Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6083311-68.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DALGI DE FATIMA RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: SANDRA NOGUEIRA - SP147446-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6083311-68.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DALGI DE FATIMA RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: SANDRA NOGUEIRA - SP147446-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

­R E L A T Ó R I O

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.

A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida, desde o requerimento administrativo.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6083311-68.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: DALGI DE FATIMA RIBEIRO DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: SANDRA NOGUEIRA - SP147446-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

­V O T O

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)

O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.

Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).

Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.

Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.

Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).

Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.

Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.

Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.

Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.

É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”

"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

DO CASO DOS AUTOS

O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 13/05/2015, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.

A autora afirma que “desde antes de completar doze anos de idade até 31/10/1984 e de 01/01/1988 a 09/10/1992, trabalhou junto de seus pais e irmãos, e, após seu casamento, de 10/10/1992 a 31/12/2001 e 01/07/2014 até a presente data”

Sustenta que “possui mais de quinze anos de computo para o tempo de trabalho rural, e que sua única fonte de renda é a exploração da atividade agrícola”; que, em 16/03/2017, requereu administrativamente o benefício de aposentadoria rural, o qual foi indeferido”.

Para demonstrar as alegações, juntou diversos documentos. Tendo em vista que, no caso em tela, o trabalho rural exercido pela demandante é subdividido em duas fases, os documentos serão analisados em ordem cronológica.

1.ª Fase: alega ter trabalhado junto de seus pais e irmãos, na propriedade do seu genitor (Sr. FRANCISCO RIBEIRO), a saber: “Chácara São Francisco”, localizada na Vila São Luiz, em Porangaba-SP:

- cópia da escritura, comprovando a aquisição de propriedade rural da família, a saber: “Chácara São Francisco”, localizada na Vila São Luiz, em Porangaba-SP, em nome do genitor da requerente (Sr. FRANCISCO RIBEIRO) no ano de 1965;

- cópias de notas de crédito rural em nome do genitor da requerente (Sr. FRANCISCO RIBEIRO) de 1984 a 1987;

- cópia da CTPS da requerente, emitida em 04/05/1984, sem registro de vínculo empregatício rural ou urbano;

- cópias de declarações de vacinação de gado, emitidas em nome do Sr. FRANCISCO RIBEIRO (pai da autora), nos anos de 1987, 1989, 1990, 1991 e 1992.

2.ª Fase: alega ter trabalhado ao lado do marido, na propriedade do seu cônjuge (Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA), a saber: no “Sítio Boa Vista”, localizado no “Bairro dos Cariocas”, parte integrante da zona rural de Porangaba/SP

- certidão do cartório de Imóveis constando que, em 12/02/1982, o Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (qualificado como “lavrador”) adquiriu, a título de doação de seus genitores, a propriedade rural denominada “Sítio Boa Vista”, localizado no “Bairro dos Cariocas”, parte integrante da zona rural de Porangaba/SP;

- certidão de casamento, celebrado em 10/10/1992, com FRANCISCO MANUEL DA SILVA, em Porangaba, sem a qualificação dos nubentes;

- cópia dos Certificados de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, emitidos em nome do Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (esposo da autora), relativamente à propriedade rural denominada “Sítio Boa Vista”, durante todo o período de carência do benefício vindicado;

- cópias de declarações de vacinação de gado, emitidas em nome do Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (esposo da autora), no período de 1991 a 2002, de 2004 a 2006 e em 2007;

- diversas notas fiscais em nome emitidas em nome do Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (esposo da autora) e da própria requerente, nos anos de 1993 em diante, abrangendo o período de carência do benefício vindicado;

- cópia da “DECLARAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL n.º 08/2016”, com base na Instrução Normativa n.º 45/PRES/INSS, subscrita pela requerente e pelo Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porangaba, em 28/04/2016, de que a autora é trabalhadora rural (lavradora), em regime de economia familiar”, no “Sítio Boa Vista”, desde 10/10/1992 (ocasião do seu casamento com FRANCISCO MANUEL DA SILVA) sem auxílio de empregados.

O referido documento registra que o Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (esposo da autora) adquiriu o referido sítio, no qual trabalha com a demandante, em regime de economia familiar.

A mencionada declaração descreve os seguintes produtos cultivados no referido imóvel rural: “arroz, feijão, horta (verduras em geral), pomar, milho, mandioca, cana, abóbora, batata doce, napiê e amendoim”, para consumo na propriedade, além da criação de “frango caipira, porco, gado, carneiro” e da produção de leite.

Também há registro de que anteriormente ao casamento, a demandante exerceu o labor campesino na propriedade do seu genitor (Sr. FRANCISCO RIBEIRO), a saber: “Chácara São Francisco”, localizada na Vila São Luiz, em Porangaba-SP.

Ressalte-se que também foi juntada aos autos a cópia do comunicado da decisão administrativa do INSS, comprovando o indeferimento do benefício vindicado.

Cumpre mencionar que o art. 11, inciso VII, alínea “a”, item 1 da Lei de Benefícios dispõe que segurado especial é “a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais” (g.n.).

Os documentos constantes dos presentes autos comprovam que a requerente e o seu cônjuge exploram atividade rural na aludida propriedade da família. Imperioso ressaltar que a jurisprudência admite a extensão da condição à esposa, no pressuposto de que o trabalho desenvolvido pela mulher, diante da situação peculiarmente difícil no campo, se dê em auxílio a seu cônjuge, visando aumento de renda para obter melhores condições de sobrevivência.

E é de sabença comum que, vivendo na zona rural, a família trabalha em mútua colaboração, reforçando a capacidade laborativa, de modo a alcançar superiores resultados, retirando da terra o seu sustento.

Nesse sentido, julgado da 8.ª Turma deste E. Tribunal, do qual se extrai:

“PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL SUFICIENTES. REQUISITOS SATISFEITOS. PERÍODO DE CARÊNCIA CUMPRIDO. DESNECESSIDADE DE CONTRIBUIÇÕES.

- Início de prova escrita corroborada pela prova testemunhal justifica o reconhecimento do exercício de atividade rural para efeito de aposentadoria por idade.

- Documentos de identificação da autora, nascida em 11.06.1961.

- Certidão de nascimento da autora em 11.06.1961, qualificando o pai e a mãe como lavradores.

- Certidão de casamento em 24.09.1990, qualificando o marido como lavrador.

- Certidão de nascimento do filho em 29.12.1982, qualificando o pai como agricultor. Anotado o óbito em 22.03.2005.

- Certidão de óbito do filho em 22.03.2005, qualificando o pai como lavrador.

- Certidões de nascimento dos outros filhos em 03.08.1991 e 14.09.1992, qualificando o marido como lavrador.

- CTPS do marido da autora, constando vínculos em atividade rural, nos períodos de 16.01.2002 a 17.11.2009, e a partir de 02.08.2010 (sem data de saída).

- Comunicado do indeferimento do pedido de aposentadoria por idade, segurado especial, formulado na via administrativa em 13.06.2016.

- A Autarquia juntou consulta efetuada ao sistema Dataprev, não constando vínculos empregatícios da autora, e que recebe pensão por morte desde 28.09.2005, ramo atividade comerciário. Em nome do marido da autora, consta que requereu aposentadoria rural por idade, que foi indeferida. Também trouxe a inicial de ação judicial da autora pleiteando pensão por morte do filho.

- As testemunhas conhecem a autora há muito tempo e confirmam seu labor rural.

- A orientação pretoriana é no sentido de que a qualificação de lavrador do marido, constante de certidão emitida pelo registro civil, é extensível à esposa, constituindo-se em início razoável de prova material da sua atividade rural.

- A autora juntou início de prova material de sua condição de lavradora, o que corroborado pelo depoimento das testemunhas, que são firmes em confirmar que sempre trabalhou no campo, justifica a concessão do benefício pleiteado.

- Não há qualquer notícia no sistema DATAPREV, que tenha desenvolvido atividade urbana.

- A autora apresentou registros cíveis que qualificam o marido como lavrador, e é possível estender à autora a condição de lavrador do marido, bem como dos testemunhos que confirmam seu labor no campo, comprovam a atividade rural pelo período de carência legalmente exigido.

- A autora trabalhou no campo, por mais de 15 anos. É o que mostra o exame da prova produzida. Completou 55 anos em 2016, tendo, portanto, atendido às exigências legais quanto à carência, segundo o art. 142 da Lei nº 8.213/91, por prazo superior a 180 meses.

- O termo inicial deve ser mantido na data da comunicação do indeferimento administrativo em 17.08.2016, conforme fixado na sentença. Entendimento de que o termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo (13.06.2016), pois representa o momento em que a Autarquia tomou conhecimento do pleito, não é possível no caso, pois não houve insurgência da parte autora.

- Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado.

- Nas ações de natureza previdenciária, a verba deve ser fixada em 10% do valor da condenação, até a sentença (Súmula nº 111 do STJ).

- Apelação do INSS parcialmente provida.”

(TRF3, AC 5038619-35.2018.4.03.9999, Rel. Des. Fed. DIVA MALERBI, 8.ª Turma, j. 07/05/2019).

Ressalte-se que parte da prova documental carreada aos presentes autos também está em nome da autora (e não apenas de seu cônjuge). À guisa de exemplo, podemos citar a existência de notas fiscais emitidas em nome da requerente, comprovando a venda de gado e referentes aos anos de 2001 a 2017 (dentro da carência do benefício vindicado).

À luz das informações contidas no extrato do CNIS da autora, há registro de que a requerente efetuou diversos recolhimentos como contribuinte Individual e facultativa. Tenha-se presente que tais recolhimentos constantes da consulta ao CNIS tiveram por fim preservar a qualidade de segurada da requerente, não impedindo a concessão do benefício ora pleiteado.

Esclareça-se que o art. 39, II, da Lei n.º 8.213/91 autoriza o segurado especial a realizar recolhimentos previdenciários, na condição de segurado facultativo, o que não afasta a sua condição de trabalhador rural (9.ª Turma: APELAÇÃO CÍVEL / SP 5651025-05.2019.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS – eDJF3 Judicial 02/03/2020; APELAÇÃO CÍVEL / SP 5002327-30.2017.4.03.6105 – Relator: Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS – eDJF3 Judicial 12/07/2019).

Ao contrário do alega a Autarquia Ré na peça contestatória, o antigo registro da atividade de “costureira de roupa de couro e pele” perante o INSS em 01/01/1984 (ID 98371374 - Pág. 2) não impede a concessão do benefício vindicado, pois trata-se de registro antigo (anterior à carência, que, no caso em tela, abrange o interregno compreendido entre 2000 e 2015).

Mesmo que assim não fosse, não se pode perder de vista que o inciso VII  do  § 8o do art. 9.º do Decreto n.º 3048/1999 assim estabelece, in verbis:

“Art. 9º - São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:

(....)   VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:            (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

 a) produtor, seja ele proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:            (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

(...)  § 8o  Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:            (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

(...)  VII - atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que, nesse caso, a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da previdência social; e  (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008). – (g.n.)”

Saliente-se que a Lei n.º 12.873/2013 trouxe nova redação ao art. 12 da Lei n.º 8.212/1991, a fim de ampliar o enquadramento do segurado especial. Confira-se:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(...) VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:             

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

§ 1.º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.  

(...) § 7.º Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.   

§ 8.º O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput deste artigo, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença.  

§ 9.º Não descaracteriza a condição de segurado especial: 

I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;  

III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado, em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar;  

IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo; 

V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 desta Lei; e

VI - a associação em cooperativa agropecuária ou de crédito rural; e  

VII - a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 14 deste artigo.

§ 10.  Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:   

II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 9o deste artigo;  

III - exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 deste artigo;

IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;

V – exercício de mandato de vereador do município onde desenvolve a atividade rural, ou de dirigente de cooperativa rural constituída exclusivamente por segurados especiais, observado o disposto no § 13 deste artigo;

VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 9o deste artigo; 

VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social” (g.n.)

Quanto à alegação do INSS, na peça contestatória, de que o sistema PLENUS indica que a profissão da autora consta como sendo “comerciária” nos períodos em que recebeu o benefício de auxílio-doença (ID 98371374 - Pág. 4), não há respaldo algum na prova constante dos autos de que a autora tenha sido comerciária.

Ressalte-se que nunca houve registro em carteira de trabalho da demandante e a consulta atualizada ao CNIS não revela nenhum vínculo avulso ou a abertura de empresa ou sociedade em nome da requerente. Além disso, há comprovação de que a autora formalizou pedido ao INSS, solicitando a alteração do código de recolhimento, tendo afirmado que “nunca trabalhou como empregada doméstica”.

Interessante observar que consta dos autos a cópia da entrevista rural da demandante perante o INSS em 16/03/2017.

 Merece destaque o fato de que no referido documento, subscrito por servidora da autarquia previdenciária qualificada como “Técnica do Seguro Social”, há indicação de que a autora é trabalhadora rural (lavradora), em regime de economia familiar, no “Sítio Boa Vista”, sem auxílio de empregados. Também há registro dos seguintes produtos cultivados no referido imóvel rural: “milho, mandioca, feijão", além da criação de “frango, porco, carneiro e gado leiteiro; que são "tirados sete litros por dia de leite" para o consumo da família, sendo que o excedente é vendido para auxiliar no sustento da casa bem como que o Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA (esposo da autora) é aposentado (ramo de atividade: rural).

Nesse aspecto, o Enunciado n.º 188 FONAJEF:O benefício concedido ao segurado especial, administrativamente ou judicialmente, configura início de prova material válida para posterior concessão aos demais integrantes do núcleo familiar, assim como ao próprio beneficiário” (Aprovado no XIV FONAJEF).

Cabe salientar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 12/06/2019 perante o MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Porangaba, Estado de São Paulo. O áudio e vídeo de todos os depoimentos foram captados e gravados em arquivo na mídia. As testemunhas declararam que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural.

Da oitiva das mídias constantes dos autos, é possível verificar que a testemunha CLAUDIO BARROS DA SILVA afirmou que conhece a autora desde 1990, quando Dona DALGI ainda era solteira.

Informou que, na ocasião da audiência, a autora estava casada. Explicou que, desde que conhece Dona DALGI, ela sempre trabalhou na roça; que ela trabalha para ela, para o marido dela e para a família, no sítio deles; que eles plantam para o consumo da própria família e que eles não têm empregados.

Ao ser indagado pelo Juízo, o depoente informou que Dona DALGI não tem trator nem colhedeira agrícola. Ao ser perguntado se autora tem outra fonte de renda o depoente respondeu que “não”. Questionado se “Dona DALGI já trabalhou na cidade”, o depoente respondeu que “não” e também esclareceu que sempre havia Dona DALGI trabalhando exclusivamente na propriedade de sua família. Informou, ainda, que antes de se casar, a autora trabalhava na roça com o pai dela, no sítio do genitor da requerente e que o depoente sempre a via trabalhando na lavoura da família, sempre fazendo as mesmas coisas, isto é, sempre exercendo o labor rural.

Por sua vez, a testemunha JOÃO FRANCISCO DE MIRANDA afirmou que conhece a autora desde 12 anos. Ao ser indagado pelo Juízo, o depoente informou que Dona DALGI é casada com o Sr. FRANCISCO MANUEL DA SILVA. Explicou que, desde que conhece Dona DALGI, ela sempre trabalhou na roça; que, antes de se casar, a requerente trabalhava na lavoura do pai dela, com a família.

Esclareceu que, depois que Dona DALGI se casou, ela só mudou de sítio, mas continuou fazendo as mesmas atividades, sempre exercendo o labor rural. Ao ser perguntado se o marido da autora também trabalhava na roça, o depoente respondeu que “sim”. Também informou que o casal (Dona DALGI e Sr. FRANCISCO) tiveram dois filhos e que permaneceram morando na roça até hoje. Ao ser perguntado se autora tem outra fonte de renda, o depoente respondeu que “não”. Explicou que eles não têm empregados e que a propriedade da família é pequena, pois tem apenas dois alqueires e que o sítio do genitor da requerente também era pequeno, com mais ou menos cinco alqueires.

Por fim, a testemunha TEREZA GOMES DA SILVA afirmou que conhece a autora há mais de 40 anos. Ao ser perguntada sobre qual era a atividade da autora, a depoente respondeu que, na ocasião em que a requerente era mais nova, ela trabalhava na roça, na lavoura do pai dela. Depois, ela se casou e passou a trabalhar com o marido dela, também na roça e que Dona DALGI trabalha no sítio com o marido até hoje.

Ao ser indagada, a depoente informou que explicou que eles trabalham sem ajuda de empregados (nem na época em que a autora trabalhava no sítio do pai dela nem no sítio no qual trabalha com o marido). Explicou que Dona DALGI trabalha na roça com o marido dela; que eles plantam para o consumo da própria família. Ao ser perguntada se autora tem outra fonte de renda, a depoente respondeu que “não”. Ao ser indagada sobre o tamanho da propriedade da família, a depoente informou que “a propriedade da família deve ter uns dois alqueires” que não se recorda com precisão o tamanho do sítio do pai da Dona DALGI, mas que, pelo que lembra, o imóvel rural tinha “mais ou menos uns cinco alqueires”.

Diante dessas considerações, constata-se que, na presente hipótese, a prova testemunhal produzida favorece o pleito autoral, sendo coesa e harmônica no que tange à prestação do trabalho rural pelo interregno necessário à concessão do benefício requerido.

Esclareça-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.

É dispensável que o início de prova material abranja todo o período de carência, contanto que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. Assim:

"PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - PROVA TESTEMUNHAL CORROBORADA POR INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL.

- A exigência legal para a comprovação da atividade laborativa rural resulta na prova testemunhal, corroborada por um início razoável de prova documental, ainda que constituída por dados do registro civil, certidão de casamento, ou qualquer documento que mereça fé pública.

- No caso em exame, o autor apresentou certidão expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Paulo de Faria, Estado de São Paulo (fls. 17/20), que comprova a existência da "Fazenda Figueira", e que se harmoniza com os depoimentos testemunhais demonstrando o exercício da atividade rurícola do autor, sem registro e contemporâneo ao período que pretende ver reconhecido.

- Precedentes desta Corte.

- Recurso conhecido e desprovido."

(REsp 422.095/SP, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 23/09/2002 – g.n.)

De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido.

A aposentadoria corresponde ao valor de um salário-mínimo mensal, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo, de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.

No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado (16/03/2017).

Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República.

Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.

Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.

À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal.

Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão, em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC.

Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido formulado, fixando os critérios dos consectários e determinando a incidência de verba honorária nos termos da fundamentação, supra.

O benefício é de aposentadoria por idade de trabalhadora rural, no valor de um salário-mínimo, com DIB em 16/03/2017.

É o voto.

 

AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADORA RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.

- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.

- Reconhecimento da procedência do pedido formulado


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.