APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5110817-02.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ONOFRA SANCHES DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: THIAGO VICENTE - SP253491-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5110817-02.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ONOFRA SANCHES DE LIMA Advogado do(a) APELADO: THIAGO VICENTE - SP253491-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a contar do requerimento administrativo. Foram opostos embargos de declaração pela parte autora, os quais foram acolhidos para conceder a tutela antecipada e determinar “a implantação do benefício à parte autora no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária”. O INSS apela, requerendo a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em questão. Insurge-se, ainda, com relação à correção monetária e juros, bem como pleiteia a redução dos honorários advocatícios. Ao final, prequestiona a matéria. Com contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. AUDREY GASPARINI
Juiza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5110817-02.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ONOFRA SANCHES DE LIMA Advogado do(a) APELADO: THIAGO VICENTE - SP253491-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL) O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91. Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único). Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício. Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família. Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006. Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”. É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo. Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 01/04/2006, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 150 meses. A Autora afirma que “desde tenra idade, trabalhava sem registro em carteira, laborando em fazendas da região”; que “começou a trabalhar na roça, sem registro em carteira, com aproximadamente 12 anos de idade, na Usina Central Paraná, onde trabalhavam todos de sua família”; que “permaneceu nessa Fazenda por cerca de 15 anos consecutivos, até meados de 1982”; que, “após esse período, a autora, já casada, mudou-se com seu marido para a cidade de Serrana/SP, onde passaram ambos a morar e trabalhar roça, sendo que a requerente laborava sem registro em CTPS na Fazenda da Pedra, onde permaneceram de 1982 até 1995.” Sustenta que “após o ano de 1995, a autora passou a exercer suas atividades na roça de forma contínua e ininterrupta nos conhecidos paus-de-arara, em diversas fazendas da região, também sem anotação em carteira”; que “trabalhou nas seguintes propriedades: Fazenda Palmira, Fazenda Santa Maria, Fazenda Barra Grande, Fazenda Santa Helena, Fazenda Santa Fé, Fazenda Goiaba, Fazenda São Francisco, Fazenda São João, Fazenda Porangaba, Fazenda Santa Catarina, Usina Batatais e outros locais”; como lavradora, no cultivo de café, algodão, arroz, quebrando milho, carpindo, roçando pasto, cuidando de granja, horta, dentre outros serviços próprios da roça”. Para demonstrar as alegações, juntou os seguintes documentos: - Certidão de Casamento dos pais da autora (Sebastião Sanches e Maria Negrão Sanches), onde consta como profissão de seu pai a de “lavrador” (07.12.1946); - Certidão de Nascimento do irmão da autora (Manuel Benedito Sanches), onde consta como local de residência a “Fazenda Montalvão” (08.08.1960); - Certidão de Óbito do pai da autora (Sebastião Sanches), onde consta como sua profissão a de “lavrador” (03.08.1966); - Registro de Empregados em nome da mãe da autora (Maria Negrão Sanches), onde consta como local de residência a “Fazenda Central” (de 1966 a 1970); - Certidão de Casamento da irmã da autora (Maria Aparecida Sanches), onde consta como profissão de seu marido como a de “lavrador” (11.03.1967); - Certidão de Casamento da autora, onde consta como profissão de seu marido (Acácio de Lima) como a de “lavrador” e residência de ambos na “Fazenda Central” (16.12.1967); - Histórico Escolar em nome da irmã da autora (Gloria de Lourdes Sanches), onde consta frequência em Escola Rural em Londrina -Paraná nos anos de 1968 a 1972; - Declaração de estudo em Escola Rural em nome da irmã da autora (Eunice de Lima), onde consta haver ela estudado em escola rural no Paraná entre os anos de 1977 a 1981; - Declaração de estudo em Escola Rural em nome da irmã da autora (Cleonice de Lima), onde consta haver estudado em escola rural no Paraná entre os anos de 1977 a 1980; - Declaração de estudo em Escola Rural em nome do irmão da autora (Wilson de Lima), onde consta haver estudado em escola rural no Paraná entre os anos de 1978 a 1981; - Caderneta de vacinação em nome do filho da autora (Emerson de Lima), onde consta como residência “Fazenda Aparecida, casa n.º 8”, no período de 1978 a 1980. - Título Eleitoral, onde consta como profissão de Acácio de Lima (marido da requerente) como a de “lavrador” e a residência na “Fazenda da Pedra” (19.05.1983); - CTPS do marido da autora, onde constam registros de contratos de trabalho rurais no período de 1969 a 1999, na “Fazenda Central”, na “Fazenda da Pedra” e na "Fazenda Santa Maria", bem como em estabelecimentos agrícolas, no cargo de trabalhador rural; - Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho em nome do marido da autora, expedido pela Santa Maria Agrícola Ltda. (Fazenda Santa Maria), onde consta como data de admissão 19.04.1996 e data de saída 13.01.1999.- comprovante de que o benefício de aposentadoria por idade rural requerido pela autora (em 27/09/2016) foi indeferido na esfera administrativa; Da consulta atualizada ao Sistema CNIS da Previdência Social, em nome da autora, não constam registros de atividades laborativas, o que se coaduna com as alegações da requerente, de que sempre trabalhou sem registro. Embora não conste do referido Sistema vínculo da demandante em atividade rural, também não há registros de atividades urbanas em seu nome. Cumpre mencionar que, mesmo sendo o marido empregado rural com registro em CTPS, a jurisprudência admite a extensão da condição à esposa, no pressuposto de que o trabalho desenvolvido pela mulher, diante da situação peculiarmente difícil no campo, se dê em auxílio a seu cônjuge, visando aumento de renda para obter melhores condições de sobrevivência. E é de sabença comum que, vivendo na zona rural, a família trabalha em mútua colaboração, reforçando a capacidade laborativa, de modo a alcançar superiores resultados, retirando da terra o seu sustento. Nesse sentido, julgado da 8.ª Turma deste E. Tribunal, do qual se extrai: “PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL SUFICIENTES. REQUISITOS SATISFEITOS. PERÍODO DE CARÊNCIA CUMPRIDO. DESNECESSIDADE DE CONTRIBUIÇÕES. - Início de prova escrita corroborada pela prova testemunhal justifica o reconhecimento do exercício de atividade rural para efeito de aposentadoria por idade. - Documentos de identificação da autora, nascida em 11.06.1961. - Certidão de nascimento da autora em 11.06.1961, qualificando o pai e a mãe como lavradores. - Certidão de casamento em 24.09.1990, qualificando o marido como lavrador. - Certidão de nascimento do filho em 29.12.1982, qualificando o pai como agricultor. Anotado o óbito em 22.03.2005. - Certidão de óbito do filho em 22.03.2005, qualificando o pai como lavrador. - Certidões de nascimento dos outros filhos em 03.08.1991 e 14.09.1992, qualificando o marido como lavrador. - CTPS do marido da autora, constando vínculos em atividade rural, nos períodos de 16.01.2002 a 17.11.2009, e a partir de 02.08.2010 (sem data de saída). - Comunicado do indeferimento do pedido de aposentadoria por idade, segurado especial, formulado na via administrativa em 13.06.2016. - A Autarquia juntou consulta efetuada ao sistema Dataprev, não constando vínculos empregatícios da autora, e que recebe pensão por morte desde 28.09.2005, ramo atividade comerciário. Em nome do marido da autora, consta que requereu aposentadoria rural por idade, que foi indeferida. Também trouxe a inicial de ação judicial da autora pleiteando pensão por morte do filho. - As testemunhas conhecem a autora há muito tempo e confirmam seu labor rural. - A orientação pretoriana é no sentido de que a qualificação de lavrador do marido, constante de certidão emitida pelo registro civil, é extensível à esposa, constituindo-se em início razoável de prova material da sua atividade rural. - A autora juntou início de prova material de sua condição de lavradora, o que corroborado pelo depoimento das testemunhas, que são firmes em confirmar que sempre trabalhou no campo, justifica a concessão do benefício pleiteado. - Não há qualquer notícia no sistema DATAPREV, que tenha desenvolvido atividade urbana. - A autora apresentou registros cíveis que qualificam o marido como lavrador, e é possível estender à autora a condição de lavrador do marido, bem como dos testemunhos que confirmam seu labor no campo, comprovam a atividade rural pelo período de carência legalmente exigido. - A autora trabalhou no campo, por mais de 15 anos. É o que mostra o exame da prova produzida. Completou 55 anos em 2016, tendo, portanto, atendido às exigências legais quanto à carência, segundo o art. 142 da Lei nº 8.213/91, por prazo superior a 180 meses. - O termo inicial deve ser mantido na data da comunicação do indeferimento administrativo em 17.08.2016, conforme fixado na sentença. Entendimento de que o termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo (13.06.2016), pois representa o momento em que a Autarquia tomou conhecimento do pleito, não é possível no caso, pois não houve insurgência da parte autora. - Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado. - Nas ações de natureza previdenciária, a verba deve ser fixada em 10% do valor da condenação, até a sentença (Súmula nº 111 do STJ). - Apelação do INSS parcialmente provida.” (TRF3, AC 5038619-35.2018.4.03.9999, Rel. Des. Fed. DIVA MALERBI, 8.ª Turma, j. 07/05/2019). O extrato da consulta ao CNIS apresentado pelo INSS revela que autora recebe atualmente o benefício previdenciário de “pensão alimentícia de seu ex-marido” no valor de R$ 100,00, após o divórcio do casal, que ocorreu após o preenchimento do requisito etário (ID n.º 120138826 - Pág. 7). Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 01.04.1951 perante o MM. Juízo da 1.ª Vara da Comarca de Serrana/SP. Os depoimentos foram gravados em mídia pelo sistema audiovisual. Conforme registrado pela magistrada sentenciante, as testemunhas declararam que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural. A testemunha JOSÉ CAPITELLI afirmou que conheceu a autora no Paraná, onde ela trabalhava na lavoura com cana e café. Disse que o trabalho era ininterrupto, não se limitando ao período de safra. Afirmou, porém que trabalhavam em setores distintos; que o depoente se mudou para Serrana mais ou menos em 1978, sendo que a autora veio apenas quatro anos depois. E, ao chegar, começou a trabalhar com lavoura de cana na Usina da Pedra. A testemunha desempenhou suas funções em referida Usina até 1996, quando se aposentou. Porém, a autora continuou trabalhando lá. Por sua vez, a testemunha MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA disse que conheceu a requerente em 1982 e afirmou que via a requerente ir trabalhar na Usina da Pedra todos os dias entre 1995 e 2002. Por fim, a testemunha MARLENE NASCIMENTO MAGALHÃES afirmou que conheceu a autora no Paraná, pois seu pai trabalhava fazenda do Congo e depois na Fazenda Central; que Onofra trabalhava com lavoura de cana; que, em 1971, a testemunha casou e foi para São Paulo e Onofra permaneceu no Paraná. A depoente mudou-se para Serrana em 1989 e, nessa época, se encontraram novamente, sendo que a autora estava morando e trabalhando na Usina da Pedra; que Onofra continuou trabalhando na roça, pois ia trabalhar e a testemunha a via no ponto (local onde pegavam os trabalhadores); que a depoente via Onofra trabalhando. É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar. E os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora. É dispensável que o início de prova material abranja todo o período de carência, contanto que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. Assim: "RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INEXISTÊNCIA. 1. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91). 2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados, devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função exercida pelo trabalhador, inocorrente na espécie. 3. Para a obtenção da aposentadoria por idade, o trabalhador rural referido na alínea "a" dos incisos I e IV e nos incisos VI e VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91, além da idade mínima de 60 anos (homem) e 55 (mulher), deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (artigo 48 da Lei nº 8.213/91), sendo prescindível que o início de prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua vinculação ao tempo de carência. 4. Conquanto a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça admita a certidão de casamento como início de prova material, o acórdão recorrido decidiu que a prova testemunhal foi insuficiente para a comprovação do tempo de serviço, sendo indevido, desse modo, a concessão do benefício de aposentadoria por idade. 5. Recurso não conhecido." (REsp 345422/SP, 6ª Turma, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 19/12/2002 – g. n.) "PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - PROVA TESTEMUNHAL CORROBORADA POR INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL. - A exigência legal para a comprovação da atividade laborativa rural resulta na prova testemunhal, corroborada por um início razoável de prova documental, ainda que constituída por dados do registro civil, certidão de casamento, ou qualquer documento que mereça fé pública. - No caso em exame, o autor apresentou certidão expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Paulo de Faria, Estado de São Paulo (fls. 17/20), que comprova a existência da "Fazenda Figueira", e que se harmoniza com os depoimentos testemunhais demonstrando o exercício da atividade rurícola do autor, sem registro e contemporâneo ao período que pretende ver reconhecido. - Precedentes desta Corte. - Recurso conhecido e desprovido." (REsp 422.095/SP, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 23/09/2002 – g.n.) Ressalte-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. Oportuno mencionar o seguinte trecho do voto do Excelentíssimo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, relator do referido RESP n.º 1.354.908/SP, in verbis: “(...) O conteúdo da norma contida no art. 143, segundo a lição de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, é assistencial, compatibiliza dentro de um regime previdenciário, a proteção social na velhice para os trabalhadores rurais que estavam expressamente excluídos do regime da Lei 3.807/1960, consoante inciso II do art. 3º, porquanto vinculados ao regime assistencial dos trabalhadores rurais - FUNRURAL- que não reclamava o recolhimento de contribuições, porém, em contrapartida, tinha contornos protetivos muito reduzidos. (...) A aposentadoria por idade do segurado especial é uma das preocupações das autoridades governamentais em matéria de previdência social, em face da suposta facilidade em requerer benefício sem que tenha havido de fato trabalho nesta condição. Por outro lado, os segurados especiais em atividade, por ocasião da Lei de Benefícios, em 24 de Julho de 1991, foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, de acordo com o art. 26, I e art. 39, I, da Lei 8.213/1991. No caso em exame, a parte autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 25 de maio de 2007, devendo, assim, comprovar 156 (cento e cinquenta e seis) meses de atividade rural, nos termos dos arts. 142 e 143 da Lei 8.213/1991, para obtenção do benefício. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-patrão. (...) O início de prova material do exercício de atividade rural nem sempre se refere ao período imediatamente anterior ao requerimento da aposentadoria rural por idade. E este entendimento restou sedimentado no julgamento do recurso representativo da controvérsia REsp 1.348.633/SP. Ademais, o fato de a autora ter trabalhado como empregada doméstica não descaracteriza sua condição de segurada especial, posto que exercido em períodos de entressafra. Neste ponto, a própria Lei 8.213/1991, em seu art. 48, § 2º c/c art. 12, § 13, da Lei 8.212/1991, garante o cômputo do período em que o trabalhador rural se encontre em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias. Ainda, o trabalho urbano exercido pelo cônjuge da ora recorrida junto à Prefeitura, por si só, não descaracteriza a condição de segurado especial da parte autora. Neste ponto, confira-se o Recurso Especial Repetitivo 1.304.479/SP. No caso em exame, a segurada completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 25 de maio de 2007, devendo, assim, comprovar, segundo tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, 156 (cento e cinquenta e seis) meses de atividade rural, para obtenção do benefício. A problemática do caso está no reconhecimento do benefício de aposentadoria por idade rural àquele segurado especial que nos moldes do art. 143 da Lei 8.213/1991 não mais trabalhava no campo no período em que completou a idade mínima, considerando que a Lei não especifica o que deve ser entendido como período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício. (...) Isto porque, afastando-se da atividade campesina antes do implemento da idade mínima para a aposentadoria, o segurado especial deixa de fazer jus ao benefício previsto no art. 48 da Lei 8.213/1991. Nesse tipo de benefício releva justamente a prestação do serviço agrícola às vésperas da aposentação ou, ao menos, em momento imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário, o que não aconteceu. Em verdade, é relevante o fato de a parte autora ter parado de trabalhar no campo antes de preencher o requisito etário. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade como rural, sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à aposentadoria rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. (...) A norma visa agraciar exclusivamente aqueles que se encontram, verdadeiramente, sob a regra de transição, isto é, trabalhando em atividade rural, quando do preenchimento da idade. (...) A regra, hoje, é assim: no dia em que o segurado especial completar a idade legal deverá ter preenchido o tempo de carência contido na tabela do art. 142 conjugado com o art. 143 da Lei 8.213/1991, para se aposentar. Por conseguinte, fica assentada a tese, para fins de recurso especial repetitivo de que, o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.” (g.n.). Confira-se, ainda, o relevante trecho do pronunciamento da Excelentíssima Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, ao proferir voto-vista na egrégia 1.ª Sessão do Colendo STJ, quando do julgamento desse RESP n.º 1.354.908/SP, acompanhando o relator, in verbis: “Concordo, assim, com o eminente Relator, quando concluiu que, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por idade, previsto no art. 143 da Lei 8.213/91, o beneficiário deve estar laborando no campo, quando implementar o requisito etário, quando poderá requerer o benefício. Faço, porém, uma observação: a interpretação literal do art. 143 da Lei 8.213/91 não pode excluir o direito daquele que, implementados, no exercício da atividade rural, ambos os requisitos para a aposentadoria por idade nele prevista, incorporou tal direito ao seu patrimônio, por força da regra geral do direito adquirido. Se, naquele momento em que implementados os requisitos para a aposentadoria por idade, o beneficiário deixa de requerê-la, poderá fazê-lo posteriormente, porquanto o exercício de um direito não se confunde com a sua aquisição, como advertem Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior: "Mais uma vez, uma interpretação literal de um preceito legal revela-se insuficiente para a compreensão global do enunciado normativo veiculado. Sem dúvida que estamos em face de uma regra cunhada para viger temporariamente, mas quando o preceito normativo dispõe que 'pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante quinze anos', ele deve ser compreendido como uma regra aplicável para o trabalhador rural que comprovar o exercício de atividade rural, pelo período necessário e imediatamente anterior ao implemento da idade, durante 15 anos, porquanto o exercício de um direito não se confunde com a sua aquisição". Aliás, esta é a conclusão que se extrai do julgamento da 3.ª Seção do STJ, na Petição 7.476/PR, quando registra que, "se ao alcançar a faixa etária exigida pelo art. 48, § 1º da Lei n. 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer atividade como rurícola sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à aposentação rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito" (DJe de 25/04/2011).” No caso em tela, a carência para o benefício ora vindicado abrange o interregno de 150 meses, tendo em vista que a parte autora completou a idade mínima em 01/04/2006. Constata-se que o início de prova material constante dos autos foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas, que foram unânimes ao afirmar que a apelante exerceu o labor campesino pelo período necessário para concessão do benefício. Em que pese ter ocorrido a separação do casal, em consonância com a orientação jurisprudencial supra, imperioso salientar que a autora ainda laborava no campo quando completou o requisito etário (em 2006). De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido. A aposentadoria corresponde ao valor de um salário mínimo mensal, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo, de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão. Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República. Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019. À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Quanto ao prequestionamento suscitado, saliente-se inexistir contrariedade alguma a legislação federal ou a dispositivos constitucionais. Posto isso, nego provimento à apelação. É o voto. AUDREY GASPARINI
Juiza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.