APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0025713-10.2008.4.03.6100
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: ANVOL COMERCIAL, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, NEXT-CHALLENGE COMERCIO, SERVICOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS PARA LAVANDERIA E COZINHA INDUSTRIAL LTDA
Advogado do(a) APELADO: DANIEL BETTAMIO TESSER - SP208351-A
Advogado do(a) APELADO: DANIEL BETTAMIO TESSER - SP208351-A
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0025713-10.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ANVOL COMERCIAL, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, NEXT-CHALLENGE COMERCIO, SERVICOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS PARA LAVANDERIA E COZINHA INDUSTRIAL LTDA Advogado do(a) APELADO: DANIEL BETTAMIO TESSER - SP208351-A R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado para possibilitar a liberação de mercadorias retidas, constantes nas Declarações de Importação n.º 08/1190205-0, 08/1191093-2 e 08/1190503-3. A r. sentença julgou concedeu a segurança. Nas razões de apelação, a União sustenta que houve importação fraudulenta, através da utilização indevida do regime de entreposto aduaneiro, no qual a importadora apresentou faturas “proforma”, utilizadas dolosamente com o fim de ludibriar a anterior aquisição da propriedade das mercadorias e, também, a existência de realização pretérita do pagamento. Requer a reforma da r. sentença para que seja denegada a ordem. Houve apresentação de contrarrazões. O Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pelo provimento da apelação e da remessa oficial. Sentença sujeita a reexame necessário. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0025713-10.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: ANVOL COMERCIAL, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, NEXT-CHALLENGE COMERCIO, SERVICOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE EQUIPAMENTOS PARA LAVANDERIA E COZINHA INDUSTRIAL LTDA Advogado do(a) APELADO: DANIEL BETTAMIO TESSER - SP208351-A V O T O De início, esclareço que o Código de Processo Civil de 1973 será o diploma processual aplicável ao deslinde da controvérsia, pois a r. sentença foi publicada na vigência do código revogado. No caso concreto, houve a ocorrência de importação por encomenda, na qual o importador adquire mercadorias no exterior com recursos próprios, promovendo o seu despacho de importação, a fim de revendê-las posteriormente a outra empresa. A matéria era disciplinada, à época dos fatos, pela Instrução Normativa n.º 634/2006: “Art. 1º O controle aduaneiro relativo à atuação de pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado será exercido conforme o estabelecido nesta Instrução Normativa. Parágrafo único. Não se considera importação por encomenda a operação realizada com recursos do encomendante, ainda que parcialmente. Art. 2º O registro da Declaração de Importação (DI) fica condicionado à prévia vinculação do importador por encomenda ao encomendante, no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex). § 1º Para fins da vinculação a que se refere o caput, o encomendante deverá apresentar à unidade da Secretaria da Receita Federal (SRF) de fiscalização aduaneira com jurisdição sobre o seu estabelecimento matriz, requerimento indicando: I - nome empresarial e número de inscrição do importador no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); e II - prazo ou operações para os quais o importador foi contratado. § 2º As modificações das informações referidas no § 1º deverão ser comunicadas pela mesma forma nele prevista. § 3º Para fins do disposto no caput, o encomendante deverá estar habilitado nos termos da IN SRF nº 455, de 5 de outubro de 2004. Art. 3º O importador por encomenda, ao registrar DI, deverá informar, em campo próprio, o número de inscrição do encomendante no CNPJ. Parágrafo único. Enquanto não estiver disponível o campo próprio da DI a que se refere o caput, o importador por encomenda deverá utilizar o campo destinado à identificação do adquirente por conta e ordem da ficha "Importador" e indicar no campo "Informações Complementares" que se trata de importação por encomenda. Art. 4º O importador por encomenda e o encomendante são obrigados a manter em boa guarda e ordem, e a apresentar à fiscalização aduaneira, quando exigidos, os documentos e registros relativos às transações em que intervierem, pelo prazo decadencial. Art. 5º O importador por encomenda e o encomendante ficarão sujeitos à exigência de garantia para autorização da entrega ou desembaraço aduaneiro de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou patrimônio líquido do importador ou do encomendante. Parágrafo único. Os intervenientes referidos no caput estarão sujeitos a procedimento especial de fiscalização, nos termos da Instrução Normativa SRF nº 228, de 21 de outubro de 2002, diante de indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira citada.” Todavia, a prova dos autos esclarece que a mercadoria foi importada sob o regime de “entreposto aduaneiro” incorretamente. As mercadorias importadas consistiram em máquinas e equipamentos de cozinha, realizadas pela “Brasil Overseas” (trading) para a Next-Challenge (cliente), que por sua vez era a empresa contratada para a realização de obras para o restaurante do chef Alex Atala. Conforme descrito em petição inicial, à época da chegada dos equipamentos importados, a referida obra do restaurante estava em atraso, motivo pelo qual haveria uma demora maior para a disponibilização do espaço físico no local para a implementação das mercadorias importadas. Nessa situação, a impetrante “Brasil Overseas” (importadora), optou por requerer o regime de entreposto aduaneiro dos bens, suspendendo a incidência dos tributos. Assim, na própria exordial a impetrante justificou que o atraso na obra do restaurante atrasaria também o pagamento à empresa “Next-Challenge” (encomendante), alterando seu fluxo financeiro, o que justificaria o requerimento pelo regime de entrepostamento aduaneiro dos bens. A União esclarece que, nos termos da Instrução Normativa citada (n.º 634/2006), na importação por encomenda a importadora realiza o procedimento aduaneiro de importação em nome próprio e com recursos próprios (art. 2.º, § 1.º, inc. I, da IN n.º 634/2006. Alias, o contrato firmado entre as duas impetrantes deixa explícito tratar-se de importação por encomenda. Confira-se: "Após o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas pela TRADING, obriga-se esta a vendê-las para a CLIENTE que, por sua vez, obriga-se a adquiri-las pelo preço e condições ajustadas neste instrumento" (ID 103336008 – pág. 106) Desta forma, nos termos legais, uma vez desembarcadas as mercadorias, a importadora deveria ter procedido ao respectivo desembaraço aduaneiro, com o recolhimento dos tributos. Por sua vez, o regime de entreposto aduaneiro, previsto à época dos fatos, pelo Decreto n.º 4.543/2002, nos artigos 356 e seguintes, não se aplicava ao caso concreto: “Art. 356. O regime especial de entreposto aduaneiro na importação é o que permite a armazenagem de mercadoria estrangeira em recinto alfandegado de uso público, com suspensão do pagamento dos impostos incidentes na importação (Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 9o, com a redação da Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 69). Art. 357. O regime permite, ainda, a permanência de mercadoria estrangeira em feira, congresso, mostra ou evento semelhante, realizado em recinto de uso privativo, previamente alfandegado para esse fim (Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 16, Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 69). § 1o O alfandegamento do recinto será declarado por período que alcance não mais que os trinta dias anteriores e os trinta dias posteriores aos fixados para início e término do evento. § 2o Dentro do período a que se refere o § 1o, a mercadoria poderá ser admitida no regime de entreposto aduaneiro em recinto alfandegado de uso público, sem reinício da contagem do prazo. Art. 358. É beneficiário do regime de entreposto aduaneiro na importação, o consignatário da mercadoria entrepostada. Parágrafo único. Na hipótese de aplicação do regime de entreposto aduaneiro nos casos a que se refere o art. 357, o beneficiário será o promotor do evento. Art. 359. A mercadoria admitida no regime poderá ser nacionalizada, e posteriormente despachada para consumo ou exportada, pelo consignatário ou pelo adquirente. Art. 360. É condição para admissão no regime que a mercadoria seja importada sem cobertura cambial. Parágrafo único. Poderá ser admitida no regime mercadoria importada com cobertura cambial que for destinada a exportação, em conformidade com ato complementar editado pela Secretaria da Receita Federal. Art. 361. A mercadoria poderá permanecer no regime de entreposto aduaneiro na importação pelo prazo de até um ano, prorrogável por período não superior, no total, a dois anos, contado da data do desembaraço aduaneiro de admissão. § 1o Em situações especiais, poderá ser concedida nova prorrogação, respeitado o limite máximo de três anos. § 2o Na hipótese de a mercadoria permanecer em feira, congresso, mostra ou evento semelhante, o prazo de vigência será equivalente àquele estabelecido para o alfandegamento do recinto. Art. 362. A mercadoria deverá ter uma das seguintes destinações, em até quarenta e cinco dias do término do prazo de vigência do regime, sob pena de ser considerada abandonada (Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23, inciso II, alínea "d"): I - despacho para consumo; II - reexportação; III - exportação; ou IV - transferência para outro regime aduaneiro especial ou aplicado em áreas especiais. Parágrafo único. A destinação prevista no inciso III não se aplica a mercadorias admitidas no regime para permanência em feira, congresso, mostra ou evento semelhante.” A apelante esclarece que as mercadorias já se encontravam na iminência de declaração de abandono quando foi requerido o regime de entreposto sendo que, dois meses após este requerimento, foram registradas três declarações de importação referentes às mercadorias, com valores abaixo do preço de tabela do exportador, situação que levou a fiscalização a instaurar o procedimento administração de fiscalização no qual, resumidamente, constatou-se que: “i) as mercadorias 'entrepostadas' já haviam sido pagas há muito tempo, através de dois contratos de câmbio (informações de fis. 234). Logo a Importadora já tinha cobertura cambial, fato que, per se, já impede o 'entrepostamento aduaneiro'. ii) a importação da BRASIL OVERSEAS se deu por encomenda da NEXT-CHALLENGE; e a Importadora já tinha a posse das faturas comerciais (envoices), emitidas pela Exportadora ELECTROLUX, em 12 de dezembro de 2007. Logo a Importadora já era proprietária, e não tão somente consignatária das mercadorias, de modo que a apresentação de faturas pro-forma, para a realização do 'entreposto' das mercadorias, deu-se exclusivamente com a finalidade de fraude, para se valer indevidamente do regime especial de importação. iii) que o cliente da NEXT-CHALLENGE era a JBA RESTAURANTES E COM. DE MERCADORIAS LTDA. e, como destinatária final das mercadorias, encontrava-se impossibilitada de recebê-las em razão do atraso nas obras do restaurante. Logo o 'entrepostamento' das mercadorias foi o artificio ilícito para o retardamento do desembaraço aduaneiro.” (ID 103336012 - Pág. 94/95) Assim, diante da constatação de tais circunstâncias, alterando a verdade dos fatos no processo de importação e desembaraço aduaneiro, entendo que a retenção das mercadorias pela autoridade aduaneira não foi ilegal. A Instrução Normativa n.º 206/2002, vigente à época dos fatos: “Art. 65. A mercadoria introduzida no País sob fundada suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento ou que impeça seu consumo ou comercialização no País, será submetida aos procedimentos especiais de controle aduaneiro estabelecidos neste título. Parágrafo único. A mercadoria submetida aos procedimentos especiais a que se refere este artigo ficará retida até a conclusão do correspondente procedimento de fiscalização, independentemente de encontrar-se em despacho aduaneiro de importação ou desembaraçada. Art. 66. As situações de irregularidade mencionadas no artigo anterior compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto: I - à falsidade na declaração da classificação fiscal, do preço efetivamente pago ou a pagar ou da origem da mercadoria, bem assim de qualquer documento comprobatório apresentado; II - ao cometimento de infração à legislação de propriedade industrial ou de defesa do consumidor que impeça a entrega da mercadoria para consumo ou comercialização no País; III - ao atendimento a norma técnica a que a mercadoria esteja submetida para sua comercialização ou consumo no País; IV - a tratar-se de importação proibida, atentatória à moral, aos bons costumes e à saúde ou ordem públicas; V - à ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro; ou VI - à existência de fato do estabelecimento importador ou de qualquer pessoa envolvida na transação comercial. § 1º As suspeitas da fiscalização aduaneira quanto ao preço efetivamente pago ou a pagar devem estar baseadas em elementos objetivos e, entre outras hipóteses, na diferença significativa entre o preço declarado e: I - os valores usualmente praticados em importações de mercadorias idênticas ou similares; II - os valores indicados em cotações de preços internacionais, publicações especializadas, faturas comerciais pro forma, ofertas de venda etc.; III - os custos de produção da mercadoria; IV - os valores de revenda no mercado interno, deduzidos os impostos e contribuições, as despesas administrativas e a margem de lucro usual para o ramo ou setor da atividade econômica. § 2º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, a Coana disciplinará os procedimentos a serem adotados conforme a legislação específica aplicável a cada caso. § 3º Nos casos dos incisos V e VI do caput deste artigo, a autoridade aduaneira poderá considerar, entre outros, os seguintes fatos: I - importação de mercadorias em volumes ou valores incompatíveis com as instalações físicas ou com o patrimônio do importador; II - ausência de histórico de importações da empresa na unidade de despacho; III - opção questionável por determinada unidade de despacho, em detrimento de outras que, teoricamente, apresentariam maiores vantagens ao importador, tendo em vista a localização do seu domicílio fiscal, o trajeto e o meio de transporte utilizados ou a logística da operação; IV - existência de endosso no conhecimento de carga, ressalvada a hipótese de endosso bancário; V - conhecimento de carga consignado ao portador; VI - ausência de fatura comercial ou sua apresentação sem a devida assinatura, identificação do signatário e endereço completo do vendedor; VII - aquisição de mercadoria de fornecedor não fabricante: a) sediado em país considerado paraíso fiscal ou zona franca internacional; b) cujo endereço exclusivo seja do tipo caixa postal; ou c) que apresente qualquer evidência de tratar-se de empresa de fachada. Art. 67. A seleção das importações a serem submetidas aos procedimentos especiais de que trata esta Instrução Normativa poderá ocorrer por decisão: I - da Coana, mediante direcionamento do importador para o canal cinza de conferência e correspondente informação às unidades aduaneiras; II - do titular da unidade da SRF ou de qualquer servidor por ele designado que tomar conhecimento de situação com suspeita de irregularidade que exija a retenção da mercadoria como medida acautelatória de interesses da Fazenda Nacional. Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a ocorrência deverá ser registrada no Radar. Art. 68. O importador será cientificado da seleção para os procedimentos especiais de controle: I - durante o despacho aduaneiro, mediante interrupção para apresentação de documentos justificativos ou informações adicionais àquelas prestadas na declaração, registrada no Siscomex; II - nas demais situações, como procedimento interno de revisão aduaneira, mediante ciência em termos de retenção, com intimação para apresentar documentos ou prestar informações adicionais. Art. 69. As mercadorias ficarão retidas pela fiscalização pelo prazo máximo de noventa dias, prorrogável por igual período, em situações devidamente justificadas. Parágrafo único. Afastada a hipótese de fraude e havendo dúvidas quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, a mercadoria poderá ser desembaraçada e entregue mediante a prestação de garantia, determinada pelo titular da unidade da SRF ou por servidor por ele designado, nos termos da norma específica.” Por outro lado, o Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto n.º 4.543/2002), dispunha a respeito da pena de perdimento: “Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23 e § 1o, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59): (Redação dada pelo Decreto nº 4.765, de 24.6.2003) I - em operação de carga ou já carregada em qualquer veículo, ou dele descarregada ou em descarga, sem ordem, despacho ou licença, por escrito, da autoridade aduaneira, ou sem o cumprimento de outra formalidade essencial estabelecida em texto normativo; (...) VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;” Desta forma, entendo que havia justificativa para a retenção das mercadorias e para o procedimento administrativo fiscal que se instaurou. Ademais, o processo administrativo, como típico ato administrativo, goza da presunção de veracidade e legalidade. Por outras palavras, os fatos e os fundamentos jurídicos que suportam a imputação administrativa se revestem e se preservam sob o manto da presunção de licitude. Caberia, portanto, ao interessado fazer a contraprova inequívoca a fim de ilidir tal presunção. Nesse sentido, a lição de Hely Lopes Meirelles, na obra Direito administrativo Brasileiro (19ª edição, p. 82/83): "A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei." Na administração pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer de tudo o que a lei não proíbe, na Administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim'; para o administrador público 'deve fazer assim'." Entre os princípios básicos da administração pública estão os da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Relegá-los, nas palavras do ilustre Professor Hely Lopes Meirelles "é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais" (obra citada, p.82). Há que se dar guarida, portanto, ao princípio de legalidade, caracterizado inclusive constitucionalmente (art. 5º, inciso II da Carta Maior em vigor), máxime em querela que envolve questão de índole pública, pois segundo este princípio, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei permite. Posto isto, há que se lembrar que o ônus da prova incumbe ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito (art. 330, I, do CPC de 1973). Assim, todas as suas alegações devem ser devidamente comprovadas por meios das provas admitidas em direito em geral. Neste sentido, não restou comprovado nos presentes autos qualquer evidência de ilegalidade ou inconstitucionalidade no procedimento especial de controle aduaneiro instaurado pela apelante. Cabe destacar que, conforme fundamentado, as apeladas não faziam jus ao regime de entreposto aduaneiro escolhido. Neste sentido, transcrevo o parecer do i. membro do Ministério Público Federal: “De pronto, a partir dos textos acima transcritos, os quais foram negritados, resta elucidado que dois são os requisitos fundamentais na concessão do regime de entreposto. Que o beneficiário seja o consignatário da mercadoria admitida sujeita ao regime especial e que a operação realizada não tenha cobertura cambial. Esse último requisito é explicado a seguir. A importação sem cobertura cambial ocorre quando não há remessa de divisas do exterior para o pagamento de mercadorias, estando desvinculadas de um contrato de câmbio. Tratando-se de importação, como é o caso, o que se impõe é o importador seja um mero consignatário, não tendo ainda efetuado o pagamento do Exportador sediado no estrangeiro, porquanto aquele (o importador) seja consignatário e não proprietário. O primeiro requisito acima ventilado foi agora mencionado. No regime de entreposto aduaneiro, quem importa o bem é um mero consignatário, pois recebeu as mercadorias importadas para, posteriormente, encontrar um comprador e se apresentar apenas como intermediário da transação. Enquanto isso não ocorre, o Exportador estrangeiro permanece com a propriedade das mercadorias, sem ter recebido o valor, através de um contrato de câmbio, que supõe a conversão de Reais para a moeda estrangeira negociada, bem como sua remessa do valor correspondente ao Exportador. Evidentemente, a situação ora exposta com o intuito de ilustrar como deveria ser aplicado o instituto não ocorreu, contrastando com a realidade fática apresentada pelas Apeladas. A Apelada Importadora utilizou-se de meios fraudulentamente empregados para tentar burlar os requisitos Iegais, tais como a apresentação de faturas pro-forma, na qual não estaria vinculada a propriedade das mercadorias, e o fato das mercadorias importadas já terem sido pagas - ainda que sob a roupagem do regime de entrepostamento aduaneiro. Ressalta-se que, naquela ocasião, foi pago mais de US$ 150.000.00 (cento e cinquenta mil dólares norte-americanos), sem o recolhimento de qualquer tributo. Nesse sentido é necessário mencionar como se deu, na realidade, a importação desempenhada pela Apelada. A importadora realizou importação por encomenda, significando que, quando os bens adentrassem em solo nacional, deveriam ser desembaraçados através do respectivo despacho aduaneiro, com o devido recolhimento dos tributos. Posteriormente, seriam entregues a empresa 'NEXT CHALLENGE COMERCIAL SERVIÇOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PARA LAVANDERIA E COZINHA LTDA.", a qual revenderia ao consumidor final. Ocorre que essa cadeia foi rompida devido ao retardamento das obras que o consumidor final realizava em seu estabelecimento para receber os produtos. Logo, enquanto não recebia as mercadorias adquiridas, não efetuou, naturalmente, o pagamento respectivo. Não efetuando o pagamento à revendedora "NEXT CHALLENGE COMERCIAL SERVIÇOS IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PARA LAVANDERIA E COZINHA LTDA.", essa não repassou valor algum para a Importadora que, por fim, não detinha recursos para adimplir com a obrigação tributária, promovendo o desembaraço aduaneiro da carga, e sua propriedade, que já havia sido descarregada no terminal. Esse regime foi adotado pouco antes da eventual decretação de abandono das mercadorias, devido à demora no início do desembaraço aduaneiro, uma vez que a Apelada não conseguiria quitar os tributos a serem pagos, quando do despacho aduaneiro. Os fatos que ocorreram dão conta de um contexto muito diferente daquele no qual se admite, segundo a legislação acima transcrita, o regime especial de entreposto aduaneiro. Está demonstrado que a Importadora possuía a propriedade das mercadorias e se valeu, de forma fraudulenta e enganosa, do regime para manter as mercadorias sob controle fiscal e, principalmente, com a suspensão do pagamento de tributos.” (ID 103336012 - Pág. 125/127) A existência de indícios de fraude justificou a instauração de procedimento especial de controle na forma da IN SRF 206/2002 e Regulamento Aduaneiro. Desta forma, não vislumbro a ocorrência de ilegalidades por parte da autoridade aduaneira na instauração do procedimento de fiscalização e retenção dos bens. Por estes fundamentos, dou provimento à apelação da União e à remessa oficial. É o voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADUANEIRO. SUSPEITA DE FRAUDE NA IMPORTAÇÃO. RETENÇÃO DE MERCADORIA. REGULAMENTO ADUANEIRO. IN N.º 206/2002. APELAÇÃO DA UNIÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDAS.
- No caso concreto, houve a ocorrência de importação por encomenda, na qual o importador adquire mercadorias no exterior com recursos próprios, promovendo o seu despacho de importação, a fim de revendê-las posteriormente a outra empresa.
- Nos termos da Instrução Normativa SRF n.º 634/2006 (vigente à época dos fatos), na importação por encomenda a importadora realiza o procedimento aduaneiro de importação em nome próprio e com recursos próprios (art. 2.º, § 1.º, inc. I, da IN n.º 634/2006.
- Todavia, a impetrante “Brasil Overseas” (importadora), optou por requerer o regime de entreposto aduaneiro dos bens, suspendendo a incidência dos tributos, com o objetivo de retardar o pagamento da tributação.
- Diante da constatação de tais circunstâncias, alterando a verdade dos fatos no processo de importação e desembaraço aduaneiro, entendo que a retenção das mercadorias pela autoridade aduaneira não foi ilegal.
- A existência de indícios de fraude justificou a instauração de procedimento especial de controle na forma da IN SRF 206/2002 e Regulamento Aduaneiro.
- Desta forma, não vislumbro a ocorrência de ilegalidades por parte da autoridade aduaneira na instauração do procedimento de fiscalização e retenção dos bens.
- Apelação da União e remessa oficial providas.