APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368420-49.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANDRE VALDOMIRO SENE BOHME
Advogado do(a) APELADO: GESLER LEITAO - SP201023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368420-49.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ANDRE VALDOMIRO SENE BOHME Advogado do(a) APELADO: GESLER LEITAO - SP201023-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez ou a concessão de auxílio-doença, sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se a autarquia previdenciária a conceder o benefício de auxílio-doença, desde a data da cessação da aposentadoria por invalidez (23/05/2018), sendo devido até que a parte autora esteja totalmente reabilitada ou, caso isso não ocorra, até a conversão em aposentadoria por invalidez, bem como a pagar os valores em atraso com correção monetária e juros de mora, além de despesas processuais e honorários advocatícios, fixados no percentual médio previsto nos incisos do § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, incidentes sobre o valor da condenação a ser apurado em liquidação, observando-se a Súmula 111 do STJ. Foi confirmada a tutela antecipada concedida. A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário. Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, em razão da ausência do preenchimento dos requisitos necessários para concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a fixação do termo inicial do auxílio-doença na data do laudo pericial, a suspensão do benefício nos períodos em que houver registro de trabalho no CNIS, e que a cessação do benefício não seja condicionada à reabilitação profissional. Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368420-49.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ANDRE VALDOMIRO SENE BOHME Advogado do(a) APELADO: GESLER LEITAO - SP201023-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação do INSS, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo. Os requisitos para a concessão do benefício de auxílio-doença, de acordo com o artigo 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91 são os que se seguem: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento da carência, quando for o caso; 3) incapacidade temporária para o exercício das atividades profissionais habituais, bem como incapacidade que, embora permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que garanta o seu sustento e 4) não serem a doença ou a lesão existentes antes da filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento daquelas. A qualidade de segurado da parte autora e o cumprimento da carência prevista no inciso I do artigo 25 da Lei nº 8.213/91 restaram comprovadas, uma vez que ela esteve em gozo de aposentadoria por invalidez, benefício este que lhe foi concedido e cessado administrativamente em 23/05/2018 (Id 148437261 - Pág. 1), com mensalidades de recuperação até 23/11/2019 (Id 148437260 - Pág. 1). Dessa forma, estes requisitos foram reconhecidos pela autarquia por ocasião da concessão do benefício. Proposta a ação em 14/02/2019, não há falar em perda da qualidade de segurado, uma vez que da data da cessação da aposentadoria por invalidez até a data da propositura da presente demanda não se ultrapassou o período de graça previsto no artigo 15, inciso II, da Lei n.º 8.213/91. Por outro lado, para a solução da lide, ainda, é de substancial importância a prova técnica produzida. Neste passo, a incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência foi atestada pelo laudo pericial realizado (Id 148437287). De acordo com referido laudo, o autor está incapacitado de forma total e temporária para o trabalho. Assim, preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença à parte autora. O termo inicial do benefício deve ser mantido no dia imediatamente posterior à cessação da aposentadoria por invalidez anteriormente concedida à parte autora (23/05/2018 - Id 148437261 - Pág. 1), uma vez que o conjunto probatório existente nos autos revela que o mal de que ela é portadora não cessou desde então, não tendo sido recuperada a capacidade laborativa, devendo ser descontados eventuais valores pagos administrativamente. Assim, preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença à parte autora. Tem-se que, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.213/91, in verbis: Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. § 1º. O benefício a que se refere o caput deste artigo será mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez. (...) Verifica-se, entretanto que, tendo em vista a natureza da doença de que padece a demandante e o tipo de atividade laboral que realiza, bem como as observações do perito judicial, o caso em questão enquadra-se dentre aqueles suscetíveis de eventual recuperação para a atividade habitual e que, portanto, dispensariam a submissão a processo de reabilitação profissional, conforme prerrogativa do caput do referido art. 62. Confira-se, a esse respeito, o seguinte julgado desta Corte: PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA NÃO SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. LIMITES RECURSAIS. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. REABILITAÇÃO NÃO OBRIGATORIEDADE. ARTS. 62 E 101, LEI 8.213/91. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1 - Ante a não submissão da sentença à remessa necessária, a discussão na presente esfera deve-se ater aos limites estabelecidos no referido recurso, o qual versou tão somente sobre o obrigatoriedade de se manter o autor em reabilitação, até que esteja apto para retornar ao mercado de trabalho. 2 - A necessidade de reabilitação só tem vez quando o segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a constatação, haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação profissional, nos exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. 3 - Uma vez concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme previsão expressa contida no art. 101 da mesma Lei. 4 - Assim, resta evidente a desnecessidade de o autor ser submetido a procedimento reabilitatório, a menos que configurada sua incapacidade definitiva para o trabalho habitual e na hipótese de ser apto a desenvolver outra profissão, podendo o benefício ser cancelado, caso constatado o restabelecimento da sua capacidade para àquela atividade, mediante perícia administrativa, antes mesmo de qualquer procedimento reabilitatório; ou ainda, sendo indicada a reabilitação, se, no curso desta, o autor recuperar sua aptidão para sua profissão ou estar qualificado para outra, o benefício e a própria reabilitação poderão ser encerrados. 5 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento. 6 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 7 - Apelação do INSS parcialmente provida. Sentença reformada em parte. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0017549-18.2016.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 18/05/2020, Intimação via sistema DATA: 22/05/2020, g.n.) Nos termos dos artigos 101 da Lei n. 8.213/1991 e 71 da Lei 8.212/91, o benefício de auxílio-doença tem caráter temporário, de modo que a autarquia previdenciária não está impedida de reavaliar em exame médico as condições laborais do segurado. Cumpre ressaltar, contudo, que a não obrigatoriedade de submissão do segurado a processo de reabilitação não afasta o fato de que o benefício somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação médica periódica. Nesse sentido, a jurisprudência do E. STJ: "PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTERAÇÃO DO REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL PELO DECRETO 5.844/2006. CRIAÇÃO DA DENOMINADA "ALTA PROGRAMADA". ILEGALIDADE. CONTRARIEDADE AO ART. 62 DA LEI 8.213/1991. 1. O acórdão recorrido está no mesmo sentido da compreensão do STJ de que a inserção da chamada "alta programada" para auxílio-doença concedido pelo INSS pelo art. 78, §§ 1º a 3º, do Decreto 3.048/1999 (mediante modificação operada pelo Decreto 5.844/2006) é ilegal, pois contraria o art. 62 da Lei 8.213/1991. A propósito: REsp 1.717.405/PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 17.12.2018; AgInt no AREsp 968.191/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.10.2017; AgInt no REsp 1.546.769/MT, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 3.10.2017; AgInt no AREsp 1.049.440/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.6.2017. 2. Recurso Especial não provido" (RESP - 1597725. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. J. 25/06/2019. DJE DATA:01/07/2019.) PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. CESSAÇÃO DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de que é incompatível com a lei previdenciária a adoção, em casos desse jaez, do procedimento da "alta programada", uma vez que fere o direito subjetivo do segurado de ver sua capacidade laborativa aferida através do meio idôneo a tal fim, que é a perícia médica. 2. De fato, revela-se incabível que o Instituto preveja, por mero prognóstico, em que data o segurado está apto para retornar ao trabalho, sem avaliar efetivamente o estado de saúde em que se encontra, tendo em vista que tal prognóstico pode não corresponder à evolução da doença, o que não é difícil de acontecer em casos mais complexos, como é o versado nos autos. Precedentes: REsp 1.291.075/CE, Relatora Ministra Regina Helena Costa, DJe 18/2/2014; REsp 1.544.417/MT, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 19/8/2015; REsp 1.563.601-MG, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 30/6/2016. 3. Recurso Especial não provido (RESP - 1737688. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. J. 23/11/2018. DJE DATA:23/11/2018.) Quanto à pretensão de exclusão das prestações devidas do benefício no período em que a parte autora exerceu atividade laborativa ou recolheu contribuições previdenciárias, observa-se que não restou comprovado o exercício de atividade remunerada, conforme extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS juntado aos autos (ID 148437304 - Pág. 1). De qualquer forma, o C. Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo 1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”, conforme ementa a seguir transcrita: Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para afastar a obrigatoriedade de inclusão da parte autora em processo de reabilitação profissional, ressaltando, contudo, que o benefício somente poderá ser cessado após a realização de nova perícia médica que comprove a recuperação do segurado, nos termos da fundamentação. É o voto.
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício."
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei 8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade.
11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. § 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas." 12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
Assim, são devidas as prestações do benefício no período de eventual exercício de atividade remunerada, uma vez que o fato de o segurado ter continuado a trabalhar, mesmo após o surgimento da doença, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. NÃO OBRIGATORIEDADE. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO CONDICIONADA À RECUPERAÇÃO DO SEGURADO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. DESCONTOS INCABÍVEIS.
- Comprovada a incapacidade total e temporária para o trabalho, bem como presentes os demais requisitos previstos nos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença.
- Com efeito, tendo em vista que a incapacidade da parte autora, apurada na perícia realizada em Juízo é total e temporária, não há que se falar em reabilitação, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.213/91, pois esta apenas é necessária nos casos em que for insuscetível de recuperação para o exercício de sua atividade habitual, o que não é o caso.
- Cumpre ressaltar, contudo, que a não obrigatoriedade de submissão a processo de reabilitação não afasta o fato de que o benefício somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação médica periódica.
- O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo 1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
- Assim, são devidas as prestações do benefício no período de exercício de eventual atividade remunerada, uma vez que o fato de segurado ter continuado a trabalhar, mesmo após o surgimento da doença, apenas demonstra que se submeteu a maior sofrimento físico para poder sobreviver.
- Apelação do INSS parcialmente provida.