

Com efeito, o que se fez, diversamente, foi identificar os axiomas normativos utilizados pela Corte Suprema e que seriam aplicáveis independentemente da situação fática do contribuinte (como já visto e repetido, que a compensação de resultados negativos é benefício fiscal que poderia não existir e que, justamente por tal razão, a trava de compensabilidade é constitucional, pontos que refletem circunstâncias objetivas e matéria de direito independente das propriedades específicas do sujeito passivo) e, tomando-os como premissas, analisar o caso específico dos autos. As conclusões daí decorrentes são do acórdão embargado, o que ratifica a percepção de que a irresignação da embargante quanto ao ponto é meritória, por entender equivocado o julgamento, para o que o manejo de embargos de declaração é, sabidamente, impróprio.

Ainda que assim não fosse, como já bem demonstrado, o alegado error in judicando inexiste – tanto no tocante à suscitada consideração apenas parcial do quanto julgado pelo Supremo Tribunal Federal (a teor do já explicado acima) como também em relação à suposta incorreção das conclusões extraídas do julgado.

Quanto ao segundo aspecto, novamente recorrendo à lógica formal e argumentativa, perceba-se que a arguição do contribuinte pretende isolar apenas parte das premissas extraídas do RE 591.340. Assim é que afirmou que o reconhecimento da constitucionalidade da trava de 30% de compensabilidade de resultados negativos por ano-calendário, nos casos de continuidade das atividades empresariais, não importa conclusão idêntica se extinta a pessoa jurídica. Trata-se de alegação que, abstratamente, seria efetivamente válida, caso não olvidasse, contudo, que a amortização de resultados negativos foi definida como benesse fiscal, afastando qualquer caracterização como direito (ou "ativo", como referem os embargos) do contribuinte.

A implicação de se opor benesse fiscal e direito subjetivo (seja sob viés patrimonial, fiscal ou meramente contábil), como já fizera o Supremo Tribunal no RE 344.994, é a de que o favor fiscal é exigível apenas nos limites em que previsto na lei instituidora, e pode, inclusive, ser revogado sem que o contribuinte possua pretensão válida de impor a continuidade de tal regramento. Na especificidade do tema, isto significa que a compensação de resultados negativos não é exigível para que haja respeito à capacidade contributiva ou à competência tributária constitucional – se pode ser revogada a qualquer tempo, não é circunstância intrínseca à formação e validade constitucional da hipótese de incidência tributária.

Tratando-se de previsão que pode ser suprimida sem mácula à hipótese de incidência tributária abstrata, é logicamente impossível que qualquer modificação do suporte fático da regra matriz motive vício desta natureza. Daí a conclusão de que, salvo sob deliberada desconsideração da afirmação do Supremo Tribunal Federal de que a compensação de resultados negativos é benefício fiscal que poderia inexistir, deriva-se que o caso de extinção da empresa não permite, à míngua de previsão expressa neste sentido, afastar a trava percentual por período-base, como extensivamente demonstrado no aresto embargado.

Repise-se – oportunamente avançando no exame das razões dos embargos de declaração – que a conclusão alcançada é ratificada pela jurisprudência.

 Neste sentido, a alegação de que o acórdão seria obscuro porque “não se consegue identificar, nem mesmo inferir a qual jurisprudência 'anterior' do E. Superior Tribunal de Justiça o acórdão embargado tenha feito referência” (ID. 149016023, f. 09) causa estranheza.

É pertinente destacar quem em sustentação oral, por ocasião do julgamento das apelações, a embargante igualmente defendeu que não haveria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Todavia, embora os aclaratórios afirmem que “não se tem notícias de qualquer precedente proveniente daquela C. Corte Superior que tenha sido anterior ao REsp 1.805.925” (ID. 149016023, f. 08), a leitura do voto é suficiente para sanar a dúvida (grifos nossos):

 

"Ademais, em sentido contrário a tal tese, observa-se que, assentados os pressupostos constitucionais do tema, o Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a interpretação última da legislação federal, tem reiterado entendimento já anteriormente existente, de que a limitação percentual de compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas é aplicável, também, aos casos de extinção da empresa detentora do benefício. 

A exemplo, dentre outros (grifos nossos):

 

REsp 1.805.925, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 05/08/2020: “TRIBUTÁRIO. EMPRESA EXTINTA POR INCORPORAÇÃO. COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. NATUREZA JURÍDICA. BENEFÍCIO FISCAL. LIMITAÇÃO DE 30%. AMPLIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A legislação do IRPJ e da CSLL permite que eventuais prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores sejam compensados com os lucros apurados posteriormente, estabelecendo que a referida compensação é limitada a 30% (trinta por cento) do lucro real, por ano-calendário. 2. O STF considerou que a natureza jurídica da compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL é de benefício fiscal, decidindo pela constitucionalidade da lei que impôs o limite de 30% (trinta por cento) para que (a compensação) pudesse ser efetivada. 3. Inexiste permissão legal para que, em caso de extinção da empresa por incorporação, os seus prejuízos fiscais sejam compensados sem qualquer limitação. 4. No direito tributário, ramo do direito público, a relação jurídica só pode decorrer de norma positiva, sendo certo que o silêncio da lei não cria direitos nem para o contribuinte nem para o Fisco e, sendo a compensação um benefício fiscal, a interpretação deve ser restritiva, não se podendo ampliar o sentido da lei nem o seu significado, nos termos do art. 111 do Código Tributário Nacional. 5. Havendo norma expressa que limita a compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e bases de cálculo negativas da CSLL a 30% (trinta por cento) do lucro líquido ajustado do exercício em que se der a compensação, sem nenhuma ressalva à possibilidade de compensação acima desse limite nos casos de extinção da empresa, não pode o Judiciário se substituir ao legislador e, fazendo uma interpretação extensiva da legislação tributária, ampliar a fruição de um benefício fiscal. 6. Recurso especial da Fazenda Nacional provido."

 

Em decisões monocráticas recentes, dentre inúmeras: REsp 1.887.290, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 28/09/2020; REsp 1887575, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 22/09/2020; e REsp 1887281, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 17/09/2020.

(...)

Além de não ter previsão legal o aproveitamento integral de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, quando exercido por quem a lei contempla como titular de tal direito, o que se pretende contraria, ainda mais, o princípio jurídico básico segundo o qual não se pode transferir mais direito - no caso, propriamente, benefício fiscal - do que aquele do qual se é titular. A sucessão em direitos e obrigações, que decorre da incorporação, nos termos do artigo 227 da Lei 6.404/1976, tem por limite óbvio a transferência de direitos que o incorporado tenha, nas condições e limites respectivos, e não da forma pretendida, à revelia da legislação. 

Também sob este enfoque a matéria já foi decidida pela Corte Superior (grifos nossos):

 

AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11/03/2019: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. PREJUÍZOS FISCAIS. COMPENSAÇÃO. EMPRESA INCORPORADORA. VEDAÇÃO DO ART. 33 DO DECRETO-LEI 2.341/1987. (...) 2. Trata-se, na origem, de Ação Ordinária por meio da qual se pretende a declaração do direito à compensação integral de prejuízos fiscais e bases negativas do IRPJ e da CSLL, com o afastamento da trava de 30% prevista nos artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e artigos 15 e 16 da Lei 9.065/1995, por ocasião da apuração de balanço de encerramento das atividades pela pessoa jurídica incorporada pelo recorrente (Banco Paraíba S/A - Paraiban). 3. Argumenta a parte agravante que, por ocasião do encerramento das atividades da referida pessoa jurídica devido à incorporação, na qualidade de empresa incorporadora, sucessora dos direitos e obrigações da incorporada, ficou impossibilitada de utilizar os prejuízos fiscais acumulados por tal sociedade em anos subsequentes, por causa da restrição contida na legislação.(...) 5. A parte agravante pretende, por meio de sofisticada retórica, possibilitar o provimento de sua pretensão recursal quando afirma: "Ocorre que, em nenhum momento, Excelência, se busca aproveitar, pela incorporadora, os prejuízos fiscais da incorporada: o que se pretende é o direito à dedução integral de prejuízos fiscais e bases negativas no momento da apuração de balanço de encerramento das atividades pela pessoa jurídica por ela incorporada". 6. Afirma que não devem ser aplicados à empresa incorporadora os limites dos valores a serem compensados previstos nos arts. 15 e 16 da Lei 9.065/1995 e 42 e 58 da Lei 8.981/1995. 7. Pretende a parte agravante, além de afastar a limitação do teto de 30% (trinta por cento) para compensação do prejuízo fiscal e bases negativas previsto nos arts. 15 e 16 da Lei 9.065/1995; e 42 e 58 da Lei 8.981/1995, direcionados à empresa incorporada, criar hipótese de compensação inexistente na legislação tributária.8. Encontra-se em vigor dispositivo normativo categórico em sentido contrário ao postulado na presente ação, quando afirma o art. 33 do Decreto-Lei 2.341/1987: "A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida". 9. Tal vedação tem precedentes no STJ, reafirmando a impossibilidade da compensação de prejuízos fiscais da empresa incorporada pela empresa incorporadora: REsp 949.117/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 11/12/2009; REsp 1.107.518/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 25/8/2009; REsp 307.389/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 17/3/2003, p. 179. 10. Calha a transcrição do Voto da eminente Ministra Eliana Calmon no REsp 1.107.518/SC que esclarece de forma definitiva a vedação estabelecida pelo art. 33 do Decreto-Lei 2.341/1987: "O acórdão recorrido mostra-se coerente com a jurisprudência desta Corte que entende pelo caráter de benefício fiscal das regras que admitiam a compensação de prejuízos fiscais ou bases de cálculo negativas. Com efeito, a base de cálculo negativa exclui o tributo, nulificando o crédito tributário. Demonstra a inexistência de acréscimo patrimonial, tornando inaplicável a regra-matriz do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. É ilegal a incidência de imposto sobre a renda sobre o que não é acréscimo patrimonial, renda nova que evidencia a aquisição de capacidade contributiva. Coisa diversa é a compensação de prejuízos fiscais. As regras do imposto sobre a renda admitiam a compensação de prejuízos fiscais como instrumento de intervenção do Estado na economia para minimizar o impacto da carga tributária de empresas que durante certo tempo apresentaram resultados negativos. Daí inexistir violação ao art. 43 do CTN. A norma de compensação é norma de exercício da competência tributária do ente federativo e são fixadas segundo as balizas do CTN, mas com amplo espectro de liberdade pelos titulares do poder tributário. Nesse sentido, os entes federativos são livres para editar as normas que melhor lhes convirem, respeitados tão-somente as balizas constitucionais. A regra do art. 33 do Decreto-lei 2.341/87 foi editada nesse diapasão: para vedar a compensação de prejuízos fiscais nas operações de transformações da pessoa jurídica. Depreende-se de tal proceder que o objetivo foi impedir a elisão tributária, pois muitas empresas viram a reorganização societária como instrumento de planejamento tributário e passaram a se reorganizar com o único intuito da economia de tributos. Passou a ser um negócio vantajoso incorporar ou fundir a empresa deficitária como forma de reduzir a carga tributária. O titular da competência tributária pode através de normatização adequada excluir as zonas de não-incidência para impedir a utilização da elisão tributária. Não há o que a doutrina chamou de poder geral da Administração tributária para desconstituir atos e negócios jurídicos (a chamada norma geral antielisão) já que o art. 116, parágrafo único, do CTN é norma de eficácia limitada, carente de lei para produzir efeitos. Portanto, considerada a autorização para a compensação de prejuízos fiscais como forma de benefício fiscal, livremente suprimível pelos entes federativos no exercício da competência tributária, é perfeitamente válida a regra do art. 33 do Decreto-lei 2.341/87 e demais regras posteriores de igual teor". (...). 12. Decidir de forma contrária seria permitir que negócios jurídicos privados interfiram no exercício da competência tributária dos entes federativos, o que é vedado pelo art. 123 do Código Tributário Nacional ("Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes"). 13. Agravo Interno não provido."

 (...)

REsp 307.389 Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 17/03/2003: "TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. LUCRO DE EMPRESA INCORPORADA A SER COMPENSADO COM PREJUÍZO DA EMPRESA INCORPORADORA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. A empresa incorporadora não pode compensar prejuízos apurados em determinado exercício com lucros obtidos por empresa incorporada, para fins de imposto de renda, por ausência de previsão legal. 2. O silêncio da lei sobre determinada situação não gera direitos para as partes que compõem a relação jurídico-tributária. 3. A homenagem ao princípio da legalidade tributária exige expressa disposição na lei da conduta a ser praticada pelo ente tributante e pelo contribuinte. 4. Compensação não permitida. Precedente: REsp 54348/RJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Turma. 5. Recurso improvido."

O REsp 307.389 foi invocado, inclusive, pelo já mencionado REsp 1.725.911 (ementa transcrita mais acima) para ilustrar precisamente a impossibilidade de contornar-se a trava de 30% de aproveitamento de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sob o fundamento de haver distinguishing a favor do caso de incorporação, na medida em que tal pretensão contraria vedação há décadas existente."

 

O que transparece das alegações dos embargos é que, em razão de o acórdão atacado adotar, desde o início, fundamentação lastreada em premissas diversas das pretendidas pelo contribuinte, e a partir desta base construir as razões de decidir subsequentes, a embargante entende que há omissão em relação a todos os argumentos que não foram tratados pelo viés desejado pelo recurso. Tal noção resta clara dentre outros pontos, ante a ilação dos aclaratórios – próximo ponto a ser examinado - de que determinados aspectos da arguição do apelo (notoriamente a veiculação de que a manutenção da trava percentual na hipótese dos autos ensejaria violação a múltiplos princípios constitucionais) foram analisados “de forma conjunta e sob uma perspectiva diferente daquela suscitada pela Embargante” (ID. 149016023, f. 11).

Ora, antes de mais nada, afirmar-se que a forma como analisados os argumentos veiculados é indesejada evidencia, na própria enunciação, que não há omissão, mas discordância com o julgamento, o que recomenda a veiculação de recurso próprio às instâncias superiores, e não a oposição de embargos de declaração.

Em segundo lugar, cumpre expor que não cabe à parte a eleição dos fundamentos de direito pelos quais a lide é resolvida. A invocação de preceito normativo no decorrer do processamento do feito não traduz obrigatoriedade de que o julgamento esteja alicerçado ou faça referência a tal comando, que supõe a parte seja relevante ao deslinde do caso. Vale a máxima latina "da mihi factum, dabo tibi ius", entendimento que configura corolário lógico da liberdade de convencimento do Juízo, a partir das alegações das partes e das provas carreadas aos autos.

Assim é que o Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de não ser o Juízo obrigado a refutar, um a um, todos os argumentos vertidos pelas partes no processo (grifos nossos):

 

AgInt no REsp 1.843.591, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 04/12/2020: "AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AGRAVANTE. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/73, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos aos autos pelas partes. 2. Para desconstituir o entendimento exposto pelo Tribunal local acerca da validade da cláusula que prevê a cobrança mensal de taxa de administração contratual, seria imprescindível o reexame de prova e reinterpretação de cláusula, o que é defeso nesta instância especial (Súmulas 5 e 7/STJ). 3. A divergência jurisprudencial com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que configurem o dissídio, não sendo bastante a simples transcrição de ementas sem o necessário cotejo analítico a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações. 4. Agravo interno desprovido."

 

Por consequência, a indicação expressa de cada artigo de lei invocado pelas partes é igualmente despicienda (grifos nossos):

 

AgRg no AREsp 461.677, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 18/06/2014: "TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE. IPVA. ACÓRDÃO DECIDIDO COM BASE EM LEI ESTADUAL. SÚMULA 280/STF. CONFLITO ENTRE LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. MATÉRIA SUJEITA A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. 1. Hipótese em que o Recurso Especial busca afastar a responsabilidade tributária do credor fiduciário por débito de IPVA. 2. Não se verifica ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Desde que adote fundamentação jurídica pertinente ao conflito solucionado, o julgador não precisa se pronunciar expressamente sobre cada artigo de lei invocado pela parte. 3. In casu, a responsabilidade pelo crédito tributário foi firmada com base na interpretação da Lei Estadual 14.937/2003, razão pela qual a reforma do acórdão recorrido exige análise de norma local, o que é inadmissível no âmbito do Recurso Especial (Súmula 280/STF). 4. A alegação de que o Recurso Especial deve ser admitido, em razão de estar em discussão ofensa ao art. 110 do CTN por suposta definição deturpada do conceito de alienação fiduciária estabelecido pelo art. 5° da Lei Estadual 14.937/2003, não socorre a agravante. Compete ao STF julgar, em Recurso Extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida lei local contestada em face de lei federal (art. 102, III, "d", da CF). 5. Agravo Regimental não provido."

 

Nesta linha, as omissões aventadas inexistem. Desde o princípio assentou-se que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a compensação de resultados negativos é benefício fiscal que pode ser suprimido, sem ofensa à Constituição (vide o quanto também já se reiterou nesta oportunidade, mais acima). Novamente, a questão é de lógica formal: se o abatimento dos prejuízos fiscais e bases negativas de CSL não é direito do contribuinte e é dissociado dos fatos geradores tributários respectivos, podendo ser simplesmente revogado (entenda-se, vedando compensação de qualquer montante de resultado negativo na escrita fiscal), não há como se dizer que há ofensa à definição constitucional de renda e aos princípio da legalidade, limitação da competência tributária, capacidade contributiva, vedação ao confisco e isonomia em se obstar que a empresa em extinção compense mais que "apenas" 30% do lucro líquido com resultados negativos em balanço especial de encerramento, acaso detenha saldo de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL maiores que este valor. Despiciendo, portanto, analisar em detalhe a arguição do contribuinte em relação a cada um destes mandamentos.

Ainda assim, o acórdão novamente foi além, para analisar outros prismas teóricos e assentar que também não é possível extrair premissa normativa implícita de que a trava de 30% é aplicável “desde que a empresa mantenha suas atividades até poder compensar a íntegra dos prejuízos percebidos”, ou seja, que o benefício fiscal, em si, tal como previsto, assegura, enquanto vigente, a compensação de todos os resultados negativos anteriores.

Desta maneira, o que os embargos apontam como omissão é, ao diametralmente oposto, fundamentação exauriente do tema:

 

"De fato, considerada a autonomia dos períodos-base, o aproveitamento, comunicação, transferência ou compensação de prejuízos fiscais ou bases de cálculo negativas de um para outro exercício não é decorrência da hipótese de incidência, materialidade ou fato gerador do tributo. A limitação temporal, dentro de cada período-base, em que permitido o ajuste de lucros e prejuízos ou bases de cálculo negativas, não macula a aferição de riqueza tributável, segundo a Constituição e a legislação tributária, considerado, por exemplo, o princípio da capacidade contributiva, dentre outros. 

Não cabe cogitar, portanto, de violação a princípios constitucionais dissociando o tributo de seus elementos integrativos, assim a capacidade contributiva deve ser vista não apenas em função do aspecto material da tributação, mas dentro do período temporal definido pela legislação. A narrativa de que lucros e prejuízos devem ser compensados sem qualquer limitação é válida dentro do período-base de referência do tributo, mas para além dele vale o que dispuser a lei, dado que não se trata mais de aferir fato gerador do mesmo tributo, mas de outro tributo por referente a uma temporalidade distinta, sendo este o sentido lógico-jurídico e sistemático da natureza jurídica de benefício, declarada pela Suprema Corte, na interpretação do preceito legal que autoriza a comunicação de prejuízos entre períodos-bases distintos.

Logo, sendo a permissão de aproveitamento configurada como benefício fiscal, resta inequívoco que depende de lei e deve ser interpretada de forma estrita, sem ampliação ou restrição imprevista na própria lei, tal qual ocorre na interpretação da incidência fiscal. Isto porque, se deferida a pretensão de forma a estender o benefício fiscal para hipótese não contemplada, o que se faz, em última análise, é reduzir a incidência fiscal sem fundamento legal, contrariando o princípio da legalidade. 

Na verdade, a tese, como exposta, defende, materialmente, que, sem lei expressa, supondo premissa não normatizada, empresas extintas teriam mais direito do que o expressamente reconhecido às empresas que continuam ativas no empreendimento econômico, fazendo supor a existência de um incentivo fiscal e estatal à extinção e concentração empresarial, dado que assim seriam especialmente premiados tais empreendimentos com benefícios fiscais não apenas de 30%, mas de 100% na compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas. A constatação dos efeitos práticos desta tese jurídica evidencia a impossibilidade de que seja admitida, considerada a razoabilidade como instrumento de interpretação e, sobretudo, o bem-comum como finalidade da aplicação da lei.

Cabe destacar que, além de não permitido pela legislação, conforme abaixo destacado, o propósito ainda contraria vedação expressa, sobre a qual não se discutiu inconstitucionalidade, buscando, assim, contorná-la em sua eficácia (artigo 33 do Decreto-lei 2.341/1987).

Como explicitado nos autos, os artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995, ao permitirem que prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sejam compensados para redução da tributação de IRPJ e CSL à base de 30%, nos períodos-base subsequentes, não fizeram exceção quanto a empresas extintas, por incorporação, como é o caso dos autos. 

(...)

Tendo sido reconhecida a constitucionalidade de tais previsões, como de fato ocorrido em sede de repercussão geral no RE 591.340, qualquer restrição que se coloque à eficácia dos comandos respectivos depende de declaração de inconstitucionalidade ou de atividade positiva do legislador no sentido de modificar o texto legal, já que o intérprete não pode afastar o previsto no preceito para inserir exclusão, exceção ou qualquer limitação imprevista na redação do texto normativo. Esta foi, de resto, a conclusão alcançada no REsp 1.805.925, de ementa reproduzida acima. 

Ademais, perceba-se que mais do que apenas tornar ilimitada a compensação, ou seja, além de excluir o limite de 30% por período-base, o que concretamente se pretende, ainda, é transferir o exercício de benefício fiscal de uma para outra pessoa jurídica. Na prática, houve balanço especial de extinção por incorporação, em que houve integral compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas na tributação da própria incorporada, objetivando transferir, materialmente, tal aproveitamento à incorporadora. Ainda que formalmente realizada a integral compensação de prejuízos e bases de cálculo negativas pela incorporada, no respectivo balanço de extinção, sem amparo legal, o intento inequívoco e transferir o proveito efetivo do direito à incorporadora.

Contudo, enquanto benefício fiscal, a transferência como o próprio aproveitamento, em si, não podem ser invocados sem base legal e, portanto, a vedação contida no Decreto-lei 2.341/1987 encontra-se em linha com os artigos 58 da Lei 8.981/1995 e 15 da Lei 9.065/1995 e, outrossim, com a jurisprudência consolidada das Cortes Superiores sobre a natureza da compensação autorizada por tais preceitos legais. 

(...)

Além de não ter previsão legal o aproveitamento integral de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, quando exercido por quem a lei contempla como titular de tal direito, o que se pretende contraria, ainda mais, o princípio jurídico básico segundo o qual não se pode transferir mais direito - no caso, propriamente, benefício fiscal - do que aquele do qual se é titular. A sucessão em direitos e obrigações, que decorre da incorporação, nos termos do artigo 227 da Lei 6.404/1976, tem por limite óbvio a transferência de direitos que o incorporado tenha, nas condições e limites respectivos, e não da forma pretendida, à revelia da legislação. 

(...)

No aspecto jurídico, o contexto social, histórico e econômico, acima exposto, reforça a importância do princípio da legalidade à luz da Constituição e respectivos fundamentos e valores. Na interpretação do direito tributário e, em especial do tema posto a debate, não se pode afastar, portanto, da base estrutural do sistema, a partir dos aspectos de conformação da tributação em geral e de cada espécie tributária em particular. 

Neste sentido, quanto à transferência de resultados entre períodos-base distintos, cabe à lei contemplar previsão específica de eventual alteração da conformação temporal da hipótese de incidência, podendo, no limite, até mesmo instituir regime de indefinição temporal para exaurimento de resultados negativos, desde que o faça com a observância de princípios constitucionais, incluindo isonomia e segurança jurídica. Cabe ao Judiciário, por sua vez, interpretar a lei no caso de disputa e divergência entre contribuintes e fisco acerca de seu sentido, conteúdo e aplicação e, como visto, no tocante à legislação em exame, a jurisprudência assentou o entendimento de que restou instituído não direito, mas benefício fiscal ao contribuinte.   

Não é o contrato de incorporação, negócio jurídico entre partes, mas, exclusivamente, a lei que institui o benefício e permite que a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas da empresa sucedida seja aproveitada, nos limites da previsão, pela empresa sucessora. Ao contrário de outros direitos e créditos que são negociáveis, por livre vontade das partes no exercício da autonomia negocial, o benefício fiscal em referência decorre da lei e não pode ser transferido em maior extensão (portanto, sem o limite de 30%) do que o conferido ao próprio titular originário. 

(...)

O benefício fiscal, que deveria ser interpretado de forma estrita, seria transformado, por ato exclusivo de vontade dos contribuintes, em ilimitado e transferível, bastando que, por engenharia ou organização societária, fosse promovida a incorporação de uma empresa por outra. Visto sob este prisma, o contribuinte seria admitido à autoconcessão de benefício fiscal, sem base legal e à revelia fiscal, eliminando duas condições que constituem a própria essência da previsão legal: a de que se trata de benefício fiscal intransferível e inegociável, e a de que é limitada em percentual intransponível a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas para apuração do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro. "

 

O trecho acima transcrito permite avançar nas alegações dos aclaratórios. A arguição de que o aresto teria sido obscuro por afirmar que a pretensão do contribuinte pretende afastar vedação expressa de que a incorporadora se utilize dos prejuízos fiscais da incorporada caracteriza, uma vez mais, irresignação de mérito.

Com efeito, conforme claro no texto acima, como também da ementa do AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911, transcrita, na íntegra e com destaques, no voto embargado e já reproduzida na presente explanação, anteriormente (pelo que se permite não a reproduzir novamente, pela terceira vez), o fundamento esposado quanto a este ponto é o de que a compensação da íntegra dos prejuízos fiscais pela incorporada, por ocasião do balanço de extinção prévio à incorporação, é artifício que busca contornar a proibição legal, clara e expressa, de que a incorporadora se utilize, na escrita fiscal, dos resultados negativos da incorporada.

Portanto, de fato, sabe-se que não foi a embargante que se utilizou dos prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL da TEVECAP S.A.. Trata-se de premissa volitivamente assumida, e não falha do raciocínio exposto. O que o aresto embargado sustentou, com respaldo em jurisprudência da Corte Superior (o multimencionado AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911) é que tal expediente, pretende, por via transversa, negar eficácia à proibição constante do artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/1987:

 

"Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.

Parágrafo único. No caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido."

 

 Por sinal, a vigência deste dispositivo até os dias presentes reforça o entendimento de que a benesse constante dos artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995 não contém condicionamento implícito da trava percentual prevista à manutenção da existência da empresa contribuinte (já que a legislação assume, livremente, o caso em que a incorporada é extinta com prejuízos fiscais não compensados). Pelo contrário, e como também exposto no acórdão embargado, em afirmação albergada pela jurisprudência do Supremo Tribunal sobre o tema, a compensabilidade de resultados negativos, segundo o sistema vigente atualmente, objetiva alavancar pessoas jurídicas, para fim de preservar a continuidade das atividades empresariais (daí porque falece razão ao objetivo de alargar o benefício justamente no cenário contrário, de extinção da empresa).

No mais, o outro excerto do voto manejado pela embargante para arguir que houve julgamento de questão estranha aos autos (“No momento em que se discute a pauta social e econômica de privilégios a serem combatidos e preciso expor, em amplitude, em que consistem os mecanismos que geram despesas e os que limitam receitas do Estado” (...) não contabilizando desvios e ilicitudes que minam a capacidade financeira do Estado de aprimorar sua atuação com menor custo e maior eficiência, e deixando, ainda, de empreender olhar sistêmico do que ocorre na ponta do financiamento através do sistema tributário, no qual existem, bem melhor ocultos do que se alardeia quanto às despesas públicas, não poucos privilégios, conferidos através de anistias, parcelamentos, desonerações sem contrapartida, incentivos e benefícios fiscais, que excluem de tratamento igual não apenas a maior parte da população, mas também vários setores econômicos e empresariais, criando distorções, não raro, no próprio ambiente da livre concorrência”) é, tão somente, contextualização do cenário hodierno do sistema tributário nacional, enquanto um dos múltiplos elementos de convicção suscitados para construção das razões de decidir que conduziram à interpretação esposada da legislação de regência pelo acórdão embargado.

Adiante, tampouco se avista pertinência na imputação de obscuridade do acórdão ao referir que o caso seria de tributação imputada a grupo econômico. É que tal conclusão sequer consta dos autos.

Observe-se o trecho do voto referido pela embargante neste tocante (grifos da própria embargante):

 

“Embora seja possível, em tese, que a incorporação se destine ao saneamento por parte da controladora do patrimônio líquido negativo da controlada, e fato que, em verdade, a operação na perspectiva empresarial sempre objetiva e antevê, de forma planejada, economia de escala, redução de custos, aumento da capacidade produtiva, aproveitamento de vantagens de mercado e nichos explorados pela incorporada, entre outras variáveis que tornam a operação um projeto não apenas economicamente viável, mas planejadamente lucrativo. Tal lucratividade, porém, deve resultar da operação econômica em si, do ganho de escala na produção e do melhor aproveitamento e controle do mercado pela ação e sinergia que possa resultar de tal reorganização societária, e não de incentivo fiscal sem previsão em lei, como se pretende. Sobretudo, não e lícito ao Judiciário, cuja função constitucional e apenas a de anular a lei, e não a modificar ou criar lei, participar do incentivo, através da redução de carga tributária, a projetos empresariais de reorganização societária. O risco do negócio, no regime de liberdade de iniciativa econômica, e do empresário e empreendedor, e se a legislação não confere o benefício fiscal pretendido, não pode decisão judicial substituir-se a lei para promover incentivo na forma de redução de carga tributária, como pleiteado nos autos.”

 

Ainda que se queira assumir, por hipótese, existir qualquer relevância na discussão suscitada pelos embargos neste ponto (a existência ou não de conglomerado empresarial é circunstância marginal e rigorosamente irrelevante na concatenação, suficiência e coerência interna da fundamentação do voto), nada no excerto acima permite concluir que a Turma assumiu que o caso tratava de formação de grupo econômico (que, registre-se, não é por si ilícita, pelo que não seria demérito de qualquer sorte, de toda a forma). Uma vez mais, os embargos de declaração imprimem interpretação notadamente oblíqua aos termos do voto proferido para sustentar vício, na medida em que os trechos destacados apenas descrevem, singelamente, a incorporação de uma empresa por outra (tal como ocorrido nos autos) como “reorganização societária”, o que não representa qualquer juízo de valor – trata-se de operação, dentre outras (fusão, cisão, etc.), legalmente prevista, por exemplo, na Lei 6.404/1976.

A impugnação dos aclaratórios parte de assunção, sponte própria, de que houve imputação indevida de ilegalidade à incorporação societária realizada, o que, contudo, não se depreende do voto sob qualquer enfoque que se queira dar ao segmento destacado. Ainda, assume que houve tratamento jurídico próprio de grupos econômicos, muito embora nenhum dos argumentos do voto esteja calcado nesta premissa (tanto assim que a embargante não apresentou qual seria a conclusão equivocada atingida pelo julgamento, sobre tal alicerce), até porque, como dito, não é este o sentido do texto.

Superadas as impugnações relativas à fundamento do acórdão no tocante à higidez da trava percentual de compensação de resultados negativos quando da extinção da pessoa jurídica, prossegue-se no exame dos aspectos periféricos ao mérito em relação aos quais a embargante ora alega que houve vício analítico no aresto atacado.

Constata-se, neste mister, que as alegações veiculadas a este respeito são, na esteira das anteriores, manifestamente improcedentes. Novamente, não se identifica omissão, falta de clareza ou contradição lógica no acórdão embargado, mas simples discordância da embargante com a fundamentação exposta, caracterizada como “obscuridade” do julgamento, para fim de pretender validar o manejo de embargos de declaração em detrimento do recurso meritório competente.

Neste sentido, a imputação de vício no julgamento no tocante à interpretação dada ao estudo acadêmico apresentado pelo contribuinte e ao acórdão CSRF/01-05.101 é restrita, essencialmente, à arguição de que a Turma interpretou equivocadamente ambos os documentos. Evidencia-se desde logo, assim, tratar-se de impugnação meritória.

Colhe-se dos embargos (grifos no original):

 

"49. Pois bem. A primeira obscuridade constatada se refere à assertiva da decisão embargada de que “o próprio estudo da FGV mencionado indica expressamente” que a “jurisprudência do CARF não se manteve, a rigor, unânime entre 2000 e 2009”, a despeito do fato do próprio trecho reproduzido no acórdão embargado revelar que a única Câmara julgadora ordinária que mantinha o posicionamento pela aplicação do limite de 30% tinha suas decisões revertidas, à unanimidade, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, instância máxima de interpretação das leis no âmbito administrativo-tributário. A única decisão que deixou de ser revertida remete ao ano de 2009, período posterior do fato gerador em questão.

50. A segunda obscuridade, ao seu turno, decorre da assunção, por parte da decisão embargada, de que o acordão CSRF/01-05.101, julgado em 2004, comprovaria que a jurisprudência do Tribunal Administrativo sobre a incidência da trava na peculiar hipótese de encerramento da pessoa jurídica não estaria consolidada por ocasião dos fatos geradores. Isso porque, dos fundamentos do aludido precedente administrativo é possível perceber que o contexto fático daquele processo diferia bastante dos demais casos que envolvem a tese da inaplicabilidade do limite de 30% na extinção de pessoa jurídica, sendo certo que a Câmara Superior de Recursos Fiscais decidiu pela incidência do limite quantitativo exclusivamente em virtude do fato de que, à época do evento autuado, era autorizado à incorporadora compensar os resultados negativos da empresa incorporada, situação fática totalmente diversa da presente, senão vejamos(...)"

 

Perceba-se, desde logo, que a primeira “obscuridade” aventada é esclarecida pela própria embargante. O aresto embargado afirmou que a jurisprudência do CARF não se manteve unânime, a rigor, porque identificou, a partir do próprio estudo apresentado, que uma das câmaras ordinárias do órgão (ainda que não fosse instância última de julgamento) mantinha entendimento diverso, afora caso em que foi adotada solução distinta na própria CSRF, por ocasião do acórdão 01-05.101.

A arguição de que o precedente administrativo em questão não se aplica à espécie, por sua vez, ignora o relatório do julgado e é contraditória em relação a toda a exposição meritória do apelo.

Segundo a narrativa fática do conselheiro relator, o panorama recursal  em tal feito era o seguinte (grifos nossos):

 

"A decisão guerreada, prolatada pela E. 1 a Câmara, foi no sentido de que a norma jurídica que estabeleceu o limite de 30% do lucro líquido para compensação de base de cálculo negativa não contém regra de exceção para o caso em que a empresa sofrer incorporação, sendo que a ementa ficou assim redigida:

CSLL — COMPENSAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NEGATIVA — A regra legal que estabeleceu o limite de 30% do lucro líquido ajustado para compensação não contém exceção para as empresas que sejam objeto de incorporação.

Sustentou a recorrente que deve ser dado um tratamento adequado à situação que envolve a extinção da pessoa jurídica, no tocante ao aproveitamento da base de cálculo negativa. A Lei 9065 não tirou do contribuinte o direito de compensar suas bases negativas em períodos futuros, tendo em vista a exposição de motivos da MP 947/95 e 972/95 (convertida na Lei 9065), de modo que, na hipótese de descontinuidade da empresa, na declaração de encerramento (balanço especial), cabe integral compensação da base de cálculo negativa, sendo inaplicável a trava.

Não se pode permitir as duas limitações concomitantes — a trava de 30% e a impossibilidade de a incorporadora utilizar bases de cálculo negativas da incorporada — pois, de modo inverso, estar-se-ia penalizando o contribuinte que promovesse incorporação societária (...)"

 

Como destacado pela embargante, o caso foi resolvido no sentido de que a incorporadora poderia, sim, compensar os saldos negativos de CSL da incorporanda, à época dos eventos discutidos, pelo que não havia razão para se suprimir a trava percentual de 30% no balanço de encerramento.

Contudo, diversamente da conclusão dos aclaratórios, isto não torna o precedente inaplicável ao presente julgamento. Veja-se que apenas remanesce sentido lógico em se arguir que a manutenção da trava de compensabilidade na extinção da empresa motiva todos os vícios elencados nos recursos da ora embargante se o encontro de contas puder ser realizado pela própria incorporanda. Afinal, a possibilidade de pessoa jurídica diversa utilizar tais valores não representaria saneamento do suscitado desrespeito ao conceito constitucional de renda, capacidade contributiva e todos os demais princípios constitucionais invocados.

Por consequência – embora já se tenha esclarecido que a tese de que a incorporanda pode utilizar todo o saldo negativo remanescente no respectivo balanço de encerramento busca indevidamente contornar a proibição (já vigente e aplicável à época dos fatos em discussão nestes autos) de que a incorporadora maneje tais resultados negativos em sua escrita fiscal –, fato é que a conclusão da CSRF de que a trava merece ser mantida porque, no cenário analisado àquela oportunidade, era permitido à incorporadora se valer de tais prejuízos, em nada aproveita a arguição meritória da embargante. Pelo contrário, a infirma e ratifica a exposição do acórdão embargado: se a limitação de compensação deve ser mantida, impedindo o abatimento da integralidade da base negativa de CSL percebida, então não há vício, legal ou constitucional, intrínseco à trava, na hipótese de extinção da empresa. Exsurge clara, sim, a pertinência da menção ao julgado como incremento à fundamentação do aresto embargado.

Ainda que assim não fosse, este segmento é apenas um dos múltiplos argumentos declinados pela Turma quanto à tese de que estaria ocorrendo ilegal aplicação retroativa de entendimento jurídico sobre a matéria, como transparece dos próprios aclaratórios, que caracterizam cada segmento destacado da fundamentação como obscuro.

Seguindo no enfrentamento dos embargos, a pretensão de arguição de omissão pela ausência de justificativa à não aplicação à lide do REsp 1.596.978 (que esposou que a revisão jurisprudencial se aplica apenas prospectivamente) é ainda outro exemplo de desconsideração das premissas e concatenações da fundamentação do aresto. Com efeito, a Turma concluiu, embora discorde a embargante, que não houve revisão de jurisprudência pacífica na espécie, seja porque no Judiciário nunca se consolidou a tese defendida como porque no âmbito administrativo não se poderia ignorar, nesta quadra, a prática reiterada das autoridades administrativas (artigo 100, I e III, CTN), na medida em que as decisões do CARF não são aprioristicamente ou de qualquer forma normas secundárias superiores à atividade administrativa de fiscalização, para tal fim. Logo, não há por que discutir precedente jurisprudencial que versa sobre a eficácia da mudança de jurisprudência – e que, aliás, foi reformado em embargos de divergência (EREsp 1.596.978/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11/10/2019).

Cumpre notar, de resto, que a fundamentação do aresto embargado para concluir que não se pode falar de aplicação retroativa de entendimento jurídico na espécie representa aproximadamente um terço de toda a extensão do voto embargado (ID. 3916112, f. 14/31), abordando, de maneira exaustiva, todos os argumentos do apelo sobre a questão. Em prestígio à objetividade, transcreve-se exclusivamente a síntese conclusiva:

 

"Resta inviável acolher o pleito do contribuinte neste sentido porque, resumindo: i) não há como se pretender sobrepor a jurisprudência administrativa à judicial; ii) não havia proteção normativa que resguardasse a conduta praticada tão somente porque estaria em linha com a jurisprudência dominante do CARF, dada a existência de entendimento das autoridades fiscais, e do próprio Judiciário, em sentido diverso; e iii) tampouco consta dos autos qualquer prova consistente de que de fato tal circunstância tenha sido considerada, na espécie, ao momento da prática da conduta autuada pela autoridade fiscal (em razão da inexistência de prova material de tal erro de proibição por parte da incorporada)."

 

Apenas pontua-se, por haver a embargante destacado a questão, que, como toda a fundamentação do aresto, a afirmação de que é possível extrair posição contrária do Judiciário, desde 2002, à possibilidade de supressão da trava percentual de compensabilidade de resultados negativos em caso de extinção da pessoa jurídica, é tese que se utiliza da paulatina construção da argumentação demonstrada no voto. Assim, para além de casos expressos neste sentido (vide a referência à AC 1998.01.00.076031-8), o acórdão coteja o significado e repercussão de uma década de precedentes jurisprudenciais que trataram tal possibilidade de dedução escritural como benefício fiscal (a invocar, portanto, as premissas analíticas estabelecidas, desde o início, a partir da análise do RE 591.340).

Note-se que isto foi devidamente esclarecido (grifos atuais):

 

(...)

Sucede que ao menos desde 2002 o Superior Tribunal de Justiça sinalizava que a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas é benefício (a atrair as considerações meritórias iniciais, no sentido de que a fruição respectiva apenas é possível segundo regra legal própria, em interpretação literal), e desde pelo menos 2003 há precedente que aponta a necessidade de previsão legal expressa para procedimentos de compensação de prejuízos entre incorporada e incorporadora (grifos nossos):

(...)

O REsp 307.389 foi invocado, inclusive, pelo já mencionado REsp 1.725.911 (ementa transcrita mais acima) para ilustrar precisamente a impossibilidade de contornar-se a trava de 30% de aproveitamento de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sob o fundamento de haver distinguishing a favor do caso de incorporação, na medida em que tal pretensão contraria vedação há décadas existente.

Os precedentes da Corte Superior sobre os dois aspectos apontados (compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas como benefício fiscal e higidez da trava em caso de extinção da pessoa jurídica) continuaram a ser reproduzidos durante a mesma década em relação à qual se argumentou que a jurisprudência administrativa vigia em sentido contrário.

Confira-se, neste sentido, dentre outros exemplos (grifos nossos):

(...)

Como se infere, o trato da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça significa que havia jurisprudência regional sobre a matéria. Neste tocante, calha a menção ao seguinte precedente da 1ª Região:

(...)"

 

Adiante, os embargos aparentam impugnar, genericamente, a análise do caso, pela Turma, sob o prisma da inexistência de direito adquirido, que não teria sido veiculado no apelo. Trata-se, contudo, de novo equívoco de percepção da fundamentação do acórdão.

Afora o quanto já explicado no sentido de não estar à disposição da parte a delimitação do direito a ser utilizado para solução da lide, há apenas três segmentos do voto em que se constata discussão específica sobre direito adquirido: a primeira, constante da transcrição parcial do voto do Min. Alexandre de Moraes no bojo do RE 591.340 (“não há, a meu ver, um direito adquirido de poder compensar prejuízos no lucro, compensar prejuízos para efeitos de análise do lucro") não se tratando de afirmação da Turma; a segunda, na jurisprudência da Corte Superior referenciada na fundamentação do aresto embargado, no sentido de que, por não haver direito adquirido à compensabilidade de resultados negativos, a trava percentual prevista em lei não consubstancia qualquer vício, o que também caracteriza menção incidental em citação; e a terceira, esta sim, ad cautelam, ante à suscitação genérica do apelo de que haveria violação ao artigo 5º, XXXVI da Constituição, sem qualquer explicação ulterior.

Precisamente objetivando evitar qualquer alegação de omissão, constou do voto (grifos atuais):

 

"Quanto aos dispositivos constitucionais suscitados, para além de inexistência de desenvolvimento argumentativo específico, verifica-se, prima facie, não ser aplicável a maior parte do teor de tais normas ao caso concreto. Não há direito adquirido à fruição de benefício fiscal em maior extensão do que a lei permite, tampouco coisa julgada, na espécie (se não, quando muito, a administrativa, em desfavor do impetrante). Não há que se dizer, tampouco, de exigência retroativa de tributo, já que o que se invalidou foi compensação contábil tida por indevida, não se discutindo, em verdade, o IRPJ e a CSL originalmente devidos no exercício, propriamente."

 

Finalmente, também improcedem as alegações dos embargos quanto à fundamentação utilizada pela Turma para afastar a pretendida aplicação retroativa do artigo 19-E da Lei 10.522/2002, promulgado pela Lei 13.988/2020.

Primeiro, porque não existe a contradição, veiculada nos embargos, entre o trecho do acórdão que destaca que a mens legislatoris na criação deste dispositivo era diversa da mens legis extraída do texto final e a fundamentação, anterior, no segmento do voto que discutiu a interpretação cabível da trava percentual de compensação de resultados negativos, de que não se poderia dar relevância desmedida à mens legislatoris, para substituir a mens legis.

Pela clareza, cumpre a transcrição dos dois excertos em questão (grifos atuais):

 

"O benefício fiscal, que deveria ser interpretado de forma estrita, seria transformado, por ato exclusivo de vontade dos contribuintes, em ilimitado e transferível, bastando que, por engenharia ou organização societária, fosse promovida a incorporação de uma empresa por outra. Visto sob este prisma, o contribuinte seria admitido à autoconcessão de benefício fiscal, sem base legal e à revelia fiscal, eliminando duas condições que constituem a própria essência da previsão legal: a de que se trata de benefício fiscal intransferível e inegociável, e a de que é limitada em percentual intransponível a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas para apuração do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro. 

Adentrar na mens legislatoris para modificar a mens legis, alterando de tal maneira o conteúdo normativo do preceito legal extrapola a atividade meramente cognitiva e interpretativa da legislação, pois equivale à atuação judicial como legislador positivo, o que não seria possível sequer no controle de constitucionalidade. 

(...)

Como visto, não foi esta, porém, a redação final promulgada, que, diversamente, definiu a regra do desempate aplicável "no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário". Em suma, a partir de invocação do artigo 112 do CTN, mudou-se a sistemática de votação que incidia, de maneira mais relevante, sobre discussões sobre o crédito principal, sendo patente o resultado de descompasso entre a mens legis e a mens legislatoris.

 

Defendeu a embargante que:

 

"Patente, desta feita, a contradição incorrida pelo aresto embargado, afinal, ou bem se sustenta que a mens legislatoris não pode ser desprezada e, como tal, também deveria ter sido levada em consideração a Exposição de Motivos das Medidas Provisória nº 812/94 e nº 998/95, ou bem o decisum se filia à convicção de que não seria possível “adentrar na mens legislatoris” e, então, deveria ignorar a justificação da Lei nº 13.988/20."

 

Sucede que a mera leitura do voto revela que os parágrafos selecionados não traduzem manifestações oponíveis entre si. No primeiro excerto, refutou-se a prevalência apriorística da mens legislatoris sobre a mens legis; no segundo, também. Tanto que, após a contextualização ora atacada pela embargante, o que se analisou foi a norma efetivamente promulgada ("Em que pese tal confusão, é fato que (...)"), independentemente da intenção diversa do representante do Legislativo que originalmente havia proposto a alteração do Decreto 70.235/1972. Não se visualiza qual seria a contradição entre os textos.

Adiante, a arguição de que há contradição entre o julgado embargado e precedente anterior da Turma (ApCiv 0013044-60.2015.403.6105) é, primo oculi, irrelevante. A prolação de julgamentos em sentido diverso pelo mesmo órgão julgador (tanto mais em caso de mudança de composição, como ocorrida) não é fato hábil a caracterizar "contradição" processual, menos ainda argumento apto ao provimento de embargos de declaração. A tese da embargante verdadeiramente pretende vedar a possibilidade de que o colegiado mude de posição jurisprudencial, a evidenciar o descabimento da alegação.

Já a ilação de omissão porque o acórdão deixou de se pronunciar sobre o argumento de que o “lançamento de ofício como ato administrativo que formaliza, em linguagem competente, justamente a identificação de suposta infração à legislação tributária (nos termos do artigo 142, do Código Tributário Nacional)”, o que permitiria aplicação retroativa, via artigo 106 do CTN, de normas que deixem de definir determinado fato como infração, novamente olvida parte significativa da fundamentação do julgamento.

Primeiro, porque foi abordada expressamente a pretensão de se definir lançamento tributário como reconhecimento de infração à legislação tributária:

 

Neste sentido, convém observar que o âmbito de aplicação do artigo 112 do CTN é a interpretação de norma que “define infrações, ou lhe comina penalidades" (ao "acusado"). Ora, daqui exclui-se, categoricamente, o crédito tributário principal, dado que o tributo não é, por definição, prestação pecuniária derivada de sanção, como positivado pelo Código Tributário Nacional:

“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

 

Com efeito, é noção essencial e fundamental do direito tributário que tributo é prestação pecuniária não derivada de sanção a ato ilícito. Não configura conduta contra legem auferir renda, comercializar bens e serviços, importar bens, industrializar produtos, etc.. Portanto, logicamente, não há como se pretender que a formalização do fato gerador tributário, enquanto reconhecimento da manifestação fenomênica de fato que se enquadra na hipótese normativa abstrata de incidência de tributação (diga-se, o lançamento tributário, em qualquer modalidade) seja encarada como descrição de ato infracional. O argumento da embargante, portanto, é despropositado.

Em segundo lugar, porque houve extensa discussão de por que não seria cabível falar-se que o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 é norma interpretativa, híbrida, ou que deixa de considerar determinado ato como infração:

 

"De toda a sorte não se verifica, na espécie, hipótese que autorize tal produção de efeitos ex tunc, para fim de validar a exclusão da multa de ofício aplicada.

Perceba-se que a modificação de regra de votação de colegiado administrativo é norma processual e, desta feita, como consabido, é aplicável de imediato, mas apenas de forma prospectiva, como prevê o CPC/2015:

 

"Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada."

 

Não se constata qualquer eficácia de direito material na alteração da sistemática de votação no âmbito do CARF. A asserção do recurso do contribuinte de que tal norma possuiria natureza híbrida (material e processual) não pode ser acolhida. 

Primeiro, não se pode ter como premissa e certeza jurídica que o voto de qualidade, por definição, é favorável à autuação fiscal. Com efeito, segundo dados oficiais do CARF produzidos em fevereiro do ano corrente (http://idg.carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/relatorios-gerenciais/2020/dados-abertos.pdf), no curso de 2020, 3,2% das votações foram decididas por qualidade, sendo 1,3% (do total geral, ou 40,63% das votações decididas por tal sistemática de desempate) dos resultados a favor do contribuinte.

Isto significa dizer que o voto de qualidade, em si, não possui qualquer conteúdo material, sequer indireto. Sendo técnica de votação que simplesmente elege um voto dentro do colegiado, seja qual for seu teor, como prevalente, é forçoso que se reconheça que a mecânica é desprovida de qualquer definição intrínseca de direito material.

Veja-se que, em exemplo recente, a promulgação do CPC/2015 não induziu nulidade generalizada de sentenças que porventura não atendessem aos requisitos adicionais do artigo 489 da Lei 13.105/2015, como também não foram anulados julgados de embargos infringentes (que deixaram de existir), e tampouco recebidas por tempestivas peças que, originalmente não conhecidas, estariam dentro do prazo, se contado em dias úteis. A relação com o direito material de tais casos é idêntica à da mudança da sistemática do voto de qualidade.

Por outro lado, ao se afirmar que o encerramento da lide administrativa (logicamente, com manutenção da cobrança) é pressuposto da exigibilidade do crédito relativo à sanção, não mais do que se diz que o crédito há que estar definitivamente constituído, apenas, segundo o procedimento aplicável e vigente à época dos fatos. Não há como se extrair de tal observação qualquer conteúdo material intrínseco ao regime de votação adotado que permitiria que, caso alterado, fossem retroativamente modificados todos os resultados materiais produzidos anteriormente. Tanto mais na hipótese dos autos, em que o direito material se consolidou em sentido contrário ao defendido pelo contribuinte.

Tais observações são nodais para afastar, ainda, a alegação de que, de toda a forma, o empate na votação geraria "dúvida" a ser decidida a favor do contribuinte, por exigência do artigo 112 do CTN, na espécie.

De fato, em que pese não se desconheça que há setores da doutrina que defendem tal percepção, não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O artigo 112 do CTN incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar seu entendimento sobre os fatos: no caso, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela Turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de "dúvida" do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado. 

É certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito.

Perceba-se que, se assim não fosse, haveria que se considerar que cada voto divergente representa uma suposta carga de dúvida em relação ao entendimento inicial. Logo, todo julgamento não unânime seria marcado por uma carga de dúvida não solucionada. Às últimas consequências, qualquer sanção (e aqui é pertinente o contraste com o direito penal, ou mesmo a referência à tese do in dubio pro contribuinte) não validada de forma unânime haveria que ser anulada, porque a presunção de inocência não admite qualquer nível de dúvida, o que contrasta com a solução preconizada.

Na espécie, aliás, vale notar, como constou do apelo fazendário, que a sanção diz respeito à multa de ofício, cuja incidência é objetiva, decorrente da existência de, justamente, lançamento de ofício de crédito tributário pela autoridade fiscal. Logo, inexistente dúvida sobre a higidez do crédito, não haveria que se dizer de dúvida sobre o cabimento da multa.

Desta sorte, sendo certo que o voto de qualidade, por si, nada diz a respeito do teor do julgamento, não há que se cogitar de qualquer espécie de revogação de previsão legal de sanção pelo recém editado artigo 19-E da Lei 10.522/2002, para invocar aplicação retroativa da regra para desconstituição do julgado administrativo (artigo 106, II, do CTN). Por igual, não se trata de norma interpretativa de direito material (artigo 106, I, do CTN), já que o dispositivo apenas define o campo de incidência do próprio voto de qualidade – o teor interpretativo limitar-se-ia, ao máximo, ao artigo 25, § 9º, do Decreto 70.235/1972. Por outro lado, não sendo retroativa a vedação da incidência do voto de qualidade, e tampouco cabível falar-se em "dúvida" quanto à aplicabilidade de lei sancionatória em caso de empate em julgamento administrativo, não vinga o pleito de obstar as cobranças contestadas nestes autos com base no artigo 112 do CTN."

 

Em arremate, observa-se, a teor do explicitado acima, que nenhuma das alegações de omissão, contradição ou obscuridade possui fundamento. Invariavelmente, trata-se de oposição às premissas fáticas e normativas adotadas pela Turma, descontextualização de excertos da fundamentação provida ou equívoco interpretativo dos argumentos declinados no voto. O que se percebe é, apenas, contrariedade à solução alcançada pelo acórdão.

Desta sorte, se a detalhada motivação do julgamento ocorrido é de qualquer forma equivocada ou insuficiente, fere as normas apontadas ou contraria julgados ou jurisprudência, na específica visão da embargante, compete-lhe veicular recurso próprio para a impugnação do acórdão, e não rediscutir a matéria em embargos de declaração. 

Por fim, embora tratados todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, de relevância e pertinência à demonstração de que não houve qualquer vício no julgamento, é expresso o artigo 1.025 do Código de Processo Civil em enfatizar que se consideram incluídos no acórdão os elementos suscitados pela embargante, ainda que inadmitido ou rejeitado o recurso, para efeito de pré-questionamento, pelo que aperfeiçoado, com os apontados destacados, o julgamento cabível no âmbito da Turma.

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração. 

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPJ E CSL. PREJUÍZOS FISCAIS. BASES DE CÁLCULO NEGATIVAS. COMPENSAÇÃO. BENEFÍCIO FISCAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SUCESSÃO EMPRESARIAL. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR INCORPORAÇÃO. COMPENSAÇÃO. LIMITE DE TRINTA POR CENTO. APLICABILIDADE. ALEGAÇÃO DE RESPALDO EM JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA, COM FORÇA NORMATIVA. SUSCITAÇÃO DE INAPLICABILIDADE DE MUDANÇA POSTERIOR DE ENTENDIMENTO. PREMISSAS FÁTICAS E JURÍDICAS INFIRMADAS. VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA PARA DESCONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU OBSCURIDADE. IMPUTAÇÕES QUE REVELAM, IN CASU, DISCORDÂNCIA DE MÉRITO. REJEIÇÃO.

1. São manifestamente improcedentes os embargos de declaração, inexistindo quaisquer dos vícios apontados, restando nítido que se cuida de recurso interposto com o objetivo de rediscutir a causa e manifestar inconformismo diante do acórdão embargado.

2. Admitindo-se, como sustentado pela própria apelante, ora embargante, que o RE 591.340 não examinou o caso das empresas em extinção (como destacado não apenas pelo contribuinte nestes autos, antes do julgamento da apelação, mas pelos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal na ocasião e reconhecido, desde o princípio, no aresto embargado), não seria possível afirmar, lógica e coerentemente, dentro desta premissa, que as razões de decidir do julgado determinam que o entendimento firmado não se aplica ao caso de fusão, incorporação ou extinção de pessoas jurídicas. A alegação dos embargos, para além de descontextualizar trechos selecionados do voto-condutor do julgado da Corte Suprema, é contraditória em relação ao que o contribuinte sustentou anteriormente perante esta Turma.

3. Se a compensação de prejuízos poderia simplesmente não existir, em caso nenhum, e isto seria um cenário constitucional (premissa maior, extraída literalmente da ratio decidendi do voto-condutor do julgamento do RE 591.340), é irrelevante, para modificar tal conclusão de constitucionalidade, se em tal ou qual caso o contribuinte encerrou as atividades empresariais ou não (premissa menor, relativa à espécie). Como explicou a Turma, apenas seria possível, ao limite, tentar arguir que a trava não se aplica no caso de extinção da empresa porque não há subsunção do fato à norma (por interpretação extensiva de hipótese legal de benefício fiscal), porém não porque a restrição da compensação neste cenário proporcionaria violação ao texto constitucional. A conclusão meritória extraída do julgado é diversa da pretendida pela embargante, como se constata através de simples operação de lógica formal.

4. A implicação de se opor benesse fiscal e direito subjetivo (seja sob viés patrimonial, fiscal ou meramente contábil), como já fizera o Supremo Tribunal no RE 344.994, é a de que o favor fiscal é exigível apenas nos limites em que previsto na lei instituidora, e pode, inclusive, ser revogado sem que o contribuinte possua pretensão válida de impor a continuidade de tal regramento. Na especificidade do tema, isto significa que a compensação de resultados negativos não é exigível para que haja respeito à capacidade contributiva ou à competência tributária constitucional – se pode ser revogada a qualquer tempo, não é circunstância intrínseca à formação e validade constitucional da hipótese de incidência tributária. Tratando-se de previsão que pode ser suprimida sem mácula à hipótese de incidência tributária, é logicamente impossível que qualquer modificação do suporte fático da regra matriz motive vício desta natureza. Daí a conclusão de que, salvo sob deliberada desconsideração da afirmação do Supremo Tribunal Federal de que a compensação de resultados negativos é benefício fiscal que poderia inexistir, deriva-se que o caso de extinção da empresa não permite, à míngua de previsão expressa neste sentido, afastar a trava percentual por período-base, como extensivamente demonstrado no aresto embargado.

5. Em que pese os embargos apontem desconhecer jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, a leitura do voto embargado é suficiente ao saneamento da dúvida, tanto para julgados anteriores ou posteriores ao REsp 1.805.925, mencionado topicamente pelo contribuinte: REsp 1.887.290, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 28/09/2020; REsp 1887575, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 22/09/2020; e REsp 1887281, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 17/09/2020, AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11/03/2019, REsp 949.117, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 11/12/2009; REsp 1.107.518, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 25/8/2009; REsp 307.389, Rel. Min. José Delgado, DJ 17/3/2003. O que transparece das alegações dos embargos é que, em razão de o acórdão atacado adotar, desde o início, fundamentação lastreada em premissas diversas das pretendidas pelo contribuinte, e a partir desta base construir as razões de decidir subsequentes, a embargante entende que há omissão em relação a todos os argumentos que não foram tratados pelo viés desejado pelo recurso.

6. Inexiste omissão quanto aos princípios constitucionais invocados. Novamente, a questão é de lógica formal: se o abatimento dos prejuízos fiscais e bases negativas de CSL não é direito do contribuinte e é dissociado dos fatos geradores tributários respectivos, podendo ser simplesmente revogado (entenda-se, vedando compensação de qualquer montante de resultado negativo na escrita fiscal), não há como se dizer que há ofensa à definição constitucional de renda e aos princípio da legalidade, limitação da competência tributária, capacidade contributiva, vedação ao confisco e isonomia em se obstar que a empresa em extinção compense mais que "apenas" 30% do lucro líquido com resultados negativos em balanço especial de encerramento, acaso detenha saldo de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL maiores que este valor. Despiciendo, portanto, analisar em detalhe a arguição do contribuinte em relação a cada um destes mandamentos. Ainda assim, o acórdão novamente foi além, para analisar outros prismas teóricos e assentar que também não é possível extrair premissa normativa implícita de que a trava de 30% é aplicável “desde que a empresa mantenha suas atividades até poder compensar a íntegra dos prejuízos percebidos”, ou seja, que o benefício fiscal, em si, tal como previsto, assegura, enquanto vigente, a compensação de todo os resultados negativos anteriores.

7. A arguição de que o aresto teria sido obscuro por afirmar que a pretensão do contribuinte pretende afastar vedação expressa de que a incorporadora se utilize dos prejuízos fiscais da incorporada caracteriza, uma vez mais, irresignação de mérito. Com efeito, conforme claro na fundamentação do acórdão, como também da ementa do AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911, transcrita, na íntegra e com destaques, no voto embargado, o fundamento esposado quanto a este ponto é o de que a compensação da íntegra dos prejuízos fiscais pela incorporada, por ocasião do balanço de extinção prévio à incorporação, é artifício que busca contornar a proibição legal, clara e expressa, de que a incorporadora se utilize, na escrita fiscal, dos resultados negativos da incorporada. Portanto, de fato, sabe-se que não foi a embargante que se utilizou dos prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL da TEVECAP S.A.. Trata-se de premissa volitivamente assumida, e não falha do raciocínio exposto. O que o aresto embargado sustentou, com respaldo em jurisprudência da Corte Superior (o multimencionado AgInt nos EDcl no REsp 1.725.911) é que tal expediente, pretende, por via transversa, negar eficácia à proibição constante do artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/1987 (cuja vigência até os dias presentes, por sinal, reforça o entendimento de que a benesse constante dos artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995 não contém condicionamento implícito da trava percentual prevista à manutenção da existência da empresa contribuinte, já que a legislação assume, livremente, o caso em que a incorporada é extinta com prejuízos fiscais não compensados).

8. A imputação de vício no julgamento no tocante à interpretação dada ao estudo acadêmico apresentado pelo contribuinte e ao acórdão CSRF/01-05.101 é restrita, essencialmente, à arguição de que a Turma interpretou equivocadamente ambos os documentos. Evidencia-se desde logo, assim, tratar-se de impugnação meritória. Nesta linha, a primeira “obscuridade” aventada é esclarecida pela própria embargante. O aresto embargado afirmou que a jurisprudência do CARF não se manteve unânime, a rigor, porque identificou, a partir do próprio estudo apresentado, que uma das câmaras ordinárias do órgão (ainda que não fosse instância última de julgamento) mantinha entendimento diverso, afora caso em que foi adotada solução contrária na própria CSRF, por ocasião do acórdão 01-05.101. Sobre o julgado administrativo, diversamente do alegado, a conclusão da CSRF de que a trava merece ser mantida porque, no cenário analisado àquela oportunidade, era permitido à incorporadora se valer de tais prejuízos, não torna indevida a menção a tal julgamento e em nada aproveita a arguição meritória da embargante. Pelo contrário, a infirma a tese de contribuinte e ratifica a exposição do acórdão embargado: a possibilidade de que pessoa jurídica diversa utilize os saldos negativos da incorporanda não serviria de saneamento às alegadas inconstitucionalidades decorrentes do impedimento de que a empresa em encerramento pudesse, por si, realizar o encontro de contas com a integralidade do saldo remanescente de prejuízos fiscais e base de cálculo negativas anteriormente percebidos. Portanto, se a limitação de compensação deve ser mantida, impedindo o abatimento da integralidade dos resultados negativos passados, então não há vício, legal ou constitucional, intrínseco à trava, na hipótese de extinção da empresa.

9. A pretensão de arguição de omissão pela ausência de justificativa à não aplicação do REsp 1.596.978 (que esposou que a revisão jurisprudencial se aplica apenas prospectivamente) à lide é ainda outro exemplo de desconsideração das premissas e concatenações da fundamentação do aresto. Com efeito, a Turma concluiu, embora discorde a embargante, que não houve revisão de jurisprudência pacífica na espécie, seja porque no Judiciário nunca se consolidou a tese defendida como porque no âmbito administrativo não se poderia ignorar, nesta quadra, a prática reiterada das autoridades administrativas (artigo 100, I e III, CTN), na medida em que as decisões do CARF não são aprioristicamente ou de qualquer forma normas secundárias superiores à atividade administrativa de fiscalização, para tal fim. Logo, não há por que discutir precedente jurisprudencial que versa sobre a eficácia da mudança de jurisprudência – e que, aliás, foi reformado em embargos de divergência (EREsp 1.596.978/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11/10/2019). Cumpre notar, de resto, que a fundamentação do aresto embargado para concluir que não se pode falar de aplicação retroativa de entendimento jurídico na espécie representa aproximadamente um terço de toda a extensão do voto embargado, abordando, de maneira exaustiva, todos os argumentos do apelo sobre a questão.

10. Não existe a contradição, veiculada nos embargos, entre o trecho do acórdão que destaca que a mens legislatoris na criação do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 era diversa da mens legis extraída do texto final e a fundamentação, anterior, no segmento do voto que discutiu a interpretação cabível da trava percentual de compensação de prejuízos fiscais, de que não se poderia dar relevância desmedida à mens legislatoris, para substituir a mens legis. No primeiro excerto, refutou-se a prevalência apriorística da mens legislatoris sobre a mens legis; no segundo, também. Tanto que, após a contextualização ora atacada pela embargante, o que se analisou foi a norma efetivamente promulgada, independentemente da intenção diversa do representante do Legislativo que originalmente havia proposto a alteração do Decreto 70.235/1972.

11. A arguição de que há contradição entre o julgado embargado e precedente anterior da Turma (ApCiv 0013044-60.2015.403.6105) é, primo oculi, irrelevante. A prolação de julgamentos em sentido diverso pelo mesmo órgão julgador (tanto mais em caso de mudança de composição, como ocorrida) não é fato hábil a caracterizar "contradição" processual, menos ainda argumento apto ao provimento de embargos de declaração. A tese da embargante verdadeiramente pretende vedar a possibilidade de que o colegiado mude de posição jurisprudencial, a evidenciar o descabimento da alegação.

12. Segundo conceito essencial e fundamental do direito tributário, tributo é prestação pecuniária não derivada de sanção a ato ilícito. Não configura conduta contra legem auferir renda, comercializar bens e serviços, importar bens, industrializar produtos, etc.. Portanto, logicamente, não há como se pretender que a formalização do fato gerador tributário, enquanto reconhecimento da manifestação fenomênica de fato que se enquadra na hipótese normativa abstrata de incidência de tributação (diga-se, o lançamento tributário, em qualquer modalidade) seja encarada como descrição de ato infracional, para fim de pretender aplicação retroativa do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 a partir do manejo dos artigos 106 e 112 do CTN. Por outro lado, houve extensa discussão de por que não seria cabível falar-se que o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 é norma interpretativa, híbrida, ou que deixa de considerar determinado ato como infração.

13. Em arremate, nenhuma das alegações de omissão, contradição ou obscuridade possui fundamento. Invariavelmente, trata-se de oposição às premissas fáticas e normativas adotadas pela Turma, descontextualização de excertos da fundamentação provida ou equívoco interpretativo dos argumentos declinados no voto. O que se percebe é, apenas, contrariedade à solução alcançada pelo acórdão. Desta sorte, se a detalhada motivação do julgamento ocorrido é de qualquer forma equivocada ou insuficiente, fere as normas apontadas ou contraria julgados ou jurisprudência, na específica visão da embargante, compete-lhe veicular recurso próprio para a impugnação do acórdão, e não rediscutir a matéria em embargos de declaração.

14. Embora tratados todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, de relevância e pertinência à demonstração de que não houve qualquer vício no julgamento, é expresso o artigo 1.025 do Código de Processo Civil em enfatizar que se consideram incluídos no acórdão os elementos suscitados pela embargante, ainda que inadmitido ou rejeitado o recurso, para efeito de pré-questionamento, pelo que aperfeiçoado, com os apontados destacados, o julgamento cabível no âmbito da Turma.

15. Embargos de declaração rejeitados.

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.