APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5816731-40.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: ABIGAIL ROSA BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO MACHADO FERREIRA - SP68133-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5816731-40.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: ABIGAIL ROSA BATISTA Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO MACHADO FERREIRA - SP68133-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado. A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida. Sem contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5816731-40.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: ABIGAIL ROSA BATISTA Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO MACHADO FERREIRA - SP68133-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL) O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91. Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único). Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício. Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família. Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006. Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”. É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo. Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 13/08/2009, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 168 meses. A autora afirma que “desde muito jovem, trabalha na roça”; que “seu primeiro registro em carteira de trabalho ocorreu em 1984, quando tinha apenas 20 anos de idade, no entanto já trabalhava na lavoura com seus pais, como era de costume e já sabido que em tal época, que a família necessitava de ajuda de seus filhos ainda menores para conseguir melhores condições de vida, aumentando sua renda, com a prestação de serviço de seus filhos na lavoura.” (ID n.º 75649014 - Pág. 2). Sustenta que, com seu casamento (em 1994), “passou a ajudar seu marido, que também é trabalhador rural.” Argumenta que, "desde 02/02/2004, trabalha e mora na mesma propriedade rural, denominada Sitio Primavera"; que “o marido trabalha na lavoura e outras funções rurais, como empregado rural de Arlindo Pereira e a requerente, por sua vez, planta hortaliças em geral, cuida/cria galinhas, porcos, nessa propriedade, tanto para consumo próprio, e para pequeno comércio com vizinhos de sítios e amigos da cidade, trabalho este caracterizado como de economia familiar.” (ID n.º 75649014 - Pág. 2). Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se: - cópia da certidão de casamento, celebrado em 30/12/1994 com GEDEON RODRIGUES BATISTA, qualificando-o como "pastor evangélico" e a requerente como "do lar" (ID n.º 75649017 - Pág. 2); - comprovação de que o requerimento administrativo foi apresentado ao INSS em 18/04/2018 e indeferido na mesma data (ID n.º 75649019 - Pág. 2); - declaração do Sr. ARLINDO PEREIRA, no sentido de que a autora e o marido moram em sua propriedade rural ("Sitio" denominado "Primavera") há 14 anos, na cidade de Orlândia - SP (ID n.º 75649033 - Pág. 1). Ressalte-se que a referida declaração não pode ser considerada como início de prova documental, equivalendo a simples depoimento unilateral reduzido a termo e não submetido ao crivo do contraditório. Portanto, está em patamar inferior à prova testemunhal colhida em juízo, porquanto não garantida a bilateralidade de audiência. O documento, ainda, é extemporâneo à época dos fatos – foi emitido em 18/04/2018 – data de entrada do requerimento administrativo, o que sugere ter sido produzido apenas com o intuito de instruí-lo. Tenha-se presente que a Consulta ao CNIS da autora (ID n.º 75649045 - Págs. 1 e 2) revela apenas três vínculos empregatícios, a saber: - de 24/04/1984 a 07/12/1984, com a empregadora “AGROPECUÁRIA SANTA CATARINA S/A”; - de 24/06/1986 a 23/12/1986, com a empregadora “AGROPECUÁRIA ANELVIÁRIO S/A”; - de 01/09/1987 a 14/11/1987, com a empregadora “SERGEL SERVIÇOS AGRÍCOLAS GERAIS E TRANSPORTES LTDA”. Diante dessas considerações, o último registro da requerente como trabalhadora rural foi em 1987 (há mais de 30 anos). Cabe destacar a existência de depoimento pessoal e de prova oral. A audiência foi realizada no dia 13/11/2018 perante o MM. Juízo da 2.ª Vara da Comarca de Orlândia, Estado de São Paulo (ID n.º 75649104 - Pág. 1). Embora não haja transcrição dos depoimentos nos autos, da oitiva das mídias constantes do processo no Sistema PJe (ID’s n.ºs 106413839 a 106413854), é possível verificar que a autora afirmou trabalhar “desde os dez anos de idade na roça, sem registro”; que “tem carteira de trabalho com poucos registros, mas todos com vínculos rurais”; que “vai fazer 15 anos que reside no ‘Sítio Primavera’ com a família”; que lá trabalha, “plantando mandioca, milho, batata, criando porco e galinha”; que antes de morar nessa propriedade, sempre exerceu trabalho rural, colhendo café, cana-de açúcar, soja e todo o tipo de serviço rural. Apesar de os testemunhos colhidos – do Sr. SEBASTIÃO CARLOS DOS SANTOS e do Sr. MANOEL SILVÉRIO DO NASCIMENTO (ambos qualificados como lavradores) terem afirmado a atividade rurícola da autora, são insuficientes para, por si só, comprovar o labor no período exigido em lei. Interessante observar que as testemunhas afirmaram que a autora e o marido cultivam e vendem o resultado do trabalho produzido no campo. Também na exordial, a autora esclarece trabalhar “em hortifrutigranjeiros, tanto para consumo próprio, tanto para pequeno comércio para consumo dos particulares.” (ID n.º 75649014 - Pág. 3). Causa espécie que não tenha sido juntado aos autos nenhum documento comprobatório desse fato, nos termos do art. 47 da Instrução Normativa INSS n.º 77/2015, a qual dispõe que a comprovação do exercício de atividade rural pode ser feita mediante a apresentação de um dos seguintes documentos: “(...) IV - bloco de notas do produtor rural; V - notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o §24 do art. 225 do RPS, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; VI - documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;" Conforme registrado pelo magistrado sentenciante: "a autora alcançou os cinquenta e cinco anos em 13/08/2009 (fls. 13) e nenhum documento contemporâneo a esse período indica o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos termos exigidos em lei para a concessão do benefício postulado” (ID n.º 75649113 - Pág. 03). Importante ressaltar que a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n.º 1.352.721/SP, em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou posição na linha de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício. Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado: "DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido." De rigor, portanto, a extinção do processo tal como decidido pelo STJ no REsp n.º 1.352.721/SP, porquanto ausente o início de prova material do exercício de atividade rural. Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça. Posto isso, de ofício, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV e § 3.º, do CPC, restando prejudicada a análise do recurso de apelação. É o voto.
AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO N.º 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- Ausente o início de prova material do exercício de labor campesino, a extinção do feito, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso IV), impõe-se de rigor diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n.º 1.352.721/SP.