APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001276-27.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ANTONIO JOSE DE PAULA
Advogado do(a) APELANTE: DAIENE KELLY GARCIA - SP300255-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001276-27.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: ANTONIO JOSE DE PAULA Advogado do(a) APELANTE: DAIENE KELLY GARCIA - SP300255-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural e a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, com pedido de antecipação de tutela, a partir do requerimento administrativo, observada a aplicação do fator previdenciário no cálculo da RMI, caso seja benéfico para o autor, e acrescida de honorários de advogado, fixados sobre as parcelas vencidas até a sentença. A sentença julgou improcedente o pedido. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor da causa. A parte autora apelou, requerendo, preliminarmente, a nulidade da sentença por ser contrária à prova dos autos, por cerceamento do direito de produzir prova e por ausência de fundamentação. No mérito, pediu a procedência da ação com antecipação de tutela. Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001276-27.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: ANTONIO JOSE DE PAULA Advogado do(a) APELANTE: DAIENE KELLY GARCIA - SP300255-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Preliminarmente, não há que se falar em nulidade da sentença ante a ausência de fundamentação, considerando-se que foi devidamente fundamentada, nos termos do inciso II, do artigo 458 do CPC. As preliminares de nulidade da sentença por ser contrária à prova dos autos e por cerceamento de defesa confundem-se com o mérito e, com ele serão analisadas. Com efeito, consoante o disposto no artigo 48, § 1º da Lei n.º 8213, de 24 de julho de 1991, para a obtenção da aposentadoria rural por idade, é necessário que o homem tenha completado 60 anos e a mulher, 55 anos. No artigo 142 da mencionada lei consta uma tabela relativa à carência, considerando-se o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício. Por sua vez, o artigo 143 do mesmo diploma legal, com redação determinada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, estabelece que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício". A Lei nº 11.718/2008 prorrogou o termo final do prazo para 31 de dezembro de 2010, aplicando-se esta disposição, inclusive, para o trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego (art. 2º, caput e parágrafo único). Observe-se que após o período a que se referem esses dispositivos, além do requisito etário, será necessário o cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que dispõe o artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991. O legislador, para promover esta transição ao sistema contributivo, possibilitou ao empregado rural e contribuinte individual, na concessão da aposentadoria por idade, para efeito de carência, que cada mês comprovado de emprego, de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, seja multiplicado por 3, limitado a 12 dentro do mesmo ano e no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, que cada mês de emprego seja multiplicado por 2, limitado a 12 meses dentro do mesmo ano. Assim, para os empregados rurais (boias-frias/volantes), o exercício de atividade rural será computado para efeito de carência nos moldes do art. 143 da Lei de Benefícios, até 31/12/2010. Após esta data, se não atingido o número de meses necessário, deverá atender ao art. 3º, incisos II e III, da Lei nº 11.718/2008. Em relação aos segurados especiais, não incidem as limitações acima. O artigo 39 da Lei n.º 8.213/91 prevê os benefícios devidos ao segurado especial. Estabelece, ainda, que para a obtenção da aposentadoria por idade, o segurado especial deverá comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência, conforme preceitua o artigo 39, inciso I, da lei mencionada. Em outras palavras, não é exigido o cumprimento de carência do segurado especial, mas o efetivo exercício de atividade rural, na forma especificada no dispositivo em comento. O conceito de segurado especial é dado pelo artigo 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91. A Lei n.º 11.718, de 20 de junho de 2008, estendeu ao seringueiro ou extrativista vegetal (que labore na forma do art. 2º, caput, inciso XII da Lei n.º 9.985/2000), bem como ao pescador artesanal ou a este assemelhado a condição de segurado especial. O §1º do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91 define o regime de economia familiar. É possível ao segurado especial valer-se de empregados contratados, em épocas de safra, por no máximo 120 (cento e vinte) dias, nos termos do §7º do artigo acima referido. Por outro lado, o §8º descreve determinadas atividades que não descaracterizam a condição de segurado especial, enquanto que os incisos do §9º trazem um rol dos rendimentos que podem ser auferidos por membro do grupo familiar, sem que este perca sua condição de segurado especial. Ressalte-se que o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1.354.908/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de exigir que o segurado especial esteja laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, tenha preenchido de forma concomitante os requisitos no passado. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil." (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016) Conclui-se, portanto, que para a concessão da aposentadoria por idade rural são necessários os requisitos: idade mínima e prova do exercício da atividade laborativa pelo período previsto em lei, no período imediatamente anterior ao que o segurado completa a idade mínima para se aposentar. Nos termos da Súmula de nº 149 do STJ, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012). A idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação pessoal do autor, nascido em 22/05/44. Para comprovar as suas alegações, o autor apresentou os seguintes documentos, dentre outros: I) certidão de casamento, realizado em 1994, na qual figura como agropecuarista; II) histórico de matrícula nº 8.859, de 31/03/92, no qual consta que, por escritura pública de 27/12/88, os pais dele doaram a ele e aos outros 05 (cinco) irmãos, a propriedade rural denominada São José, situada na Fazenda Posses, em Igarapava/SP, de 210,54ha; III) declarações da Cooperativa Nacional Agroindustrial, no sentido de que ele lhe forneceu leite de 01/01/90 a 30/06/90 e 01/03/97 a 31/12/2001; IV) notas fiscais de produtor/saída, datadas de 1994, 1995, 2001 a 2003, 2007, 2008 e 2010, em nome dele; V) pedido de talonário de produtor, datado de 1993, em nome dele; VI) cópia da sua CTPS, na qual constam vínculos rurais de 01/05/86 a 31/10/88, 03/03/2008 a 04/03/2009 e de 01/02/2001 a 20/04/2012, e 01 (um) vínculo urbano de 03/09/85 a 02/02/86; VII) cópia da CTPS da esposa dele, na qual consta 01 (um) vínculo urbano de 27/06/90 a 30/08/90 e 01 (um) vínculo rural a partir de 02/03/2009, não constando data de saída. A certidão de casamento serve como início de prova material da atividade rural. A anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode, assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo. A simples alegação de irregularidade nas anotações constantes da CPTS não é suficiente para desconsiderá-las. Caberia à autarquia comprovar a existência de fraude ou falsidade, o que não ocorreu. O histórico de matrícula citado demonstra que o autor herdou do pai dele parte do Sítio São José, em 1988, que foi dividido entre ele e os demais irmãos. Em se tratando de segurado especial, é necessário que a atividade seja comprovada através de documentos que demonstrem o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, como, por exemplo, aqueles elencados no art. 106 da Lei nº 8.213/91, ou outros que sirvam a tal mister. Os demais documentos constituem início de prova material do exercício da atividade rural do autor em regime de economia familiar. Na audiência realizada em 19/04/2016, as testemunhas declararam, em síntese, que conhecem o autor desde que ele era criança, e que ele já trabalhava à época com o pai, na propriedade deste. Informaram que o autor recebeu uma parte da propriedade do pai, como herança, e que lá trabalha, desde então. A testemunha Adalberto Ferreira da Silva acrescentou, ainda, que o autor trabalha naquela propriedade sem a ajuda de empregados. Portanto, os depoimentos foram suficientes para comprovar a atividade rural do autor pelo período exigido em lei. Ressalte-se que o fato de o autor ter exercido atividade urbana por curto período não descaracteriza a sua condição de rurícola, tendo em vista que restou demonstrado o exercício predominante da atividade rural e foi cumprida a carência exigida em lei. Considerando-se que o conjunto probatório comprovou a atividade rural, deve ser concedido o benefício de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo mensal, nos termos do artigo 143 da Lei nº 8.213/91. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (19/08/2011 – ID 87759506, pág. 12), uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR. Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50. O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal. Entretanto, consoante disposto no § 1º do artigo 1º da mencionada lei, "rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.". Conclui-se, assim, que a isenção de custas nas causas processadas na Justiça Estadual depende de lei local que a preveja. No que se refere às ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo, como in casu, a isenção de custas processuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está assegurada nas Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03. Diante do exposto, rejeito a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação e dou parcial provimento à apelação do autor para determinar a concessão da aposentadoria rural por idade, a partir da data do requerimento administrativo, fixando os consectários legais e os honorários de advogado, nos termos explicitados na decisão. Por fim, considerando o caráter alimentar das prestações reclamadas e que os recursos aos Tribunais Superiores não são dotados de efeito suspensivo (art. 995 CPC/2015), determino, com apoio nos artigos 300 e 497 do CPC/2015, a imediata implantação do benefício de aposentadoria rural por idade, com data de início - DIB em 19/08/2011 e renda mensal inicial – RMI no valor de 01 (um) salário mínimo. Para tanto, expeça-se ofício ao INSS, instruído com os documentos do segurado Antônio José de Paula, necessários para o cumprimento da ordem. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. CUSTAS. JUSTIÇA ESTADUAL. TUTELA ANTECIPADA. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
1. Sentença devidamente fundamentada, nos termos do inciso II, do artigo 458 do CPC. Preliminar de nulidade da sentença ante a ausência de fundamentação rejeitada.
2. Suficiente o conjunto probatório a demonstrar o exercício da atividade rural.
3. Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo, uma vez que a parte autora demonstrou que havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então.
4. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR.
5. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
6. A cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal, rege-se pela legislação estadual. Art. 1º, §1º, da Lei 9.289/96.
7. As Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03 asseguram a isenção de custas processuais ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nas ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo.
8. Prestação de caráter alimentar. Implantação imediata do benefício. Tutela antecipada concedida.
9. Preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação rejeitada. Apelação parcialmente provida.