Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5971943-54.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: MIGUEL TUBARNELI

Advogado do(a) APELANTE: DIANNA MENDES DA SILVA - SP311085-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5971943-54.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: MIGUEL TUBARNELI

Advogado do(a) APELANTE: DIANNA MENDES DA SILVA - SP311085-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

 

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS em face do v. acórdão de de Id. 135656768, págs. 1/8, pelo qual a Oitava Turma, por unanimidade, em julgamento ocorrido em 04/08/2020, decidiu dar provimento à apelação da parte autora para conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde 17/10/2017.

A embargante alega a existência de omissão e obscuridade, uma vez que “ao contrário do decido, não é irrelevante o extenso labor rural do autor, exercido no período imediatamente anterior aos requisitos para concessão da aposentadoria por idade rural em regime de economia familiar” e que o autor não completou o requisito idade, portanto, não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, na modalidade urbana.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora.

Em 11/02/2021 foi recebido pedido de sustentação oral pela parte autora.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5971943-54.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI

APELANTE: MIGUEL TUBARNELI

Advogado do(a) APELANTE: DIANNA MENDES DA SILVA - SP311085-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Inicialmente, sobre as hipóteses que autorizam a realização de sustentação oral, dispõe o art. 937 do CPC, in verbis:

 

Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021 :

I - no recurso de apelação;

II - no recurso ordinário;

III - no recurso especial;

IV - no recurso extraordinário;

V - nos embargos de divergência;

VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;

VII - (VETADO);

VIII - no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;

IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

§ 1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no art. 984 , no que couber.

§ 2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais.

§ 3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga.

§ 4º É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão.

 

O artigo 143 do Regimento Interno desta E. Corte, por sua vez,  dispõe que “Não haverá sustentação oral no julgamento de agravos, de embargos de declaração e de argüição de suspeição”.

Assim, indefiro o pedido de sustentação oral.

Cumpre enfatizar que são cabíveis embargos de declaração somente quando "houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição ou omissão", consoante dispõe o artigo 535, I e II, do CPC/1973.

O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 1022, reproduzindo tais hipóteses de admissibilidade, acrescenta o cabimento dos embargos de declaração para correção de erro material.

No caso, observo, contudo, que os embargos de declaração objetivam a reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devendo ser convertidos em agravo interno, que é o recurso cabível, por força dos princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas.

Nesse sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDADE E DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE. MATÉRIA DE NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 181/STF. PROVIMENTO NEGADO.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em atenção aos princípios da fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas, admite a conversão de embargos de declaração em agravo interno quando a pretensão declaratória denota nítido pleito de reforma por meio do reexame de questão já decidida.

2. Nos termos do entendimento firmado pela Corte Suprema no julgamento do RE 598.365 RG/MG, não há repercussão geral na análise acerca do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais, questão de natureza infraconstitucional que inviabiliza o cabimento do recurso extraordinário (Tema 181/STF).

3. embargos declaratórios recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento.

(EDcl no RE no AgInt nos EDcl no AREsp 1261213/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/02/2019, DJe 28/02/2019)

 

O voto impugnado foi prolatado nestes termos:

 

“Trata-se de apelação interposta por MIGUEL TUBARNELI contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em sede de ação cujo objeto é a concessão de aposentadoria por idade devida a trabalhador rural, que alega ter trabalhado pelo tempo necessário previsto em lei, e que, portanto, faria jus ao benefício.

Com a inicial vieram documentos.

Concedidos os benefícios da justiça gratuita.

Contestação da parte ré ofertada.

Em juízo foram colhidos depoimentos em audiência (mídia nos autos).

Por sentença, datada de 19/03/2019, o MMº Juízo “a quo” julgou improcedente o pedido, ao fundamento de ausência de início de prova material que demonstre o exercício da atividade rural pelo período exigido por lei e impossibilidade de concessão do benefício somente com base em prova testemunhal.

Em apelação, a parte autora alega, em síntese, haver documentos que configuram o início de prova material do labor rural pelo período de carência, pleiteando a concessão do benefício de aposentadoria rural.

Sem contrarrazões recursais, os autos subiram a este Egrégio Tribunal.

É o relatório.

Em linhas introdutórias, destaco que antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.213/91, que a regulamentou, a Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, em seu artigo 4º, previa que a aposentadoria por idade seria devida ao trabalhador rural quando este completasse 65 (sessenta e cinco) anos, o que foi posteriormente alterado pela Lei Complementar nº 16, de 30.10.1973, que, em seu artigo 5º, passou a prever que a qualidade de trabalhador rural dependeria da comprovação de sua atividade pelo menos nos últimos três anos anteriores à data do pedido do benefício, ainda que de forma descontínua.

Já a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 202, e inciso I, estabeleceu:

"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:

I - aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal" – grifo nosso.

Referida norma constitucional foi regulamentada pela Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, tendo, em seu artigo 48, e §§ 1º e 2º, estabelecido os requisitos etário e de efetivo exercício de atividade rural pelo período de carência do benefício pretendido – conforme tabela de carências, prevista no artigo 142 daquela Lei -, para que homens e mulheres possam obter a aposentadoria por idade, nos seguintes termos:

“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11;

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei” – grifei.

Por sua vez, o artigo 39 da supra referida Lei garante ao trabalhador rural, segurado especial - isto é, aquele que trabalha em regime de economia familiar -, aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo, desde que comprove efetivo exercício de atividade rural pelo período legal de carência do benefício, “verbis”:

“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido”.

Da mesma forma, prevê o artigo 143 da Lei nº 8.213/91:

“Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício”.

Destaco, por fim, o artigo 26, inciso III, da Lei nº 8.213/91, que isentou o segurado especial – produtor rural em regime de economia familiar – do recolhimento de contribuições, fazendo jus ao benefício, pois, independentemente de contribuição, desde que comprove exercício de atividade rural pelo número de meses correspondentes à carência do benefício pretendido, “verbis”:

“Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:

[...]

III - os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei”.

Conclui-se, portanto, que o benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural está disciplinado nos artigos 39, I, 48 e 143, da Lei nº 8.213/91, exigindo-se, além da comprovação da idade (60 anos para homens e 55 para mulheres), prova do exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício, nos termos dos artigos 26, III e 142 daquela Lei.

Pois bem, uma vez analisado o sistema normativo que regulamenta a concessão do benefício em questão, importante destacar também os critérios de valoração das provas, já sedimentados pela jurisprudência pátria.

Nesse sentido, esta E. Oitava Turma vem decidindo, “verbis”:

“[...] Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95”.

Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.

Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.

Já a mera demonstração, pela parte demandante, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.

Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.

Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.

Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos, de sua necessidade, que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido, ou a entrega, como forma de pagamento, pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.

De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.

Ressalte-se que o trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.

O art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e sua aceitação.

Aprecio também a questão, insistentemente trazida à discussão pelo Ente Previdenciário, de que a comprovação do exercício da atividade rural deva se referir ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, tal como estabelecido no art. 143 da Lei nº 8.213/91, com redação alterada pela Lei nº 9.063/95.

Adoto o entendimento de que há exigência de que o tempo de trabalho rural deva ser exercido no período imediatamente anterior ao requerimento. Nesse sentido o julgado em Recurso Repetitivo do Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.354.908/SP:

 

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.

2.  Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.

(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)”

No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço, compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições, tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, para empregador rural-pessoa física, ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).

Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Adoto o entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.

Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período. (TRF 3ª REGIÃO, AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002576-92.2015.4.03.9999/SP, Rel. DES. FED. DAVI DANTAS, 8ª TURMA, julgado em 14 de dezembro de 2015, v.u).

No mesmo sentido: Apelação cível nº 2014.03.99.038096-5, Rel. Des. Fed. GILBERTO JORDAN, TRF 3ª Região, Julgado em 17.12.2104.

 Do caso dos autos.

 A parte autora nasceu em 19/04/1955 e completou o requisito idade mínima (60 anos) em 19/04/2015, devendo, assim, demonstrar o efetivo exercício de atividade rural por, no mínimo, 180 meses, conforme previsto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91.

Como início de prova material de seu trabalho no campo, apresentou, dentre outros, os seguintes documentos:

- Certidão de nascimento de filhos do autor, Djanete Freitas Tubarneli e Djair Freitas Tubarneli, ocorridos em 03/02/1988 e em 23/05/1995, nas quais está qualificado como lavrador;

- Relatório de inscrição de imóvel rural denominado “Sitio Vargedinho”, em que o autor figura como contribuinte;

- Contribuição Sindical de Agricultor Familiar em nome do autor, de 2016;

- Notas fiscais, emitidas em 2010, comprovando a compras de sementes e insumos;

- Contratos de crédito rural, de 2012 e 2014;

- Certificados de Cadastro de Imóvel rural, com emissão de 2003 a 2014;

- Declaração de aptidão ao Pronaf de 2008, 2010 e 2012;

- Cadastro Ambiental Rural, emitido em 2016, indicando que a propriedade “Sítio Vargedinho”, possui 16,9 ha;

- Laudo Técnico, de 2012, relativo ao imóvel rural de propriedade do autor;

- Declarações de Imposto Territorial Rural, relativos aos exercícios de 2009 a 2013 e de 2016;

- Declaração emitida por terceiros, de 2008, atestando o labor rural do autor em regime de economia familiar;

- CTPS do autor, com anotações de vínculos urbanos de 25/03/1975 a 13/05/1975, de 14/06/1975 a 14/07/1976, 01/02/2003 a 05/01/2005 e de vínculos rurais de 26/07/2010 a 19/04/2012 e de 01/04/2015 a data não informada;

- Declaração de conformidade da atividade agropecuária em nome do autor, de 2012;

- Declaração de exercício de atividade rural firmada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jacupiranga/SP, em 2017;

- Comunicado de indeferimento administrativo do pedido.

Os informes do sistema CNIS/Dataprev do autor (Id. 89309813, págs. 27) confirmam os vínculos citados na CTPS, indicam a existência de vínculos urbanos de 08/10/1976 a 15/02/1977, 16/04/1977 a data não informada e de 28/07/1978 a 22/02/1979 e que recebeu auxílio doença por acidente do trabalho de 31/10/2003 a 03/02/2004 e auxílio doença previdenciário de 13/09/2017 a 22/11/2017, ambos como comerciário.

Narra a inicial que o autor laborou como lavrador, ora como empregado, ora em regime de economia familiar, com exceção de curtos períodos nos quais exercera atividade urbana, de 1975 a 1976 e de 2003 a 2005, neste último tendo exercido tal atividade simultaneamente com a rural.

Examinados os autos, a sentença deve ser reformada.

A prova documental é no sentido de demonstrar o labor rural por parte do autor, pelo prazo de carência, conforme exige o art. 142 da Lei previdenciária, considerando que há documentos oficiais a indicar a condição de rurícola do autor, bem como há início de prova material do trabalho rurícola.

Nesse passo, destaco que as circunstâncias do caso são compatíveis com o regime de economia familiar.

Por economia familiar entende-se a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercida em condições de mútua dependência e colaboração predominantemente sem a utilização de empregados, não existindo subordinação, nem remuneração, consubstanciando trabalho em grupo e o resultado da produção é utilizado de forma conjunta para a subsistência da família.

As testemunhas ouvidas em juízo confirmam que o demandante sempre exerceu atividade rural.

Com efeito, Jairo Novaes, que conhece o autor há vinte e oito anos, afirma que ele trabalha em serviço rural, que o autor tem plantação própria, mas também faz bicos, que, no sítio dele, o autor trabalhava com banana, feijão, mandioca, dentre outros, que o autor sempre morou no sítio, que quando o conheceu, o ele já morava no local.

 José Conceição de Souza, por sua vez, que conhece o autor há mais de quinze anos, afirma que ele mora no sítio e trabalha na área rural, que desde que o conhece é assim, que atualmente, ele trabalha no referido local, planta banana, mandioca, feijão etc, acha que o autor também trabalhou fora em outros locais e que o plantio é para subsistência;

Mauro Correa, por fim, que conhece o autor há mais de quarenta anos, afirma que ele sempre trabalhou no sítio dele, mas também prestava serviços em área rural nas áreas vizinhas, que, atualmente, o autor está parado, mas não sabe o tempo, mais ou menos entre um ou dois anos, que o autor planta arroz, feijão, mandioca, em pequena quantidade, que a esposa o ajuda no trabalho e que plantam para subsistência, que inclusive o autor já prestou serviços para a testemunha, em plantação de banana, que era empreitada, isso há cerca de três ou quatro anos.

A prova testemunhal colhida confirma o trabalho rural do autor há mais de quinze anos a evidenciar o cumprimento da carência, não sendo necessária a comprovação de todo o período, uma vez que a prova testemunhal complementa e corrobora a prova material trazida.

Os vínculos urbanos em menor escala não constituem óbice a concessão do benefício, de modo que as provas demonstram a predominância do trabalho rural exercido que foi confirmado pelas testemunhas.

Dessa forma, torna-se viável a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, uma vez que há início de prova material, ficando comprovado que a parte autora efetivamente trabalhou nas lides rurais no tempo mínimo em exigência da lei, prevista no art. 143 da Lei nº 8.213/91.

Assim, o autor comprovou que o trabalho rural tenha sido predominante ao longo de sua vida.

Preenchidos os requisitos legais, é devido o benefício de aposentadoria por idade pleiteado e procedente o pedido para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo, conforme pedido na inicial e demais consectários legais.

 Data de início do benefício: Fixo a data inicial na data do requerimento administrativo, em 17/10/2017, quando o autor reuniu os requisitos para a obtenção do benefício.

 DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA

 Com relação à correção monetária, cabe pontuar que o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, foi declarado inconstitucional por arrastamento pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, mas apenas em relação à incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento.

 Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação, que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento.

Vislumbrando a necessidade de serem uniformizados e consolidados os diversos atos normativos afetos à Justiça Federal de Primeiro Grau, bem como os Provimentos da Corregedoria desta E. Corte de Justiça, a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª Região (Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005) é expressa ao determinar que, no tocante aos consectários da condenação, devem ser observados os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal.

A respeito do tema, insta considerar que, no dia 20/09/2017, no julgamento do RE nº 870.947, com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR, também para a atualização da condenação.

No mesmo julgamento, em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.

"In casu", como se trata da fase anterior à expedição do precatório, e tendo em vista que a matéria não está pacificada, há de se concluir que devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005 (AC 00056853020144036126, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2016), observado o entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.

DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

No caso, a fixação da verba honorária no patamar de 10% do valor atualizado até a data desta decisão, uma vez que a sentença foi julgada improcedente, mostra-se adequada de acordo com a complexidade da causa e, ademais, é este o patamar reiteradamente aplicado por esta Oitava Turma nas ações previdenciárias.

Cumpridos os requisitos para percepção do benefício de aposentadoria por idade rural e considerando seu caráter alimentar, nos termos do art. 300 do CPC, determino que o benefício seja implantado no prazo de 30 dias, oficiando-se o INSS.

 DAS CUSTAS PROCESSUAIS

 O STJ entende que o INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal (art. 8º, da Lei nº 8.620/1993). Contudo, a Colenda 5ª Turma desta Corte tem decidido que, não obstante a isenção da autarquia federal, se ocorreu o prévio recolhimento das custas processuais pela parte contrária, o reembolso é devido, a teor do artigo 14, § 4º, da Lei 9.289/96, salvo se esta estiver amparada pela gratuidade da Justiça. Na hipótese, a parte autora é beneficiária da justiça gratuita, não sendo devido, desse modo, o reembolso das custas processuais pelo INSS.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde 17/10/2017, nos termos da fundamentação supra.

É o voto”.

 

No caso concreto, verifica-se que os vínculos urbanos em nome do autor, foram, na decisão impugnada, considerados de “menor escala”, não constituindo “óbice a concessão do benefício”.

No tocante ao requisito imediatidade, também carece de razão a autarquia, uma vez que os registros empregatícios mais recentes do autor em CTPS possuem natureza rural.

Conforme constou da referida decisão, os últimos vínculos laborais do demandante foram: “vínculos rurais de 26/07/2010 a 19/04/2012 e de 01/04/2015 a data não informada”, tendo a prova testemunhal corroborado a prova documental, ao confirmar a continuidade do labor rural do autor até a data do implemento do requisito idade.

O fato de o benefício por incapacidade recebido pelo autor em 2017 indicar o ramo de atividade como comerciário não descaracteriza a sua condição de lavrador, por se considerar que, muito provavelmente, tal anotação tenha se dado por equívoco, já que a atividade rural foi predominante na vida laboral dele.

Desse modo, devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, uma vez que, pelo retratado nos autos, se mostraram cumpridos os requisitos carência e imediatidade mínima exigida por lei, prevista no art. 143 da Lei nº 8.213/91.

Ante o exposto, recebo os embargos de declaração opostos pela autarquia como agravo interno e NEGO-LHE PROVIMENTO.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÊNCIA E IMEDIATIDADE. COMPROVAÇÃO.

- Hipótese em que os embargos de declaração objetivam a reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devendo ser convertidos em agravo, que é o recurso cabível, por força dos princípios da fungibilidade e da instrumentalidade das formas.

- Vínculos urbanos em menor escala não constituem óbice a concessão do benefício.

- Registros empregatícios mais recentes do autor em CTPS que possuem natureza rural. Prova documental que restou corroborada pela prova testemunhal.

- Devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, uma vez que, pelo retratado nos autos, se mostraram cumpridos os requisitos carência e imediatidade mínima exigida por lei, prevista no art. 143 da Lei nº 8.213/91.

- Embargos de declaração recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu receber os embargos de declaração opostos pela autarquia como agravo interno e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.