AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005619-97.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
AGRAVANTE: FLAVIO HENRIQUE DAMACENA
Advogado do(a) AGRAVANTE: JANAINA MARCELINO DOS SANTOS - MS18223-A
AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005619-97.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE AGRAVANTE: FLAVIO HENRIQUE DAMACENA Advogado do(a) AGRAVANTE: JANAINA MARCELINO DOS SANTOS - MS18223-A AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Embargos de declaração opostos pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL - FUFMS (Id 141468720) contra acórdão que, à unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, para confirmar a antecipação da tutela recursal, a fim de determinar seja reservada a vaga do agravante no curso de medicina, unidade FAMED, com a possibilidade de apresentar os documentos exigidos para sua matrícula. Em consequência, foi declarado prejudicado o agravo interno (Id 138520038). Alega, em síntese, que há omissão e contradição, pois, ao afastar o critério fenotípico como aplicável à seleção dos candidatos que fazem jus às vagas reservadas, a decisão teria que indicar qual seria critério, sob pena de se concluir que todos os que vindicam as vagas fazem jus a elas ou que nenhum dos candidatos teria tal direito. Em ambas as situações, o que ocorre é a negativa de aplicação da política pública já considerada constitucional pelo STF. Aduz que a matéria está inserida no âmbito da autonomia universitária e a interferência do Poder Judiciário viola o princípio da separação de poderes. Pleiteia sejam supridos os vícios apontados com a integração do acórdão. Manifestação da parte adversa (Id 143471486). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005619-97.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE AGRAVANTE: FLAVIO HENRIQUE DAMACENA Advogado do(a) AGRAVANTE: JANAINA MARCELINO DOS SANTOS - MS18223-A AGRAVADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O julgado não é omisso. Todas as questões suscitadas foram analisadas expressamente e consignou-se (Id 8004307): Do exame das normas de regência sobre as cotas em instituições de ensino superior federais, constata-se que foi adotado pela legislação brasileira o critério da autodeclaração para a caracterização do candidato como negro, pardo ou indígena. Em 2012 o Supremo Tribunal Federal, à unanimidade, reconheceu a constitucionalidade do sistema de cotas para o ingresso nas universidades públicas federais, no julgamento da ADPF 186/DF, conforme acórdão assim ementado: “Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.” (ADPF 186, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014) O Ministro Relator da ADPF 186/DF, Ricardo Lewandowski, em seu voto, ao examinar se os mecanismos utilizados na identificação do componente étnico-racial estão ou não em consonância com a ordem jurídica constitucional brasileira, reconheceu que há duas maneiras distintas de identificação: a autoidentificação, que decorre da autodeclaração realizada pelo candidato, e a heteroidentificação, efetuada pela administração universitária, e asseverou que ambas são aceitáveis sob o enfoque constitucional, verbis: “Como se sabe, nesse processo de seleção, as universidades têm utilizado duas formas distintas de identificação, quais sejam: a autoidentificação e a heteroidentificação (identificação por terceiros). [...] Tanto a autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, desde que observem, o tanto quanto possível, os critérios acima explicitados e jamais deixem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, são, a meu ver, plenamente aceitáveis do ponto de vista constitucional.” É cediço que as regras editalícias são vinculantes tanto para a universidade quanto para os candidatos. Em juízo de cognição perfuntória, verifica-se que a instituição de ensino adotou o critério fenotípico, afastado o fator genotípico ou fenotípico de ascendentes, consoante informado pela comissão constituída para esse fim, com fundamento na Resolução nº 150, Coun/2019 da UFMS (Id. 126575066 - Pág. 1/11): (...) Art. 14. A verificação de autodeclaração utilizará exclusivamente o critério fenotípico para a aferição da condição declarada pelo candidato. § 1º Não será considerada para a verificação da autodeclaração o fator genotípico do candidato ou fenotípico dos parentes ascendentes. § 2º Serão verificadas as características fenotípicas do candidato: cor/cútis; características mestiças; cabelo; nariz e lábios (espessura e coloração). (...) Art. 22. A Banca de Verificação de Autodeclaração deliberará por decisão conjunta dos seus membros, sob forma de parecer específico por candidato devidamente motivado e fundamentado exclusivamente nos critérios fenotípicos do candidato. A questão em tela não é se o critério utilizado estava previsto no edital ou se o Judiciário pode ou não se substituir à comissão de avaliação. É se os instrumentos aplicados para constatar ser o candidato cotista (de cor preta ou parda) atendem às garantias constitucionais ou legais. A universidade, por sua vez, apenas informou em seu parecer que o candidato apresentou as seguintes características: cor/cútis/raça branca, cabelo ondulado, nariz intermediário e lábios finos, motivo pelo qual não se verificaram os requisitos necessários para confirmar a autodeclaração (Id. 126575069 - Pág. 1). O parecer recursal confirmou a avaliação, com a diferença de considerar o nariz fino (Id. 126575070 - Pág. 1). Note-se que a avaliação identificou cada característica do candidato por meio de alternativas. Nesse contexto, não cumpriu o disposto no artigo 22 anteriormente mencionado que estabelece que a banca de verificação deliberará por meio de parecer específico devidamente motivado acerca dos critérios fenotípicos do candidato, dado que não justificou fundamentadamente a decisão que negou o direito ao recorrente. Desse modo, não pode o candidato ser prejudicado de efetuar sua matrícula na universidade, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e devido processo legal, visto que, no caso de dúvida deve prevalecer a presunção de veracidade da autodeclaração, notadamente porque após a resposta da parte contrária é possível confirmar a regularidade do ato e a continuidade ou não no curso superior. Sobre a questão versada nos autos, cito o seguinte precedente do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS. COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO. CONCLUSÃO APENAS PELO CRITÉRIO DA HETEROIDENTIFICAÇÃO. ILEGALIDADE. HAVENDO DÚVIDA QUANTO À DEFINIÇÃO DO GRUPO RACIAL DO CANDIDATO PELA COMISSÃO DEVE PREVALECER A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA AUTODECLARAÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei n.º 12.990/14, entendendo legítimo o controle da autodeclaração a partir de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 2. É ilegal o parecer emitido pela comissão de verificação que, de forma sumária, conclua apenas pelo critério da heteroidentificação, sem qualquer fundamentação e sem levar em consideração a autodeclaração do candidato e os documentos por ele juntados. 3. Diante da subjetividade que subjaz à definição do grupo racial de uma pessoa por uma comissão avaliadora e havendo dúvida quanto a isso, tem-se que a presunção de veracidade da autodeclaração deve prevalecer.” (TRF4, AG 5037839-92.2018.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator para Acórdão ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 25/04/2019) (grifei) Também não está caracterizada a contradição aduzida, que ocorre quando há quebra da ordem lógica do julgado ou quando encerra proposições inconciliáveis dentro da própria da decisão, de modo que deve ser intrínseca e não deduzida a partir de interpretação que a embargante quer atribuir ao julgado. Ademais, a recorrente nem mesmo indicou concretamente em que consistia a contradição. O que se verifica é o inconformismo com o julgamento e seu resultado. Os embargos declaratórios não podem ser admitidos para fins de atribuição de efeito modificativo, com a finalidade de adequação da decisão à tese defendida pela embargante, tampouco para fins de prequestionamento, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 1.022, combinado com o 489, § 1º, ambos do Código de Processo Civil (EDcl no REsp 1269048/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 01.12.2011, v.u., DJe 09.12.2011). Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
- O julgado não é omisso, eis que todas as questões suscitadas foram analisadas expressamente.
- Também não está caracterizada a contradição aduzida, que ocorre quando há quebra da ordem lógica do julgado ou quando encerra proposições inconciliáveis dentro da própria da decisão, de modo que deve ser intrínseca e não deduzida a partir de interpretação que a embargante quer atribuir ao julgado. Ademais, a recorrente nem mesmo indicou concretamente em que consistia a contradição.
- O que se verifica é o inconformismo com o julgamento e resultado. Os embargos declaratórios não podem ser admitidos para fins de atribuição de efeito modificativo, com a finalidade de adequação da decisão à tese defendida pela embargante, tampouco para fins de, uma vez que ausentes os requisitos do artigo 1.022, combinado com o 489, § 1º, ambos do Código de Processo Civil.
- Embargos de declaração rejeitados.