APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003554-30.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOSE CARLOS DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003554-30.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: JOSE CARLOS DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pela parte autora JOSÉ CARLOS DA SILVA contra a r. sentença (Id.:100149146, págs. 141/143) que julgou improcedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa, suspensa a execução, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Em suas razões de apelação (Id.:100149146, págs. 153/160), sustenta a parte autora o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício requerido, vez que restou comprovada sua incapacidade total e permanente para o labor, bem como a miserabilidade de seu núcleo familiar. Pugna pela reforma da sentença. Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional. Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento da apelação (Id.:100149146, págs. 171/184). Presentes os pressupostos para concessão da medida de urgência, foi deferida a tutela pleiteada pela parte autora, antecipando seu direito ao benefício de prestação continuada, a partir de 25/06/2014, data do requerimento administrativo (Id.:129964391). É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003554-30.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: JOSE CARLOS DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil. MÉRITO O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças. A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos. Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria. No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as metas 1.3 “Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (...)”; e 2.1 “Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.” É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social. Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito. Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU: "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada". No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela recente Lei 13.982/2020, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) salário-mínimo (critério fixado até 31.12.2020), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001). Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar. Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008). Assim sendo, o inconformismo da parte autora procede, devendo ser reformada a r. sentença monocrática (Id.:100149146, págs. 141/143). O laudo médico pericial (Id.:100149146, págs. 103/117) atestou que a parte autora é portadora de artrite reumatoide, tendinite bilateral nos ombros e hipertensão arterial de grau mínimo, pelo menos desde 2010. O perito concluiu que sua capacidade de trabalho se encontra reduzida, estando incapacitada de forma total para sua função habitual (lavradora) e parcialmente para o trabalho genérico, por tempo indefinido. Ainda que não tenha sido reconhecida eventual deficiência, é de se destacar a dificuldade enfrentada pela autora no que concerne à reinserção no mercado de trabalho. Estando atualmente com 60 anos, a autora possui baixa escolaridade, tendo frequentado somente até o segundo ano do ensino fundamental, além de ser analfabeta. Laborou durante toda a vida em atividades braçais no meio rural, tendo deixado de trabalhar em 2013 por causa das fortes dores provocadas pela artrite. Destarte, a parte autora dificilmente conseguirá se habilitar e se inserir no mercado de trabalho em ocupação diversa da que sempre exerceu, de forma que encontra-se incapacitada para atividade laboral que lhe possibilite prover o seu sustento, dada a constatação de suas limitações de longo prazo, que potencialmente dificultam sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, amoldando-se, dessa forma, ao conceito de deficiência trazido pelo art. 20, §2° da Lei n° 8.742/93. No tocante ao estudo social (Id.:100149146, págs. 70/80), o núcleo familiar é composto pelo requerente e seus irmãos, Jandira Gomes da Silva, atualmente com 59 anos e Jair Comes da Silva, com 55 anos. A família é mantida pela renda auferida pelo trabalho esporádico de Jair, que quando consegue trabalho de plantio ou colheita, recebe R$30,00 por dia, e pelo auxílio eventual do primo Benedito Aparecido Roberto de Lima, que não aufere renda e não compõe o núcleo familiar. Assim, restou evidenciada a impossibilidade do autor em prover à sua manutenção, dada a situação econômica fragilizada, eis que a renda familiar máxima seria de aproximadamente R$900,00 por mês, caso o irmão conseguisse trabalhar todos os dias, o que não acontece, de forma que a renda per capita, nesse cenário, seria muito inferior ao teto adotado para análise do benefício atualmente, qual seja, ½ salário mínimo. Dentro desse cenário, entendo que a autora demonstrou preencher os requisitos legais, comprovando estar em situação de vulnerabilidade, fazendo jus ao benefício assistencial requerido. O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo negado, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício. Cumpre ressaltar que a Suprema Corte criou uma regra de transição para as ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do referido recurso extraordinário, em 03/09/2014: "Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir."(RE 631.240 MG) No caso, o termo inicial do benefício deve ser fixado em 25/06/2014, data do requerimento administrativo. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ). No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003). Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora, para reformar a r. sentença e condenar o INSS ao pagamento do benefício assistencial com DIB em 25/06/2014 e ao pagamento dos honorários advocatícios, na forma antes delineada. É COMO VOTO. /gabiv/gvillela
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ANTECIPADA. VERBA HONORÁRIA. DIB. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos.
3 - Do cotejo do estudo social, da deficiência da parte autora, bem como a insuficiência de recursos da família, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.
4 - No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 25/06/2014, data do requerimento administrativo, uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da parte autora.
5 - Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
6 - Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
7 - Tutela antecipada confirmada. Presentes os requisitos da verossimilhança das alegações e o perigo da demora.
8 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada.