APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007612-90.2019.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ZELIA COSTA LOPES
Advogado do(a) APELADO: JANAINA CASSIA DE SOUZA GALLO - SP267890-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007612-90.2019.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ZELIA COSTA LOPES Advogado do(a) APELADO: JANAINA CASSIA DE SOUZA GALLO - SP267890-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, com vistas à revisão de aposentadoria por tempo de contribuição. A r. sentença julgou procedente o pedido para: (i) reconhecer como especial a atividade desempenhada pela parte autora no período de 20/12/2004 a 21/11/2018; (ii) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, sem o fator previdenciário; (iii) determinar os critérios de incidência dos consectários. Inconformada, a autarquia apresenta apelação na qual assevera a impossibilidade do enquadramento deferido e a concessão do benefício em contenda. Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007612-90.2019.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ZELIA COSTA LOPES Advogado do(a) APELADO: JANAINA CASSIA DE SOUZA GALLO - SP267890-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos. Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado. Passo à análise das questões trazidas a julgamento. Do enquadramento de período especial Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação: "Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela: (...) § 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço. § 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período." Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria. Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980. Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008. Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais. Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016. Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço. Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999). Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003. Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014). Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI). Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998. Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente. Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. Na hipótese dos autos, no que tange ao lapso de 20/12/2004 a 21/11/2018, consta Perfil Profissiográfico Previdenciário, o qual anota a exposição habitual e permanente a radiação ionizante em razão do trabalho em setor de radiologia de instituição hospitalar, o que demonstra a insalubridade do trabalho. Ademais, a lista de agentes cancerígenos editada pelo Ministério do Trabalho, (LISTA NACIONAL DE AGENTES CANCERÍGENOS PARA HUMANOS - LINACH), consigna que a exposição à radiação ionizante é reconhecidamente cancerígena, o que seria suficiente para a contagem de tempo especial para fins de previdenciários. A jurisprudência do TRF3 também assegura o enquadramento do período sujeito à radiação ionizante (grifos nossos): “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA "ULTRA PETITA". REDUÇÃO DA DECISÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RADIAÇÕES IONIZANTES. ESPECIALIDADE RECONHECIDA. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. (...) - Demonstrada a exposição da parte autora a radiações ionizantes, cabível o reconhecimento da especialidade. - Preenchidos os requisitos, é devido o benefício da aposentadoria especial a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. - Correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux. - Apelação do INSS desprovida, explicitados os critérios de incidência da correção monetária”. (APELAÇÃO CÍVEL 5001293-54.2017.4.03.6126; Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO; TRF3 - 9ª Turma, Intimação via sistema DATA: 09/04/2020.) Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes. Desse modo, entendo que deve ser mantido o enquadramento deferido na r. sentença. Assim, somado o período enquadrado (devidamente convertido) ao montante incontroverso, a parte autora contava mais de 35 anos de serviço à data do requerimento administrativo, e pontuação superior a 85, motivo pelo qual lhe é devido o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário. Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO SEM O FATOR PREVIDENCIÁRIO. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RADIAÇÃO IONIZANTE. REQUISITOS PREENCHIDOS.
- Não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a radiação ionizante.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário.
- Apelação do INSS improvida.