Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017417-04.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: TECH DATA BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELADO: MARIA RITA FERRAGUT - SP128779-A, JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017417-04.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: TECH DATA BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELADO: MARIA RITA FERRAGUT - SP128779-A, JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Ação Ordinária, proposta por Tech Data do Brasil Ltda. em face da União Federal, pela qual a autora requer o reconhecimento do direito a crédito de CPMF indevidamente retida, por ocasião de transferência de valores entre contas de sua titularidade bem como de utilizar tais valores para a compensação com débitos de COFINS; argumenta que os pedidos administrativos de restituição/compensação não foram deferidos; que seu direito ao crédito não foi reconhecido tão somente em virtude do descumprimento de requisito previsto por norma estabelecida pelo BACEN.

 

Na sentença (fls. 591 a 595), o MM Juízo a quo julgou procedente o pedido, assinalando que a documentação demonstra se tratar de movimentação financeira entre contas de titularidade da autora, portanto indevida a incidência de CPMF, não cabendo à Circular BACEN 2733/1997 dificultar a aplicação de norma que determina a redução da alíquota a zero; que há direito à compensação, nos termos do art. 74 da Lei 9.430/1996 e 170-A do CTN, assegurada à Fazenda Nacional a fiscalização da exatidão dos valores e regularidade da compensação. Honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atualizado da causa. Determinada a Remessa Oficial.

 

Em suas razões de Apelação (fls. 599 a 605), a União Federal argumenta, em síntese, que a autora não utilizou os documentos específicos, previstos pela norma combatida, para identificação de lançamentos não sujeitos à incidência do tributo; que a sentença negou incidência ao art. 3º, §1º, e art. 8º, §1º, ambos da Lei 9.311/1996; alternativamente, que devem ser reduzidos os honorários advocatícios.

 

Contrarrazões pela autora (fls. 615 a 626).

 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0017417-04.2005.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: TECH DATA BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELADO: MARIA RITA FERRAGUT - SP128779-A, JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, hoje extinta, foi instituída pela Lei 9.311/1996; o Diploma Legal previu ainda hipóteses de não incidência do tributo, a exemplo de movimentação de valores entre contas-correntes de mesma titularidade, nos termos que seguem, na redação vigente à época dos fatos:

 

Lei 9.311/1996

Art. 3° A contribuição não incide:

(...)

Parágrafo único. O Banco Central do Brasil, no exercício de sua competência, poderá expedir normas para assegurar o cumprimento do disposto neste artigo, objetivando, inclusive por meio de documentação específica, a identificação dos lançamentos objeto da não incidência.

§ 1o O Banco Central do Brasil, no exercício de sua competência, poderá expedir normas para assegurar o cumprimento do disposto neste artigo, objetivando, inclusive por meio de documentação específica, a identificação dos lançamentos objeto da não-incidência. (Renumerado do Parágrafo Único pela Lei nº 10.306, de 2001)

(...)

Art. 8° A alíquota fica reduzida a zero:

(...)

II - nos lançamentos relativos a movimentação de valores de conta corrente de depósito, para conta de idêntica natureza, dos mesmos titulares, exceto nos casos de lançamentos a crédito na hipótese de que trata o inciso II do art. 2° ;

(...)

§ 1° O Banco Central do Brasil, no exercício de sua competência, expedirá normas para assegurar o cumprimento do disposto nos incisos I, II e VI deste artigo, objetivando, inclusive por meio de documentação específica, a identificação dos lançamentos previstos nos referidos incisos.

 

Em síntese, para assegurar a não incidência sobre movimentação de valores entre contas do mesmo titular foi prevista a expedição de norma pelo Banco Central, no caso,  a Circular 2.733/1997, nos termos de seu art. 2º, abaixo reproduzido:

 

Art. 2º Para os fins do art. 8º, inciso II, da Lei nº 9.311/96, e observadas as normas do Ministério da Fazenda a que se refere o parágrafo 2º do mencionado artigo, nos casos de transferências de recursos entre contas correntes de depósito dos mesmos titulares, envolvendo instituições financeiras distintas, será utilizado, à opção do titular da conta, o documento de transferência - DOC "D" ou o cheque específico de que trata o Anexo II desta Circular.

 

A documentação apresentada comprova tanto a existência das transferências de valores entre as contas correntes da autora, no período de 10.09.1999 a 03.03.2000 (fls. 54 a 490), quanto a incidência do tributo em virtude da não utilização da documentação indicada pela norma administrativa, como reconhecido pela autoridade fiscal (fls. 494 e 495).

 

Embora a atividade administrativa da autoridade fiscal se mostre vinculada, é admitida a contestação do sujeito passivo pela via judicial, haja vista o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e o princípio da verdade material, albergado pelo art. 148 do CTN. Em outras palavras, deve prevalecer a real situação fiscal do contribuinte, não se prestando o eventual preenchimento incorreto de documento ou sua omissão para criação de obrigação tributária, facultando-se ao sujeito passivo a possibilidade de fazer prova de seu direito, observadas eventuais prescrição e penalidade pecuniária pelo descumprimento de obrigação acessória; entendimento contrário equivaleria a promover o enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, o que é justamente repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio.

 

Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO. AFERIÇÃO INDIRETA. ART. 33, § 6º, DA LEI N. 8.212/91. MEDIDA EXCEPCIONAL. CONTESTAÇÃO AO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. PRECEDENTES.

1. A apuração indireta do tributo prevista no art. 33, § 6º, da Lei n. 8.212/91 guarda simetria com a previsão do lançamento por arbitramento do art. 148 do CTN, bem como de outros normativos existentes no campo tributário, e representa forma de constituição do crédito tributário, revestindo-se de excepcionalidade a ser aplicada quando verificada a absoluta ausência ou imprestabilidade da documentação contábil e fiscal da empresa, constituindo irregularidade insanável.

2. A aferição indireta perpetrada pela autoridade tributária não obsta o direito do contribuinte de, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, ilidir a presunção de legitimidade dos atos fiscais na constituição por arbitramento, pois somente a irregularidade insanável, entendida como aquela que inviabiliza no todo a apuração do tributo, justifica a  constituição do crédito nesta modalidade.

3. O art. 33, § 6º, da Lei n. 8.212/91 bem como o art. 148 do CTN representam a concretização normativa do princípio da verdade real em matéria tributária, dando azo para que a empresa contribuinte, rendendo homenagem ao citado princípio, possa contestar o lançamento tributário na via administrativa ou judicial.

4. Precedentes: REsp 1.201.723/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14.9.2010, DJe 6.10.2010; REsp 830.837/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 1º.6.2010, DJe 23.6.2010; REsp 901.311/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.12.2007, DJe 6.3.2008; REsp 549.921/CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 21.6.2007, DJ 1.10.2007, p. 212.

5. Com efeito, a premissa jurídica firmada no acórdão dos embargos infringentes no sentido de que "a correção das irregularidades contábeis após a fiscalização não tem o condão de invalidar a aferição indireta dos tributos devidos" se contrapõe ao entendimento colacionado nos precedentes desta Corte, negando ao contribuinte a faculdade de fazer prova apta a infirmar as presunções que servira de base de cálculo do imposto. Recurso especial provido.

(STJ, REsp 1377943/AL, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 30/09/2013)

 

TRIBUTÁRIO.   IMPOSTO  DE  RENDA  DE  PESSOA  FÍSICA.  PREENCHIMENTO INCORRETO  DA  DECLARAÇÃO.  MULTA  POR  DESCUMPRIMENTO  DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.   INAPLICABILIDADE.   PREJUÍZO  DO  FISCO.  INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1.  A  sanção  tributária,  à semelhança das demais sanções impostas pelo  Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2.  A  atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade   e   da   proporcionalidade,   que   censuram  o  ato administrativo  que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A  razoabilidade  encontra  ressonância  na  ajustabilidade  da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é  usual  e  sensato.  Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade "aquilo que não pode ser". A  proporcionalidade,  como  uma das facetas da razoabilidade revela que  nem  todos  os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução   das   finalidades,   quando   exorbitantes,  superam  a proporcionalidade,  porquanto  medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

(...)

5.  Deveras,  não  obstante  a  irritualidade,  não sobejou qualquer prejuízo  para  o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

(...)

(STJ, Resp 728999/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 12.09.2006)

 

Desse modo, resta suficientemente demonstrado que a incidência do tributo se deu não em razão do enquadramento em hipótese de incidência, mas de inobservância de obrigação acessória. Indevida, portanto, a incidência de CPMF no período em questão, cabendo a restituição dos valores recolhidos a esse título.

 

Igualmente não há que se falar em reforma do julgado quanto à possibilidade de utilização do crédito da parte autora na compensação de débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, autorizada nos termos do art. 74 da Lei 9.430/1996, devendo ser observado o trânsito em julgado, consoante o disposto pelo art. 170-A do CTN, e sujeito o pedido de compensação à verificação de regularidade pelo Fisco.

 

Por fim, a fixação dos honorários advocatícios em desfavor da União, em 10% do valor atualizado da causa mostra atender ao princípio da razoabilidade, além de se coadunar ao entendimento desta 4ª Turma.

 

Face ao exposto, nego provimento à Remessa Oficial e à Apelação, nos termos da fundamentação.

 

É o voto.



E M E N T A

 

 

TRIBUTÁRIO. CPMF. TRANSFERÊNCIA DE VALORES ENTRE CONTAS CORRENTES DO MESMO TITULAR. HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. CIRCULAR 2.733/1997 DO BANCO CENTRAL. IDENTIFICAÇÃO DOS LANÇAMENTOS POR DOCUMENTAÇÃO ESPECÍFICA. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL. RESTITUIÇÃO. COMPENSAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO ART. 170-A DO CTN.

1. A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, hoje extinta, foi instituída pela Lei 9.311/1996; o Diploma Legal previu ainda hipóteses de não incidência do tributo, a exemplo de movimentação de valores entre contas-correntes de mesma titularidade.

2. Para assegurar a não incidência sobre movimentação de valores entre contas do mesmo titular foi prevista a expedição de norma pelo Banco Central, caso da Circular 2.733/1997, nos termos de seu art. 2º.

3. A documentação apresentada comprova tanto a existência das transferências de valores entre as contas correntes da autora, no período de 10.09.1999 a 03.03.2000 (fls. 54 a 490), quanto a incidência do tributo em virtude da não utilização da documentação indicada pela norma administrativa, como reconhecido pela autoridade fiscal (fls. 494 e 495).

4. Embora a atividade administrativa da autoridade fiscal se mostre vinculada, é admitida a contestação do sujeito passivo pela via judicial, haja vista o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e o princípio da verdade material, albergado pelo art. 148 do CTN. Em outras palavras, deve prevalecer a real situação fiscal do contribuinte, não se prestando o eventual preenchimento incorreto de documento ou sua omissão para criação de obrigação tributária, facultando-se ao sujeito passivo a possibilidade de fazer prova de seu direito, observadas eventuais prescrição e penalidade pecuniária pelo descumprimento de obrigação acessória; entendimento contrário equivaleria a promover o enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, o que é justamente repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio.

5. Suficientemente demonstrado que a incidência do tributo se deu não em razão do enquadramento em hipótese de incidência, mas de inobservância de obrigação acessória. Indevida, portanto, a incidência de CPMF no período em questão, bem como à restituição dos valores recolhidos a esse título.

6. Não há que se falar em reforma do julgado quanto à possibilidade de utilização do crédito da parte autora na compensação de débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, autorizada nos termos do art. 74 da Lei 9.430/1996, devendo ser observado o trânsito em julgado, consoante o disposto pelo art. 170-A do CTN, e sujeito o pedido de compensação à verificação de regularidade pelo Fisco.

7. A sentença merece ainda sua manutenção quanto aos honorários advocatícios, os quais foram arbitrados em 10% do valor atualizado da causa; não obstante o art. 20, §4º, do CPC/1973, então vigente, viabilizasse a fixação dos honorários abaixo do mínimo previsto pelo §3º do mesmo artigo, o montante ora fixado mostra atender ao princípio da razoabilidade, além de se coadunar ao entendimento desta 4ª Turma.

8. Remessa Oficial improvida.

9. Apelo improvido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à Remessa Oficial e à Apelação, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. FERREIRA DA ROCHA e a Des. Fed. MARLI FERREIRA. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Conv. FERREIRA DA ROCHA) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.