APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301780-64.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: MARIA APARECIDA RIBEIRO
Advogado do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301780-64.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: MARIA APARECIDA RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil, por entender insuficiente a prova material do labor rural. A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida. Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. AUDREY GASPARINI Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301780-64.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: MARIA APARECIDA RIBEIRO Advogado do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL) O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91. Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único). Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício. Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família. Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006. Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”. É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo. Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 20/07/2010, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 174 meses. A Autora afirma que sempre desenvolveu atividades de natureza agrícola, em propriedades rurais; que “iniciou a profissão rural à época juntamente com seus pais, desde a adolescência e depois de casada continuou a trabalhar juntamente com seu companheiro” (ID n.º 139158251 - Págs. 2/3). Sustenta que “a autora e sua família, sempre fizeram parte dos trabalhadores da zona rural, trabalhando em regime de economia familiar com o esforço em conjunto de todos para o cultivo de subsistência e em terras de terceiros” (ID n.º 139158251 - Págs. 2/3). Sustenta, outrossim, que seu companheiro também sempre foi trabalhador rural (lavrador), conforme consta da certidão nascimento dos filhos e da certidão de óbito. (ID n.º 139158251 - Págs. 2/3). Para demonstrar as alegações, juntou os seguintes documentos: - certidão de inteiro teor do nascimento da filha CLÁUDIA RIBEIRO GOMES, em 05/08/1979, no município de Toledo/SP, sendo que a profissão do pai (Sr. GILTON ALVES GOMES - companheiro da autora) consta como de “lavrador”; - cópia da certidão de nascimento da filha KÁTIA RIBEIRO GOMES, em 19/09/1980, no município de Toledo/SP, sendo que a profissão do pai (Sr. GILTON ALVES GOMES - companheiro da autora) consta como de “lavrador”; - cópia da certidão de nascimento da filha LUCIANA RIBEIRO GOMES, em 24/04/1982, no município de Toledo/SP, sendo que a profissão do pai (Sr. GILTON ALVES GOMES - companheiro da autora) consta como de “lavrador”; - cópia da certidão de nascimento do filho GILSON RIBEIRO GOMES, em 19/01/1984, no município de Toledo/SP, sendo que a profissão do pai (Sr. GILTON ALVES GOMES - companheiro da autora) consta como de “lavrador”; - cópia da certidão de óbito do Sr. GILTON ALVES GOMES (companheiro da autora) falecido em 28/12/1992, constando que a época era "lavrador" e que havia deixado os referidos filhos menores. - CTPS da requerente, sem registros de atividades em serviços rurais nem urbanos; - comprovante de que o benefício de aposentadoria por idade rural requerido pela autora (em 22/02/2018) foi indeferido na esfera administrativa. A consulta ao CNIS em nome do Sr. GILTON ALVES GOMES (falecido companheiro da autora) apresentada (ID n.º 139158367 - Pág. 1) indica apenas um breve vínculo de natureza urbana (de 01/03 a 26/04/1980), como empregado da EMPREITEIRA HIDRASERGE LTDA. O extrato do MPAS/DATAPREV em nome da autora (ID n.º 139158401 - Pág. 2 revela que houve a concessão judicial do benefício de aposentadoria por idade, com DIB em 06/05/2011, mas que o referido benefício foi cessado (ID n.º 139158401 - Pág. 3), tendo em vista a “revogação da tutela” concedida nos autos do processo judicial n.º 2800120110007535 (ID n.º 139158401 - Pág. 4). Diante da informação trazida aos autos, no sentido de que a autora já obteve a concessão do benefício ora vindicado e, em seguida, ocorreu a sua cessação, tudo por ordem judicial, o MM. Juízo a quo determinou o desarquivamento dos autos do processo n. º2800120110007535, para análise conjunta. Nota-se que a propositura da referida ação ocorreu em 29/04/2011 e teve por objeto a obtenção do benefício de aposentadoria por idade rural e que foi instruído com a certidão de óbito do companheiro da requerente, mas sem anexar a certidão de nascimento dos filhos (o que foi feito apenas nos presentes autos). Nos autos do processo n.º 2800120110007535, foi deferida a tutela antecipada, determinando ao INSS a implantação imediata do benefício vindicado, sob pena de multa diária. Em cumprimento à determinação do Juízo, a Autarquia Previdenciária providenciou a implantação do benefício, com DIB em 06/05/2011. Todavia, o INSS, irresignado, interpôs agravo de instrumento em face da mencionada decisão, com pedido de atribuição de efeito suspensivo. Remetidos os autos a este Tribunal, a MM. Desembargadora Federal LEIDE POLO proferiu decisão, subscrita eletronicamente em 02/08/2011, deferindo o efeito suspensivo e determinando a suspensão do referido benefício de aposentadoria por idade rural (ID n.º 139158453 - Pág. 49). Naqueles autos, em audiência de instrução e julgamento, foi colhido o depoimento pessoal da requerente. Em 01/10/2012, foi proferida sentença de improcedência do pedido, por insuficiência de provas do labor rural da autora (ID n.º 139158453 - Págs. 93 a 96). Não houve interposição de recurso de apelação e o processo foi arquivado após o trânsito em julgado na referida sentença. Em 22/02/2018, a demandante formulou novo requerimento administrativo, pleiteando o mesmo benefício. Em razão do indeferimento administrativo, propôs o presente feito, apresentando provas diferentes das anteriormente utilizadas, tais como as certidões de nascimento dos filhos e a certidão de óbito do companheiro. Feitas essas considerações, cabe destacar a existência de prova oral também no presente feito. A audiência foi realizada perante o MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Itariri, Estado de São Paulo. O áudio e vídeo de todos os depoimentos foram captados e gravados em arquivo na mídia. Da oitiva das mídias e conforme registrado pela magistrada sentenciante, é possível verificar que, em seu depoimento pessoal, a autora foi indagada pelo Juízo sobre “o que fazia para sobreviver durante toda a sua vida”. Respondeu que, “na maior parte do tempo, trabalhou passando e lavando roupa para terceiros e que também trabalhou vendendo roupas.” Ao ser questionada se “além disso, fazia mais alguma outra atividade para sobreviver”, respondeu que “não”. Mas, ao ser indagada se também trabalhou no campo, respondeu afirmativamente, dizendo que trabalhou muito tempo, que plantava verduras (alface, rúcula). Soube explicar como fazia para plantar as verduras. Afirmou que plantava e colhia verduras, mas não soube dizer por quanto trabalho trabalhou na roça. Disse que nunca teve empregados e atualmente planta verduras para consumo próprio, mas “se alguém aparece querendo comprar, vende também”. Ao ser indagada sobre os nomes dos clientes para quem vende os produtos cultivados, disse que eles não moram mais no local, mas soube informar alguns nomes dos antigos clientes: Isabel, Antônia, Joana, Silvana, mas que elas foram embora da localidade e não compram mais os produtos da requerente. Por fim, a depoente informou que nunca trabalhou na cidade. A testemunha SÔNIA RAMOS DA SILVA afirmou conhecer a autora há uns 17 anos. Ao ser indagada pelo Juízo sobre o que a autora fazia para sobreviver durante esses 17 anos em que a conhece, a depoente respondeu que (sic) “ela vendia roupas, fazia faxinas”. Ao ser questionada se “ela também planta alguma coisa para vender”, respondeu que “não”. Mas, acrescentou que “no ano passado, ela plantou e vendeu algumas verduras”. Mas, ao ser indagada se ela faz isso com frequência, a depoente respondeu que “não”. Perguntada se “a autora trabalhava na roça com o marido dela”, a depoente respondeu que “sim, ela trabalhava direto na roça com o marido dela, desde o tempo em que eles se ajuntaram e que ele era vivo e que isso já faz muito tempo.” Por sua vez, a testemunha MARIA DA GLÓRIA ROCHA disse que “não sabe o que a autora faz para sobreviver atualmente. Acho que ela faz uns bicos”. Perguntada se “a autora trabalhava na roça”, a depoente respondeu que sabe que há dez anos atrás ela tinha roça e a via plantar, pois eram vizinhas; que soube pela autora que, antigamente, ela trabalhava na roça com os pais. Indagada sobre se sabe que autora vendia verduras, respondeu que “acho que não, pois acho que ela trabalhava como caseira e não tinha clientes”. Por fim, a testemunha DEJAIR VIEIRA HEMMEL afirmou que conhece a autora há muitos anos, pois eram vizinhos e que pode afirmar que ela trabalhava na roça com o falecido companheiro GILTON e que ele também era lavrador; que eles tiveram filhos, mas que eles não trabalham na roça. Informou que, depois da morte do companheiro da autora, o depoente se mudou de perto deles, mas continuou morando em Toledo e soube que ela continuou a trabalhar na roça, mas sem poder fazer muito esforço. Afirmou que ela não tem funcionários e só tem ajuda de um neto e que já consumiu alimentos que ela cultivou (milho verde). Insta asseverar que o início de prova material encartado aos autos é bastante antigo e está exclusivamente no nome do falecido companheiro da autora, não tendo sido confirmado pela prova testemunhal, cujos depoimentos foram vagos e imprecisos, não esclarecendo detalhes sobre a atividade campesina da parte autora, apenas afirmando genericamente o labor rural. Dessa forma, embora a documentação juntada qualifique o falecido companheiro da autora como lavrador, não é suficiente esse início de prova material a corroborar o exercício da atividade rural, eis que o conjunto probatório é insuficiente para demonstrá-lo pelo prazo exigido em lei. Não se pode perder de vista que, à luz da legislação de regência, a autora deveria fazer prova do exercício de atividade rural por 174 meses, pois implementou o requisito etário em 20/07/2010. Ocorre que os depoimentos das testemunhas e da própria requerente revelam que Dona Maria Aparecida trabalhava “a maior parte do tempo vendendo roupas, passando e lavando roupa para terceiros”. Assim, deixou de comprovar o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido. Posto isso, nego provimento à apelação. É o voto. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADORA RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. TRABALHO RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- O juízo a quo julgou extinto o feito, sem resolução de mérito (CPC, art. 485, inciso IV), diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n.º 1.352.721/SP, por considerar ausente o início de prova material do exercício de labor campesino.
- Para a comprovação da atividade rurícola, mister a conjugação do início de prova material com prova testemunhal (art. 55, § 3.º, da Lei n.° 8.213/91, Súmula n.° 149 do STJ e REsp n.° 1.133.863/RN).
- A prova produzida nos autos, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Apelação da autora desprovida.