Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001415-78.2018.4.03.6111

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, A.L.B. DA FONSECA - EPP, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO DE CASTRO E SILVA - SP241224-A

APELADO: A.L.B. DA FONSECA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO DE CASTRO E SILVA - SP241224-A
Advogado do(a) APELADO: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001415-78.2018.4.03.6111

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, A.L.B. DA FONSECA - EPP, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO DE CASTRO E SILVA - SP241224-A

APELADO: A.L.B. DA FONSECA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO DE CASTRO E SILVA - SP241224-A
Advogado do(a) APELADO: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):

 

Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada proposta pelo Ministério Público Federal em face de corrés ALB da Fonseca EPP, R.P.4 Distribuidora de Medicamentos Ltda, RAP Aparecida – Comércio de Medicamentos Ltda, ARP Farma Comércio de Medicamentos Ltda - ME, Cirúrgica Olímpio Ltda - EPP, Valinpharma Comércio e Representações Ltda e Delmar Comércio de Medicamentos Ltda – EPP.

 

Objetiva o Parquet a condenação das corrés na obrigação de fazer, consistente em efetuar prontamente a venda de medicamentos aos órgãos públicos dos entes federados com a incidência do Coeficiente de Adequação de Preço – CAP (ou outro que o venha a substituir) aplicado ao Preço de Fábrica ou Preço Fábrica – PF (resultando no Preço Máximo de Venda ao Governo – PMVG), conforme hipóteses, determinações e orientações da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, salvo caso fortuito ou força maior devidamente comprovado, e, nas demais conjecturas, tenha por limite máximo o Preço de Fábrica – PF, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais); bem como que sejam obrigadas a indicarem seus dados cadastrais/contatos às Secretarias Estaduais de Saúde e aos Departamentos Regionais de Saúde, atualizando-os, com o fim de possibilitar que os órgãos estaduais contatem-nas com maior rapidez para atender à aquisição urgente de medicamentos.

 

Pleiteia, por consequência, que as corrés sejam condenadas no ressarcimento ao erário dos valores que receberam indevidamente em decorrência da não incidência do PMVG ou PF, acrescido de juros e correção monetária, além do pagamento de multa não inferior a 200 (duzentas) vezes o valor da UFIR.

 

Por fim, requer o pagamento de indenização por danos morais coletivos na importância mínima de R$20.000,00 (vinte mil reais) em benefício ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD).

 

A liminar foi parcialmente deferida (fls. 73, ID. 7683440 – f. 63) para determinar, na esfera territorial do Sistema Único de Saúde competente ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP, que as corrés “nas hipóteses de compra de medicamentos para cumprimento de decisão judicial, havendo procedimento licitatório ou dispensa deste, forneçam imediatamente os medicamentos, salvo indisponibilidade de estoque, observando o Preço Máximo de Venda ao Governo – PMVG, ou seja, com a incidência do desconto mínimo denominado Coeficiente de Adequação de Preço – CAP (ou outro que o venha a substituir), em todas as hipóteses previstas nos atos normativos e orientativos da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED (ou eventual órgão que venha a lhe suceder) e, nas hipóteses em que não for cabível a aplicação do CAP, seja observado o Preço de Fábrica – PF, conforme definido na Orientação Interpretativa nº2, de 13/11/2006”, com fixação de multa diária no valor de R$1.000,00 (mil reais), em caso de descumprimento.

 

A corré Cirúrgica Olímpio Ltda – EPP interpôs Agravo de Instrumento (fls. 73, ID. 7683440 – f. 150), sendo negado o efeito suspensivo ao recurso (fls. 77 – ID. 7683444 – f.80).

 

Foi deferido o ingresso da União na condição de assistente litisconsorcial do autor e decretada à revelia da corré ARP Farma Comércio de Medicamentos LTDA – ME (fls. 77, ID. 768344 – f. 83).

 

A r. sentença (fls. 78, ID. 7683445 – f. 9) julgou parcialmente procedente o pedido para condenar as corrés:

i. “em obrigação de fazer, para que, sempre que pretenderem contratar com o Poder Público, objetivando o fornecimento de medicamentos, observem o PMVG, nas hipóteses em que prevista a aplicação do CAP, ou o Preço Fábrica (PF), quando não cabível a utilização do CAP”; e

ii. “no ressarcimento ao erário (Governo do Estado de São Paulo – Departamento Regional de Saúde de Marília) dos valores que receberam indevidamente pela não observância do PMVG, a serem apurados na fase de liquidação”, acrescidos de correção monetária e juros de mora.

 

Foi ratificada a decisão que antecipou os efeitos da tutela, com a retificação da aplicação da multa pelo descumprimento, passando a incidir por evento, mantido o valor de R$1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da multa imposta à corré ALB da Fonseca – ME, a qual descumpriu a determinação liminar.

 

Houve a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência devidos pela União e pelas corrés a serem fixados na fase de liquidação do julgado.

 

Sentença sujeita ao reexame necessário.

 

O Agravo de Instrumento restou prejudicado diante da decisão de mérito (fls. 79, ID. 7683446 – f. 13).

 

O Ministério Público Federal e a União interpuseram recursos de apelação, pleiteando a condenação das corrés no pagamento de indenização pelos danos morais coletivos (fls. 78, ID. 7683445 - f. 44 e fls. 79, ID. 7683446 – f. 113, respectivamente).

 

A corré Delmed Comércio de Medicamentos LTDA – EPP apelou, requerendo a improcedência da demanda, aduzindo, em síntese, a inconstitucionalidade na delegação de competência para estabelecer critérios para fixação de margens de comercialização de medicamentos pelas distribuidoras à CMED na lei nº 10.472/2003, além da ofensa ao princípio constitucional da legalidade. Prequestionou a matéria.

 

A corré RAP Aparecida – Comércio de Medicamentos Ltda recorreu, sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação e pelo cerceamento de defesa, ante a ausência de prova pericial e oitiva de testemunhas, além da ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal. No mérito, defende a inexistência de improbidade administrativa, por ausência de dolo ou má-fé, não podendo ser responsabilizada pelo desconhecimento da incidência do CAP, vez que a Secretaria Regional de Saúde de Marília não o informou nos ofícios quando da solicitação de compra de medicamentos. Por fim, assegura que não existiu prejuízo as cofres públicos, uma vez que não auferiu lucros ou vantagem ilícita, devendo a ação ser julgada improcedente.

 

Por sua vez, a corré ALB da Fonseca Ltda. apelou, requerendo a desobrigação de observância do PMVG (incidência do CAP) ou do PF, tendo em vista que não há prova de notificação/informação prestada pelo órgão público de que a venda dos medicamentos deveriam ocorrem com tais descontos/preços, razão pela qual não há que se falar em ressarcimento ao erário.

 

Por último, a corré Valinpharma Comércio e Representações Ltda recorreu, pleiteando a improcedência da demanda, suscitando que a Administração Pública não foi compelida a contratar, não existindo, portanto, vício de consentimento. Subsidiariamente, requer que o ressarcimento recaia apenas sobre os medicamentos que efetivamente vendeu e apenas àqueles praticados pela tabela sujeita ao CAP.

 

Foram apresentadas contrarrazões.

 

A Procuradoria Regional da República ofertou parecer (fls. 106, ID. 49076686).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001415-78.2018.4.03.6111

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, A.L.B. DA FONSECA - EPP, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A
Advogado do(a) APELANTE: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO DE CASTRO E SILVA - SP241224-A

APELADO: A.L.B. DA FONSECA - EPP, R.A.P.-APARECIDA - COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, VALINPHARMA COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA, DELMED COMERCIO DE MEDICAMENTOS LTDA - EPP, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JORGE EDUARDO GRAHL - SP127399-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANO AUGUSTO FERNANDES - SP68286-A
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Advogado do(a) APELADO: FABIANO GIROTO DA SILVA - SP200060-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):

 

Verifico, em juízo de admissibilidade, que os recursos ora analisados mostram-se formalmente regulares, motivados (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-os e passo a apreciá-los nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.

 

Das preliminares

 

- Da falta de fundamentação da sentença

 

A preliminar não tem pertinência.

 

Pedido e fundamento jurídico são institutos processuais distintos. O Poder Judiciário, pela iniciativa das partes, está vinculado a decidir a lide, em regra, nos termos do pedido. Mas a decisão fica sujeita a qualquer fundamento jurídico.

 

A apelante não demonstrou a invalidade jurídica da fundamentação adotada na r. sentença. Pretende, é certo, outra. Não se trata, então, da ocorrência de vício na decisão da causa, mas de sua realização por fundamento jurídico diverso da intelecção da parte.

 

Não há nulidade.

 

Precedentes:

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CIDE-TECNOLOGIA. LEI Nº 10.168/2000. CONTRATOS SEM TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. EXIGIBILIDADE. LEI COMPLEMENTAR. REFERIBILIDADE. DESNECESSIDADE. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO IRRF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedaneada na jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da matéria, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso.

2. O juiz não está obrigado a responder a todas as alegações e argumentos das partes quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça.

3. A jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que é constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico instituída pela Lei nº 10.168/2000 (CIDE), em razão de ser dispensável a edição de Lei Complementar para a instituição e a vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e os contribuintes.

4. De outra parte, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, e na mesma linha está Corte Regional, possui jurisprudência no sentido de que é legítima a cobrança da CIDE sobre as remessas efetuadas ao exterior para pagamento de prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, ainda que impliquem transferência de tecnologia.

5. O imposto de renda retido sobre o valor da remuneração enviada ao exterior compõe a base de cálculo da CIDE, posto que integra o valor do serviço prestado. Precedentes.

6. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida.

7. Agravo interno desprovido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 5002474-31.2019.4.03.6123, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 23/10/2020, Intimação via sistema DATA: 28/10/2020)”

                                   

- Do cerceamento de defesa

 

Não restou caracterizado o cerceamento de defesa em razão da não realização da prova pericial e testemunhal, motivo pelo qual também rejeito a presente preliminar.

 

Com efeito, cabe salientar que a prova tem por objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. A finalidade da prova é a formação de um juízo de convencimento do seu destinatário, o magistrado.

 

Assim, a decisão pela necessidade, ou não, da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção, a teor do que dispõe o art. 370 do CPC/2015.

 

Nesse sentido, os seguintes julgados:

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA RECURSAL. PRESSUPOSTOS. GRAVE RISCO DE PREJUÍZO FINANCEIRO. CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. PRAZO DE VIGÊNCIA EXPIRADO. REGISTRO SANITÁRIO E MARCÁRIO. TITULARIDADE PLENA. RESTABELECIMENTO APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO. LEGITIMIDADE. TUTELA ANTECIPADA. REVISÃO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DECISÃO EXTRA PETITA. ALEGAÇÕES AFASTADAS. MEDIDAS CONSTRITIVAS MANTIDAS. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO MANTIDA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA PARTE AGRAVANTE. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. AGRAVO IMPROVIDO. PREJUDICADO O PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO.

1. Ação originária ajuizada, com pedido de tutela antecipada, objetivando o cancelamento do registro sanitário junto à ANVISA e do registro marcário junto ao INPI, então em nome da agravante, em razão da extinção do contrato de distribuição e comercialização de medicamento de titularidade das agravadas.

2.  Arguição de cerceamento de defesa afastada. O art. 357, inciso II, do CPC/2015, impõe ao juiz o dever de “delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos”. Somente a impossibilidade ou a excessiva dificuldade em produzir a prova segundo esta orientação é que, em tese, ensejaria a delimitação e a distribuição da atividade probatória de modo diverso, conforme ainda, a orientação do art. 357, § 3º c/c art. 373, § 1º, do CPC/2015. A mera alegação da ausência de delimitação dos pontos controvertidos, sem a evidência de prejuízo ou da imprescindibilidade de modificação do ônus da prova, não é fundamento suficiente para acolher a arguição de cerceamento de defesa e nulidade da decisão agravada nesse aspecto.

3. Alegação de ofensa ao princípio da segurança jurídica afastada. Tanto na vigência do CPC/1973, art. 273, § 4º, como no atual CPC, arts. 296 a 298 é possível a qualquer momento a modificação, complementação, alteração ou revogação da tutela de urgência. O atual Código de Processo Civil possui regra mais consentânea com o princípio da instrumentalidade das formas ao determinar, no § 4º, do art. 64 que: “Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.

4. Portanto, sob esse prisma, o juízo a quo não esteve impedido de reapreciar a decisão proferida na Justiça Estadual que analisou a tutela de urgência, antes que declinasse de sua competência com a remessa do feito para a Justiça Federal. A toda evidência, desde que provocado não seria vedado ao juízo a quo reapreciar o alcance conferido à tutela de urgência, para determinar outras providências além daquelas já concedidas pelo Juízo Estadual. Os preceitos legais supracitados conferem lastro suficiente a tal desiderato.

5.Arguição de nulidade da decisão recorrida afastada. Também não merece acolhimento a arguição de nulidade da sentença. Aduz a agravante que o decisum é nulo por ser extra petita. Entretanto, não prospera a irresignação no tocante a inviabilidade de apreciar o pedido dos autores relativamente à transferência de registro, ao argumento de que não se incorpora ao pedido formulado na inicial. De sua leitura se destaca que as autoras são expressas em pontuar que sua pretensão é o cancelamento do registro então mantido pela ré, assim como, ato contínuo a transferência dos direitos registrários para seu nome.

6. Nas circunstâncias dos autos, o que se observa é que a transferência propugnada é consectário lógico do cancelamento pretendido. De qualquer modo, da leitura dos fundamentos da pretensão formulada pelas autoras na petição inicial, a conclusão é que foi formulado pedido nesse sentindo. Entrementes, não se vislumbra qualquer afronta aos princípios dispositivo e da correlação. A r. decisão agravada encontra-se estritamente em consonância com os limites dos pedidos apresentados pelas autoras.

7. Irretocável o entendimento esposado pelo r. Juízo a quo. A pretensão das autoras não é outra que restabelecer integralmente a titularidade dos direitos registrários e de propriedade sobre o medicamento mencionado nos autos, em razão do término do contrato de representação comercial que mantinha com a ré.

8. Como bem analisado pelo r. juízo a quo, é fato incontroverso que o contrato de distribuição do medicamento em disputa avençado entre as partes foi extinto e que a agravante reconheceu não ter se manifestado expressamente sobre a renovação, bem como que o medicamento é de propriedade das agravadas.

9. De outra parte, resta claro que havia previsão contratual no sentido de a distribuidora, ora recorrente, ser obrigada a transferir a “Autorização de Comercialização”, bem como que a transferência do registro sanitário, e não somente o registro da marca, fazia parte dessa obrigação. Neste aspecto, ao contrário das ilações da agravante, a Resolução 102/2016-ANVISA, mesmo editada após a extinção da avença e propositura desta ação, aos fatos se aplica.

10. Sendo fato incontroverso nos autos que o medicamento é de propriedade das agravadas e que o contrato de distribuição do produto chegou ao seu término sem renovação, em face da ausência de manifestação inequívoca e expressa, resta verossímil não ser admitido que a agravante oponha resistência injustificada ao direito das agravadas na obtenção da transferência de titularidade do medicamento.

11. Ainda, dos termos pactuados entre as partes resta evidente que dentre os seus efeitos não se encontra a intenção das agravadas em qualquer momento ou circunstância a transferência em definitivo da titularidade sobre o medicamento, nome comercial e marcas de identificação, a qualquer pretexto.

12. Mantida também a decisão agravada no que determinou a exibição da apólice de seguro contratualmente regulada, que não destoa da avença formulada pelas partes. Ao contrário do que afirma a agravante, confrontados os termos da avença, não se vislumbra razões pelas quais seja afasta a verossimilhança do fundamento da demanda nesse tópico específico.

13. O valor da multa fixada na decisão agravada, ou seja, de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de atraso, limitada a R$ 4.000.000,00 (quatro milhões), atende as diretrizes atualmente previstas no art. 537 do CPC/2015, sendo capaz de operar efeito dissuasório suficiente ao implemento das determinações do r. juízo a quo e compatível com o objeto da demanda. Não trouxe a agravante elementos objetivos por meio dos quais seja possível rever os limites da multa cominatória imposta, que deve ser mantida, não ofendendo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, como alega em sua peça recursal.     

14. Destarte, não merece ser acolhido o pedido formulado em contrarrazões pelas agravadas para a condenação por litigância de má-fé. Os argumentos expendidos não apontam decisivamente para a ocorrência das situações previstas no art. 80 do CPC/2015.

15. Preliminares arguidas rejeitadas. Agravo de instrumento a que se nega provimento, prejudicado o pedido de efeito suspensivo.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO, 5003770-95.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 23/06/2017, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/06/2017)”

                                   

“APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. FRAUDE AO PROGRAMA SOCIAL "FARMÁCIA POPULAR". SIMULAÇÃO DE VENDAS. PROVA CABAL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. RETIFICAÇÃO. SOLIDARIEDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Os apelantes, tendo aderido ao programa governamental “Farmácia Popular”, criado pela Lei 10.858/2004, celebraram vínculo com o poder público e dele passaram a receber subvenções, razão pela qual inserem-se no conceito de agentes públicos por equiparação passíveis de sujeição à Lei de Improbidade Administrativa, nos moldes do seus artigos 1º e 2º. Precedente.

2. Não há falar-se, outrossim, em cerceamento de defesa pela não realização de prova pericial ou pela ausência de expedição de ofício à Caixa Econômica Federal.

3. No que diz respeito à perícia, só se mostraria imprescindível caso os réus tivessem apresentado documentos, ou outras provas, que infirmassem as irregularidades apontadas no relatório SUS – DENASUS, que baseou a presente ação civil pública por improbidade administrativa, o que não ocorreu.

4. Registre-se que a posterior análise amostral realizada pelo Ministério Público Federal em relação às notas fiscais de vendas encaminhadas pelos fornecedores mencionados na auditoria deu-se para verificação se, atendo-se ao princípio ativo dos medicamentos, ainda assim os indícios de irregularidades persistiriam, o que acabou se confirmando; logo, e contrariamente ao alegado pelos recorrentes, não há qualquer imprecisão acerca do valor do prejuízo apurado, o qual foi minuciosamente detalhado pelo DENASUS.

5. No que tange à pleiteada expedição de ofício à CEF, alegam os apelantes que seria imprescindível para que informem os documentos a ela encaminhados pela Drogaria nos anos de 2012 a 2015, em cumprimento às exigências do DENASUS.

6. Ocorre que, como bem assentado pelo MM. Juízo, trata-se de documentos cujas cópias, segundo o regime jurídico do “Farmácia Popular”, deveriam, obrigatoriamente, estar custodiados pelos recorrentes, seja diretamente, seja indiretamente por intermédio de escritório de contabilidade que lhe preste serviço.

7. Ademais, desde a notificação administrativa, os apelantes silenciaram quanto à apresentação de tais documentos, inexistindo qualquer indício de oposição ao respectivo fornecimento pela CEF senão por intervenção judicial, razão pela qual forçoso concluir que os réus não se desincumbiram do seu ônus de provar as correspondentes alegações, segundo o art. 434 do CPC.

8. Quanto ao mérito, cuida-se de ACP promovida pelo Parquet Federal em face da recorrente pessoa jurídica, Drogaria Popular Mineiros do Tiete Ltda - ME, bem como contra seus representantes legais Wagner J. Travain e Aparecida T. G. Travain, cujo fundamento base é o relatório elaborado em abril de 2017 pelo DENASUS e no qual foram descritas diversas irregularidades na condução do programa governamental "Farmácia Popular", no período de janeiro de 2012 a março de 2015.

(...)

26. Dá-se parcial provimento ao recurso de apelação, unicamente para fixar que a medida de ressarcimento ao erário no valor de R$ 192.892,52 e a sanção de multa civil, também no montante de R$ 192.892,52, incidirão uma única vez cada e deverão ser arcadas pelos apelantes de forma solidária, mantidos, no mais, todos os termos da sentença condenatória por improbidade administrativa.

 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 5000698-48.2018.4.03.6117, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 05/10/2020, Intimação via sistema DATA: 08/10/2020)”

 

- Da ilegitimidade ativa

 

Não prospera a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor presente Ação Civil Pública.

 

In casu, o Parquet atua na defesa do patrimônio público primário da União, uma vez que há repasses de recursos do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Estadual de Saúde para a aquisição de medicamentos a serem fornecidos à população pelo Sistema Único de Saúde de Marília/SP.

 

Nesse sentido:

 

“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO MUNICIPAL. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS. CONVÊNIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. INTERESSE DA UNIÃO. DESENVOLVIMENTO E IMPLANTAÇÃO DE SOFTWARE PRÓPRIO PELO MUNICÍPIO. EDITAL. HABILITAÇÃO. EXIGÊNCIAS PREJUDICIAIS AO CARÁTER COMPETITIVO. ANÁLISE DOCUMENTAL. CRITÉRIOS ANTI-ISONOMICOS. DIRECIONAMENTO. FAVORECIMENTO A POSSÍVEL EMPRESA DOADORA "OCULTA" DE CAMPANHA ELEITORAL. INDÍCIOS DE DOLO. SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE PÚBLICA. DIREÇÃO SUPERIOR DA SECRETARIA. RESPONSABILIDADE. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS SUPOSTOS ATOS ÍMPROBOS. PERICULUM IN MORA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. PROPORCIONALIDADE. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO. DANO AO ERÁRIO. SUPOSTO BENEFÍCIO RECEBIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

1. A prática dos atos ímprobos, conforme apontado na ação principal, refere-se a supostas ilegalidades qualificadas na contratação de consórcio de empresas para desenvolver e implantar um sistema informatizado de gestão dos Serviços Municipais de Saúde, através da Concorrência 025/2009, Contrato Administrativo 305-A e respectiva subcontratação, efetuada com utilização de recursos decorrentes do Convênio 1051/2008, estabelecido entre União e Município de Campo Grande/MS, em que disponibilizados recursos federais no valor de R$ 8.166.364,00.

2. Competência da Justiça Federal para processar e julgar ação civil pública para apuração de atos de improbidade administrativa, envolvendo verbas de natureza federal transferidas pela União ao Município, pois os recursos, mesmo com inclusão no orçamento municipal, não são incorporados pelo Município, mantendo sua natureza de verba federal, sujeito à fiscalização pelo TCU e pelo Ministério da Saúde, daí o manifesto interesse material da União na lide e, em consequência, a competência da Justiça Federal para conhecer da ACP, dada a sujeição da aplicação dos recursos à fiscalização federal, inclusive para fins de manutenção ou suspensão de transferências futuras.

3. Sendo competente a Justiça Federal para processar a ação civil pública e respectiva ação cautelar acessória, nítida a titularidade pelo Ministério Público Federal da atribuição para ajuizamento de tais ações, nos termos do artigo 37, I, da LC 75/1993.

4. Não se constata perda de interesse da União pela perspectiva de ressarcimento dos danos, pela rescisão unilateral do Convênio 1051/2005, com consequente obrigatoriedade do Município de devolver, de forma parcelada, dos valores à União, com garantia constituída na integralidade, pois, como afirmou o próprio agravante, ainda não houve devolução da integralidade dos valores, sendo certo que a caracterização do ato ímprobo praticado não gera apenas a pretensão de ressarcimento do dano monetário, mas, outrossim, de aplicação de sanções outras previstas na Lei 8.429/1992, notadamente no artigo 12, II.

(...)

24. Agravo de instrumento desprovido.

(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 556903, 0009720-44.2015.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 24/09/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/10/2015 )”

                                   

Do mérito

 

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face das corrés ALB da Fonseca EPP, R.P.4 Distribuidora de Medicamentos Ltda, RAP Aparecida – Comércio de Medicamentos Ltda, ARP Farma Comércio de Medicamentos Ltda - ME, Cirúrgica Olímpio Ltda - EPP, Valinpharma Comércio e Representações Ltda e Delmar Comércio de Medicamentos Ltda - EPP, objetivando regularizar a venda direta de medicamentos à Administração Pública direita e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com a incidência dos redutores obrigatórios aplicáveis à espécie, além do ressarcimento pelo dano material e indenização pelo dano moral coletivo.

 

A r. sentença vergastada julgou parcialmente procedente o pedido inicial para determinar às corrés que ao venderem medicamentos à Administração Pública, ainda que por força de decisão judicial, observem o Preço Máximo de Venda ao Governo - PMVG, produto da aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço - CAP sobre o Preço de Fábrica – PF, nas hipóteses em que cabível o CAP e, nas demais conjecturas, a utilização do PF.

 

Condenou, ainda, ao ressarcimento dos valores recebidos a maior pela venda de medicamentos nos anos de 2011/2014 sem a utilização do PMVG ou PF.

 

Irresignadas, as partes e a União recorrem.

 

Contudo, não assistem razões às apelantes.

 

A Constituição Federal de 1988 dispõe:

 

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

 

A fim de complementar a regulamentação da proteção à saúde, em 19 de setembro de 1990 foi editada a Lei nº 8.080 que, além de instituir o Sistema Único de Saúde – SUS, trata das “condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”:

 

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.”

 

“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

a) de vigilância sanitária;

b) de vigilância epidemiológica;

c) de saúde do trabalhador; e

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

(...)”

 

Depreende-se que a assistência farmacêutica é um dos meios de que o ser humano possui para assegurar e manter sua saúde, direito social fundamental insculpido como cláusula pétrea pelo constituinte.

 

As normas de regulação do setor farmacêutico foram editadas pela Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003, a qual criou a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED:

 

“Art. 1o Esta Lei estabelece normas de regulação do setor farmacêutico, com a finalidade de promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor.

 

Art. 2o Aplica-se o disposto nesta Lei às empresas produtoras de medicamentos, às farmácias e drogarias, aos representantes, às distribuidoras de medicamentos, e, de igual modo, a quaisquer pessoas jurídicas de direito público ou privado, inclusive associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que, de alguma maneira, atuem no setor farmacêutico.

 

Art. 5o Fica criada a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED, do Conselho de Governo, que tem por objetivos a adoção, implementação e coordenação de atividades relativas à regulação econômica do mercado de medicamentos, voltados a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor.

Parágrafo único. A composição da CMED será definida em ato do Poder Executivo.

 

Art. 6o Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos a que se destina esta Lei:

I - definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos;

II - estabelecer critérios para fixação e ajuste de preços de medicamentos;

III - definir, com clareza, os critérios para a fixação dos preços dos produtos novos e novas apresentações de medicamentos, nos termos do art. 7o;

IV - decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou ajuste de preços, nos termos desta Lei;

V - estabelecer critérios para fixação de margens de comercialização de medicamentos a serem observados pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de farmácias voltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;

VI - coordenar ações dos órgãos componentes da CMED voltadas à implementação dos objetivos previstos no art. 5o;

VII - sugerir a adoção, pelos órgãos competentes, de diretrizes e procedimentos voltados à implementação da política de acesso a medicamentos;

VIII - propor a adoção de legislações e regulamentações referentes à regulação econômica do mercado de medicamentos;

IX - opinar sobre regulamentações que envolvam tributação de medicamentos;

X - assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer alteração da carga tributária;

XI - sugerir a celebração de acordos e convênios internacionais relativos ao setor de medicamentos;

XII - monitorar, para os fins desta Lei, o mercado de medicamentos, podendo, para tanto, requisitar informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados que julgar necessários ao exercício desta competência, em poder de pessoas de direito público ou privado;

XIII - zelar pela proteção dos interesses do consumidor de medicamentos;

XIV - decidir sobre a aplicação de penalidades previstas nesta Lei e, relativamente ao mercado de medicamentos, aquelas previstas na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, sem prejuízo das competências dos demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor;

XV - elaborar seu regimento interno.” (grifei)

 

Portanto, toda pessoa jurídica que, de alguma forma, comercialize medicamentos deve observar os ditames estabelecidos na legislação acima.

 

Com o escopo de complementar e permitir a efetiva aplicação da Lei nº 10.742/2003, coube à CMED a edição de resoluções contendo atos gerais de regulação do mercado farmacêutico.

 

De acordo com o art. 3º do Decreto nº 4.766/2003, a CMED é um órgão interministerial composto pelos Ministros de Estado da Saúde, da Casa Civil, da Justiça, da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que por sua vez formam o Conselho de Ministros, cuja competência privativa é:

 

“Art. 4º Compete privativamente ao Conselho de Ministros:

I - aprovar critérios para reajustes de preços de medicamentos;

II - decidir pela inclusão ou exclusão de produtos no regime de que trata o inciso IV do art. 2o;

III - aprovar o regimento interno da CMED; e

IV - aprovar os preços dos medicamentos que forem objeto de alteração da carga tributária.”

 

Logo, o poder regulamentar previsto na Lei nº 10.742/2003 apenas atribui à CMED o poder-dever de editar atos normativos secundários que deem executividade e efetividade à norma já existente, daí se extrair sua constitucionalidade e legalidade.

 

Nesse diapasão, tal intervenção do Estado no setor econômico também encontra respaldo constitucional, consagrando, no mais, a prevalência dos interesses sociais coletivos - saúde - em detrimento ao do particular – exploração econômica, eis o que estabelece a Constituição Federal/1988:

 

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(...)

§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

 

 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

(...)”

 

Nessa lógica, a Resolução nº 4, de 18/12/2006, da CMED dispõe:

 

Art. 1º As distribuidoras, as empresas produtoras de medicamentos, os representantes, os postos de medicamentos, as unidades volantes, as farmácias e drogarias deverão aplicar o Coeficiente de Adequação de Preço - CAP ao preço dos produtos definidos no art. 2º desta Resolução, sempre que realizarem vendas destinadas a entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§1º O CAP, previsto na Resolução nº. 2, de 5 de março de 2004, é um desconto mínimo obrigatório a ser aplicado sempre que forem realizadas vendas de medicamentos destinadas aos entes descritos no caput.

§2º A aplicação do CAP sobre o Preço Fábrica – PF resultará no Preço Máximo de Venda ao Governo – PMVG.

§3º O CAP será aplicado sobre o PF.

 

Art. 2º O CAP será aplicado ao preço dos produtos nos seguintes casos:

I- Produtos que estejam ou venham a ser incluídos no componente de medicamentos de dispensação excepcional, conforme definido na Portaria nº 698, de 30 de março de 2006.

II- Produtos que estejam ou venham a ser incluídos no Programa Nacional de DST/AIDS.

III- Produtos que estejam ou venham a ser incluídos no Programa de Sangue e Hemoderivados.

IV- Medicamentos antineoplásicos ou medicamentos utilizados como adjuvantes no tratamento do câncer.

V- Produtos comprados por força de ação judicial, independente de constarem da relação de que trata o § 1º deste artigo.

VI- Produtos classificados nas categorias I, II e V, de acordo com o disposto na Resolução nº 2, de 5 de março de 2004, desde que constem da relação de que trata o § 1º deste artigo.

§ 1º A Secretaria-Executiva editará, em até 90 (noventa) dias da entrada em vigor desta Resolução, comunicado com a relação de produtos cujos preços serão submetidos ao CAP, conforme decisão do Comitê Técnico-Executivo.

§ 2º O Comitê Técnico-Executivo da CMED poderá incluir ou excluir produtos da relação de que trata o § 1º deste artigo.

 

Art. 3º O PMVG será calculado a partir da seguinte fórmula: PMVG = PF * (1- CAP), onde: PMVG = PREÇO Máximo de Venda ao Governo

PF = Preço Fábrica

CAP = Coeficiente de Adequação de Preço

 

Art. 4º O CAP fica definido em 24,69%, conforme metodologia descrita nos anexos I e II a esta Resolução.

Parágrafo único – O CAP será atualizado anualmente a partir de dezembro de 2007.

 

Art. 5º A partir da publicação do PMVG dos medicamentos pela Secretaria-Executiva, as vendas destinadas a entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverão observar o disposto nesta Resolução.

§1º Os contratos firmados anteriormente à edição desta Resolução continuarão a ser regidos pelas cláusulas neles estabelecidas.

§2º No caso de ordem judicial, as distribuidoras e as empresas produtoras de medicamentos deverão observar a metodologia descrita no artigo 3º, para que seja definido o PMVG.

 

Art. 6º O § 4º do artigo 5º e os incisos I e II do artigo 11 da Resolução nº. 2, de 2004, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 5º [...]

§ 4º Ao Preço Fábrica das categorias I, II e V poderá ser aplicado Coeficiente de Adequação de Preço – CAP, na conformidade do que vier a ser definido pelo Conselho de Ministros em Resolução específica.

(...)” (grifei)

 

Pacificando a questão, já se posicionou o C. STF:

 

“Constitucional e Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Supremacia do interesse público sobre o privado. Competência normativa conferida à Administração Pública. Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Coeficiente de Adequação de Preço (CAP). Lei nº 10.742/2003. Resolução nº 4/2006. Tutela constitucional do direito à saúde (art. 196 CF). Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

1. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está prevista na Lei nº 10.742/03 como órgão técnico necessário à regulação do setor farmacêutico, justificando-se, especialmente, pelas complexidades do mercado de medicamentos.

2. A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-jurídico do exercício do poder regulamentar pela Administração Pública, que deve atuar em consonância com a lei, atendendo à necessidade de regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos.

3. O percentual de desconto obrigatório e linear nas vendas de determinados medicamentos ao Poder Público, chamado Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), opera como fator de ajuste de preços, permitindo, assim, que se chegue ao “Preço Máximo de Venda ao Governo” (PMVG), o que vai ao encontro da reprovação constitucional do aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º, CF/88).

4. A Constituição Federal de 1988 agrega preocupação social aos princípios gerais da atividade econômica, resultando em legítima atuação do Estado na promoção do acesso universal e igualitário à saúde, direito social garantido pelo art. 196 da Constituição Federal, cuja responsabilidade é partilhada pelo Estado e por toda a sociedade.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

(RMS 28487, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 14-03-2013 PUBLIC 15-03-2013)”

 

“Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça e confirmada em sede de embargos de declaração, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 418):

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – QUESTÕES PROCESSUAIS – INTERVENÇÃO ESTATAL NA ATIVIDADE ECONÔMICA – CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS – CMED – COEFICIENTE DE ADEQUAÇÃO DE PREÇO (CAP) – LEI 10.742/2003.

(...)

3. A Lei 10.472/2003 definiu as normas de regulação do setor farmacêutico, criando o CMED – CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS, órgão a quem compete estabelecer critérios de aferição dos preços dos produtos novos, antes de entrarem no mercado, havendo precedente desta Corte dando pela constitucionalidade da delegação de competência normativa (MS 11.706/DF).

4. A Resolução CMED 04/2006 determinou a aplicação do CAP ao preço de diversos produtos (inclusive de alto custo), impondo limitações nos preços quando adquiridos por entes estatais.

5. Ato impugnado que encontra respaldo na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei 8.080/90), atendendo às diretrizes estabelecidas pela Lei 10.742/2003 relativamente à implementação da política de acesso a medicamentos pela população em geral.

6. Segurança denegada.” (MS 12.730/DF, Rel. Min. ELIANA CALMON – grifei)

(...)

Cabe referir, desde logo, que a liberdade de iniciativa sofre restrições legitimadas “pelo interesse maior da coletividade”, razão pela qual não se mostra impregnado de caráter absoluto o postulado da livre iniciativa, cuja eficácia – vale enfatizar – está necessariamente subordinada, em sua condição de princípio geral da atividade econômica, à estrita observância dos vetores definidos no art. 170 da Constituição da República.

É por esse motivo – como tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/807-808, Pleno, v.g.) – que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais competentes, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados, como na espécie, os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das franquias individuais e liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa –, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

Na verdade, a regulação estatal da atividade econômica, seja no plano normativo, seja no âmbito administrativo, traduz competência constitucionalmente assegurada ao Poder Público cuja atuação regulatória é justificada e ditada por razões de interesse público, especialmente aquelas que visem a preservar e a efetivar o direito à saúde. Daí a procedente observação feita pelo magistério doutrinário (CARLA MARSHALL, “Direito Constitucional: aspectos constitucionais do Direito Econômico”, p. 145, item n. 5.8.1, 2007, Forense Universitária; PAULA A. FORGIONI, “Os Fundamentos do Antitruste”, p. 272/273, item n. 5.3.1, 2ª ed., 2005, RT, v.g.) no sentido de que valores fundados na preponderância do interesse social e justificados pela necessidade de defesa da incolumidade pública legitimam medidas decorrentes do exercício do poder de polícia, a significar que os princípios que regem a atividade econômica sofrem, por efeito daquelas diretrizes, o influxo das limitações jurídicas que resultam do modelo constitucional que conforma a própria estruturação da ordem econômica em nosso sistema institucional.

(...)

Vê-se, desse modo, que o ato regulatório impugnado nestes autos, ao estabelecer critérios para determinação dos preços dos medicamentos a serem fornecidos ao Poder Público, ainda que represente limitação ao exercício de atividade econômica, encontra suporte legitimador de sua edição nas lições doutrinárias e jurisprudencial referidas, considerado, em especial, o intuito de viabilizar a efetivação de direito fundamental a todos assegurado, no caso, o direito a saúde.

Cabe registrar, por oportuno, que o caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei)

Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.

A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional autoriza a edição de atos tal como o impugnado nesta sede mandamental.

Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República, traduzindo bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tal como o fornecimento de medicamentos, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido: “O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. – O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).

Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.

O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.” (RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde (CF, arts. 6º e 196) – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que o ato estatal ora contestado na presente causa torna concreta ação estatal viabilizadora da obrigação constitucional de promoção de ações e prestações de saúde. Vale referir, ainda, no tocante à alegada violação ao princípio da legalidade, em face da pertinência de que se reveste, fragmento do parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 577/578): “Conferiu a Lei nº 10.742/03 à CMED a competência para dispor, por meio de regulamento, sobre ‘diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos’.

Atribuiu-lhe, pois, a ampla e irrestrita competência para estabelecer os critérios para fixação e ajuste dos preços de medicamentos, justamente em face ao disposto no inc. I do art. 6º do referido diploma legal.

O legislador ordinário, em face ao papel regulatório do Estado sobre o setor farmacêutico, com vistas a evitar abusos do poder econômico, institui a CMED conferindo-lhe atribuição de elaboração técnica de critérios de fixação e ajuste de preços de produtos novos e de novas apresentações, assim como de medicamentos já comercializados, com o fim de coibir o aumento arbitrário dos lucros e estimular a oferta de medicamentos e a competitividade do setor.

Eis a razão de o legislador ter conferido, no inc. II do art. 6º da Lei nº 10.742/03, competência ampla e irrestrita para a CMED estabelecer os critérios a serem observados na fixação e ajuste de preços de medicamentos e, no inciso III do mesmo dispositivo ter determinado a atribuição de definir, com clareza, critérios para a fixação de preços, inclusive, dos medicamentos novos e das novas apresentações.

Digo inclusive pois dispõe o art. 7º da Lei nº 10.742/03: ‘a partir da publicação desta Lei, os produtos novos e as novas apresentações de medicamentos que venham a ser incluídos na lista de produtos comercializados pela empresa produtora, deverão observar, para fins da definição de preços iniciais, os critérios estabelecidos pela CMED’.

Assim, ao determinar a Resolução CMED nº 4, de 2006, o critério técnico para incidência do CAP no percentual de 24,69% sobre o preço inicial de determinados medicamentos (art. 2º) nas vendas destinadas aos entes da administração pública direta e indireta — comercializados ou não — o fez com amparo nas atribuições conferidas à Câmara de Regulação de Mercados de Medicamentos pela Lei nº 10.742/03, não havendo falar em extrapolação do poder regulamentar.” (grifei)

Impende observar, por oportuno, que a Resolução ora questionada na presente sede recursal respeitou as situações jurídicas já consolidadas, valendo referir trecho do parecer do Ministério Público Federal, no sentido de que (fls. 587): “Ressalvou-se, porém, na Resolução CMED nº 4, de 2006, expedida com respaldo na Lei nº 10.742/2003 e Decreto nº 4.766, de 26.06.2003, o direito daqueles que firmaram contratos anteriormente ao seu advento. Dispõe o art. 5º, § 1º, da referida resolução: ‘Os contratos firmados anteriormente à edição desta Resolução continuarão a ser regidos pelas cláusulas neles estabelecidas.’ Assegurou-se o direito adquirido daqueles que contrataram antes do advento do referido ato normativo. Em relação aos não embarcados no referido preceito normativo, não completaram estes o ciclo de formação de seus direitos não sendo legitima a invocação do princípio do direito adquirido em face das alterações legislativas ou normativas decorrentes da Resolução CMED nº 4.” (grifei)

(...)

Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, como razão de decidir, os fundamentos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, o que faço com apoio na técnica da motivação “per relationem”, cuja legitimidade constitucional é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (AI 738.982/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 809.147/ES, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 814.640/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 825.520-AgR- -ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), nego provimento ao presente recurso ordinário, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, o acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça. Publique-se.

Brasília, 13 de novembro de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

(RMS 27418, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 13/11/2014, publicado em DJe-231 DIVULG 24/11/2014 PUBLIC 25/11/2014)

 

No caso concreto, de acordo com a farta prova documental encontrada nos autos, as corrés, nos anos de 2011/2014, realizaram vendas de medicamentos diretamente ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP para atendimento de ordem judicial prolatada em ações de fornecimento de medicamento de alto custo, sem a aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço – CAP incidente sobre o Preço de Fábrica – PF, nas hipóteses de incidência de CAP, e, nas demais conjecturas, sem a observância do PF.

 

Cumpre ressaltar que, nem a alegação de desconhecimento da aplicação do PMVG nas hipóteses de utilização do CAP e, nas demais, do PF, nem o argumento de ausência de informação nos ofícios por parte do Departamento Regional de Saúde de Marília/SP, eximem as corrés de cumprirem as normas aplicáveis ao setor farmacêutico.

 

Saliente-se que um dos ônus suportados pelo empreendedor quando do exercício da atividade econômica é a subsunção de sua atuação aos ditames legais editados pelo Estado, encargos esses não cumpridos pelas corrés.

 

Ao não observarem a aplicação do redutor/desconto obrigatório (PMVG ou PF) nas vendas diretas de medicamentos ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP nos anos de 2011/2014, as corrés ocasionaram danos materiais ao órgão público passíveis de ressarcimento.

 

Sobre a reparação civil, dispõe o Código Civil:

 

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

 

E, nos casos em que os entes públicos compram medicamentos diretamente do vendedor, assumem a condição de consumidor, sendo aplicado na espécie o Código de Defesa do Consumidor:

 

“Art. 41. No caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”

 

Portanto, de rigor o ressarcimento ao Estado do dano material sofrido, correspondente aos valores que ultrapassaram o PMVG ou PF, acrescido de correção monetária e juros moratórios. 

 

- Do dano moral coletivo

 

Nos dizeres do I. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:

 

“O dano moral coletivo, compreendido como o resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, se dá quando a conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei nº 7.347/1985, 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil)”.

 

Complementando:

 

Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais. Com efeito, para não haver o seu desvirtuamento, a banalização deve ser evitada.”

(REsp 1726270/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 07/02/2019).

 

No particular, as corrés efetuavam vendas diretas de medicamentos ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP, em cumprimento de ordem judicial, sem a aplicação de redutor obrigatório de preço, descumprindo normas aplicáveis à espécie.

 

Entretanto, como bem fundamentado pelo juízo de piso (fls. 78, ID. 7683445 – f. 38):

 

“No presente caso, contudo, não se vislumbra a ocorrência de dano moral coletivo em razão da conduta imputada às corrés. Com efeito, os próprios agentes do Departamento Regional de Saúde de Marília, responsáveis pelas aquisições de medicamentos, afirmam que os fatos relatados são exceção, tanto que nem comunicaram ao órgão superior, a demonstrar não se tratar de situação de grave lesão a valores e interesses fundamentais da coletividade, nem de abalo negativo à sua moral, ensejando reparação.”

 

Outrossim, não há notícias de que os atos ilícitos praticados pelas corrés impediram, de forma direta ou indireta, o próprio acesso dos cidadãos de Marília/SP à saúde, ou, ainda, que as políticas públicas, sociais e econômicas daquela comunidade restaram afetadas.

 

Logo, não restou caracterizado o dano moral coletivo.

 

Nesse sentido:

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. 1. PROCESSO CIVIL. PEDIDO CERTO E DETERMINADO. RECONHECIMENTO. CONDENAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE FAZER. 2. DANOS MORAIS COLETIVOS. COMPROVAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. ABALO DE VALORES FUNDAMENTAIS. INEXISTÊNCIA. 3. DANOS INDIVIDUAIS. RECONHECIMENTO PELA SENTENÇA GENÉRICA. POSSIBILIDADE. POSTERIOR LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. NECESSIDADE. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A certeza do pedido se configura com a imposição feita ao autor de indicar, de forma precisa e clara, a espécie de tutela jurisdicional pretendida e o resultado prático que se alcançará. A determinação está relacionada à liquidez do objeto, isto é, à qualidade e quantidade do bem da vida buscado. 1.1. Na espécie, os pedidos formulados pelo Parquet, quanto à substituição de prestadores de serviços somente após a comunicação aos beneficiários e à realização de aditivo contratual, sob pena de multa diária, preenchem os requisitos dos arts. 322 e 324 do CPC/2015, bem como observam o princípio da adequação da tutela jurisdicional.

2. O dano moral coletivo se dá in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico. Entretanto, sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, para que o instituto não seja tratado de forma trivial, notadamente em decorrência da sua repercussão social.

2.1. A conduta perpetrada pela ré, a despeito de ser antijurídica, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social do grupo de beneficiários, assim como os seus valores e interesses fundamentais, já que não houve interrupção no atendimento do serviço de apoio médico, ainda que realizado por outras clínicas, bem como houve o cumprimento das exigências legais para o descredenciamento no transcurso da presente demanda.

3. A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinar todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em questão, passível de imediata execução. Por tal razão, o espectro de conhecimento da sentença genérica restringe-se ao núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na inicial, atinente, basicamente, ao exame da prática de ato ilícito imputado à parte demandada, a ensejar a violação dos direitos e interesses individuais homogêneos postos em juízo, fixando-se, a partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos.

3.1. A procedência da pretensão reparatória não exime o interessado em liquidação da sentença genérica  e não em uma nova ação individual  de comprovar o dano (se material, moral ou estético), a sua extensão, o nexo causal deste com a conduta considerada ilícita, além de sua qualidade de parte integrante da coletividade lesada. Diante do reconhecimento da conduta ilícita da recorrida, afigura-se procedente o pedido de reparação por todos os prejuízos suportados pelos segurados, mostrando-se, todavia, descabido, especificar na sentença genérica o tipo de dano, material e/ou moral.

4. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1823072/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 08/11/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO. DEVOLUÇÃO DO VALOR EM DOBRO INAPLICÁVEL. DEVOLUÇÃO DO VRG INDEVIDO. DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO. AGRAVOS LEGAIS NÃO PROVIDOS

1. Impõe-se registrar, inicialmente, de acordo com o artigo 557, "caput", do Código de Processo Civil, o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

2. E, ainda, consoante o § 1º-A do mesmo dispositivo se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. Ora, a decisão impugnada ao negar seguimento à apelação, fê-lo com supedâneo em Súmulas e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

3. Preliminarmente, o Ministério Público é parte legitima para figurar no polo ativo da presente demanda, considerando que pode tutelar interesses individuais homogêneos.

4. No mérito, plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao presente caso, eis que este Diploma se aplica às instituições financeiras, nos termos da Súmula 297 do STJ. Analisando o contrato, observo que é plenamente cabível a aplicação da teoria da imprecisão para os contratos firmados anteriores a desvalorização cambial do real ocorrida em Janeiro de 1999.

5. Ora, não é qualquer contrato nem qualquer situação que viabiliza a revisão judicial. Para ensejar a revisão, os acontecimentos devem ser extraordinários e imprevisíveis, fugindo da esfera subjetiva dos contraentes e abrangendo uma camada ampla da sociedade. Entende-se por fato extraordinário aquele que afasta o contrato de seu curso normal de execução e imprevisível é aquele que as partes, por mais diligência que tiverem, não possuem condições de prevê-lo.

6. No caso em tela, a desvalorização do real ocorrida em janeiro de 1999 foi completamente imprevisível e fugiu completamente da esfera subjetiva dos contratantes. Portanto, a declaração da nulidade da cláusula de variação cambial inserida nos contratos de arrendamento mercantil é medida que se impõe não merecendo qualquer reparo a sentença de origem.

7. Em relação à devolução em dobro dos valores cobrados, temos que estes valores poderão ser devolvidos, mas não em dobro, conforme requer a apelante, considerando que a cobrança decorreu do contrato e não sem qualquer base fática, sendo indevida a devolução em dobro requerida pelo apelante. No caso em tela, plenamente justificável o engano da cobrança a maior, pois embasada em contrato firmado entre as partes. Neste caso, indevida a cobrança em dobro.

8. No tocante à devolução do Valor Residual Garantido, melhor sorte não assiste ao apelante, considerando que é plenamente possível a cobrança desta parcela nos contratos de arrendamento mercantil, não descaracterizando o contrato.

9. Em relação ao dano moral coletivo, segundo o entendimento jurisprudencial, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade, o que não ocorreu no caso em tela.

10. No presente caso, a parte agravante não trouxe subsídios suficientes para afastar a aplicação do art. 557, do Código de Processo Civil ou mudar meu entendimento acerca da matéria em debate no presente agravo.

11. Agravos legais improvidos.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1144482, 0043435-38.2000.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 18/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/08/2015 )

                                                                        

 

Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, os honorários advocatícios, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento).

 

Diante do exposto, nego provimento às apelações e ao reexame necessário.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. VENDA DE MEDICAMENTO A ÓRGÃOS PÚBLICOS. REDUTOR DE PREÇO OBRIGATÓRIO. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO. COMPETÊNCIA NORMATIVA CONFERIDA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE. CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS (CMED). COEFICIENTE DE ADEQUAÇÃO DE PREÇO (CAP). LEI Nº 10.742/2003. RESOLUÇÃO Nº 4/2006. DANO MATERIAL CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÕES E REEXAME E NCESSÁRIOS NÃO PROVIDOS.

1. A apelante não demonstrou a invalidade jurídica da fundamentação adotada na r. sentença. Pretende, é certo, outra. Não se trata, então, da ocorrência de vício na decisão da causa, mas de sua realização por fundamento jurídico diverso da intelecção da parte. Não há nulidade.

2. Não restou caracterizado o cerceamento de defesa em razão da não realização da prova pericial e testemunhal. Assim, a decisão pela necessidade, ou não, da produção de prova é uma faculdade do magistrado, a quem caberá avaliar se há nos autos elementos e provas suficientes para formar sua convicção, a teor do que dispõe o art. 370 do CPC/2015.

3. não prospera a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor presente Ação Civil Pública. In casu, o Parquet atua na defesa do patrimônio público primário da União, uma vez que há repasses de recursos do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Estadual de Saúde para a aquisição de medicamentos a serem fornecidos à população pelo Sistema Único de Saúde de Marília/SP.

4. Depreende-se que a assistência farmacêutica é um dos meios de que o ser humano possui para assegurar e manter sua saúde, direito social fundamental insculpido como cláusula pétrea pelo constituinte.

5. As normas de regulação do setor farmacêutico foram editadas pela Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003, a qual criou a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED.

6. Portanto, toda pessoa jurídica que, de alguma forma, comercialize medicamentos deve observar os ditames estabelecidos na legislação acima.

7. Com o escopo de complementar e permitir a efetiva aplicação da Lei nº 10.742/2003, coube à CMED a edição de resoluções contendo atos gerais de regulação do mercado farmacêutico.

8. Logo, o poder regulamentar previsto na Lei nº 10.742/2003 apenas atribui à CMED o poder-dever de editar atos normativos secundários que deem executividade e efetividade à norma já existente, daí se extrair sua constitucionalidade e legalidade.

9. Nesse diapasão, tal intervenção do Estado no setor econômico também encontra respaldo constitucional, consagrando, no mais, a prevalência dos interesses sociais coletivos - saúde - em detrimento ao do particular – exploração econômica.

10. No caso concreto, de acordo com a farta prova documental encontrada nos autos, as corrés, nos anos de 2011/2014, realizaram vendas de medicamentos diretamente ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP para atendimento de ordem judicial prolatada em ações de fornecimento de medicamento de alto custo, sem a aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço – CAP incidente sobre o Preço de Fábrica – PF, nas hipóteses de incidência de CAP, e, nas demais conjecturas, sem a observância do PF.

11. Saliente-se que um dos ônus suportados pelo empreendedor quando do exercício da atividade econômica é a subsunção de sua atuação aos ditames legais editados pelo Estado, encargos esses não cumpridos pelas corrés.

12. Ao não observarem a aplicação do redutor/desconto obrigatório (PMVG ou PF) nas vendas diretas de medicamentos ao Departamento Regional de Saúde de Marília/SP nos anos de 2011/2014, as corrés ocasionaram danos materiais ao órgão público passíveis de ressarcimento.

13. E, nos casos em que os entes públicos compram medicamentos diretamente do vendedor, assumem a condição de consumidor, sendo aplicado na espécie o Código de Defesa do Consumidor.

14. Outrossim, não há notícias de que os atos ilícitos praticados pelas corrés impediram, de forma direta ou indireta, o próprio acesso dos cidadãos de Marília/SP à saúde, ou, ainda, que as políticas públicas, sociais e econômicas daquela comunidade restaram afetadas. Logo, não restou caracterizado o dano moral coletivo.

15.Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, os honorários advocatícios, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento).

16. Preliminares rejeitadas. Apelações e reexame necessário não providos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento às apelações e ao reexame necessário, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.