APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002874-16.2007.4.03.6103
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: EMBRAER S.A., GULFSTREAM AEROSPACE CORPORATION
Advogado do(a) APELADO: CLELIO MARCONDES FILHO - SP66313-A
Advogado do(a) APELADO: THOMAS BENES FELSBERG - SP19383-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002874-16.2007.4.03.6103 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: EMBRAER S.A., GULFSTREAM AEROSPACE CORPORATION Advogado do(a) APELADO: CLELIO MARCONDES FILHO - SP66313-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ajuizada por EMBRAER S/A em face de Gulfstream Aerospace Corporation, objetivando o recebimento de indenização, em virtude do aliciamento de seus funcionários para trabalhar no exterior. A tutela antecipada foi deferida para determinar a proibição da realização do evento que pretende aliciar e/ou contratar funcionários da EMBRAER, sob pena de multa diária de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), sem prejuízo do crime de desobediência (ID 90348570 - Pág. 47-49). Inconformada com o não acolhimento da preliminar de falta de interesse de agir, a empresa ré interpôs agravo retido (ID 90348571 - Pág. 38-48). A União foi incluída no polo ativo da lide, na qualidade de assistente litisconsorcial (ID 90348571 - Pág. 107). Dessa decisão a parte ré interpôs novo agravo retido (ID 90348571 - Pág. 119-125). O MM. Juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a legitimidade das ações da autora para impedir a ação da ré, tendente a aliciar seus empregados, porém deixou de condenar a empresa ré ao pagamento de indenização, uma vez não comprovado nenhum dano. Na oportunidade, reconheceu-se a sucumbência recíproca (ID 90268625 - Pág. 82-89). A União apelou, sustentando, em síntese, que: a) as provas produzidas nos autos comprovam o aliciamento de funcionários da EMBRAER pela empresa ré, tanto que a decisão proferida em sede de tutela antecipada determinou que a ré se abstivesse de praticar tais atos, fixando multa diária de dois milhões no caso de nova ocorrência; b) apesar de na sentença ser reconhecido que mais de cem aliciamentos foram realizados após os anúncios indevidos e comprovados em contrariedade à lei, o juízo a quo não fixou a indenização prevista no artigo 608 do Código Civil, que, no caso em comento, é aplicado por analogia; c) conquanto haja dificuldade em se saber os nomes dos funcionários que apresentaram currículos à parte ré, há comprovação nos autos de que o engenheiro Rogério Vítor Viera de Arantes foi trabalhar na empresa ré em 20.03.2006 (ID 90348571 - Pág. 11), além do engenheiro Antônio Fernando Corrêa (ID 90268625 - Pág. 15-21), razão pela qual requer a reforma do julgado para fixar a título de perdas e danos os dois anos do último salário recebido por esses engenheiros, devidamente corrigidos e com juros de mora a partir da citação, ou então a fixação de indenização equivalente a 200 mil reais referente a cada um, já que o salário deles superava dez mil reais na EMBRAER. A empresa ré interpôs recurso adesivo, pugnando pela apreciação de seus agravos retidos e aduzindo, em suma, que: a) o artigo 608 do Código Civil é inaplicável ao presente caso, pois encontra-se no Código Civil Brasileiro, Livro 1, Título VI, Capítulo VII - 'Da Prestação de Serviço’, sendo que o artigo 593, do mesmo diploma legal, assevera, peremptoriamente, que as disposições do referido capítulo se aplicam a contratos que não estejam sujeitos às leis trabalhistas ou lei especial (como, por exemplo, a Lei de Representação Comercial); b) ainda que fosse possível admitir a aplicação subsidiária do art. 608 do Diploma Civil ao caso concreto, a oferta de postos de trabalho realizada pela apelante, por meio de anúncio publicado no jornal Vale Paraibano, não se dirigiu direta e especificamente aos empregados e/ou prestadores de serviço da Embraer, mas à generalidade do público de engenheiros disponíveis em São José dos Campos, que é referência mundial na área de engenharia aeronáutica; c) no mesmo período da publicação do anúncio no jornal de São José dos Campos, a apelante também buscava selecionar prestadores de serviço qualificados nos Estados Unidos, na Europa e no Canadá, conforme fazem prova as cópias dos anúncios acostadas no ID 90348570 - Pág. 97-111 e o testemunho do Sr. Antônio Fernando Corrêa, sendo que a mesma oferta de postos de trabalho existia no sítio eletrônico da apelante na internet; d) a publicação de anúncio em jornais e revistas especializadas constitui, como é notoriamente sabido, prática usual e escorreita de oferta de postos de trabalho, mormente quando relativo a áreas de grande especialidade técnica, como é a aeronáutica; e) os mercados de atuação da apelante e da Embraer são diversos, já que a primeira atua, exclusivamente, no mercado de jatos executivos e de alto padrão de luxo, e a segunda atua fundamentalmente no mercado dos jatos destinados à aviação regional; f) por atuar em nicho completamente diverso do mercado de aviões, a apelante sequer se situa entre os principais concorrentes da EMBRAER, que são a Bombardier, a Dassault e a Honda Jet, não nutrindo a apelante qualquer interesse pela tecnologia da autora; g) o testemunho do Sr. Antonio Fernando Correa é bastante significativo ao informar que, por iniciativa própria, entrou em contato com a empresa apelante, comunicando que tinha um visto de trabalho H1B e solicitando uma oferta de trabalho; h) como admitido pelo depoimento pessoal do representante da EMBRAER, Sr. Newton dos Anjos, nos contratos que a EMBRAER celebra com seus empregados não existe cláusula de não concorrência, que lhes prive de trabalhar para outras indústrias do ramo aeronáutico, concorrentes ou não, após seu desligamento; i) em se tratando de contratação a ser celebrada no território norte americano, resta óbvio que não se aplica a Lei Federal n° 7.064/82 e que nenhuma autorização do Ministério do Trabalho precisava ser obtida. Com contrarrazões da empresa ré e da EMBRAER, alegando a intempestividade do segundo agravo retido, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: THOMAS BENES FELSBERG - SP19383-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002874-16.2007.4.03.6103 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: EMBRAER S.A., GULFSTREAM AEROSPACE CORPORATION Advogado do(a) APELADO: CLELIO MARCONDES FILHO - SP66313-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Senhora Juíza Federal Convocada Denise Avelar (Relatora): Trata-se de apelação e recurso adesivo em ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por perdas e danos proposta pela EMBRAER – EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA S/A em face de GULFSTREAM AEROSPACE CORPORATION, objetivando a concessão de tutela para inibição do evento veiculado no jornal “ValeParaibano” para o recrutamento de engenheiros aeronáuticos aos quadros da unidade da empresa em Savannah, estado da Geórgia, nos Estados Unidos da América, bem como a sua condenação por tentativa de aliciamento de funcionários com fundamento no artigo 606 do Código Civil. A parte ré, ora apelante, interpôs agravo retido (ID nº 90348571, págs. 40-48) contra a decisão que saneou o processo, afastando as preliminares. Ato contínuo, interpôs novo agravo (ID nº 90348571, págs. 119-125), desta vez em face da decisão que acolheu o pedido de ingresso aos autos formulado pela União Federal, na qualidade de assistente da Embraer, que também motivou o declínio da competência do Juízo Estadual para a Subseção Judiciária de São José dos Campos (SP). A sentença julgou parcialmente procedente a ação, nos termos do artigo 269, I do CPC/1973, reconhecendo a legitimidade das ações da Embraer para impedir a tentativa de aliciamento de funcionários perpetrada pela empresa Gulfstream, sem, todavia, reconhecer o direito de indenização invocado pela parte autora. Em face da sucumbência recíproca, cada parte foi condenada ao pagamento das custas desembolsadas e dos honorários advocatícios respectivos. Irresignada, a União Federal interpôs recurso de apelação (ID nº 90268625, págs. 93-96), pugnando pela reforma parcial da r. sentença, para que seja fixada a pena de indenização por perdas e danos, nos moldes do art. 606 do Código Civil, em razão de depoimentos colhidos em audiência que confirmariam o aliciamento de ao menos dois funcionários da Embraer. Por sua vez, a empresa Gulfstream interpôs recurso adesivo (ID nº 90268625, págs. 116-134 e ID nº 90268626, págs. 01-04), reiterando as razões dos agravos retidos e objetivando o provimento da apelação para que seja reconhecida a inexistência de qualquer espécie de aliciamento dos funcionários da Embraer. Inicialmente, verifico o atendimento da condição prevista no art. 523, §1º do CPC/1973, considerando a reiteração dos agravos retidos no recurso adesivo interposto, passando, a seguir, à sua análise. Conheço do agravo retido de ID nº 90348571, págs. 40-48, tendo em vista a sua tempestividade. Afasto, porém, a alegação de ausência de interesse de agir da Embraer no prosseguimento da ação, na medida em que a tutela inibitória foi intentada antes dos eventos de recrutamento anunciados pela recorrente no jornal local (previstos para os dias 1º e 03 de junho de 2006, conforme ID nº 90348570, pág. 31), somente não se realizando por força da decisão liminar concedida pela Justiça Estadual local. Ao mesmo tempo, forçoso reconhecer que a pretensão autoral não se resume à questão, consistindo, igualmente, no alegado direito a indenização pela tentativa de recrutamento, cuja discussão se confunde com o mérito recursal. Por sua vez, reconheço a tempestividade do agravo retido de ID nº 9034571, págs. 119-125, distribuído em 15.10.2008, visto que direcionado especificamente à decisão de ID nº 90348571, pág. 107, disponibilizada no DJE de 03.10.2008, conforme certidão de ID nº 90348571, pág. 110, e não à decisão proferida pelo D. Juízo Estadual, como alegado pela Embraer em sua contraminuta ao agravo. Em que pese o interesse de intervenção da União ter sido originalmente apontado quando os autos ainda se encontravam no âmbito estadual, a questão só foi dirimida com o acolhimento do pedido de ingresso da União Federal, na condição de assistente da Embraer, ao ID nº 90348571, pág. 110, decisão proferida pelo Juízo Federal a quo. Dessa forma, a decisão de deferimento do pedido de ingresso da União ao ID nº 90348571, pág. 110, deu início, a partir do evento de sua publicação, ao decurso do prazo para insurgência recursal das partes quanto ao tema, encontrando-se, assim, tempestiva a sua interposição. Ademais, quanto a falta de intimação da agravante sobre o pedido de ingresso formulado pela União, nos moldes do art. 51 do CPC/1973, não reconheço a nulidade invocada, tendo em vista a ausência de prejuízo à parte, que logrou se insurgir contra o deferimento do pedido por esta via recursal. Destarte, ainda que a intimação não tenha, de fato, se verificado, é inequívoco que a recorrente se viu cientificada sobre o pedido formulado pela União, devendo, pois, ser considerado válido, à luz do princípio insculpido no art. 277 do CPC/05 (art. 154 do CPC/73), segundo o qual o ato previsto em lei deverá ser convalidado se, ainda que praticado de forma diversa da prevista em lei, tiver alcançado a sua finalidade. Todavia, em relação ao segundo ponto, referente ao interesse de agir da União nesta ação, algumas considerações devem ser traçadas. Com efeito, há consenso quanto ao surgimento de mecanismos societários de intervenção estatal no âmbito dos processos de privatização de empresas estatais a partir dos governos europeus, na segunda metade do Século XX, em relação a setores de importância estratégica e relacionados à prestação de serviços públicos essenciais, que, de outro modo, se tornariam vulneráveis a circunstâncias indesejadas, desde a interrupção das atividades até a aquisição hostil por investidores estrangeiros. Em artigo publicado por Juliana Krueger Pela na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (v. 103, jan/dez. 2008), denominado “Origem e Desenvolvimento das Golden Shares”, a autora atribui ao governo do Reino Unido a criação da denominada “Golden Share”, conceituada como: “(...) uma ação preferencial resgatável, com valor nominal de 1.00, que atribuía ao seu titular – o Estado – prerrogativas especiais (...) (que) diferiam conforme a empresa a ser privatizada, porém, em geral, consistiam em: (i) aprovação ou reformas estatutárias que tivessem por objeto os artigos relacionados à golden sharen ou aqueles que impusessem limites à titularidade de ações; (ii) veto em deliberações a respeito da dissolução da companhia ou criação de novas ações; e (iii) aprovação da transferência de parte significativa dos ativos da companhia)” (pág. 192). Demonstrando a relação entre a evolução dos processos de privatização e a adoção de tais mecanismos por diversos países, a autora afirma ainda que: “(...) a partir do modelo britânico de privatizações e, justamente para satisfação de interesses nacionais, o mecanismo originalmente corporificado na golden share foi adotado, sob denominações diversas, em países como a França (action spécifique), Itália (poteri speciali), Alemanha (goldene Aktie e Spezialaktie), Bélgica (action spécifique), Portugal (acções preferenciais), Espanha (regime administrativo de controle específico), Nova Zelândia (kiwi share), México e Brasil (ação de classe especial)” (idem, pág. 189). No Brasil, a Lei nº 8.031/1990, resultante da conversão da Medida Provisória nº 155/90, estatuiu o Programa Nacional de Desestatização (PND), assegurando à União Federal, à ocasião, o direito a ações de classe especial do capital social das empresas privatizadas, a ser exercido na forma de poder de veto em determinadas matérias e prevendo a sua devida caracterização nos estatutos sociais respectivos. Confiram-se os termos do art. 8º, em sua redação original: Lei nº 8.031/1990 - Art. 8°: Sempre que houver razões que o justifiquem, a União deterá, direta ou indiretamente, ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas, que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas, de acordo com o estabelecido no art. 6°, inciso XIII e §§ 1° e 2° desta lei. Com o advento da Lei nº 9.491/1997, que revogou o diploma anterior, o direito assegurado em favor da União Federal passou a ser tutelado sob nova perspectiva, não mais se limitando ao “poder de veto”, mas alçado à condição de “poderes especiais”. Confira-se a redação atualmente em vigor: Lei nº 9.491/1997 - Art. 8º: Sempre que houver razões que justifiquem, a União deterá, direta ou indiretamente, ação de classe especial do capital social da empresa ou instituição financeira objeto da desestatização, que lhe confira poderes especiais em determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas nos seus estatutos sociais. Nesse contexto, tem-se que a Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica S. A., incluída no programa de desestatização, teve o processo de privatização concluído em 1994. Dos documentos acostados aos autos, extraem-se as informações seguintes, constantes da Nota Interna nº 104/2007/JCNS/DEJAP/PGU/AGU: “(...) Tal como consta no art. 1º, ‘caput’ e parágrafo único, do estatuto social da empresa, a EMBRAER foi privatizada pelo Governo Brasileiro no processo de desestatização ocorrido na década de 90, senão vejamos: ‘Art. 1º - A EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica S. A. (‘Companhia’) é uma sociedade de economia mista federal, autorizada pelo Decreto-Lei nº 770, de 19 de agosto de 1969, e privatizada, nos termos da Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e do Edital nº PND-A-05/94-EMBRAER, da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização, publicado no Diário Oficial, Seção 3, de 4 de abril de 1994, às páginas 5.774 e 5.783 (...)’”. (ID nº 90348571, pág. 78). O instrumento convocatório em alusão (Edital nº PND-A-05/94-EMBRAER) previa expressamente a realização de Assembleia Geral Extraordinária em data anterior ao leilão, para fins de criação da cláusula referente ao direito de ação de classe especial em favor da União, nos termos do item “2.2.1”, alínea “b”: “ (...) deverá ser criada 'golden share’, a ser detida exclusivamente pela União, com direito de veto nas seguintes matérias: (i) mudança do objeto social; (ii) alteração e/ou aplicação da logomarca da empresa; (iii) criação e alteração de programas militares que envolvem - ou não - a República Federativa do Brasil; (iv) capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; (v) interrupção do fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares; (vi) transferência do controle acionário; (vii) quaisquer modificações no Estatuto Social que alterem os artigos 8º e 14 e seus parágrafos, ou quaisquer vantagens, preferências ou direitos atribuídos à 'golden share’”. Com efeito, o Estatuto Social da empresa, cuja íntegra encontra-se disponível para consulta pública por intermédio do endereço eletrônico https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=eV6x9nCF/hx0Ge4E/gWfqQ== (acessado em 02.02.2021), estabeleceu em favor da União Federal o direito a ação ordinária de classe especial com poder de veto sobre as matérias elencadas em sua cláusula 9ª: Art. 9º: A ação ordinária de classe especial confere à União poder de veto nas seguintes matérias: I. Mudança de denominação da Companhia ou de seu objeto social; II. Alteração e/ou aplicação da logomarca da Companhia; III. Criação e/ou alteração de programas militares, que envolvam ou não a República Federativa do Brasil; IV. Capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; V. Interrupção de fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares; VI. Transferência do controle acionário da Companhia; VII. Quaisquer alterações: (i) às disposições deste artigo, do art. 4, do caput do art. 10, dos arts. 11, 14 e 15, do inciso III do art. 18, dos parágrafos 1º. e 2º. do art. 27, do inciso X do art. 33, do inciso XII do art. 39 ou do Capítulo VII; ou ainda (ii) de direitos atribuídos por este Estatuto Social à ação de classe especial. PARÁGRAFO 1º - Estará sujeita a prévia aprovação da União, na qualidade de detentora da ação ordinária de classe especial, a realização da oferta pública de aquisição de ações referida no art. 54 do presente Estatuto Social. PARÁGRAFO 2º - Observado o disposto na Lei nº 6.404/76 e no art. 18, inciso III deste Estatuto Social, as matérias elencadas no presente artigo estarão sujeitas à deliberação do Conselho de Administração da Companhia, observando-se o seguinte procedimento: I. A matéria será objeto de deliberação do Conselho de Administração. II. Se aprovada pelo Conselho de Administração, o Presidente daquele órgão notificará o membro eleito pela União para que esta exerça seu direito de veto ou se manifeste favoravelmente à matéria, dentro do prazo de 30 dias a contar do recebimento da referida notificação. III. Decorrido o prazo referido no inciso II acima, será realizada nova reunião do Conselho de Administração para: (i) reconsiderar a deliberação, caso a União tenha exercido o seu direito de veto; ou (ii) ratificar a deliberação, caso a União tenha se manifestado favoravelmente ou não tenha proferido qualquer manifestação no prazo indicado acima. IV. Se a deliberação for ratificada pelo Conselho de Administração, a matéria, nos casos em que a legislação assim exija, será submetida à aprovação da Assembleia Geral, na qual a União poderá ainda exercer o poder de veto nos termos do presente artigo. PARÁGRAFO 3º - Sem prejuízo do procedimento estabelecido no § 2º acima, todas as matérias sujeitas a veto da União, na qualidade de titular da ação ordinária de classe especial, a serem deliberadas pelo Conselho de Administração, deverão adicionalmente ser objeto de notificação prévia da Companhia ao Ministério da Fazenda, a ser feita concomitantemente com a notificação mencionada no inciso II acima, para pronunciamento dentro do prazo de 30 dias a contar do recebimento da notificação referida no inciso II acima. (Grifos nossos). Dentro desta concepção, no presente caso, a União foi intimada, originalmente, ao ID nº 90348571, face à hipótese de que eventual aliciamento dos funcionários da Embraer pudesse implicar em violação a interesses militares, além de seu próprio interesse, na qualidade de acionista da Autora. E, na primeira oportunidade para manifestar-se nos autos a esse respeito, a Procuradoria Regional posicionou-se contrariamente ao ingresso no feito, sob o argumento de que eventual reflexo dos fatos contidos na narrativa inaugural incidiria de maneira indireta e especificamente sobre os interesses econômicos da União Federal. Colham-se das razões apresentadas o quanto segue: “O argumento de que o possível aliciamento de funcionários da empresa autora poderia violar interesses militares afigura-se improvável, já que consta na inicial informação de que a empresa ré é concorrente da autora na fabricação de aviões executivos, e não de aviões militares, engenharia que comporta inúmeras especificidades. Ainda que se entendesse que a empresa Ré concorre com a Autora no mercado militar norte-americano, como também informado pela Autora, ainda assim o aliciamento de trabalhadores para a empresa ré geraria o direito a indenização, conforme estabelece o art. 608 do Código Civil, configurando interesse da União meramente indireto, por ser um dos acionistas (SIC) da empresa autora. O interesse da União na solução do presente caso se configuraria no caso de tais engenheiros que estariam supostamente sofrendo aliciamento pela empresa-ré, estivessem trabalhando em um projeto de interesse nacional, ou possuíssem informações relevante ao País, ou seja, se estivessem presentes razões de interesse nacional e de relevante interesse público. In casu, a empresa autora alega que é ‘evidente que o intuito da requerida, com sua presença na cidade, é o aliciamento dos empregados da requerente, certamente com a finalidade de transferência de know how, de troca de informações, de troca de tecnologia, além do possível desvio de clientela’. Desta ilação, pode-se retirar a conclusão de que o que a empresa autora objetiva com a ação é não perder excelentes profissionais para a ré, sua direta concorrente, não havendo que se falar em interesses militares” (ID nº 90348571, pág. 56). Porém, em manifestação subsequente, notoriamente fundada nas conclusões contidas no memorando da AGU de ID nº 90348571, págs. 72-86, a União passou a sustentar que os poderes atribuídos à ação ordinária de classe especial estariam vinculados à atuação estratégica da Embraer em relação à tecnologia militar, competindo, pois, à União, no presente caso, impedir a potencial violação de segredos industriais militares e transferência de tecnologia nacional, mesmo que sua ocorrência não restasse, necessariamente, comprovada no curso da demanda (ID nº 90348571, pág. 69). Registre-se que a posição foi ratificada pela União quando os autos já tramitavam perante a Justiça Federal, na forma da manifestação de ID nº 90348571, pág. 106. Ocorre, todavia, que o interesse aduzido pela União em suas manifestações ulteriores não se compatibiliza com o objeto da demanda, nem afetam as matérias que lhe competem no exercício da golden share. Inicialmente, porque tais poderes conferidos à União dizem respeito, especificamente, ao controle acionário da Embraer, limitados, pois, às decisões adotadas pelos acionistas da empresa controlada, que, no caso dos autos, aduz ser alvo de investidas da empresa-requerida, sem participação ativa nos acontecimentos relacionados em sua narrativa. Trata-se, aqui, de delimitar-se o escopo da atuação da União Federal ao âmbito do controle societário da Embraer, consoante os poderes que lhe são atribuídos pela cláusula de golden share descrita, da qual não se extrai o direito de atuar sobre a contratação, retenção ou desfazimento dos vínculos trabalhistas mantidos pela empresa com seus funcionários. Nesse sentido, como bem destacado em sua primeira manifestação, ainda que os fatos narrados venham a ser comprovados no curso da demanda, os efeitos à órbita de interesses da União serão reflexos, de ordem econômica, na qualidade de acionista da empresa. Quanto ao ponto, convém destacar que, sendo a discussão dos autos limitada aos interesses da Embraer, pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima, sufraga a competência da Justiça Federal para o conhecimento e o processamento da demanda. Confira-se, a esse respeito, o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: EMENTA Ação Ordinária. Competência. Embraer. Ausência de ente federal. I - Sendo a EMBRAER uma sociedade anônima e portanto não elencada no art. 109, I, da CF, a competência para apreciar o feito é da Justiça Comum Estadual. II - Conflito de que se conhece para declarar competente o suscitado. (CC 21.138/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/08/2001, DJ 15/10/2001, p. 229). Cumpre ainda salientar, conforme já demonstrado, que se consubstancia interesse da União Federal, especificamente, evitar que terceiros se capacitem indevidamente para o uso de tecnologias militares nacionais, tornando-se, possivelmente, aptos à utilização dessas tecnologias sem a autorização das Forças Armadas. Para que tal hipótese restasse caracterizada, seria necessário a reunião de elementos fáticos e probatórios suficientes para a conclusão de que segredos industriais da Embraer relacionados à área militar estivessem sendo transferidos para a empresa requerida por meio dos funcionários egressos, o que, todavia, não constitui objeto da demanda, reduzida à pretensão inibitória ao assédio alegado e à indenização material pela perda da mão-de-obra. Posto que a lide se delineia pela narrativa e os requerimentos iniciais, a dilação probatória admitida se destina a fazer prova quanto à ocorrência do aliciamento aduzido e a apuração do seu direito à indenização pela ruptura dos contratos. Assim, pelas razões declinadas, deve ser reconhecida a ausência de interesse da União Federal em intervir no feito e, por conseguinte, a incompetência absoluta da Justiça Federal para conhecer e processar a presente demanda, que, conforme entendimento deste Egrégio Tribunal, perfaz-se improrrogável, nos termos seguintes: EMENTA INDENIZAÇÃO POR DESAPOSSAMENTO ILÍCITO. IMPLANTAÇÃO DE LINHA DE TRANSMISSÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL. - Ao ajuizarem a demanda, os autores não pediram que a União fosse chamada para manifestar possível interesse. Tampouco o fizeram ao longo do processo. Somente depois de sentenciado e de acostado o apelo da CESP é que, tardiamente, o fizeram, decorridos mais de sete anos. (...). - Evidencia-se da narrativa que a União Federal não tem interesse na demanda. Sob o aspecto de a ré ser empresa concessionária de serviço público, o ente federal sequer cogitou. Em verdade, a única pretensão que expressou, em virtude de o imóvel estar em zona litorânea, foi a de certificar-se que a disputa não afeta área de marinha. A preocupação, todavia, pode ser solucionada com facilidade por meio do próprio laudo do perito oficial, ao descrever a localização da gleba - Conforme se extrai do laudo pericial, a linha de transmissão margeia a estrada, no lado da Serra, e está há mais de um quilômetro da praia, distância que supera em muito a da chamada "faixa de marinha". - Ausente nos autos qualquer elemento caracterizador do interesse da União e demonstração fundamentada ou não desta num sentido ou noutro, apesar de inúmeras oportunidades para que se pronunciasse, a incompetência absoluta da Justiça Federal é inequívoca. Precedentes desta corte e do STJ. - O argumento do autor de que por longos anos admitiu-se a competência federal e, agora, não é mais possível a remessa à Justiça Estadual é totalmente equivocado, seja porque incompetência absoluta é improrrogável, seja porque o lapso decorrido somente a ela pode ser imputado, na medida em que, apenas após o apelo da ré, preocupou-se em chamar a União à lide para manifestar o eventual interesse. - Reconhecida, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Federal para apreciar a ação e, em conseqüência, a nulidade de todos os atos decisórios praticados no processo e determinada a remessa dos autos à Justiça Estadual de primeira instância, com jurisdição sobre o local em que está situado o imóvel, a fim de que tenha regular prosseguimento. Prejudicada a apelação. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA - Ap 0938347-82.1986.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, julgado em 07/11/2005, DJU DATA:29/11/2005 PÁGINA: 229) Desse modo, ausente interesse da União declino em favor da Justiça Estadual a competência jurisdicional para processar e julgar a presente ação, reconhecendo a nulidade dos atos decisórios praticados neste processo pelo D. Juízo Federal a quo. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso adesivo para excluir a União do feito, declarando a incompetência da Justiça Federal determinando-se a remessa dos autos à Justiça Estadual, e julgando prejudicada a apelação interposta pela União. É como voto.
Advogado do(a) APELADO: THOMAS BENES FELSBERG - SP19383-A
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. EMBRAER. GOLDEN SHARE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICADA A APELAÇÃO.
1. Trata-se de apelação e recurso adesivo em ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por perdas e danos, objetivando a concessão de tutela para inibição do evento veiculado no jornal “Vale Paraibano” para o recrutamento de engenheiros aeronáuticos aos quadros da unidade da empresa em Savannah, estado da Geórgia, nos Estados Unidos da América, bem como a sua condenação por tentativa de aliciamento de funcionários.
2. Verifica-se o atendimento da condição prevista na norma processual vigente, com a reiteração dos agravos retidos no recurso adesivo interposto.
3. A alegação de ausência do interesse de agir da Autora no prosseguimento da ação deve ser afastada, na medida em que a tutela inibitória foi intentada antes dos eventos de recrutamento anunciados pela recorrente no jornal local, somente não se realizando por força da liminar concedida pela Justiça Estadual local.
4. A decisão de deferimento do pedido de ingresso da União deu início, a partir do evento de sua publicação, ao decurso do prazo para insurgência recursal das partes quanto ao tema, encontrando-se, assim, tempestiva a interposição do agravo retido.
5. Não se reconhece a nulidade apontada pela falta de intimação da parte sobre o pedido de ingresso formulado pela União, tendo em vista a ausência de prejuízo à parte, que logrou se insurgir contra o deferimento do pedido por esta via recursal, bem como à luz do princípio processual segundo o qual o ato previsto em lei deverá ser convalidado se, ainda que praticado de forma diversa da prevista em lei, tiver alcançado a sua finalidade.
6. O interesse manifestado pela União não se compatibiliza com o objeto da demanda, nem afetam as matérias que lhe competem no exercício da golden share, visto que tais poderes conferidos à União dizem respeito, especificamente, ao controle acionário da Embraer, limitados, pois, às decisões adotadas pelos acionistas da empresa controlada.
7. Delimita-se, pois, o escopo da atuação da União Federal ao âmbito do controle societário da Embraer, consoante os poderes que lhe são atribuídos pela cláusula de golden share descrita, da qual não se extrai o direito de atuar sobre a contratação, retenção ou desfazimento dos vínculos trabalhistas mantidos pela empresa com seus funcionários.
8. Considerando ser a discussão dos autos limitada aos interesses da Embraer, pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima, sufraga a competência da Justiça Federal para o conhecimento e o processamento da demanda. Precedentes.
9. Recurso adesivo parcialmente provido. Prejudicada a apelação interposta pela União.