APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021655-24.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: COQUI DISTRIBUICAO DE PRODUTOS EDUCATIVOS LTDA
Advogados do(a) APELANTE: RICARDO AZEVEDO SETTE - SP138486-S, MARISTELA FERREIRA DE SOUZA MIGLIOLI - SP111964-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021655-24.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: COQUI DISTRIBUICAO DE PRODUTOS EDUCATIVOS LTDA Advogados do(a) APELANTE: RICARDO AZEVEDO SETTE - SP138486-S, MARISTELA FERREIRA DE SOUZA MIGLIOLI - SP111964-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação contra sentença denegatória de mandado de segurança impetrado para garantir imunidade do II e IPI, não incidência de PIS/COFINS sobre importação de livros, álbuns e cards da Série "Magic The Gathering", consubstanciada na Invoice 029351, HAWB 12562525, além da compensação de eventual indébito. Alegou-se: (1) equívoco da sentença, pois não considerou a natureza intrínseca do produto para atribuir-lhe substância por eventual uso que se faz dele, pois se os usuários utilizam figurinhas para jogar, tal uso não desqualifica a sua natureza de livro e material; (2) os cards da Série "Magic The Gathering" inserem-se no contexto da história de ficção e no universo constituído pelos livros, de modo que seu uso eleva a experiência literária a níveis superiores ao da própria literatura; (3) tais produtos, portanto, não são “cards” e sim “materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar” que, por lei, equiparam-se ao livro, inclusive para fins fiscais. (4) a imunidade do artigo 150, VI, “d”, CF, prestigia diversos valores sociais, como liberdade de comunicação e manifestação de pensamento, expressão da atividade intelectual, artística e científica, acesso à difusão da cultura, dentre outros, de modo que a intenção do legislador constituinte transcende a imunidade somente ao papel, e por prestigiar uma série de valores tão importantes à sociedade, tal norma jamais pode ser interpretada de forma restritiva, como pretende a sentença, sob pena de afrontar a própria evolução do contexto social em que inserida a norma; (5) devem ser observadas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal, as quais afastam a incidência dos tributos mencionados sobre produtos assemelhados. Houve contrarrazões. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021655-24.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: COQUI DISTRIBUICAO DE PRODUTOS EDUCATIVOS LTDA Advogados do(a) APELANTE: RICARDO AZEVEDO SETTE - SP138486-S, MARISTELA FERREIRA DE SOUZA MIGLIOLI - SP111964-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, discute-se imunidade nos termos do artigo 150, VI, “d”, da CF, sobre importação de bens controlados pela DI 15/1887768-2, objeto da HAWB 12562525 e da Invoice 029351, bem como a não incidência de PIS/COFINS sobre tais produtos, que consistiriam em livros, álbuns e cards da série “Magic the Gathering”, e, por fim, o direito de compensar eventual indébito tributário. Houve, inicialmente, sentença de improcedência liminar do pedido, com fundamento no artigo 332, II, CPC. A sentença foi anulada nesta Turma e houve novo julgamento no sentido da improcedência do pedido, afastando a imunidade pretendida com base no artigo 150, V, "d", CF. Cumpre ressaltar, no exame da espécie, que a jurisprudência sobre imunidade tributária aplicável aos livros (artigo 150, VI, "d", CF) revela adoção, invariável, de exegese teleológica, a partir da identificação dos valores e objetivos a serem protegidos por meio da norma imunizante. Consagrou-se, neste sentido, a tese de que a imunidade se, de um lado, pretende, entre outros fins congêneres, a ampla e livre divulgação do conhecimento, informação, cultura e manifestação do pensamento, por outro, prescinde de análise qualitativa do teor da publicação. Note-se que tais proposições não são conflitantes, na medida em que é corolário lógico da pretensão de expansão e acesso ao conteúdo que não haja qualquer discriminação quanto ao seu suposto valor. A incidência da norma imunizante - restrita, em âmbito constitucional, aos impostos - é vinculada, à vista do posicionamento reiterado do Supremo Tribunal Federal, menos à forma do impresso - no sentido de uma correspondência exata com a compreensão comum dos termos 'livros', 'jornais' e 'periódicos' - do que à compatibilização com as finalidades que justificam a imunização. No âmbito infraconstitucional, a Lei 10.753/2003 orientou a compreensão do vocábulo 'livro' à concretização das diretrizes de ação governamental então positivadas. Em outras palavras, o alcance do termo, tanto em nível constitucional como na legislação ordinária, é fixado pelos pressupostos e finalidades divisados pelo arcabouço jurídico que estrutura o trato legal da matéria. Note-se, neste tocante, que há convergência entre as linhas dirigentes da Política Nacional do Livro e as finalidades da imunidade estabelecida pelo artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal, na forma identificada pela jurisprudência. Na espécie, ante a constatação de que as estampas ilustradas ("cards") são impressos que, associando imagens e fragmentos textuais, constituem elemento integrativo de universo de ficção infanto-juvenil e, nesta medida, promovem difusão de conteúdo lúdico e cultural, resta adequada a sua equiparação a livro, na forma do inciso II ao parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.753/2003 ('materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar'), tanto a partir das diretrizes da Política Nacional do Livro, quanto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in verbis: RE 1.193.910, Rel. Min. Rosa Weber, publicado em 09/04/2019:"Contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, maneja recurso extraordinário, com base no art. 102, III, da Lei Maior, Mario Peixoto de Oliveira Netto Comércio de Livros — ME. Aparelhado o recurso na alegação de afronta aos arts. 5º, caput, e 150, VI, “d”, da Constituição Federal. A matéria debatida, em síntese, diz com a extensão da imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição da República aos álbuns de figurinhas e os respectivos cromos e “cards”. Trata-se, na origem, de ação declaratória de inexistência de relação jurídica ajuizada pelo ora recorrente visando afastar a incidência de “tributos relacionados à importação de ‘Cards’ denominados Magic The Gathering, equiparando-o a complemento de livro, NCM 4901.99.00 da Tabela Externa Comum - TEC ou Tabela do Imposto sobre Produtos industrializados TIPI, bem como o direito à aplicação de alíquota zero para o recolhimento de PIS/COFINS decorrente deste tipo de mercadoria”. A Corte de origem concedeu a segurança em acórdão assim ementado: "TRIBUTÁRIO - PIS - COFINS - ALÍQUOTA ZERO - CARD GAMES: INAPLICABILIDADE - INTERPRETAÇÃO ESTRITA DO BENEFÍCIO FISCAL. 1- A interpretação do beneficio fiscal é estrita (artigo 111, do Código Tributário Nacional). 2 - No caso concreto, os "cards games" são destacáveis do álbum. 3 - Ou seja: são cartas colecionáveis que podem ser destacadas do álbum, com a finalidade de uso em jogo. 4 - Não possuem a natureza de livro, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, I, da Lei Federal nº. 10.753/03. 5 - Apelação provida.” Admitido na origem, subiram os autos. É o relatório. Decido. Preenchidos os pressupostos extrínsecos. Da detida análise dos fundamentos do recurso extraordinário, bem como à luz da jurisprudência firmada no âmbito desta Suprema Corte, concluo assistir razão ao recorrente. O entendimento adotado no acórdão recorrido diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, IV, “d”, da Lei Maior alcança os álbuns de figurinhas e os respectivos cromos e “cards”, ainda que possam ser destacados ou vendidos separadamente. Nesse sentido: (...) Acresço que, ao julgamento do RE 595.676, Rel. Min. Marco Aurélio, e do RE 330.817, Rel. Min. Dias Toffoli, processados segundo a sistemática da repercussão geral, esta Suprema Corte concedeu interpretação extensiva ao dispositivo constitucional que autoriza a imunidade e fixou as teses de que “A imunidade da alínea d do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal alcança componentes eletrônicos destinados, exclusivamente, a integrar unidade didática com fascículos” e que “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/1988 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.” Os acórdãos estão assim ementados: (...)Ante o exposto, forte no art. 21, § 1º, do RISTF, dou provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença das fls. 54-9. Publique-se." (g.n.) Equiparados a livro os produtos controlados pela DI 15/1887768-2, objeto da HAWB 12562525 e da Invoice 029351, restam sujeitos, presentemente, à alíquota de PIS e COFINS reduzida a zero, nos termos dos artigos 8º, §12, XII, e 28, VI da Lei 10.865/2004. Reconhecido o indébito fiscal, os critérios para a compensação do indébito fiscal na via administrativa mediante procedimento específico, inclusive mediante comprovação e liquidação de valores indevidos a serem compensados, são os definidos nos artigos 168 (prescrição quinquenal) e 170-A (trânsito em julgado), ambos do Código Tributário Nacional; artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, observado o regime legal vigente ao tempo da propositura da ação, pois este o critério determinante na jurisprudência consolidada, ainda que posteriormente possa ter sido alterada a legislação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido. Ante o exposto, dou provimento à apelação. É o voto.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. LIVROS, ÁLBUNS E CARDS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. COMPENSAÇÃO.
1. Na discussão sobre imunidade aplicável a livros é firme a adoção na jurisprudência de interpretação teleológica a partir da identificação dos valores e objetivos a serem protegidos por meio da norma imunizante. Consagrou-se, neste sentido, a tese de que a imunidade se, de um lado, pretende, entre outros fins congêneres, a ampla e livre divulgação do conhecimento, informação, cultura e manifestação do pensamento, por outro, prescinde de análise qualitativa do teor da publicação. Note-se que tais proposições não são conflitantes, na medida em que é corolário lógico da pretensão de expansão e acesso ao conteúdo que não haja qualquer discriminação quanto ao seu suposto valor.
2. A incidência da norma imunizante - restrita, em âmbito constitucional, aos impostos - é vinculada, à vista do posicionamento reiterado do Supremo Tribunal Federal, menos à forma do impresso - no sentido de uma correspondência exata com a compreensão comum dos termos 'livros', 'jornais' e 'periódicos' - do que à compatibilização com as finalidades que justificam a imunização.
3. No âmbito infraconstitucional, a Lei 10.753/2003 orientou a compreensão do vocábulo 'livro' à concretização das diretrizes de ação governamental então positivadas. Em outras palavras, o alcance do termo, tanto em nível constitucional como na legislação ordinária, é fixado pelos pressupostos e finalidades divisados pelo arcabouço jurídico que estrutura o trato legal da matéria. Note-se, neste tocante, que há convergência entre as linhas dirigentes da Política Nacional do Livro e as finalidades da imunidade estabelecida pelo artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal, na forma identificada pela jurisprudência.
4. Na espécie, ante a constatação de que as estampas ilustradas ("cards") são impressos que, associando imagens e fragmentos textuais, constituem elemento integrativo de universo de ficção infanto-juvenil e, nesta medida, promovem difusão de conteúdo lúdico e cultural, resta adequada a sua equiparação a livro, na forma do inciso II ao parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.753/2003 ('materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar'), tanto a partir das diretrizes da Política Nacional do Livro, quanto da orientação do Supremo Tribunal Federal.
5. Equiparados a livro os produtos controlados pela DI 15/1887768-2, objeto da HAWB 12562525 e da Invoice 029351, restam sujeitos, presentemente, à alíquota de PIS e COFINS reduzida a zero, nos termos dos artigos 8º, §12º, XII, e 28, VI da Lei 10.865/2004.
6. Reconhecido o indébito fiscal, os critérios para a compensação do indébito fiscal na via administrativa mediante procedimento específico, inclusive mediante comprovação e liquidação de valores indevidos a serem compensados, são os definidos nos artigos 168 (prescrição quinquenal) e 170-A (trânsito em julgado), ambos do Código Tributário Nacional; artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, observado o regime legal vigente ao tempo da propositura da ação, pois este o critério determinante na jurisprudência consolidada, ainda que posteriormente possa ter sido alterada a legislação; e artigo 39, § 4º da Lei 9.250/1995 (incidência exclusiva da Taxa SELIC) desde cada recolhimento indevido.
7. Apelação provida.