Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5379224-76.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: DEVAIR PINHEIRO DE MIRANDA

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL ALMEIDA MARQUES - SP306935-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5379224-76.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: DEVAIR PINHEIRO DE MIRANDA

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL ALMEIDA MARQUES - SP306935-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.

A r. sentença (id 149604023) julgou improcedente o pedido, condenando o Autor ao pagamento de custas, despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a justiça gratuita.

Em suas razões de apelação (id 149604027) argui o Autor a nulidade da r. sentença, por violação à ampla defesa e ao contraditório, diante do impedimento de produção de prova testemunhal. No mérito, requer a procedência do pedido, por entender preenchidos os requisitos necessários para a concessão dos benefícios.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5379224-76.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN

APELANTE: DEVAIR PINHEIRO DE MIRANDA

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL ALMEIDA MARQUES - SP306935-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

V O T O

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria objeto de devolução.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. SENTENÇA

Inicialmente, muito embora o objeto da causa verse sobre matéria de direito e de fato, "in casu", prescinde de novas provas, uma vez que existem provas material e pericial suficientes para o deslinde da causa, não se configurando hipótese de cerceamento de defesa ou de qualquer outra violação de ordem constitucional ou legal.

Da análise do laudo pericial produzido nos autos, verifico que o mesmo fora conduzido de maneira adequada, tendo o expert oferecido resposta às indagações propostas, dispensando qualquer outra complementação.

Vale ressaltar que o perito é médico devidamente registrado no respectivo Conselho de Classe (CRM), presumindo-se detenha ele conhecimentos gerais da área de atuação, suficientes ao exame e produção da prova determinada, independentemente da especialidade que tenha seguido.

Ademais, a prova testemunhal não constitui meio hábil à comprovação do alegado, a qual deve ser produzida mediante realização de prova técnica, qual seja, a perícia médica conduzida por profissional devidamente habilitado, como exigido pela legislação aplicável ao caso em apreço, conforme realizada na presente demanda.

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO DOENÇA

No mérito, a cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.

A Lei nº 8.213/91 preconiza, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência e a condição de segurado.

Independe, porém, de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social, for acometido das doenças relacionadas no art. 151 da Lei de Benefícios.

Cumpre salientar que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social não impede a concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade tenha decorrido de progressão ou agravamento da moléstia.

Acerca da matéria, há de se observar o disposto na seguinte ementa:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO NÃO COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE PREEXISTENTE. REFILIAÇÃO.

1- Não é devida a aposentadoria por invalidez à parte Autora que não cumpriu a carência, bem como não demonstrou a manutenção da qualidade de segurado no momento em sobreveio a incapacidade para o trabalho.

2- Incapacidade constatada em perícia médica realizada pelo INSS no procedimento administrativo originado do requerimento de auxílio-doença.

3- Ainda que se considerasse a refiliação da Autora à Previdência pelo período necessário de 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido, esta se deu posteriormente à sua incapacidade.

4- A doença preexistente não legitima o deferimento de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, à exceção de quando a incapacidade laborativa resulte progressão ou agravamento do mal incapacitante.

5- A Autora quando reingressou no sistema previdenciário, logrando cumprir a carência exigida e recuperando sua qualidade de segurada, já era portadora da doença e da incapacidade, o que impede a concessão do benefício pretendido, segundo vedação expressa do art. 42, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

6- Apelação da parte Autora improvida. Sentença mantida."

(TRF3, 9a Turma, AC nº 2005.03.99.032325-7, Des. Fed. Rel. Santos Neves, DJU de 13/12/2007, p. 614).

É certo que o art. 43, §1º, da Lei de Benefícios disciplina que a concessão da aposentadoria depende da comprovação da incapacidade total e definitiva mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. O entendimento jurisprudencial, no entanto, firmou-se no sentido de que também gera direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, atestada por perícia médica, a qual inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, tornando inviável a sua readaptação. Tal entendimento traduz, da melhor forma, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

É que, para efeitos previdenciários, basta a incapacidade permanente que impeça o exercício da atividade laborativa nos moldes ditados pelo mercado de trabalho, evidenciando, dessa forma, padecer o periciando de incapacidade total.

Nesse sentido, destaco acórdão desta Turma:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS: PREENCHIMENTO. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ AO LAUDO PERICIAL. INVIABILIDADE DE EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES HABITUAIS E DE READAPTAÇÃO A OUTRAS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO.

(...)

II - O laudo pericial concluiu pela incapacidade parcial da autora. Porém, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, devendo valer-se de outros elementos para a formação de sua convicção. No caso, corretamente considerada a falta de condições da autora para exercer suas funções habituais de cozinheira, em razão de tenossinovite no punho e problemas de coluna, que levaram-na a perder as forças das mãos, bem como sua idade avançada e as dificuldades financeiras e físicas para exercer outra profissão ou aprender novo ofício. Mantida a sentença que deferiu o benefício da aposentadoria por invalidez à autora.

(...)

IV - Apelações improvidas."

(9a Turma, AC nº 1997.03.007667-0, Des. Fed. Rel. Marisa Santos, v.u., DJU de 04.09.2003, p. 327).

É necessário, também, para a concessão da aposentadoria por invalidez o preenchimento do requisito da qualidade de segurado. Mantém essa qualidade aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber:

"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo."

É de se observar, ainda, que o §1º do supracitado artigo prorroga por 24 meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 meses.

Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério de Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 meses.

Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no §4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade do direito pretendido.

O benefício de auxílio-doença, por sua vez, é devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 contribuições mensais e for considerado temporariamente incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos e possuir a condição de segurado (arts. 59 a 63 da Lei de Benefícios).

Cumpre salientar, ainda, que o benefício acima referido é um minus em relação à aposentadoria por invalidez, a qual sendo concedida não gera cumulação, mas sim cessação daquele.

DO CASO DOS AUTOS

O laudo da perícia médica (id 149603951, complementado a id 149603984 e a id 149604010), de 17.04.2019, concluiu que o Autor, que refere não poder trabalhar, “pois sente muita dor no corpo”, é portador de “Cirrose hepática alcoólica, K70.3”, entretanto, não há incapacidade laborativa.

Verifico que o experto informou que o Autor compareceu ao exame com “boa apresentação, bem vestido, boa higiene, colaborativo... linguagem expressa em palavras ordenadas... fala audível, livre, bem articulada, compreensível... pensamento coerente... atenção e concentração compatíveis com a situação... bem orientado no tempo e espaço... discurso fluente e centrado na realidade... funções cognitivas normais... não apresenta déficit das memórias recente e nem tardia... sem sinais de angústia e ansiedade... afetividade e humor conservados... não apresenta limitações que o impeçam de cuidar de si mesmo, não necessita de ajuda para realizar as tarefas cotidianas nem supervisão dos seus atos e pode ter vida autônoma”.

             O Autor informou ao senhor perito que “não bebe: parou há 5 anos”.

            Diante do relatado no laudo pericial, em que pese a moléstia de que padece o Autor ter sido acarretada pelo alcoolismo (cirrose hepática alcoólica), não há comprovação nos autos de que o mesmo esteja acometido, na atualidade, daquela enfermidade, visto que o próprio requerente informa não fazer uso de bebida alcoólica há cinco anos, bem como diante do relato do senhor perito que traz aspecto descritivo pessoal do periciado incompatível com tal alegação.

É o que se extrai das respostas trazidas pelo senhor perito aos quesitos suplementares formulados pelo Autor:

3 - No item 5 dos quesitos do requerente, o senhor Perito o conclui que ‘ele pode trabalhar desde que pare de beber’. Caso o requerente seja ainda alcóolatra, este fato o torna incapacitado de exercer suas atividades laborais?

R – A cirrose definida pelos relatórios médicos é alcoólica e isto já foi definido no laudo. É desnecessário perguntar. Além disto, os exames apresentados não evidenciam comprometimento hepático significativo.

4 - O senhor Perito notou odor etílico no requerente, no dia do exame pericial?

R – Não.”

Portanto, à evidência, em virtude da enfermidade que acomete o Autor ter sido originada pelo consumo anterior de bebida alcoólica, o senhor perito mencionou que o requerente “pode continuar a desempenhar as atividades laborativas de motorista desde que se abstenha do álcool”, contudo, não há diagnóstico de alcoolismo atual e consequente incapacidade laborativa.

Apesar do juiz não estar adstrito às conclusões ou informações de tais documentos, não há como aplicar o preceito contido no art. 479 do Código de Processo Civil/2015, à míngua de informações que conduzam à convicção da incapacidade laboral da postulante.

Saliento que a mera existência de moléstias, acompanhamento médico e eventual uso de medicamentos não se traduzem, necessariamente, em incapacidade.

No que concerne especificamente ao laudo pericial, transcrevo, por oportuno, lição de De Plácido e Silva:

"Embora peça de relevância no processo judicial, não está o juiz adstrito às conclusões ou informações do laudo, desde que tenha suas razões para o julgar longe da verdade ou incongruente em face de outras provas. Mas, quando se trate de questões técnicas, e não possua o julgador outros elementos probatórios do fato ou dos fatos constantes do laudo e nele evidenciados, não deve o juiz desprezá-lo ou se afastar de suas conclusões. Somente motivos fortes e ponderáveis, em tal caso, poderiam anular uma prova parcial de tal natureza."

(Vocabulário Jurídico. 22ª ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 819).

Para exaurimento da matéria trago a colação o seguinte julgado:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORATIVA.

(...)

3 - A prova pericial acostada aos autos revela que as doenças diagnosticadas não causam na apelante qualquer incapacidade para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

4 - Não preenchidos os requisitos legais para obtenção dos benefícios de aposentadoria por invalidez nem de auxílio-doença, correta a sentença que os indeferiu.

5 - Agravos retidos não conhecidos e recurso improvido."

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AC n.º 2002.03.99.026865-8, Des. Fed. Rel. Marisa Santos, v.u., DJU de 04.02.2003, p. 486).

Desta feita, para obter aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, é requisito indispensável a incapacidade laborativa, a qual não restou comprovada nos autos, não fazendo jus aos benefícios postulados.

Por derradeiro, em razão da sucumbência recursal majoro em 100% os honorários fixados em sentença, observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, ficando suspensa a sua exigibilidade, por se tratar a parte autora de beneficiária da justiça gratuita, em observância ao disposto no art. 98, § 3º do CPC.

Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento à apelação do Autor, observados os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada.

É o voto.



E M E N T A

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- Muito embora o objeto da causa verse sobre matéria de direito e de fato, in casu", prescinde de novas provas, uma vez que existem provas material e pericial suficientes para o deslinde da causa, não se configurando hipótese de cerceamento de defesa ou de qualquer outra violação de ordem constitucional ou legal.

- Ademais, a prova testemunhal não constitui meio hábil à comprovação do alegado, a qual deve ser produzida mediante realização de prova técnica, qual seja, a perícia médica conduzida por profissional devidamente habilitado, como exigido pela legislação aplicável ao caso em apreço, conforme realizada na presente demanda.

- É certo que o art. 43, §1º, da Lei de Benefícios disciplina que a concessão da aposentadoria depende da comprovação da incapacidade total e definitiva mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. O entendimento jurisprudencial, no entanto, firmou-se no sentido de que também gera direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, atestada por perícia médica, a qual inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, tornando inviável a sua readaptação. Tal entendimento traduz, da melhor forma, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

- Ausentes os requisitos indispensáveis à concessão do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, quais sejam, a comprovação da incapacidade laborativa, da carência e da qualidade de segurado, o pedido é improcedente.

- Honorários advocatícios majorados tendo em vista a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11, do artigo 85 do CPC/15, ficando suspensa a sua exigibilidade, por se tratar a parte autora de beneficiária da justiça gratuita, em observância ao disposto no art. 98, § 3º do CPC.

- Matéria preliminar rejeitada.

- Apelação improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.