Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013772-22.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) AGRAVANTE: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A

AGRAVADO: CASSIO LUIZ MIURA

Advogados do(a) AGRAVADO: LEANDRA COSTA - SP326510, RONY MENDES DOS SANTOS - SP352969

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013772-22.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) AGRAVANTE: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A

AGRAVADO: CASSIO LUIZ MIURA

Advogados do(a) AGRAVADO: LEANDRA COSTA - SP326510, RONY MENDES DOS SANTOS - SP352969

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Senhora Juíza Federal Convocada Denise Avelar (Relatora): Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP contra a r. decisão de ID 30575543 dos autos do mandado de segurança nº 5003372-79.2020.4.03.6100, impetrado por Cassio Luiz Miura e em trâmite perante o Juízo da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP, que deferiu o pedido liminar para determinar a suspensão da decisão administrativa de interdição cautelar do exercício profissional do ora agravado até ulterior decisão daquele Juízo.

 

Alega o agravante, em síntese, que:

 

a) o Conselho agiu dentro de sua atribuição legal, obedecendo todos os trâmites exigidos pela Resolução CFM nº 2.145/2016 para a aplicação da medida de interdição do exercício profissional, não havendo nenhum vício a ser corrigido pelo Poder Judiciário; “e não havendo ilegalidade a ser corrigida, é vedado ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do ato administrativo, como pretende a douta Magistrada, pois tal atribuição cabe ao Conselho, ora Agravante, nos termos da Lei 3.268/57” (ID 133049362 - Pág. 20);

 

b) a Sindicância nº 19.465/2017, diante da existência de indícios de infração aos artigos 1º, 4º, 14, 20, 22, 30, 35, 58, 87, 102 e 113 do Código de Ética Médica, concluiu pela instauração do Processo Ético-Profissional nº 15.172-085/2020 e pela interdição cautelar do exercício profissional do agravado, cujo relatório foi aprovado na Reunião de Câmara realizada em 16/12/2019 e homologado na Reunião Plenária realizada em 23/01/2020, sendo observados os quóruns mínimo e máximo estabelecidos no artigo 5º da Resolução CREMESP nº 320/2018;

 

c) diante dos volumes de denúncias em face do agravado por má prática médica, da gravidade dos fatos apurados e da lesão infringida ao paciente, concluiu-se pela existência de indícios suficientes a causar possível dano à sociedade, a justificar a imediata suspensão do exercício profissional, não havendo que se falar em desproporcionalidade da medida, devendo prevalecer a proteção da saúde da coletividade em detrimento do direito individual do agravado;

 

d) descabe cogitar de falta de correlação entre os fatos apurados e os artigos do Código de Ética Médica possivelmente infringidos pelo agravado, pois não há, nos processos administrativos, o mesmo rigor da estrita correlação como ocorre no processo penal, o que não significa que os fatos estejam dissociados dos artigos correspondentes;

 

e) o Conselheiro Daniel Kishi não é médico cirurgião plástico e, mesmo que o fosse, tal circunstância não configuraria nenhum dos casos de impedimento ou suspeição previstos na Resolução CFM nº 2.145/2016;

 

f) o agravado foi intimado da decisão de interdição cautelar, uma vez que, tendo sido inexitosa a tentativa de intimação pessoal, foi encaminhado ofício para o endereço do advogado constituído, além de ter sido intimado pessoalmente nas dependências do CREMESP em 26/02/2020, quando solicitou cópias do Processo Ético-Profissional;

 

g) “a interdição cautelar é uma medida transitória, com prazo determinado, e não tem natureza de penalidade e tampouco se trata de antecipação da pena, podendo ser decretada desde que preenchidos os requisitos dos arts. 25 e 26 do Código de Processo Ético-Profissional (Resolução CFM nº 2.145/2016) e visa proteger a sociedade. Enquanto a cassação do exercício profissional trata-se de uma penalidade prevista no art. 22, alínea “e” da Lei nº 3.268/57. Portanto, como se trata de uma pena, somente poderá ser cominada ao infrator ao término de um processo administrativo, no qual deve ser observado o devido processo legal, garantindo-se ao acusado a ampla defesa, o contraditório e todos os recursos inerentes, o que está sendo plenamente atendido no processo ético-profissional em questão que ainda continua trâmite e atualmente está na fase de apresentação de defesa previa pelo Agravado” (ID 133049362 - Pág. 19);

 

h) não estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da liminar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, sendo que relativamente a este último, a interdição cautelar tem duração de até seis meses, não se tratando de penalidade que impedirá o agravado de continuar exercendo a medicina.

 

Pela decisão de ID 144014745, deferiu-se o pedido de efeito suspensivo, o que ensejou a interposição de agravo interno (ID 146178529).

 

A parte contrária apresentou contraminuta, oportunidade em que pugnou pelo desprovimento do recurso (ID 146179147). 

 

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da e. Procuradora Regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, opinou pelo provimento do agravo (ID 147987599).

 

É o relatório.

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013772-22.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO

Advogados do(a) AGRAVANTE: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, ADRIANA TEIXEIRA DA TRINDADE FERREIRA - SP152714-A, OLGA CODORNIZ CAMPELLO CARNEIRO - SP86795-A

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Advogados do(a) AGRAVADO: LEANDRA COSTA - SP326510, RONY MENDES DOS SANTOS - SP352969

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

A Senhora Juíza Federal Convocada Denise Avelar (Relatora): Busca-se na ação de origem a revogação da decisão administrativa de interdição cautelar do exercício da medicina imposta ao agravado, em parecer exarado nos autos da Sindicância nº 19.465/2017, que ensejou a instauração do Processo Ético-Profissional nº 15.172-085/2020.

 

A MM. Magistrada de primeira instância deferiu a liminar para suspender o ato administrativo até ulterior decisão daquele juízo, por não vislumbrar elementos de prova suficientes da materialidade da prática do procedimento médico danoso, requisito necessário para a interdição cautelar, e porque não seria “possível afirmar que o procedimento 30129268 30129273 realizado pelo impetrante tenha sido a faloplastia (experimental) e não a Lipoaspiração do Pubis - Lipo Pubiana no paciente, no ano de 2013, procedimento este com amparo na mais alta literatura cientifica médica e no Conselho de Medicina”.

 

Ressaltou, ainda, que a análise da regularidade e do cumprimento da legalidade do procedimento administrativo é matéria afeta ao Poder Judiciário, sendo que a própria Resolução CFM nº 2.145/2016, que trata do Código de Processo Ético-Profissional, prevê no artigo 13, inciso III, do seu anexo, a necessidade de estrita correlação entre os fatos apurados e eventual infração ao Código de Ética Médica.

 

Como restou bem explicitado na decisão que analisou o pedido liminar, a Lei nº 3.268/1957 confere expressamente ao Conselho Regional de Medicina a prerrogativa de fiscalizar o exercício profissional e aplicar sanções aos médicos que praticarem condutas contrárias à ética profissional

 

No tocante à interdição cautelar do exercício profissional, referido procedimento é regulado pela Resolução CFM nº 2.145/2016, que aprova o Código de Processo Ético-Profissional e dispõe em seus artigos 25 e 26 que:

 

“Art. 25. O pleno do CRM, por maioria simples de votos e respeitando o quórum mínimo, poderá interditar cautelarmente o exercício profissional de médico cuja ação ou omissão, decorrentes do exercício de sua profissão, esteja notoriamente prejudicando seu paciente ou à população, ou na iminência de fazê-lo.

§ 1º A interdição cautelar poderá ser aplicada quando da instauração do PEP, ou no curso da instrução, na sessão de julgamento ou na fase recursal;

§ 2º Os casos de interdição cautelar serão imediatamente informados ao CFM pelo CRM de origem.

 

Art. 26. A interdição cautelar ocorrerá desde que existam nos autos elementos de prova que evidenciem a probabilidade da autoria e da materialidade da prática do procedimento danoso pelo médico, a indicar a verossimilhança da acusação, e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao paciente, à população e ao prestígio e bom conceito da profissão, caso ele continue a exercer a medicina.

§ 1º Na decisão que determinar a interdição cautelar, o CRM indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento.

§ 2º A decisão de interdição cautelar terá efeito imediato e implicará o impedimento, total ou parcial, do exercício da medicina até o julgamento final do PEP, que deverá ser obrigatoriamente instaurado.

§ 3º A interdição cautelar poderá ser modificada ou revogada a qualquer tempo pela plenária do CRM ou, em grau de recurso, pela plenária do CFM, em decisão fundamentada.”

 

No presente caso, o relatório conclusivo da Sindicância nº 19.465/2017 (ID 133049606 - Pág. 2 a 133049612 - Pág. 2), dado com base em pareceres técnicos e documentos juntados pelas partes, descreve que o procedimento realizado pelo agravado é enquadrável em diversas infrações previstas no Código de Ética Médica, pelo que foi instaurado o competente Processo Ético-Disciplinar.

 

Além disso, devido ao grande volume de denúncias prévias contra o médico, por possível má prática médica repetitiva, somado à gravidade dos fatos expostos e da lesão infringida ao paciente, foi determinada, de forma cautelar, a interdição disciplinar do exercício profissional, para evitar que outros membros da sociedade sejam expostos a condutas que tais.

 

O que se vê, portanto, é que a decisão administrativa está devidamente motivada, inclusive quanto à necessidade de imposição da medida cautelar quando da instauração do Processo Ético-Profissional baseada na relevância do interesse pro societate, restando bem caracterizado, em princípio, o atendimento aos requisitos delineados nos artigos 25 e 26 da Resolução CFM nº 2.145/2016.

 

Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente:

 

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. PROCESSO ÉTICO DISCIPLINAR. INTERDIÇÃO CAUTELAR DE MÉDICA. LESÕES CORPORAIS EM PACIENTES. PROCEDIMENTO DE ?LIPO LIGHT?.

1. No exercício do regular poder de polícia conferido aos Conselhos Profissionais, incumbe ao Conselho Regional de Medicina, a teor do disposto no art. 2º da Lei 3.268/57, fiscalizar a classe médica, zelando pelo desempenho ético da medicina.

2. Face à gravidade dos fatos levados ao conhecimento do Conselho Regional de Medicina de que a impetrante estaria causando lesões corporais graves em suas pacientes através de procedimento não reconhecido pela autarquia, denominado ?lipo light? e diante do tempo que demanda a ultimação do processo disciplinar, a interdição cautelar da médica é medida razoável de proteção à saúde e integridade física da coletividade.

3. O art. 22, § 3º, da Lei 3.268/57 assegura a prévia oitiva do denunciado quando da aplicação de penalidades pelo Conselho de Medicina, não havendo tal previsão quando da imposição de medidas cautelares, que, por sua característica de provisoriedade, não impõem necessariamente a prévia oitiva do interessado, que tem a oportunidade de ofertar defesa no curso do processo disciplinar.

4. Se há previsão legal, insculpida no art. 22, § 1° da Lei 3.268/57, autorizando o Conselho de Medicina a, em casos de manifesta gravidade, aplicar imediatamente a pena de cassação definitiva do exercício profissional, com muito mais razão tem a autarquia atribuição para suspender cautelarmente o exercício da profissão pela impetrante.

5. Ausente a previsão de providências cautelares na lei que trata dos procedimentos disciplinares dos Conselhos de Medicina nada impede que se utilize subsidiariamente a Lei 9.784/99, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e, em seu art. 145, dispõe que pode a Administração, em caso de risco iminente, adotar medidas acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

6. Recurso desprovido.”

(AMS 0003753-92.2006.4.02.5001, Relator MARCELO PEREIRA DA SILVA, TRF2, Data da publicação 28/10/2008) (grifei)

 

Cabe ressaltar, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, que “a legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo" (RDA 42/227).

 

Entretanto, não se verifica aparente ilegalidade ou abuso na medida adotada pelo CREMESP, a evidenciar, ao menos initio litis, a ausência de plausibilidade do direito invocado pelo impetrante.

 

No mais, o próprio juízo a quo reconhece que a questão demanda dilação probatória, sobretudo para a correta verificação das alegações relacionadas às supostas ilegalidades presentes no procedimento administrativo, o que reforça a impossibilidade de acolhimento do pedido liminar formulado na ação.

 

Por fim, com o julgamento do presente agravo de instrumento, resta prejudicado o agravo interno interposto por meio do ID 146178529.

 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para revogar a decisão agravada, julgando prejudicado o agravo interno.

 

É como voto.



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. PROCESSO ÉTICO DISCIPLINAR. INTERDIÇÃO CAUTELAR DE MÉDICO. AUSÊNCIA DE APARENTE ILEGALIDADE DO ATO ADIMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. A Lei nº 3.268/1957 confere expressamente ao Conselho Regional de Medicina a prerrogativa de fiscalizar o exercício profissional e aplicar sanções aos médicos que praticarem condutas contrárias à ética profissional, sendo que, no tocante à interdição cautelar do exercício profissional, referido procedimento é regulado pela Resolução CFM nº 2.145/2016, que aprova o Código de Processo Ético-Profissional.

2. No presente caso, o relatório conclusivo da Sindicância nº 19.465/2017, dado com base em pareceres técnicos e documentos juntados pelas partes, descreve que o procedimento realizado pelo agravado é enquadrável em diversas infrações previstas no Código de Ética Médica, pelo que foi instaurado o competente Processo Ético-Disciplinar. Além disso, devido ao grande volume de denúncias prévias contra o médico, por possível má prática médica repetitiva, somado à gravidade dos fatos expostos e da lesão infringida ao paciente, foi determinada, de forma cautelar, a interdição disciplinar do exercício profissional, para evitar que outros membros da sociedade sejam expostos a condutas que tais.

3. A decisão administrativa está devidamente motivada, inclusive quanto à necessidade de imposição da medida cautelar quando da instauração do Processo Ético-Profissional baseada na relevância do interesse pro societate, restando bem caracterizado, em princípio, o atendimento aos requisitos delineados nos artigos 25 e 26 da Resolução CFM nº 2.145/2016.

4. Não se verifica aparente ilegalidade ou abuso na medida adotada pelo CREMESP, a evidenciar, ao menos initio litis, a ausência de plausibilidade do direito invocado pelo impetrante.

5. Agravo de instrumento provido para revogar a decisão agravada. Agravo interno prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, DEU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para revogar a decisão agravada, julgando prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.