Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5881424-33.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: APARECIDA DE CASSIA NAZARETH SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LOURDES ROSELY GALLETTI MARTINEZ FACCIOLI - SP58206-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5881424-33.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: APARECIDA DE CASSIA NAZARETH SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LOURDES ROSELY GALLETTI MARTINEZ FACCIOLI - SP58206-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.

A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida.

Sem contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5881424-33.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: APARECIDA DE CASSIA NAZARETH SILVA

Advogado do(a) APELANTE: LOURDES ROSELY GALLETTI MARTINEZ FACCIOLI - SP58206-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

­V O T O

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)

O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.

Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).

Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.

Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.

Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).

Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.

Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.

Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.

Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.

É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”

"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

DO CASO DOS AUTOS

O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 18/12/2011, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.

A autora sustenta que “desde sua mocidade, sempre laborou na roça, com registro e sem registro na CTPS em regime de economia familiar”. Afirma ter “começado a trabalhar com os pais; em propriedades rurais no estado de Minas Gerais”; que “morou e trabalhou na Fazenda São Carlos, no Estado de Minas Gerais, em regime de economia familiar”; que “se casou aos 19 anos e continuou na lavoura com o marido, que também era lavrador”; que, “nessa época, foi trabalhar no SÍTIO DO CAVACHIOLI, por três safras no algodão e milho, no bairro rural Taquari Ponte”; que, “após esse período, continuou a trabalhar no mesmo bairro Taquari Ponte, mas, em outras propriedades rurais, como na Fazendinha, onde colhia e carpia pomar de laranja, onde ficou por oito anos aproximadamente”; que teve diversos registros empregatícios do labor campesino em CTPS de 1980 a 2008; que, “após esse período, trabalhou com o turmeiro Borges, no algodão e na laranja, no período de 2009 a 2012, no Bairro rural Taquari, mas que depois teve que parar de trabalhar por problemas de saúde.”

Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:

- cópia da certidão de casamento, celebrado em 1976, com AMADO DE PAULA SILVA, residente no distrito de “Cachoeira de Emas”, Fazenda Pedra Branca, localizado no município de Pirassununga-SP;

- cópia da CTPS da autora, emitida em 1973, com registro de diversos vínculos rurais de 1980 a 2008, conforme se transcreve a seguir:

  1. 03/06/1980 – 19/06/1980 - para CITROCIL S/C LTDA – no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  2. 04/08/1980 – 20/12/1980 - para EMPREITEIRA RURAL STA GERTRUDES S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  3. 28/04/1981 – 25/01/1982 - para CITROCIL S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural – serviços gerais - safrista”;

  4. 19/07/1982 – 11/09/1982 - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  5. 23/09/1982 – 19/02/1983 - para CITROCIL S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  6. 17/12/1984 – 18/02/1985 - para CITROCIL S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  7. 20/06/1985 – 13/02/1986 - para CITROCIL S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural safrista”;

  8. De 14/07/1986 – sem baixa (sem data fim na CTPS) - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  9. 21/05/1987 – 02/01/1988 - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  10. 31/05/1988 – 29/12/1988 - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  11. 13/03/1989 – 08/04/1989 - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  12. 14/06/1989 – 15/07/1989 - para EMPREITADAS RURAIS LINCE S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  13. 17/07/1989 – 23/02/1990 - para CITROSUCO AGRÍCOLA LIMITADA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  14. 04/03/1991 – 20/03/1991 - para CITROSUCO AGRÍCOLA SERV. RURAIS S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  15. 03/06/1991 – 28/12/1991 - para CITROSUCO AGRÍCOLA SERV. RURAIS S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  16. 13/01/1992 – 22/02/1992 - para CITROSUCO AGRÍCOLA SERV. RURAIS S/C LTDA, no cargo de “trabalhadora rural”;

  17. 15/06/1992 – 13/07/1992 - para CITRO-PECTINA S/A –, no cargo de “trabalhadora rural”;

  18. 02/07/2001 – 07/12/2001 - para SANTA ROSA COLHEITAS RURAIS SC LTDA EPP, no “SÍTIO MODELO”, no cargo de “colhedora – serviço de colheita”;

  19. 05/09/2005 – 20/12/2005 - para DANIEL CESAR VALERIO EPP, na “FAZENDA BARRA BONITA”, no cargo de “colhedora – serviço de colheita”;

  20. 25/06/2007 – 05/01/2008 - para o empregador NONATO DA SILVA - ME, em estabelecimento agrícola no município de Araras/SP, no cargo de “trabalhadora rural – colhedora” com remuneração variável, por unidade de caixa colhida.

Ressalte-se que também foi apresentado comprovante do indeferimento do pedido administrativo formulado pela autora em 19/01/2017.

À luz das informações contidas no extrato do CNIS da autora, não há registro de qualquer atividade urbana. A consulta atualizada ao referido Sistema confirma os vínculos empregatícios constantes da CTPS.

Não se pode perder de vista que o fato de algum vínculo empregatício indicado na CTPS da autora não constar do Sistema CNIS da Previdência Social em nada impede o reconhecimento da veracidade de tal registro.

Frise-se que as anotações em CTPS gozam de presunção de veracidade juris tantum, devendo o INSS demonstrar a ocorrência de eventual irregularidade para desconsiderá-las.

Vale dizer, à autarquia previdenciária cabe provar a falsidade das declarações inseridas na carteira de trabalho da parte autora, ou, em outras palavras, demonstrar a inexistência dos vínculos empregatícios nela constantes.

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região:

"Conquanto diga o Enunciado n.° 12 do C. TST que as anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção "iure et iure", mas apenas "iures tantum", menos certo não é que anotada a carteira profissional do reclamante, inverte-se o ônus da prova incumbindo à reclamada, que reconhece a anotação, fazer prova das alegações da defesa."

(TRT/SP - RO Processo n.º 95.02950368365; Relator: Desembargador BRAZ JOSÉ MOLLICA; 1.ª Turma; DJ: 27.02.97).

"...CTPS. Anotações. Valor probante. A presunção de relatividade quanto aos registros em carteira de trabalho não pode ser dissociada do princípio da condição mais benéfica (...) Se é certo que o erro de fato não gera direito, quando provado, não menos certo é que a condição anotada em CTPS e não infirmada reveste-se do caráter de direito adquirido."

(TRT/SP - RO Processo n.º 20000587430; Relatora: Desembargadora WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA; 8.ª Turma; DJ: 20.08.2002).

E levando-se em conta que, nos termos da alínea "a" do inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.212/91, compete à empresa arrecadar as contribuições previdenciárias dos segurados empregados a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração e repassando-as ao INSS, a que incumbe a fiscalização do devido recolhimento, é de se admitir como efetuadas as arrecadações relativas ao período de trabalho registrado em CTPS, visto que o empregado não pode ser prejudicado por eventual desídia do empregador e da autarquia, se estes não cumpriram as obrigações que lhes eram imputadas.

Na linha do exposto é o entendimento firmado nesta Corte tanto pela 8.ª quanto pela 9ª Turma (ApCiv n.º 0003132-07.2014.4.03.6127 – Relator: Desembargador Federal DAVID DANTAS – Publicado em 23/01/2018; ApCiv n.º 6090125-96.2019.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal DALDICE SANTANA – Publicado em 26/03/2020; ApCiv n.º 5876105-84.2019.4.03.9999 – Relator: Desembargador Federal GILBERTO JORDAN – Publicado em 24/03/2020 e ApCiv n.º 5196569-73.2019.4.03.9999 – Relatora: Juíza Federal Convocada VANESSA MELLO – Publicado em 11/02/2020).

Nesse diapasão, o conjunto probatório carreado aos autos refuta a alegação da autarquia ré de que não houve labor rural durante a carência, uma vez que restou robustamente demonstrado o trabalho campesino da autora.

Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 20/02/2019 perante o MM. Juízo da Segunda Vara Cível da Comarca de Leme/SP.

O MM. Juiz a quo procedeu à oitiva de duas testemunhas arroladas pela autora.

As testemunhas declararam que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural.

Os depoimentos foram transcritos nos autos (ID’s.ºs 81226137 e 81226138) e revelam que a testemunha MARIA STELA MARCONI DE PAULA afirmou “conhecer a autora há 40 anos, desde quando ela veio morar perto de casa. Juntas, ao longo de mais de 10 anos, trabalhamos em diversas áreas rurais da região, boa parte do tempo sem registro em carteira. Tenho na lembrança que trabalhamos em várias fazendas que ficam "lá pro lado do Taquari". Nos dedicávamos ao cultivo de laranja, algodão, além de outros serviços gerais de roça. Salvo engano, a autora deixou o trabalho rural já faz uns 06/07 anos. Considerando o tempo em que a autora trabalhou sem registro em carteira, "com certeza dá pelo menos uns 15 anos". Pelo que me recordo, o último emprego da autora também foi com plantação de laranja, em área rural "lá pras bandas do Taquari".

Informou que (sic) “a autora trabalhou, assim como eu, numa área rural conhecida como Fazendinha, na colheita de laranja. A autora ficou por lá mais de um ano e não tinha registro em carteira. Salvo engano, na Fazendinha a autora trabalhou por mais de 08 anos a partir da década de 80. O marido da autora também era trabalhador rural. Ele se chamava Amado Paulo da Silva. Sou aposentada pelo INSS, não como rural.” (ID n.º 81226137).

Por sua vez, a testemunha CLEUZA SARAIVA PRIMO afirmou que conhece a autora desde aproximadamente 1988, “ano em que trabalhamos juntas para a empresa CITROSUCO, na colheita de laranja. Na CITROSUCO, havia registro em carteira de trabalho. Ao longo de mais ou menos uns 10 anos, trabalhei na companhia da autora em diversas áreas rurais da região, ora com registro em carteira, ora sem registro. Nos dedicávamos ao cultivo de laranja, milho, algodão, além de serviços gerais de roça, como carpir. Posso citar o SÍTIO CAVACHIOLI, que me recordo neste momento, como uma das áreas rurais destinadas à produção de algodão na qual os trabalhadores rurais não tinham registro. De 1998 adiante, pelo que tenho conhecimento, a autora continuou a trabalhar como rural e nessa condição permaneceu até por volta de 2002. É do meu conhecimento também que o marido da autora, Amado Paulo da Silva, também era lavrador e se aposentou como rural” (ID n.º 81226138).

A depoente informou: “conheço a autora pelo menos desde 1977/1978. Trabalhei na companhia dela até 2002/2003. Esclareço que, quando conheci a autora, ela já trabalhava como rural a muito tempo. Como disse acima, ao longo dos vários anos em que permanecemos trabalhando juntas em áreas rurais (de 1977/1978 a 2002/2003), só tínhamos registro em carteira nos locais em que nos dedicávamos ao plantio e colheita de laranja. Nas demais localidades, especialmente no trato do algodão, não tínhamos registro em carteira. Se eu for somar o tempo em que eu e a autora trabalhamos sem registro em carteira, certamente excederá os 18 anos. "Daí para mais". Eu parei de trabalhar em 2006 e me aposentei por invalidez. A autora continuou trabalhando por mais algum tempo, mas não sei exatamente até quando”. (ID n.º 81226138).

No caso em tela, os depoimentos das testemunhas foram coerentes e coincidem com o fato de deixar evidente que a autora sempre exerceu atividades rurais por toda sua vida laborativa.

Ressalte-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.

Oportuno mencionar o seguinte trecho do voto do Excelentíssimo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, relator do referido RESP n.º 1.354.908/SP, in verbis:

“(...) O conteúdo da norma contida no art. 143, segundo a lição de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, é assistencial, compatibiliza dentro de um regime previdenciário, a proteção social na velhice para os trabalhadores rurais que estavam expressamente excluídos do regime da Lei 3.807/1960, consoante inciso II do art. 3º, porquanto vinculados ao regime assistencial dos trabalhadores rurais - FUNRURAL- que não reclamava o recolhimento de contribuições, porém, em contrapartida, tinha contornos protetivos muito reduzidos.

(...) A aposentadoria por idade do segurado especial é uma das preocupações das autoridades governamentais em matéria de previdência social, em face da suposta facilidade em requerer benefício sem que tenha havido de fato trabalho nesta condição.

Por outro lado, os segurados especiais em atividade, por ocasião da Lei de Benefícios, em 24 de Julho de 1991, foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola, de acordo com o art. 26, I e art. 39, I, da Lei 8.213/1991.

No caso em exame, a parte autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 25 de maio de 2007, devendo, assim, comprovar 156 (cento e cinquenta e seis) meses de atividade rural, nos termos dos arts. 142 e 143 da Lei 8.213/1991, para obtenção do benefício.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do segurado especial na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-patrão. (...)

O início de prova material do exercício de atividade rural nem sempre se refere ao período imediatamente anterior ao requerimento da aposentadoria rural por idade. E este entendimento restou sedimentado no julgamento do recurso representativo da controvérsia REsp 1.348.633/SP.

Ademais, o fato de a autora ter trabalhado como empregada doméstica não descaracteriza sua condição de segurada especial, posto que exercido em períodos de entressafra. Neste ponto, a própria Lei 8.213/1991, em seu art. 48, § 2º c/c art. 12, § 13, da Lei 8.212/1991, garante o cômputo do período em que o trabalhador rural se encontre em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias.

Ainda, o trabalho urbano exercido pelo cônjuge da ora recorrida junto à Prefeitura, por si só, não descaracteriza a condição de segurado especial da parte autora. Neste ponto, confira-se o Recurso Especial Repetitivo 1.304.479/SP.

No caso em exame, a segurada completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 25 de maio de 2007, devendo, assim, comprovar, segundo tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, 156 (cento e cinquenta e seis) meses de atividade rural, para obtenção do benefício.

A problemática do caso está no reconhecimento do benefício de aposentadoria por idade rural àquele segurado especial que nos moldes do art. 143 da Lei 8.213/1991 não mais trabalhava no campo no período em que completou a idade mínima, considerando que a Lei não especifica o que deve ser entendido como período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício.

(...) Isto porque, afastando-se da atividade campesina antes do implemento da idade mínima para a aposentadoria, o segurado especial deixa de fazer jus ao benefício previsto no art. 48 da Lei 8.213/1991.

Nesse tipo de benefício releva justamente a prestação do serviço agrícola às vésperas da aposentação ou, ao menos, em momento imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário, o que não aconteceu.

Em verdade, é relevante o fato de a parte autora ter parado de trabalhar no campo antes de preencher o requisito etário. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade como rural, sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à aposentadoria rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.

(...) A norma visa agraciar exclusivamente aqueles que se encontram, verdadeiramente, sob a regra de transição, isto é, trabalhando em atividade rural, quando do preenchimento da idade.

(...) A regra, hoje, é assim: no dia em que o segurado especial completar a idade legal deverá ter preenchido o tempo de carência contido na tabela do art. 142 conjugado com o art. 143 da Lei 8.213/1991, para se aposentar.

Por conseguinte, fica assentada a tese, para fins de recurso especial repetitivo de que, o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.” (g.n.).

Confira-se, ainda, o relevante trecho do pronunciamento da Excelentíssima Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, ao proferir voto-vista na egrégia 1.ª Sessão do Colendo STJ, quando do julgamento desse RESP n.º 1.354.908/SP, acompanhando o relator, in verbis:

“Concordo, assim, com o eminente Relator, quando concluiu que, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por idade, previsto no art. 143 da Lei 8.213/91, o beneficiário deve estar laborando no campo, quando implementar o requisito etário, quando poderá requerer o benefício.

Faço, porém, uma observação: a interpretação literal do art. 143 da Lei 8.213/91 não pode excluir o direito daquele que, implementados, no exercício da atividade rural, ambos os requisitos para a aposentadoria por idade nele prevista, incorporou tal direito ao seu patrimônio, por força da regra geral do direito adquirido. Se, naquele momento em que implementados os requisitos para a aposentadoria por idade, o beneficiário deixa de requerê-la, poderá fazê-lo posteriormente, porquanto o exercício de um direito não se confunde com a sua aquisição, como advertem Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior:

"Mais uma vez, uma interpretação literal de um preceito legal revela-se insuficiente para a compreensão global do enunciado normativo veiculado. Sem dúvida que estamos em face de uma regra cunhada para viger temporariamente, mas quando o preceito normativo dispõe que 'pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante quinze anos', ele deve ser compreendido como uma regra aplicável para o trabalhador rural que comprovar o exercício de atividade rural, pelo período necessário e imediatamente anterior ao implemento da idade, durante 15 anos, porquanto o exercício de um direito não se confunde com a sua aquisição".

Aliás, esta é a conclusão que se extrai do julgamento da 3.ª Seção do STJ, na Petição 7.476/PR, quando registra que, "se ao alcançar a faixa etária exigida pelo art. 48, § 1º da Lei n. 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer atividade como rurícola sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à aposentação rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito" (DJe de 25/04/2011).”

No caso em tela, a carência para o benefício ora vindicado abrange o interregno compreendido entre dezembro de 1996 e dezembro de 2011, tendo em vista que a parte autora completou a idade mínima em 18/12/2011, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.

Constata-se que o início de prova material constante dos autos foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas, que foram unânimes ao afirmar que a apelante exerceu o labor campesino pelo período necessário para concessão do benefício, comprovando que autora trabalhou até depois de completar o requisito etário.

Frise-se, ainda, que é dispensável que o início de prova material abranja todo o período de carência, contanto que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. Assim:

"PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - PROVA TESTEMUNHAL CORROBORADA POR INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL.

- A exigência legal para a comprovação da atividade laborativa rural resulta na prova testemunhal, corroborada por um início razoável de prova documental, ainda que constituída por dados do registro civil, certidão de casamento, ou qualquer documento que mereça fé pública.

- No caso em exame, o autor apresentou certidão expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Paulo de Faria, Estado de São Paulo (fls. 17/20), que comprova a existência da "Fazenda Figueira", e que se harmoniza com os depoimentos testemunhais demonstrando o exercício da atividade rurícola do autor, sem registro e contemporâneo ao período que pretende ver reconhecido.

- Precedentes desta Corte.

- Recurso conhecido e desprovido."

(REsp 422.095/SP, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 23/09/2002 – g.n.)

Quanto à informação constante dos autos de que o marido da autora (Sr. AMADO PAULO DA SILVA) também era lavrador e se aposentou como rural (ID n.º 81226138), cumpre mencionar o teor do Enunciado n.º 188 FONAJEF, in verbis:

O benefício concedido ao segurado especial, administrativamente ou judicialmente, configura início de prova material válida para posterior concessão aos demais integrantes do núcleo familiar, assim como ao próprio beneficiário” (Aprovado no XIV FONAJEF).

De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido.

A aposentadoria corresponde ao valor de um salário-mínimo mensal, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo, de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão.

No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado (19/01/2017).

Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República.

Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.

Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.

À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal.

Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão, em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC.

Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido formulado, fixando os critérios dos consectários e determinando a incidência de verba honorária nos termos da fundamentação, supra.

O benefício é de aposentadoria por idade de trabalhadora rural, no valor de um salário-mínimo, com DIB em 19/01/2017.

É o voto.


 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADORA RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.

- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.

- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.