APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004174-93.2010.4.03.6301
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO GABRIEL DE MELO
CURADOR: MANOEL GABRIEL DE MELO
Advogados do(a) APELADO: SUZANA BARRETO DE MIRANDA - SP240079-A, YARA DE ARAUJO DE MALTES - SP142271-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004174-93.2010.4.03.6301 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: PAULO GABRIEL DE MELO Advogados do(a) APELADO: SUZANA BARRETO DE MIRANDA - SP240079-A, YARA DE ARAUJO DE MALTES - SP142271-A, OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença ou a concessão de aposentadoria por invalidez, sobreveio sentença de parcial procedência do pedido, condenando-se a autarquia previdenciária a conceder a aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação do benefício anterior (15/10/2006), bem como ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do requerimento administrativo (09/09/2013), com correção monetária e juros de mora, e de honorários advocatícios cujos percentuais serão definidos por ocasião da liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se a Súmula 111 do STJ. Foi ratificada a tutela antecipada anteriormente concedida, revogando-se, entretanto, a concessão do adicional de 25% sobre o valor do benefício. A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário. A autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença, a fim de que seja suspenso o pagamento das parcelas em atraso nos meses em que o segurado verteu contribuições ao Regime Geral da Previdência Social; seja autorizada a compensação dos valores indevidamente recebidos pelo autor a título de tutela antecipada, relativos ao acréscimo de 25% sobre o benefício; bem como que a correção monetária incida nos termos da Lei nº 11.960/2009. Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal. Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso, no tocante ao critério de cálculo da correção monetária. É o relatório.
CURADOR: MANOEL GABRIEL DE MELO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004174-93.2010.4.03.6301 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: PAULO GABRIEL DE MELO Advogados do(a) APELADO: SUZANA BARRETO DE MIRANDA - SP240079-A, YARA DE ARAUJO DE MALTES - SP142271-A, OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação do INSS, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo. Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, de acordo com o artigo 42, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, são os que seguem: 1) qualidade de segurado; 2) cumprimento da carência, quando for o caso; 3) incapacidade insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência; 4) não serem a doença ou a lesão existentes antes da filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de agravamento daquelas. Enquanto que, de acordo com os artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, o benefício de auxílio-doença é devido ao segurado que fica incapacitado temporariamente para o exercício de suas atividades profissionais habituais, bem como àquele cuja incapacidade, embora permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que garanta o seu sustento. A qualidade de segurado da parte autora e o cumprimento da carência prevista no inciso I do artigo 25 da Lei nº 8.213/91 restaram comprovadas, uma vez que ela esteve em gozo de auxílio-doença, benefício este que lhe foi concedido e cessado administrativamente, até 15/10/2006 (Id 8216084 - Pág. 13). Ainda que a presente ação tenha sido ajuizada em 02/02/2010, posteriormente ao "período de graça" disposto no artigo 15, II, da Lei nº 8.213/91, não há falar em perda da condição de segurado, uma vez que se verifica do conjunto probatório carreado aos autos, especialmente da perícia realizada em Juízo (Id's 8216082 - Pág. 29/34 e 8216092 - Pág. 2/10), que a parte autora continuou incapacitada para o trabalho após a cessação do benefício. Logo, em decorrência do agravamento de seus males, a parte autora deixou de trabalhar, tendo sido a sua incapacidade devidamente apurada em Juízo. Note-se que a perda da qualidade de segurado somente se verifica quando o desligamento da Previdência Social é voluntário, não determinado por motivos alheios à vontade do segurado, consoante iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplo a ementa de julgado a seguir transcrita: ''PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. Para a solução da lide, ainda, é de substancial importância a prova técnica produzida. Neste passo, foram realizados dois laudos, o primeiro em junho/2010 (Id 8216082 - Pág. 29/34) e o segundo em julho/2015 (Id 8216092 - Pág. 2/10), sendo que em ambos ficou atestado que o autor, portador de esquizofrenia residual crônica, encontra-se total e permanentemente incapacitado para qualquer atividade laborativa. Ressalte-se que no curso do processo, o demandante foi interditado, encontrando-se representado por curador (Id 8216088 - Pág. 29). Diante do quadro relatado pelo perito judicial e considerando as condições pessoais do autor, tornam-se praticamente nulas as chances de ele se inserir novamente no mercado de trabalho, não havendo falar em possibilidade de reabilitação. Assim, uma vez preenchidos os requisitos legais, faz jus a parte autora à concessão da aposentadoria por invalidez, nos termos da r. sentença. Em consulta ao sistema CNIS, verifica-se que após a cessação do benefício de auxílio-doença em 15/10/2006, foram realizados recolhimentos como contribuinte individual entre dezembro/2006 e dezembro/2008 e contribuinte facultativo entre dezembro/2009 e maio/2010. Tem-se que no caso de concessão de benefício por incapacidade, o recolhimento de contribuições previdenciárias como contribuinte individual/facultativo não é sempre indicativo de exercício de atividade laborativa, implica, muita vezes, na necessidade de contribuir para a manutenção da qualidade de segurado e não significa obrigatoriamente retorno ao trabalho. Além disso, o C. Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo 1786590/SP e 1788700/SP, Ministro HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”, conforme ementa a seguir transcrita: “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA Não há falar, dessa forma, em desconto dos valores do benefício recebidos nos períodos em que o demandante efetuou recolhimentos ao RGPS como contribuinte individual ou facultativo. No tocante à devolução dos valores recebidos a título de tutela antecipada, relativos ao acréscimo de 25% sobre o valor do benefício, não desconhece esta Relatora que a matéria em discussão ("devolução dos valores recebidos pelo litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada" -Tema 692 - STJ) foi objeto dos Recursos Especiais representativos de controvérsia nºs 1.734.627/SP, 1.734.641/SP, 1.734.647/SP, 1.734.656/SP, 1.734.685/SP e 1.734.698/SP, encontrando-se, ainda, pendente de proposta de revisão de tese por meio da (controvérsia 51), perante o E. Superior Tribunal de Justiça. Todavia, em que pese o julgamento da matéria pelo E. STJ é certo que o C. Supremo Tribunal Federal, em julgamentos posteriores, em que se discutiu a necessidade de devolução de parcelas remuneratória (natureza alimentar), ainda que não exclusivas para as relações entre segurado e INSS, julgou no sentido da desnecessidade da restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Nesse sentido: (STF, ARE 734242 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015; STF, MS 25921 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 01-04-2016 PUBLIC 04-04-2016; MS 25430, Relator Min. EROS GRAU, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 11-05-2016 PUBLIC 12-05-2016; RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015; STF , MS 26085, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107 divulg 12-06-2008 public 13-06-2008 ement vol-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-01165). Outrossim, em 18/06/2019, foi sancionada a Lei 13.846 (conversão da MP 871/2019), que, dentre outras disposições, alterou a Lei 8.213/91. Das alterações, destaca-se a nova redação do artigo 115, verbis: "Art. 115. Podem ser descontados os benefícios: (...) II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; Ocorre que, no caso dos autos, a tutela antecipada foi concedida em 2010 (Id 8216084 - Pág. 26), antes da vigência da alteração legislativa supra referida. Neste passo, é cediço que nas relações previdenciárias se aplica o princípio do tempus regit actum, ou seja, aplica-se a lei vigente à época dos fatos, de forma que inaplicável a legislação superveniente aos fatos ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a garantia de irretroatividade da lei, prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da CF. Acresce relevar, ainda, o que dispõe o artigo 24 da LINDB, acrescentado pela Lei 13.655/18: "Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Tal disposição reforça a regra constitucional que veda a retroatividade da lei. Interpretar uma norma é determinar o seu sentido e alcance, em respeito ao princípio da segurança jurídica, projetando seus efeitos para o futuro. Em decorrência, considerando que à época dos fatos vigorava o entendimento consolidado pelo C. STF, no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, bem como ao entendimento pacífico da E. 10ª. Turma desta Corte, é defeso à Autarquia exigir a devolução de valores já pagos. Ademais, não se mostra razoável impor ao segurado a obrigação de devolver a verba que recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força provisória. Assim, ante a natureza alimentar do acréscimo concedido ao autor, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família, além do que, não consta dos autos elementos capazes de afastar a presunção de que os valores não foram recebidos de boa-fé pela parte autora. Por fim, considerando que não houve declaração de inconstitucionalidade de nenhum dos dispositivos legais suscitados, mas tão-somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável à espécie, não há falar em violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal. No tocante à correção monetária, o Plenário do C. STF, em sessão do dia 20/09/2017, concluiu o julgamento do RE 870.947, em que se discutem os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública. Foram definidas duas teses sobre a matéria: A primeira, referente aos juros moratórios, diz: "O artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009." A segunda, referente à atualização monetária: "O artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina." Depreende-se, assim, que no tocante à correção monetária, foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O índice de correção monetária adotado, pelo C. STF, foi o índice de preços ao consumidor amplo especial - IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra. Posteriormente, em 24/09/2018, o Ministro LUIZ FUX deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais e INSS, com fundamento no artigo 1.026, § 1º, do CPC/2015 c/c o artigo 21, V, do RISTF e, o Plenário, em sessão do dia 03/10/2019, por maioria, rejeitou todos os embargos de declaração e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida, mantendo a aplicação do IPCA-E em correção monetária desde 2009. O trânsito em julgado ocorreu em 31 de março de 2020. Portanto, a correção monetária será aplicada de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, contudo, deve ser observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, nos termos da fundamentação. É o voto.
CURADOR: MANOEL GABRIEL DE MELO
1. Não perde a qualidade de segurado o trabalhador que, por motivo de doença, deixa de recolher as contribuições previdenciárias.
2. Precedente do Tribunal.
3. Recurso não conhecido'' (REsp nº 134212-SP, j. 25/08/98, Relator Ministro ANSELMO SANTIAGO, DJ 13/10/1998, p. 193).
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício."
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei 8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade.
11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. § 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas." 12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
(...)".
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público".
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES COMO CONTRIBUINTE FACULTATIVO/INDIVIDUAL. DESCONTOS INCABÍVEIS. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ, POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE REVOGADA. IMPOSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA.
- Comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, bem como presentes os demais requisitos previstos nos artigos 42, caput e §2º da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
- O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
- Não há falar, dessa forma, em desconto dos valores do benefício recebidos nos períodos em que o demandante efetuou recolhimentos ao RGPS como contribuinte individual ou facultativo.
- Não se desconhece que a questão da devolução dos valores recebidos por força de tutela antecipada foi decidida pelo Eg. STJ, em 10/2015, em sede de recurso repetitivo, REsp 1.401.560/ MT.
- Contudo, o C. Supremo Tribunal Federal, em decisões posteriores, assentou no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes.
- O artigo 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/19, autoriza o desconto nos casos de pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento.
- Na hipótese dos autos, a tutela antecipada e a posterior reforma da decisão ocorreram antes da vigência da alteração legislativa (Lei 13.846/2019).
- Nas relações previdenciárias se aplica o princípio do tempus regit actum, ou seja, aplica-se a lei vigente à época dos fatos, de forma que, inaplicável a legislação superveniente aos fatos ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a garantia de irretroatividade da lei, prevista no artigo 5º., inciso XXXVI, da CF.
- Considerando que à época dos fatos, vigorava o entendimento consolidado pelo C. STF, no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, bem como ao entendimento pacífico da E. 10ª. Turma desta Corte, é defeso a Autarquia exigir a devolução de valores já pagos.
- Não há falar em violação a cláusula de reserva de plenário, vez que não houve declaração de inconstitucionalidade de lei, mas somente a interpretação à luz do direito infraconstitucional aplicável à espécie.
- A correção monetária será aplicada de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, contudo, deve ser observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
- Apelação do INSS não provida.