Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005339-27.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: IVONE SERRA GARGIONI

Advogado do(a) APELADO: ANA CLAUDIA TORRES BURANELLO - SP237441-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005339-27.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: IVONE SERRA GARGIONI

Advogado do(a) APELADO: ANA CLAUDIA TORRES BURANELLO - SP237441-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 04.12.2018, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, com base no artigo 487, 1, do CPC, a ação para concessão de amparo assistencial à pessoa portadora de deficiência, ajuizada por Ivone Serra Gargioni em face do Instituto Nacional do Seguro Social -INSS a fim de: 1) CONDENAR o requerido a conceder à parte requerente o Benefício do Amparo Social (NE: 7015764360), conforme previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e artigo 20, "caput", da Lei 8.742/93, a partir da data do requerimento administrativo realizado, ou seja, a contar do dia 2.4.2015 (fl. 19). No tocante aos consectários legais, é de se observar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 20.9.17, julgou o mérito do RE 870.947/SE (Tema n° 810) com repercussão geral e decidiu que o artigo 1°-F da Lei no. 9.494/97, com a redação dada pela Lei O 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária pela TR para condenações impostas à Fazenda Pública, foi julgado inconstitucional e o índice que deve ser aplicado é o IPCA-E.  Já quanto aos juros de mora para as ações de relação jurídica não -tributária, o artigo l°. -F da Lei n°. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n°. 11.960/09, foi julgado constitucional e, portanto, continua válida a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, desde a citação. II) CONDENO o requerido ao pagamento dos honorários advocatícios até a data dessa sentença, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação, a considerar que se está diante de feito que contou com dilação probatória (prova pericial), nos termos do artigo 85, § 3', 1 c.c. § 6° do CPC. III) OFICIE-SE o requerido para que implante o benefício em favor da parte autora no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no importe de R$ 200,00. P.R.I.C."

Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a anulação do laudo médico, sob fundamento de que a perícia foi “genérica e tendenciosa”. Pede ainda a suspensão da antecipação da tutela. No mérito, alega que não restou comprovada a existência de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, requer a reforma da sentença no tocante aos critérios de juros e correção monetária, bem como a redução dos honorários advocatícios.

Sem a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005339-27.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: IVONE SERRA GARGIONI

Advogado do(a) APELADO: ANA CLAUDIA TORRES BURANELLO - SP237441-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

Rejeito a preliminar de nulidade da sentença arguida pelo INSS.

O laudo médico pericial forneceu ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda e a conclusão desfavorável à autarquia não desqualifica, por si só, a perícia.

Cabe ainda ressaltar que em momento algum o INSS demonstrou que a nomeação do perito deixou de observar o disposto no artigo 156, § 1º do Código de Processo Civil de 2015.

Nesse sentido, observe-se a jurisprudência:

"Não há de se falar em cerceamento de defesa, uma vez que o conjunto probatório do presente feito forneceu ao Juízo a quo os elementos suficientes ao deslinde da causa, nos termos do consagrado princípio da persuasão racional, previsto no artigo 131 do Código de Processo Civil. - A perícia realizada nos autos prestou-se a esclarecer, suficientemente, a matéria controversa, não havendo omissão ou inexatidão dos resultados a justificar a realização de nova perícia, nos termos dos artigos 437 e 438 do Código de Processo Civil."(AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1743754; Processo: 0016574-35.2012.4.03.9999/SP; 7ª Turma; Relatora Juíza Convocada CARLA RISTER; e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/03/2013"

Anoto que o laudo pericial foi elaborado por médico perito de confiança do juízo, sob o crivo do contraditório, e que instada a se manifestar acerca do teor da perícia medica, a autarquia quedou-se inerte.

Passo ao exame do mérito.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base no laudo pericial apresentado, tendo se convencido restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessária para a concessão do benefício.

Confira-se:

Quanto ao aspecto socioeconômico, o estudo social demonstrou que a parte requerente vive em condições simples, destacando que reside atualmente com seu com seu cônjuge Anibal Gargione e seu cunhado Mauro Gargione e que dispõe de pequena renda mensal computada de R$ 1.760,00, cujo valor é insuficiente para que vivam dignamente e supram cada uma de suas necessidades, como bem destacou a assistente social no estudo apresentado: "(...) podemos afirmar que o caso de Ivone se enquadra nos quesitos estipulados para concessão do benefício em questão. O INSS avaliou na época a renda per capta que ultrapassa ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício assistencial. O rendimento da família é de dois salários mínimos sendo que um salário de R$ 880,00 é proveniente da concessão de um benefício assistencial de um cunhado portador de deficiência que a família ajuda a cuidar" - fl. 74, resposta ao questionamento "4". Desta forma, os benefícios de um salário mínimo recebidos pelo marido e pelo cunhado da requerente não devem ser computados para fins de cálculo de renda- familiar, de modo que, diante disso, a autora se enquadra no conceito de hipossuficiente, pois seu núcleo familiar não aufere qualquer outra renda.

De fato, o estudo social (ID 107605278 – pag. 75/81), elaborado em 11.2016, revela que a parte autora vive com seu marido, Sr. Anibal Gargione e seu cunhado Sr. Mauro Gargione em imóvel próprio com forro de laje e piso cerâmica. A casa possui:03 quartos, 01 sala, cozinha e 02 banheiros, área frente/fundo. Os móveis são:  Sala: 01 jogo sofá, 01 rack, 01 mesa com 4 cadeiras, 01 TV 40 polegadas; Quarto: 01 cama casal, 01 guarda-roupa, 01 cômoda; Quarto: Vazio; Quarto: 01 cama casal, 01 guarda-roupa, 01 maleiro; Cozinha: 01 fogão, 01 geladeira, 01 balcão, 01 mesa com 06 cadeiras; área/fundo: 01 mesa, 01 máquina de lavar, 01 tanquinho. O bairro possui rede de água, esgoto, asfalto e  hospital próximo. Não possuem veículo, Possuem telefone fixo.  

A renda do familiar é de dois salários mínimos proveniente da aposentadoria do Sr. Anibal e do benefício de Prestação Continuada do Sr. Mauro, perfazendo R$ 1.760,00.

As despesas relatadas são:  Água R$ 70,00; Luz R$ 60,00, Açougue R$ 100,00; Alimentação R$ 600,00; Telefone fixo R$ 60,00; Gás R$ 50,00; Medicação R$ 100,00; IPTU R$ 38,00 e Padaria R$ 50,00, totalizando R$ 1.158,00.

Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título.

Ante o exposto, rejeito a questão preliminar arguida pelo INSS e, no mérito DOU PROVIMENTO à sua apelação reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSTENTO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA

1. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. O laudo pericial forneceu ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Ausência de elementos aptos a descaracterizar o laudo pericial.

2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família que possui renda formal. Não demonstrada a impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

4. Benefício assistencial indevido.

5. Inversão do ônus da sucumbência.

6. Tutela antecipada revogada. 

7. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a questão preliminar arguida pelo INSS e, no mérito DAR PROVIMENTO à sua apelação reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.