APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006791-50.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: GERCINO NOGUEIRA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDERSON DE CASTILHOS - MS13274-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006791-50.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: GERCINO NOGUEIRA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: EDERSON DE CASTILHOS - MS13274-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado. A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida, desde o requerimento administrativo. Sem contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006791-50.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: GERCINO NOGUEIRA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: EDERSON DE CASTILHOS - MS13274-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL) O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91. Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único). Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício. Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família. Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006. Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”. É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo. Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 18/12/2013, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses. Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se: - cópia da CTPS do autor, constando registros exclusivamente de trabalho rural (de 1977 a 2007); - cópia da ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatemi, constando filiação do autor desde 1987, consignando como forma vínculo agrícola: "lavrador", comprovando pagamento das respectivas mensalidades durante o período de carência do benefício vindicado; - certidão de casamento, celebrado em 28/06/2016, com JOANA FABIANA DA SILVA, no qual o requerente foi qualificado como “lavrador”; Ressalte-se que também foi juntada aos autos a cópia do comunicado da decisão administrativa do INSS, comprovando o indeferimento do benefício vindicado. Ao contrário do que afirma a Autarquia Previdenciária, o extrato do CNIS (ID n.º 146650883 - Pág. 40) não indica o exercício de qualquer atividade urbana pelo demandante e confirma os vínculos empregatícios rurais registrados na referida CTPS (ID n.º 146650883 - Págs. 09 a 11). Cumpre mencionar que a carteira de trabalho traz informação de que o autor teria trabalhado como "servente", como aduz a autarquia. Todavia, a função de "servente" anotada em sua CTPS é em uma madeireira, tendo sido comprovado que o requerente trabalhava em estabelecimento rural, no serviço braçal de carregar madeiras. Cabe lembrar que o art. 7.º da IN n.º 77/2015-INSS estabelece que "a caracterização do trabalho como urbano ou rural, para fins previdenciários, conforme disciplina inciso V do caput do art. 8º, depende da natureza das atividades efetivamente prestadas pelo empregado ou contribuinte individual e não do meio em que se inserem". Mesmo que assim não fosse, o interregno laborado na empresa madeireira ocorreu de 02/08/1976 a 28/09/1977 (antes do período de carência do benefício vindicado), não afastando o direito do apelante ao benefício vindicado. Insta salientar que há anotação, na referida carteira de trabalho, de vinculo empregatício exclusivamente rural do demandante no período de carência, a saber: na Fazenda Cachoeirinha, no município de Naviraí/MS, com cargo “trabalhador rural”, de 28/4/2007 a 14/06/2007. Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 03/12/2019 perante o MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Iguatemi-MS. Foi colhido o depoimento pessoal de GERCINO NOGUEIRA DOS SANTOS e das testemunhas arroladas pelo requerente. O áudio e vídeo de todos os depoimentos foram captados e gravados em arquivo na mídia. As testemunhas declararam que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural. Da oitiva das mídias constantes do link indicado pelo Juízo, é possível verificar que o autor, em seu depoimento pessoal, afirmou que reside na zona rural de Iguatemi/MS há 42 anos E que é natural de Minas Gerais. Esclareceu que, antes de morar na cidade de Iguatemi, o autor morou no Paraná, trabalhando na “terra roxa” e que depois foi trabalhar em morar no norte do Mato Grosso, indo morar em Iguatemi a partir de 1976; que depois disso não se mudou mais. Indagado pelo Juízo se “chegou a morar em alguma fazenda ou sítio”, respondeu: “Eu cheguei a morar na Chácara Sr Toninho Rossi, aqui perto da Lua Branca, há quatro km da cidade”; que isso foi a partir do ano de 2000; que mora há muitos anos naquela região. Questionado sobre em quais lugares trabalhou em atividades rurais o autor respondeu o que trabalhou na Fazenda do Sr. Luiz Passos por dois anos; depois, foi trabalhar e morar na referida Chácara Sr. Toninho Rossi, por mais ou menos três anos; que entre um emprego e outro, o autor fez vários serviços de empreita, fazendo cerca na roça, dentre outros serviços, recebendo por diária. Também trabalhou para o Sr. Dagmar, aplicando veneno e fazendo serviços na fazenda dele por uns seis meses; que faz serviços rurais para várias pessoas, carpindo nas propriedades. O autor afirmou que fez bastante empreita em diversas fazendas da região, mencionando os nomes: da Fazenda Água Azul, cortando lenha e aplicando veneno na lavoura e continuou fazendo diária em vários locais da área rural, tais como na Chácara do Capitão Rocha; que o demandante fica trabalhando de dia e pernoitando nas chácaras em que trabalha de segunda à sexta. Informou que volta para casa aos finais de semana, pois é casado e a esposa não trabalha, pois tem problema de saúde. Por sua vez, as testemunhas FERNANDO ROSSI e LUIZ SABATINE foram contundentes em dizer que conhecem o autor há mais de 30 anos e que este sempre laborou nas lides campestres, exemplificando com clareza tanto os lugares quanto as atividades desenvolvidas pelo requerente. Ambas disseram que até hoje, o Sr. Gercino faz algumas diárias e empreitas nos sítios da região, sempre em trabalhos rurais, notadamente no sitio do Sr. ANTÔNIO FLORISVAL ROSSI, também conhecido como “Toninho Rossi”, genitor da testemunha FERNANDO ROSSI. Diante dessas considerações, constata-se que, na presente hipótese, a prova testemunhal produzida favorece o pleito autoral, sendo coesa e harmônica no que tange à prestação do trabalho rural pelo interregno necessário à concessão do benefício requerido. É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar. E os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora. Esclareça-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. É dispensável que o início de prova material abranja todo o período de carência, contanto que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. Assim: "PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - PROVA TESTEMUNHAL CORROBORADA POR INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL. - A exigência legal para a comprovação da atividade laborativa rural resulta na prova testemunhal, corroborada por um início razoável de prova documental, ainda que constituída por dados do registro civil, certidão de casamento, ou qualquer documento que mereça fé pública. - No caso em exame, o autor apresentou certidão expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Paulo de Faria, Estado de São Paulo (fls. 17/20), que comprova a existência da "Fazenda Figueira", e que se harmoniza com os depoimentos testemunhais demonstrando o exercício da atividade rurícola do autor, sem registro e contemporâneo ao período que pretende ver reconhecido. - Precedentes desta Corte. - Recurso conhecido e desprovido." (REsp 422.095/SP, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 23/09/2002 – g.n.) De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido. A aposentadoria corresponde ao valor de um salário-mínimo mensal, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo, de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão. No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado (11/02/2017). Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República. Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019. Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência. À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão, em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC. Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido formulado, fixando os critérios dos consectários e determinando a incidência de verba honorária nos termos da fundamentação, supra. O benefício é de aposentadoria por idade de trabalhador rural, no valor de um salário-mínimo, com DIB em 11/02/2017. É o voto. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.