Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027448-37.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: GILBERTO APARECIDO PUCEGA

Advogado do(a) AGRAVANTE: LUIZ HUMBERTO FRANCIOSI JUNIOR - SP421920

AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027448-37.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: GILBERTO APARECIDO PUCEGA

Advogado do(a) AGRAVANTE: LUIZ HUMBERTO FRANCIOSI JUNIOR - SP421920

AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por GILBERTO APARECIDO PUCEGA contra decisão proferida nos autos da execução de título extrajudicial que lhe é movida pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

“Comigo na data infra.                               

Petição de evento id 37532266: Ante o prazo diminuto entre um lançamento e outro, o extrato de evento id 37532478 é insuficiente para caracterizar a movimentação da conta bancária do executado unicamente com valores originados de proventos, restando prejudicada a análise do desbloqueio requerido.

ID 38744581: Providencie a secretaria a transferência via BACENJUD dos valores bloqueados nas contas discriminadas no evento id 36850095 para a agência CEF desta Subseção Judiciária, ficando autorizada a apropriação dos respectivos valores pela exequente independentemente da expedição de alvará de levantamento.

Sem prejuízo do acima exposto, esclareça a CEF em 05 (cinco) dias se está desistindo da execução nos presentes autos, ou então, se negativa a resposta, requeira desde logo o que dê direito.

Intimem-se e cumpra-se.

Alega o agravante, em síntese, que os valores bloqueados na conta corrente são provenientes de vencimento, não sendo passíveis de penhora, nos termos do artigo 883 do Código de Processo Civil.

Foi concedido em parte o efeito suspensivo ao recurso (ID. 143907062).

A parte agravada apresentou contraminuta (ID. 146657185).

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027448-37.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AGRAVANTE: GILBERTO APARECIDO PUCEGA

Advogado do(a) AGRAVANTE: LUIZ HUMBERTO FRANCIOSI JUNIOR - SP421920

AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Mesmo tendo como finalidade a satisfação do direito do credor-exequente, as medidas forçadas não podem ser adotadas a qualquer custo, devendo respeitar o modo menos gravoso para o devedor-executado. Porém, a menor onerosidade quanto ao devedor-executado deve ser também contextualizada com a efetividade da medida alternativa àquela mais gravosa, sob pena de serem relegados os válidos interesses do credor-exequente.

Assim, a compreensão jurídica da menor onerosidade deve ser construída na área de convergência entre os interesses legítimos do credor e a excessiva privação do patrimônio e das atividades do devedor, daí significando que, havendo diversos meios executivos igualmente eficientes, deve-se trilhar aquele que implique em menor sacrifício para o devedor.

No âmbito da menor onerosidade é também imprescindível considerar as determinações legais, sobre o que emerge a ordem de preferência de bens penhoráveis e os instrumentos para as correspondentes efetivações.

Sobre a ordem de bens penhoráveis, o art. 835 do Código de Processo Civil parte do dinheiro como o primeiro item a ser penhorado, dada sua intrínseca liquidez. O termo “dinheiro” deve ser compreendido como moeda escritural (saldos em instituições financeiras) ou manual (na espécie em papel ou metálica), alcançando aplicações múltiplas (fundos de investimentos, p ex.).

Sobre os instrumentos para a efetivação da penhora, meios eletrônicos para localizar recursos financeiros (em conta corrente, aplicações em bancos etc.) são legítimos para a constrição dos mesmos objetos indicados pelo art. 835 da lei processual civil. A correta compreensão do contido no art. 837 do Código de Processo Civil permite a imediata utilização de meios eletrônicos para a penhora de bens nas ordens indicadas no art. 835 da lei processual civil notadamente o dinheiro (primeiro item das listas legais de preferência), inexistindo mácula à menor onerosidade justamente porque essa é a determinação legal para equilibrar os interesses legítimos do credor com os ônus possíveis do devedor.

Por tudo isso, a compreensão jurídica da menor onerosidade não pode comprometer o resultado útil do processo executivo, sendo viáveis meios eletrônicos para a efetivação de penhoras (notadamente o BACENJUD e agora o SISBAJUD que o substituiu), em favor da prestação jurisdicional célere e eficaz. Sobre o assunto, confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RECUSA DE NOMEAÇÃO À PENHORA DE SEGURO GARANTIA. INOBSERVÂNCIA DA GRADAÇÃO LEGAL PREVISTA NO ARTIGO 11 DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. PLEITO DE PENHORA POR MEIO DO SISTEMA BACENJUD.  RECURSO PROVIDO. 1. Não obstante as alterações trazidas pela Lei nº 13.043/14, é uma realidade da vida que o dinheiro e seguro garantia ou fiança não são a mesma coisa e por isso a aceitação destes no lugar daquele só é cabível em situações excepcionais, o que não se verifica "in casu".  2. Do STJ colhe-se que "Esta  Corte  firmou  posicionamento,  em  recurso repetitivo, segundo  o  qual é legítima a recusa ou a substituição, pela Fazenda Pública,  de bem nomeado à penhora em desacordo com a gradação legal prevista  nos  arts.  11 da Lei n. 6.830/80, e 655 do CPC, devendo a parte  executada  apresentar  elementos  concretos que justifiquem a incidência  do  princípio  da menor onerosidade para afastar a ordem legal, não demonstrados na espécie" (AgInt no REsp 1605001/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 25/10/2016). 3. Na gradação do artigo 835 do CPC de 2015 o "dinheiro" figura em primeiro lugar, de modo que o uso do meio eletrônico para localizá-lo é medida "preferencial", como soa o artigo 837 do CPC/2015 inexistindo na lei qualquer condicionamento no sentido de que "outros bens" devem ser perscrutados para fins de constrição "antes" do dinheiro. Precedente: (REsp 1184765/PA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 03/12/2010). 4. É certo que a execução deve ser feita de modo menos gravoso para o executado; mas isso não quer dizer - ao contrário de "interpretação" que os executados em geral dão ao artigo 805 do CPC/2015 (artigo 620 do CPC/73) - que a execução deve ser "comandada" pelos interesses particulares do devedor. O princípio da menor onerosidade não legitima que o executado "dite as regras" do trâmite da execução. 5. Agravo de instrumento provido.” (TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5000311-17.2019.4.03.0000. Órgão Julgador: Sexta Turma. Relator: Desembargador Federal Johonson di Salvo. Data do Julgamento: 20/09/2019. Data da Publicação/Fonte: e - DJF3 Judicial 1, 25/09/2019).

Postas as balizas, passo a apreciar o bloqueio efetivamente realizado nos autos em 07/08/2020 (id. 36850095 dos autos originais) e os argumentos do agravante.

Com efeito, os documentos apresentados indicam que foram bloqueados valores na conta corrente junto ao Banco Santander, conta nº 0289-01.014234.8, no importe de R$ 7.386,34.

A legislação e a jurisprudência procuram evitar imposições excessivas do credor em face do devedor, mas a regra geral é a possibilidade de penhora de bens para o cumprimento de obrigações válidas e legítimas, daí porque as hipóteses legais de impenhorabilidade representam exceção e, por isso, devem ser interpretadas restritivamente.

É nesse contexto que emerge o art. 833, IV, e §2º do CPC/2015 (antes, do art. 649, IV, e §2º do CPC/1973), pelo qual o objeto impenhorável é o ganho do trabalho (vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, ganhos de trabalhador autônomo, e honorários de profissional liberal), o benefício previdenciário (proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios) e também quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família:

"Art. 833. São impenhoráveis:

 (...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal....”

(...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.”

Pela literalidade do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015, todas as receitas do trabalho e de benefícios previdenciários, auferidos pelo devedor, são penhoráveis para pagamento de suas dívidas concernentes a “prestação alimentícia” (independentemente de sua origem), mas no caso de obrigações de outra natureza, a penhora somente pode recair sobre o que exceder a 50 salários mínimos mensais.

A mera subsunção do fato ao conteúdo abstrato do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015, poderia levar à desproporcional proteção de ganhos do devedor até 50 salários mínimos mensais, em detrimento do direito de credores de verbas trabalhistas ou alimentares (exceto de prestações de alimentos), de empréstimos, de responsabilidade civil ou de qualquer outra natureza. Pela mesma simples subsunção, a literalidade do art. 833, X, e §2º do CPC/2015 (antes, do art. 649, X, e §2º do CPC/1973), levaria à impenhorabilidade apenas do saldo em conta poupança até 40 salários mínimos, desprotegendo o devedor apenas por manter o montante em conta corrente ou em outro investimento.

Na vigência do art. 649, IV e X, e §2º do CPC/1973, e agora em face do art. 833, IV e X, e §2º do CPC/2015, a jurisprudência admite que o magistrado faça ponderações sobre casos e limites quantitativos da impenhorabilidade, procurando o ponto de convergência desse regramento com primados, direitos, garantias e deveres fundamentais do sistema jurídico (notadamente a boa-fé, a valorização do trabalho e da livre iniciativa e a subsistência familiar) visando à efetividade dos legítimos interesses do credor e às proteções elementares do devedor.

Nesse passo, verifica-se que o montante de R$ 4.688,33 corresponde aos vencimentos percebidos pelo agravante (ID. 143789226), não sendo passível, portanto, de penhora.

No que tange aos valores restantes, necessário tecer algumas considerações.

Para fins do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015, salários, demais ganhos do trabalho e benefícios previdenciários não se confundem com as correspondentes sobras, assim entendido o montante remanescente após pagamento das despesas necessárias mensais do devedor e de sua família. Cabe ao devedor o ônus de provar que o último ganho (periódico e regular, ou inconstante, variável e incerto) está comprometido com despesas indispensáveis à sua subsistência e de sua família, para que seja garantida a impenhorabilidade nos termos do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015. O magistrado deve analisar o caso concreto para aferir as receitas sucessivas do devedor (assalariado, autônomo, comissionado ou beneficiário da previdência) e os correspondentes gastos pessoais necessários, e, ainda, eventual abuso, má-fé, ou fraude.

Uma vez caracterizada a sobra, o montante perde a impenhorabilidade até 50 salários mínimos e se converte em reserva de capital ou economia, razão pela qual a penhora somente pode recair sobre o que exceder a 40 salários mínimos, dada a proteção legal conferida às cadernetas de poupança, extensível à conta corrente e outras aplicações (art. 833, X, e §2º do CPC/2015, antes, art. 649, X, e §2º do CPC/1973).

A esse respeito, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ: AgInt no AgInt no AREsp 935.156/MS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/10/2019, DJe 30/10/2019; REsp 1766876/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 19/11/2018; AgRg nos EDcl no REsp 1537626/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017; REsp 1452204/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 13/12/2016; REsp 1230060/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014; e REsp 1330567/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 27/05/2013.

No caso dos autos, diante do conjunto probatório produzido, entendo que restou configurada a sobra mensal em relação ao montante de R$ 2.698,01, devendo a constrição ser levantada, uma vez que tal quantia não excede 40 salários mínimos.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar o desbloqueio do montante de R$ 7.386,34, depositado no Banco Santander, conta nº 0289-01.014234.8.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS POR MEIO DO SISTEMA BACENJUD/SISBAJUD. GANHOS DO TRABALHO. IMPENHORABILIDADE. SOBRAS SALARIAIS.  RECURSO PROVIDO.

- Sobre os instrumentos para a efetivação da penhora, meios eletrônicos para localizar recursos financeiros (em conta corrente, aplicações em bancos etc.) são legítimos para a constrição dos mesmos objetos indicados pelo art. 835 da lei processual civil. A correta compreensão do contido no art. 837 do Código de Processo Civil permite a imediata utilização de meios eletrônicos para a penhora de bens nas ordens indicadas no art. 835 da lei processual civil notadamente o dinheiro (primeiro item das listas legais de preferência), inexistindo mácula à menor onerosidade justamente porque essa é a determinação legal para equilibrar os interesses legítimos do credor com os ônus possíveis do devedor.

 - Por tudo isso, a compreensão jurídica da menor onerosidade não pode comprometer o resultado útil do processo executivo, sendo viáveis meios eletrônicos para a efetivação de penhoras (notadamente o BACENJUD e agora o SISBAJUD que o substituiu), em favor da prestação jurisdicional célere e eficaz.

- Na vigência do art. 649, IV e X, e §2º do CPC/1973, e agora em face do art. 833, IV e X, e §2º do CPC/2015, a jurisprudência admite que o magistrado faça ponderações sobre casos e limites quantitativos da impenhorabilidade, procurando o ponto de convergência desse regramento com primados, direitos, garantias e deveres fundamentais do sistema jurídico (notadamente a boa-fé, a valorização do trabalho e da livre iniciativa e a subsistência familiar) visando à efetividade dos legítimos interesses do credor e às proteções elementares do devedor.

- Para fins do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015, salários, demais ganhos do trabalho e benefícios previdenciários não se confundem com as correspondentes sobras, assim entendido o montante remanescente após pagamento das despesas necessárias mensais do devedor e de sua família. Cabe ao devedor o ônus de provar que o último ganho (periódico e regular, ou inconstante, variável e incerto) está comprometido com despesas indispensáveis à sua subsistência e de sua família, para que seja garantida a impenhorabilidade nos termos do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015. O magistrado deve analisar o caso concreto para aferir as receitas sucessivas do devedor (assalariado, autônomo, comissionado ou beneficiário da previdência) e os correspondentes gastos pessoais necessários, e, ainda, eventual abuso, má-fé, ou fraude.

- Uma vez caracterizada a sobra, o montante perde a impenhorabilidade até 50 salários mínimos e se converte em reserva de capital ou economia, razão pela qual a penhora somente pode recair sobre o que exceder a 40 salários mínimos, dada a proteção legal conferida às cadernetas de poupança, extensível à conta corrente e outras aplicações (art. 833, X, e §2º do CPC/2015, antes, art. 649, X, e §2º do CPC/1973).

- No caso dos autos, parte do valor bloqueado na conta corrente do executado refere-se ao vencimento percebido pelo executado, sendo dotado, portanto, da impenhorabilidade estatuída no art. 833, IV, do CPC. O montante restante também deve ser levantado, uma vez que não excede 40 salários mínimos.

- Agravo de Instrumento  provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.