APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5361639-11.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DALVA MARIA DE ARAUJO GOMES
Advogados do(a) APELADO: LEILA MARA AFONSO BASTOS - SP431674-N, WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5361639-11.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DALVA MARIA DE ARAUJO GOMES Advogados do(a) APELADO: LEILA MARA AFONSO BASTOS - SP431674-N, WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo. O INSS apela, requerendo "a extinção do feito sem resolução de mérito, diante da carência de ação por ausência de interesse processual", ao argumento de que "a negativa por parte do INSS decorreu de fato imputável à própria requerente que não apresentou os documentos requeridos em âmbito administrativo." Com contrarrazões, na qual a autora requer a majoração da verba honorária, subiram os autos. É o relatório. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5361639-11.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DALVA MARIA DE ARAUJO GOMES Advogados do(a) APELADO: LEILA MARA AFONSO BASTOS - SP431674-N, WENDER DOMINGOS BATISTA - SP421286-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. Em conformidade com a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, "a profundidade do efeito devolutivo na apelação corresponde aos argumentos expostos para justificar o pedido ou a defesa, vale dizer, a causa de pedir ou o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, sempre dentro do limite da matéria impugnada, segundo preconizam os § 1.º e § 2.º do artigo 515 do CPC/1973 e os § 1º e § 2º do artigo 1.013 do CPC/2015" (EREsp n.º 970.708/BA, Relator Ministro JORGE MUSSI, Corte Especial, DJe de 20/10/2017). Na doutrina, sobreleva a anotação do ilustre Professor Daniel Amorim Assumpção Neves, in verbis: “Efeito devolutivo dos recursos: A dimensão horizontal da devolução é entendida pela melhor doutrina como a extensão da devolução, estabelecida pela matéria em relação à qual uma nova decisão é pedida, ou seja, pela extensão o recorrente determina o que pretende devolver ao tribunal, com a fixação derivando da concreta impugnação à matéria que é devolvida. Na dimensão vertical, entendida como sendo a profundidade da devolução, estabelece-se a devolução automática ao tribunal, dentro dos limites fixados pela extensão, de todas as alegações, fundamentos e questões referentes à matéria devolvida. Trata-se do material com o qual o órgão competente para o julgamento do recurso irá trabalhar para decidi-lo. No tocante à extensão da devolução, análise que deve ser feita em primeiro lugar, é determinada a devolução a partir da matéria impugnada pelo recorrente, podendo o recurso ser total ou parcial. É correto mencionar nesse momento os capítulos da decisão que geram sucumbência à parte, sendo dela a escolha de impugnar todos eles, devolvendo-os ao tribunal, ou impugnar somente alguns, limitando assim tal devolução. Trata-se de aplicação do dispositivo legal que consagra a máxima do direito romano tantum devolutum quantum appellatum. As previsões do art. 515, caput e §§ 1.º e 2.º, do CPC/1973, que tratam da profundidade do efeito devolutivo, são substancialmente mantidas pelo art. 1.013, caput e §§ 1.º e 2.º, do Novo CPC. Apenas especifica-se no § 1.º que a profundidade da devolução quanto a todas as questões suscitadas e discutidas, ainda que não tenham sido solucionadas, está limitada ao capítulo impugnado, ou seja, à extensão da devolução.” (Novo Código de Processo Civil: inovações, alterações e supressões comentadas/ Daniel Amorim Assumpção Neves – 5.ª edição, revista e atualizada – São Paulo: Editora Método, 2020, pags. 663/664). Esclareça-se que o apelo do INSS não se insurge contra o mérito da questão, o que não será analisado. Nas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária requer “a extinção do feito sem resolução de mérito, diante da carência de ação por ausência de interesse processual”, ao argumento de que a negativa por parte do INSS decorreu de fato imputável à própria requerente, que não apresentou os documentos requeridos em âmbito administrativo. Imperativo ressaltar que Ação é o direito de pedir ao Estado a prestação da atividade jurisdicional num caso concreto. Assim, o direito de agir se conexiona a um caso concreto, que se manifesta na pretensão que o autor formula e para a qual pede a tutela jurisdicional. O direito de ação se subordina a certas condições, em falta das quais quem o exercita será declarado carecedor, dispensando o órgão jurisdicional de decidir o mérito da pretensão. O interesse de agir, como uma das condições da ação, consubstancia-se na necessidade de se reclamar a atividade jurisdicional do Estado para que este tutele o direito subjetivo reclamado. Caracteriza-se pela utilidade/necessidade do provimento jurisdicional à satisfação do direito, ou seja, que a tutela seja hábil a realizar concretamente o bem da vida perseguido e que, sem a intervenção do Poder Judiciário, não se alcance a pacificação ou superação do conflito, dada a impossibilidade ou resistência dos sujeitos de direito material em obter o resultado almejado, pelas próprias forças, traduzidas em iniciativas de ações. A resistência reveladora da existência de lide não necessita ser ostensiva, veemente, palpável, basta que se evidencie a ausência de disposição ou de possibilidade ao atendimento à pretensão manifestada, inclusive através da inércia. Descabe condicionar o acesso ao Poder Judiciário a pedido administrativo, tendo em vista a garantia constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, nenhum obstáculo pode ser oposto ao exercício do direito de ação, nem mesmo pela lei, sendo amplo o acesso à jurisdição, como garantia conferida a todo cidadão, de atuação concreta do órgão incumbido da missão de “dizer o direito”, afastando-se o exercício arbitrário das próprias razões, até especialmente pelo Poder Público. A única exceção a tal preceito é trazida pela própria Carta Magna que, em seu artigo 217, §1.º, dispõe que “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça esportiva, regulada por lei”. Considerando ainda o julgado do Supremo Tribunal Federal no RE n.º 631.240/MG, de relatoria do Exmo. Ministro Roberto Barroso, em 03/09/2014, depreende-se que a Autarquia Federal, ao juntar defesa de mérito por meio da contestação, oferece resistência à pretensão do autor, qualificando o conflito de interesses entre as partes necessária à lide processual. Da análise dos autos, verifica-se que há comprovação do indeferimento pela Autarquia Previdenciária do requerimento formulado pela autora (em 11/12/2019) para concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91 (ID n.º 147477896- Pág. 01). Na peça contestatória, subscrita pelo Procurador Federal em 18/02/2020, o INSS requereu expressamente a improcedência do pedido, sustentando que “a autora não reúne os requisitos para tal” (ID n.º 147477901 - Págs. 01 a 06). Tal fato enseja o interesse de agir por parte da demandante, que teve sua pretensão sempre resistida pela autarquia. Tenha-se presente que as provas documentais constantes dos autos somadas aos depoimentos testemunhais (sistema de gravação audiovisual) formam um conjunto harmônico, apto a demonstrar que a parte autora exerceu atividades no campo no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário e em número de meses equivalente à carência do benefício. Oportuno mencionar o seguinte trecho do voto do Excelentíssimo Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, relator da Apelação Cível n.º 5026675-36.2018.4.03.9999/SP, ao apreciar hipótese semelhante à dos autos, in verbis: “Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão de aposentadoria rural por idade. (...) O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício a partir do requerimento administrativo (...). Inconformada, apelou a autarquia, alegando, em síntese: a falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo recente (...). Inicialmente, afasto a alegação da autarquia no sentido de ser necessário o prévio requerimento administrativo, tendo em vista que o INSS se insurgiu com relação ao mérito do pedido, caracterizando, portanto, o interesse de agir pela resistência à pretensão, conforme entendimento firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 631.240/MG. (...) O convencimento da verdade de um fato ou de uma determinada situação jurídica raramente decorre de uma circunstância isolada. Os indícios de prova material, singularmente considerados, talvez não fossem, por si sós, suficientes para formar a convicção. Nem tampouco as testemunhas provavelmente o seriam. Mas a conjugação de ambos os meios probatórios - todos juridicamente idôneos para formar a convicção do magistrado - torna inquestionável, no presente caso, a comprovação da atividade laborativa rural. (...) Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação”. (TRF3, ApCiv n.º 5026675-36.2018.4.03.9999/SP, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, 8.ª Turma, e - DJF3 Judicial de 16/08/2019-g.n.). No mesmo sentido: ApCiv n.º 5001180-58.2016.4.03.9999/MS, Rel. Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, 8.ª Turma, e - DJF3 Judicial de 09/04/2019; ApCiv n.º 5000946-42.2017.4.03.9999/MS, Rel. Desembargadora Federal TANIA REGINA MARANGONI, 8.ª Turma, e - DJF3 Judicial de 19/12/2017; ApCiv n.º 5000466-59.2020.4.03.9999/MS, Rel. Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, 8.ª Turma, e - DJF3 Judicial de 12/06/2020. Dessa forma, incabível a extinção do feito tal como requerido pela apelante. Por fim, não merece conhecimento o pedido formulado em contrarrazões, de majoração dos honorários sucumbenciais, tendo em vista a inadequação da via utilizada pela parte autora. Posto isso, não conheço do pedido formulado em contrarrazões e nego provimento à apelação. É o voto. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADORA RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO INDEFERIDO. CONTESTAÇÃO DE MÉRITO APRESENTADA PELO INSS. PRESENTE O INTERESSE DE AGIR. PEDIDO DE EXTINÇÃO DO FEITO QUE SE AFASTA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- O apelo do INSS não se insurge contra o mérito da questão, que não será analisado. Aplicação do princípio da devolutividade dos recursos ou tantum devolutum quantum appellatum.
- O direito de ação se subordina a certas condições, em falta das quais, quem o exercita será declarado carecedor, dispensando o órgão jurisdicional de decidir o mérito da pretensão. O interesse de agir, como uma das condições da ação, caracteriza-se pela utilidade/necessidade do provimento jurisdicional à satisfação do direito.
- Não se vislumbra, no presente caso, ausência de interesse processual a ensejar a extinção do processo. O INSS contestou o mérito da demanda, restando caracterizado o interesse de agir pela resistência à pretensão. Demonstrada a necessidade de buscar o Judiciário para a solução do conflito.
- Apelação do INSS improvida.