Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025787-62.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: RITA DE CASSIA RODRIGUES DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: DIEGO AUGUSTO DE CAMARGO - SP331306-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025787-62.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: RITA DE CASSIA RODRIGUES DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: DIEGO AUGUSTO DE CAMARGO - SP331306-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.

O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo (22.05.2019).

O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em questão. Ao final, prequestiona a matéria.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025787-62.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: RITA DE CASSIA RODRIGUES DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: DIEGO AUGUSTO DE CAMARGO - SP331306-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­V O T O

 

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

 

APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)

 

O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.

Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).

Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.

Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.

Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.

O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.

Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).

Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.

Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.

Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.

Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.

É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”

 

"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

 

DO CASO DOS AUTOS

 

O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 10.11.2007, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 156 meses.

Para demonstrar as alegações, juntou os seguintes documentos:

- Certidão de casamento, celebrado em 16.05.1970, qualificando o cônjuge como lavrador;

- Certidão de óbito do marido, em 07.09.2003 qualificando-o como aposentado e

- Certidão do Registro de Imóveis e Anexos de Tatuí-SP, certificando que o marido da autora adquiriu em 03.10.1973, “Uma parte de Cr$0,20 sobre a avaliação de Cr$6,50, na parte de Cr$1,44, esta calculada em cinco alqueires e meio, mais ou menos, contendo uma casa velha de morada, de pau e barro, coberta de telhas e um paiol de madeira, dentro de catorze alqueires, mais ou menos, no bairro da Água Branca, deste distrito e município de Tatuí”.

O INSS juntou com a contestação as informações do Sistema CNIS da Previdência Social em nome da autora e de seu cônjuge.

Com relação a requerente consta o recebimento de pensão por morte a partir de 07.09.2003, sem atividades registradas.

No que tange ao seu marido, constam os seguintes registros:

- MINORU DOI, empregado de 24.07.1981 a 26.09.1983;

- MINORU DOI, empregado de 01.10.1983 a 14.11.1984;

- CERAMICA 6 EIRELI, empregado de 02.05.1986 a 01.04.1987;

- MITUAKI SHIGUENO, empregado de 25.07.1989, com última remuneração em 11.1989;

- COMPANHIA PARANAENSE DE CONSTRUÇÃO S/A, empregado de 16.03.1994 a 18.04.1994 e 07.04.1998 a 01.06.2005;

- AUXILIO DOENCA POR ACIDENTE DO TRABALHO, de 01.05.1998 a 18.04.2001;

- COMPANHIA PARANAENSE DE CONSTRUÇÃO S/A, empregado de 05.09.2000, sem data de saída e

- APOSENT. INVALIDEZ ACIDENTE TRABALHO, de 19.04.2001 a 07.09.2003.

Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e afirmam o alegado labor rural.

O valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar, é inconteste.

No entanto, os documentos juntados aos autos não permitem assegurar o exercício da atividade rural pela autora, já que, neste caso, não há possibilidade sequer de estender a ela a qualificação de seu esposo, uma vez que conforme revela a consulta realizada no Sistema CNIS da Previdência Social exerceu atividades de natureza urbana.

Cumpre mencionar que também se encontra acostada aos autos a consulta realizada no Sistema DATAPREV, constando que a autora recebe “PENSÃO POR MORTE PREVIDENCIÁRIA”, com DIB em 07.09.2003, estando cadastrada no ramo de atividade “COMERCIÁRIO” e forma de filiação “EMPREGADO”.

Dessa forma, apesar de os testemunhos colhidos terem afirmado a atividade rurícola da parte autora, são insuficientes para, por si só, comprovar o labor no período exigido em lei.

Logo, ausente o início de prova material, a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para o reconhecimento do trabalho rural.

Importante ressaltar que a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.352.721/SP, em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou posição na linha de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício.

Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado:

 

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.

1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.

2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.

3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.

4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.

5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

6. Recurso Especial do INSS desprovido."

 

De rigor, portanto, a extinção do processo tal como decidido pelo STJ no REsp 1.352.721/SP, porquanto ausente o início de prova material do exercício de atividade rural.

Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.

Posto isso, de ofício, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV e § 3.º, do CPC, restando prejudicada a análise do recurso de apelação.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.

- Ausente o início de prova material do exercício de labor campesino, a extinção do feito, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso IV), impõe-se de rigor diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.352.721/SP.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV e § 3.º, do CPC, ficando prejudicada a análise do recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.