Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5033084-81.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: GEOVANE TEIXEIRA DE TOLEDO
IMPETRANTE: REINALDO BONTEMPO

Advogado do(a) PACIENTE: REINALDO BONTEMPO - SP183935

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 9ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5033084-81.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: GEOVANE TEIXEIRA DE TOLEDO
IMPETRANTE: REINALDO BONTEMPO

Advogado do(a) PACIENTE: REINALDO BONTEMPO - SP183935

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 9ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Reinaldo Bontempo em favor de GEOVANE TEIXEIRA DE TOLEDO, contra ato imputado ao Juízo Federal da 9ª Vara Federal de Campinas/SP que, nos autos 5013306-46.2020.403.6105.

Sustenta o impetrante, em síntese, que:

a) o paciente foi preso em flagrante delito, em 08/12/2020, pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 155 e 288, ambos do Código Penal, na forma tentada;

b) o paciente está preso no Centro de Detenção Provisória de Hortolândia há mais de 48 horas sem ter sua prisão em flagrante analisada pelo magistrado, o que fere o disposto no artigo 310 do Código de Processo Penal;

c)  não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar o juízo valorativo sobre a gravidade abstrata do crime imputado ao paciente ou sua periculosidade abstrata;

d) o paciente possui trabalho lícito, família estruturada, bem como residência fixa.

Requer o impetrante, assim, a concessão liminar para relaxamento da prisão do paciente em razão de excesso de prazo para realização da audiência de custódia, expedindo-se o competente alvará de soltura.

Foram juntados documentos.

A liminar foi indeferida.

As informações da autoridade impetrada foram juntadas aos autos.

A Procuradora Regional da República, Dra. Rosane Cima Campiotto, manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5033084-81.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: GEOVANE TEIXEIRA DE TOLEDO
IMPETRANTE: REINALDO BONTEMPO

Advogado do(a) PACIENTE: REINALDO BONTEMPO - SP183935

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPINAS/SP - 9ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Não está configurado o alegado constrangimento ilegal.

O art. 310, do Código de Processo Penal restou modificado pela Lei 13.964, de 24/12/2020, passando a prever em seu caput, e nos quatro parágrafos subsequentes, sobre o instituto da Audiência de Custódia, até então tratada apenas Resolução nº 213 do Conselho Nacional de Justiça:

Dispõe o art. 310, do CPP, com a nova redação dada pela:

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Grifei)

I - relaxar a prisão ilegal; ou          

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou           

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.           

§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.   

  § 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.

§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.  

§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. (Grifei)

Verifica-se, assim, que a audiência de custódia é um ato considerado, via de regra, indispensável na apresentação do preso, no prazo de 24 horas contados do recebimento do auto de prisão em flagrante pelo Juízo competente.

Conforme disposto no caput, do artigo 310, do CPP, na audiência de custódia deverá contar com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público.

No caso dos autos, após a prisão em flagrante do paciente e outros investigados, em 08/12/2020, o Auto de Prisão foi autuado e distribuído sob nº 5013306-46.2020.403.6105 e remetidos no mesmo dia ao juízo federal de plantão, que determinou a intimação do Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União.

Considerando que foram presos em flagrantes vários investigados e que alguns, mesmo após intimada a Defensoria Pública da União, permaneceram sem representação processual, a autoridade impetrada exarou a seguinte decisão, em 10/12/2020:

"Vistos.

Em que pese a manifestação da Defensoria Pública da União no ID 43200017, verifico que, até o presente momento, não foram constituídos advogados pelos flagranciados TIAGO CORAZZA DA SILVA e CLEBERTON FREITAS PARAGUACU, a fim de representá-los nos autos.

Considerando o previsto nos artigos 289-A, §4º, artigo 306, §1º e 310, caput, todos do Código de Processo Penal:

Art. 289-A.  O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 4º. O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 306.  A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

 § 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.  (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24(vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:        (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

 I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011);.

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Considerando, ainda, que a Defensoria Pública da União foi intimada em 08/12/2020 a se manifestar nos autos bem como que os réus encontram-se presos, DETERMINO a INTIMAÇÃO  da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, a fim de que se manifeste sobre as prisões de TIAGO CORAZZA DA SILVA e CLEBERTON FREITAS PARAGUACU, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.”

Entendo, assim, justificada a não realização de audiência de custódia no prazo de 24 horas, vez que há indiciados que ainda se encontram sem representação processual.

Cabe ressaltar que, por ocasião da realização da audiência de custódia, a prisão em flagrante poderá ser homologada e convertida em prisão preventiva. Nesse momento, importante que a defesa dos investigados esteja presente para requerer, de plano, a liberdade provisória do preso, devendo estar municiada de documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos subjetivos, como comprovante de residência fixa, trabalho lícito e antecedentes criminais, além de fazer a defesa técnica a fim de demonstrar a ausência dos requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312, do CPP, o que garantirá a ampla defesa do preso.

Com efeito, o § 4º, do art, 310, do CPP dispõe que haverá ilegalidade da prisão em flagrante caso seja ultrapassado o prazo de 24 (vinte e quatro) horas após o prazo estipulado no caput do referido artigo sem que tenha sido realizada a audiência de custódia, situação que dará ensejo ao relaxamento da prisão em razão de vício da legalidade.

No entanto, referido § 4º foi suspenso em razão da ADI 6.305/DF, pelo Relator, Ministro Luiz Fux, nos seguintes termos:

“5. Ilegalidade da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas (Artigo 310, §4°, Código de Processo Penal)

No tocante ao art. 310, §4°, igualmente introduzido ao Código de Processo Penal pela Lei n° 13.964/2019, a sua redação determina que "transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva".

Em relação a esse dispositivo, impugnado também exclusivamente nos autos da ADI n° 6305, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público afirma, in verbis:

"O parágrafo 4º do artigo 310 do Código de Processo Penal, acima negritado e fruto da alteração legislativa feita pela Lei nº 13.964/2019, padece de inconstitucionalidade ao prever hipótese de soltura automática, leva em consideração prazo inflexível, e ao mesmo tempo permite o decreto de prisão preventiva sem a realização da própria audiência de custódia.

Conforme o artigo 13 da Resolução nº 213, de 2015 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça, a audiência de custódia é aplicável não só à prisão em flagrante, mas também às seguintes prisões: preventiva, temporária, decorrente da execução penal e civil. A prisão em flagrante tem por fundamento a proteção da ordem pública, a preventiva, o atendimento dos fundamentos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a temporária quando imprescindível para as investigações de crimes graves, a decorrente da execução penal para assegurar cumprimento da pena, e por fim, a civil, para garantir o adimplemento de prestação alimentícia.

A essência da audiência de custódia é possibilitar que o preso ou detido seja imediatamente levado à presença do juiz competente, da maneira mais rápida possível, que é normalmente de 24 (vinte e quatro) horas. Ocorre que, nem sempre esse período de tempo, rigidamente fixado, pode ser cumprido, não por vontade dos membros do Ministério Público ou dos magistrados, mas pela realidade existente no Brasil.

A dimensão territorial do Brasil e de seus Estados Federados muitas vezes impede o cumprimento exato do prazo de 24 (vinte e quatro) horas para apresentação do preso ou detido à realização da audiência de custódia. É comum nos Estados, no âmbito da Justiça Estadual, quando da realização do plantão judiciário, a divisão do território em regiões administrativas, o que pode abarcar mais de uma comarca, de modo que pode vir a ocorrer de o juiz designado para o plantão ser lotado na cidade A, o promotor de justiça na cidade B, e o defensor público, na cidade C, o que inviabiliza a realização do ato no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, de modo extemporâneo, não acarreta a nulidade do ato, e portanto, não há ilegalidade

(...)

Entendemos, por isso, que o dispositivo em comento, ao fixar o prazo de 24 horas como causa de ilegalidade de prisão, podendo sujeitar até mesmo os magistrados e membros do Ministério Público à imputação de abuso de autoridade, viola o artigo 5º, incisos LXI, LXV e LXVII

(…),"

Entendo presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar pleiteada. Não se desconsidera a importância do instituto da audiência de custódia para o sistema acusatório penal. No entanto, o dispositivo impugnado fixa consequência jurídica desarrazoada para a não realização da audiência de custódia, consistente na ilegalidade da prisão. Esse ponto desconsidera dificuldades práticas locais de várias regiões do país, especialmente na região Norte, bem como dificuldades logísticas decorrentes de operações policiais de considerável porte, que muitas vezes incluem grande número de cidadãos residentes em diferentes estados do país. A categoria aberta "motivação idônea", que excepciona a ilegalidade da prisão, é demasiadamente abstrata e não fornece baliza interpretativa segura aos magistrados para a aplicação do dispositivo.

Nesse ponto, entendo que, uma vez oportunamente instruído o processo quanto à realidade das audiências de custódia em todo o país, o Plenário poderá decidir o mérito, inclusive, sendo o caso, fornecendo balizas interpretativas mais objetivas para as categorias normativas nele incluídas. Por ora, a eficácia do dispositivo deve ser suspensa para se evitarem prejuízos irreversíveis à operação do sistema de justiça criminal, inclusive de direitos das defesas.

Ex positis, concedo a medida cautelar requerida para suspender a eficácia do artigo 310, §4°, do Código de Processo Penal (CPP), na redação introduzida pela Lei n° 13.964/2019.

Conclusão

Ex positis, na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, com as vênias de praxe e pelos motivos expostos:

Revogo a decisão monocrática constante das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e suspendo sine die a eficácia, ad referendum do Plenário,

a1) da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal); e

(a2) da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível (157, §5º, do Código de Processo Penal);

(b) Concedo a medida cautelar requerida nos autos da ADI 6305, e suspendo sine die a eficácia, ad referendum do Plenário,

(b1) da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial (28, caput, Código de Processo Penal);

(b2) Da liberalização da prisão pela não realização da audiência de custodia no prazo de 24 horas (Artigo 310, §4°, do Código de Processo Penal);

Nos termos do artigo 10, §2º, da Lei n. 9868/95, a concessão desta medida cautelar não interfere nem suspende os inquéritos e os processos em curso na presente data.

Aguardem-se as informações já solicitadas aos requeridos, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República.

Após, retornem os autos para a análise dos pedidos de ingresso na lide dos amici curae e a designação oportuna de audiências públicas.”

Verifica-se das informações prestadas pela autoridade impetrada (Id 149217180), que, em 11/12/2020, a defesa constituída de CLEBERTON apresentou pedido de liberdade provisória, sendo que a Defensoria Pública da União não se manifestou após o decurso de prazo.

Nesses termos, o juízo impetrado decidiu pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, tendo em vista indícios de autoria e materialidade delitivas, bem como a presença dos requisitos do art. 312, do CPP. Ressaltou, ainda, que as condições pessoais dos presos, bem como o modus operandi, com uso de arma de fogo e em concurso de pessoas, além dos apetrechos voltados para prática delitiva apreendidos, indicam a periculosidade dos agentes, e o risco concreto à ordem pública, sendo insuficiente as medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP.

Por conseguinte, decretada a prisão preventiva do paciente, cuja custódia encontra-se devidamente fundamentada na gravidade concreta do delito para garantia da ordem pública, restam superadas as alegações que apontam irregularidades da prisão em flagrante.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO DO FLAGRANTE. PRAZO SUPERIOR A 24 HORAS. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. ORDEM DENEGADA.

1. A eficácia do artigo 310, §4°, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n° 13.964/2019, está suspensão em razão da ADI 6.305/DF.

2. Considera-se justificada a não realização de audiência de custódia, no prazo de 24 horas, quando o indiciado ainda se encontra sem representação processual.

3. Com a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, restam superadas as alegações que apontam irregularidades da prisão em flagrante.

4. Ordem denegada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.