APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002854-19.2016.4.03.6003
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LURDES DA SILVA LISBOA
Advogado do(a) APELANTE: IZABELLY STAUT - MS13557-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002854-19.2016.4.03.6003 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: LURDES DA SILVA LISBOA Advogado do(a) APELANTE: IZABELLY STAUT - MS13557-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo “o exercício de atividades rurais pela autora no período de 04/01/2010 a 11/01/2016 (DER NB 169054316-4)”. A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida. Sem contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002854-19.2016.4.03.6003 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: LURDES DA SILVA LISBOA Advogado do(a) APELANTE: IZABELLY STAUT - MS13557-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL) O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91. Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único). Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício. Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família. Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício. O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006. Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06. Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”. É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo. Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 23.03.2012, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses. Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se: - CTPS da própria autora, com registro de atividade em serviços rurais de 02.01.2008 a 31.03.2008; - Certidão de casamento, celebrado em 14.09.1974, qualificando o cônjuge da requerente como lavrador; - Contrato de Concessão de Uso, sob condição resolutiva, datado de 04.01.2010, constando como outorgante o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, e “UNIDADE FAMILIAR – MULHER BENEFICIÁRIA” a autora, com “profissão/atividade principal agricultora”, referente ao lote n.º 28, no “PA VINTE DE MARÇO” com área de 13,6993 hectares. - Protocolos de entrega da Declaração Anual do Produtor Rural (DAP), em nome da demandante, ano base: 2012/2014; - Recibos de entrega de declaração de ITR dos anos 2011/2015, referentes ao Sítio 23 de maio, no assentamento 20 de março, em nome da autora e - CTPS do marido da requerente, com registros de atividades em serviços rurais de 02.01.2008 a 31.03.2008 e atividades urbanas de 01.03.1982 a 30.06.1982 e 01.07.1982 a 29.11.1982. O INSS juntou com a contestação as informações do Sistema CNIS da Previdência Social, constando em nome da autora o registro indicado na CTPS e o recebimento de pensão por morte previdenciária a partir de 24.11.2017. No que tange ao seu cônjuge constam os vínculos indicados na CTPS, bem como os seguintes registros: - IRMAN FERRAZ CORREA - FAZENDA SÃO FRANCISCO, empregado de 01.06.1993 a 28.03.1995; - ADELINO JOSE FRANCO, empregado de 01.03.2001 a 23.07.2002; - FAZENDA PERIQUITOS SOCIEDADE AGROPECUARIA LTDA, como contribuinte individual de 01.07.2004 a 31.07.2004, 01.12.2004 a 31.01.2005, 01.03.2005 a 31.03.2005, 01.05.2005 a 31.05.2005; - MAURICIO STRINGHETTA MELLO, empregado de 02.01.2008 a 31.03.2008 e - AUXILIO DOENÇA PREVIDENCIÁRIO de 28.09.2015 a 15.12.2015. Insta asseverar que conforme consulta detalhada no Sistema CNIS da Previdência Social, realizada em 13.01.2021, verifica-se que os vínculos empregatícios em nome do marido da requerente, referentes aos períodos de 01.06.1993 a 28.03.1995, 01.03.2001 a 23.07.2002 e 02.01.2008 a 31.03.2008, possuem, respectivamente, as seguintes ocupações cadastradas: “OUTROS TRAB DA PECUARIA N SOB OUTRAS EPIGRAFES - 0649-90”, “OUTROS TRAB AGROPECUARIOS POLIVALENTES TRABALHADORES ASSEMEL - 0621-90” e “TRABALHADOR DA PECUARIA (ASININOS E MUARES) - 6231-05”. Esclareça-se que o fato de o cônjuge da requerente possuir registros urbanos de 01.03.1982 a 30.06.1982 e 01.07.1982 a 29.11.1982, conforme revela a consulta no Sistema CNIS e a CTPS, não altera a solução da causa, pois trata-se de época anterior à carência exigida em lei e os documentos juntados aos autos indicam que a demandante exerceu suas atividades no meio rural durante todo o período produtivo de exercício laboral. Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural. É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar. E os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora. De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido. A aposentadoria corresponde ao valor de um salário mínimo mensal, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.213/91. O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo, de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a autarquia tomou conhecimento da pretensão. No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado. Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República. Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019. Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência. À vista do quanto disposto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no art. 86 do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência (STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão, em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC. Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido formulado, fixando os critérios dos consectários e determinando a incidência de verba honorária nos termos da fundamentação, supra. O benefício é de aposentadoria por idade de trabalhador rural, no valor de um salário mínimo, com DIB em 11.11.2016. É o voto. THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.