APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-72.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: LUCINEIA PEREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-72.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: LUCINEIA PEREIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de juízo de retratação previsto no inciso II do artigo 1.040 do Código de Processo Civil/2015, considerando a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.355.052/SP, representativo de controvérsia, que assenta o entendimento no sentido de que, na verificação dos requisitos para a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.” É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-72.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: LUCINEIA PEREIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA PINHEIRO TAHAN - SP213850-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão devolvida a esta Turma diz respeito ao preenchimento do requisito da miserabilidade para a concessão a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal. No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Nesse sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG, em sede de repercussão geral. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. O CASO DOS AUTOS. Insta consignar, por primeiro, que o Recurso Especial que ensejou o presente juízo de retratação foi interposto pela parte autora contra o v. acórdão ID 121886166, que, por unanimidade, negou provimento à sua apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante o não preenchimento do requisito de hipossuficiência/miserabilidade. Feito esse breve relato, passo ao exame da questão da miserabilidade. O acórdão ID 121886166 negou provimento à apelação da parte autora conforme fundamento que segue: “De fato, o estudo social (ID 1287539 – pág. 118/131), elaborado em 30.06.2016, revela que a parte autora reside com seu pai e uma filha de dezessete anos de idade. O grupo reside em imóvel que pertence ao pai da autora, de alvenaria com três quartos, sala, cozinha, banheiro e área em mal estado de conservação. Possuem fogão, geladeira, liquidificador, ventilador e TV. A renda da casa advém da aposentadoria do pai da autora no valor de um salário mínimo (R$ 880,00) somada à pensão alimentícia recebida pela filha da autora (R$ 200,00). Consta ainda que a autora recebe Bolsa Família no importe de R$ 100,00, pelo que a renda do grupo alcança o valor de R$ 1.180,00. Não informação acerca dos valores das despesas do lar, porém a autora informa que gasta R$ 240,00 com medicamentos. A perita social emitiu parecer assentando que parte autora sobrevive em situação de risco social. Entretanto, depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico. Consta ainda que a filha da autora iniciou vínculo de trabalho formal em 22.08.2016 (CNIS ID 90043606 – pág. 13). Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.” Por sua vez, o estudo social (ID 1287539 – pag. 119/131), elaborado em 30.06.2016, revela que a parte autora vive com seu pai e uma filha adolescente em imóvel que a ele pertence, com três quartos, sala, cozinha e banheiro em mal estado de conservação. A casa está guarnecida como mobiliário restrito e mal conservado. Sobre a renda da casa, consta que o pai da autora recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo (R$ 880,00) e o filha recebe pensão alimentícia no valor de R$ 200,00. A parte autora recebe R$ 100,00 do programa social Bolsa Família. Não há informação acerca das despesas do lar. Somente reporta despesa de R$ 240,00 com medicamentos. É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência, por si só, não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a parte autora e sua filha vivem com encontram-se abrigadas na casa do pai da requerente, e o grupo conta com rendimento formal, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica. Nota-se ainda que a filha da parte autora iniciou vínculo de trabalho formal em 08.2016. Observo que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência. Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Por fim, assento que o quadro fático apresentado neste feito não retrata a condição de miserabilidade e/ou hipossuficiência, razão pela qual resta superado o debate acerca do cálculo da renda per capita familiar, que como já firmado pela jurisprudência dominante, não é a única forma de se averiguar a condição socioeconômica da família. Ante o exposto, em juízo de retratação negativo, mantenho o acórdão ID 121886166 que negou provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 1040, II DO CPC/2015. REsp 1.355.052/SP. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, CF 1988. MISERABILIDADE. §3º DO ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93.
1. Trata-se de juízo de retratação sob a luz do REsp 1.355.052 que assim determina: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3°, da Lei n. 8.742/93.”
2. O teto de ¼ do salário mínimo como renda per capita estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas que não impede o exame de situações específicas do caso concreto a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. A verificação da renda per capita familiar é uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única. RE 567.985/MT. RESP 1.112.557/MG.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família. Não comprovada a impossibilidade do sustento da parte autora por sua família. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Juízo de retratação negativo para manter o acórdão.