APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013477-17.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANINE DE FATIMA RAYMUNDO GOMES
Advogado do(a) APELADO: DAIANE BARROS SPINA - SP226103-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013477-17.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: JANINE DE FATIMA RAYMUNDO GOMES Advogado do(a) APELADO: DAIANE BARROS SPINA - SP226103-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 05.10.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistencial à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado nesta ação movida por JANINE DE FÁTIMA RAYMUNDO GOMES contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para condenar o réu ao pagamento em favor da parte autora do benefício assistencial de prestação continuada, consistente no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, vigente na data do pagamento, a partir da data do requerimento administrativo, ou seja, 03.09.2015 (fls. 84/85).A autora deverá ser reavaliada a cada 02 anos, mediante perícia médica a ser realizada junto ao órgão previdenciário, nos termos do artigo 21 da Lei 8.742/1993.As parcelas vencidas serão corrigidas monetariamente e incidirão juros moratórios termos do artigo 1-F da Lei 9494/97, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.960/2009, e correção monetária observará o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), a partir da data do requerimento administrativo (03.09.2015, fls. 84/85).Faculta-se ao INSS proceder à execução invertida, com o trânsito em julgado. Em face da sucumbência, condeno a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono da autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, conforme a Súmula 111 do STJ.O Instituto requerido está isento de custas e despesas processuais, por força do artigo 8º, § 1º, da Lei Federal nº 8.621/93. Diante do valor da condenação, descabido reexame necessário. Oficie-se ao INSS para imediata implantação do benefício previdenciário em favor da autora, uma vez que, nesta ocasião, lhe concedo a tutela provisória de evidência, já que diante das conclusões dos laudos médico e social, depreende-se a verossimilhança das alegações do autor e o periculum in mora, por sua vez, é patente e decorre da diminuta renda familiar. P.I.C.” Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento de que não restou comprovado o requisito de miserabilidade da parte autora e nem sua condição de deficiente a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pleiteia a reforma do julgado no tocante aos honorários advocatícios. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013477-17.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: JANINE DE FATIMA RAYMUNDO GOMES Advogado do(a) APELADO: DAIANE BARROS SPINA - SP226103-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso de apelação. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º). A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento." No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo pericial médico e no estudo social, produzidos pelos peritos do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se: “As conclusões do estudo social realizado na residência da autora evidenciam que ela mora com sua sobrinha e dois filhos dessa sobrinha. A sobrinha Renata, única maior de idade e que trabalha, aufere renda mensal de RS 480,00 (quatrocentos e oitenta reais). Somado a isso, a autora também recebe o valor de RS 175,00 (cento e setenta e cinco reais) por meio do Programa Bolsa Família. Portanto, evidente que a situação financeira da família é extremamente precária e a pericianda se enquadra no perfil do benefício pretendido. Ainda, a incapacidade pessoal da autora para sua manutenção foi comprovada pela perícia médica. A perita concluiu que a autora possui doença mental e que é "Incapacitada para qualquer trabalho que possa lhe garantira subsistência". O §2°, do artigo 20, da lei n° 8.742/93 assim preceitua: (...) Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' considera como tal qualquer impedimento que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade, como no caso.” Da deficiência. Requisito preenchido. O laudo médico pericial elaborado em 10.02.2017 (ID 87776155 – pag. 84/88) conclui que a parte autora: “Análise e Conclusão: A pericianda é portadora de patologia psiquiátrica há cerca de 23 anos (desencadeada no pós parto): trata-se de distúrbio esquizo-afetivo e com bipolaridade. Tem fundo depressivo, e quando se desestabiliza, no limite desenvolve sintomas psicóticos, em surtos. Apresenta fases de mania, com exacerbação da atividade cerebral com verborragia, agitação psicomotora e atos controversos, sem utilidade. Atualmente estável, em boas condições de sociabilidade - porém a análise de seu prontuário (desde 1993) revela quadro grave, com equilíbrio frágil. Acolhida na casa da irmã, pode cuidar de si mesmo e fazer alguns serviços no lar - embora limitada e necessitando orientações. Não apresenta no entanto condições de conseguir um emprego, tratar de compromissos, cumprir com as obrigações e manter esse emprego. Com base nos elementos expostos e analisados, concluo: Não se trata de deficiência física ou mental - mas de doença mental. Incapacitada para qualquer trabalho que possa lhe garantir a subsistência.” Conclui-se, assim, que a parte autora está acometida de patologias que resultam em incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria. Da hipossuficiência. Requisito preenchido. O estudo social (ID 87776155 – pag. 52/54), elaborado em 23.11.2016, revela que a parte autora vive com sua sobrinha e dois sobrinhos-netos (menores de idade), em imóvel alugado, com um quarto, sala, cozinha e banheiro. A casa está guarnecida com móveis pouco conservados. A renda da casa é de R$ 480,00/mês, advindo do labor informal da sobrinha da autora que exerce labor informal como faxineira. Reportam despesas com aluguel (R$ 250,00), energia (R$ 70,00), água (R$ 50,00) e alimentação (R$ 280,00), perfazendo total de R$ 650,00. Notória a necessidade de aporte financeiro para suprir as necessidades básicas da parte autora. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, demonstrada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo e hipossuficiência/miserabilidade, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido. Os honorários de advogado devem ser mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça. Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013477-17.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANINE DE FATIMA RAYMUNDO GOMES
Advogado do(a) APELADO: DAIANE BARROS SPINA - SP226103-N
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. MISERABILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
3. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
4. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu que as restrições apresentadas acarretam incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
5. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
6. Honorários de advogado mantidos em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015 e Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
7. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
8. Apelação do INSS não provida.