APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007409-31.2019.4.03.6183
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: FLAVIA FERREIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: LETICIA ROMUALDO SILVA - SP320447-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007409-31.2019.4.03.6183 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FLAVIA FERREIRA RODRIGUES Advogado do(a) APELADO: LETICIA ROMUALDO SILVA - SP320447-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o benefício de pensão por morte. A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido e condenou a Autarquia Previdenciária à concessão do benefício pleiteado, a contar da data do óbito, com parcelas acrescidas dos consectários legais. Por fim, concedeu a tutela de urgência e determinou sua imediata implantação (id 145629156 – p. 1/5). Em suas razões recursais, o INSS pugna, inicialmente, pela suspensão da tutela antecipada. No mérito, requer a reforma da sentença e a improcedência do pedido. Argui a ausência de início de prova material acerca da suposta união estável vivenciada entre a parte autora e a falecida segurada (id 145629158 – p. 1/7). Os embargos de declaração opostos pela parte autora foram acolhidos, a fim de corrigir erro material no tocante ao nome da segurada instituidora da pensão (id. 145629164 – p. 1/2). O INSS reiterou os termos da apelação (id. 145629166 – p. 1). Contrarrazões (id 145629169 – p. 1/5). Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007409-31.2019.4.03.6183 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FLAVIA FERREIRA RODRIGUES Advogado do(a) APELADO: LETICIA ROMUALDO SILVA - SP320447-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução. DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA TUTELA ANTECIPADA No tocante à concessão da tutela antecipada, não merecem prosperar as alegações do Instituto Autárquico. Os requisitos necessários à sua concessão estão previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, in verbis: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. No presente caso, ao contrário do aduzido pelo INSS em suas razões de apelação, está patenteado o fundado receio de dano irreparável, pela própria condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, aliada à natureza do benefício pleiteado, uma vez que a demora na prestação jurisdicional compromete sua própria subsistência, tendo em vista o caráter nitidamente alimentar das prestações. No mesmo sentido a lição de Paulo Afonso Brum Vaz: “Patenteia-se o requisito em comento diante da concreta possibilidade de a parte autora experimentar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, caracterizadora de uma situação de perigo, se tiver de aguardar o tempo necessário para a decisão definitiva da lide. Resguarda-se, dessarte, o litigante dos maléficos efeitos do tempo, isto porque situações existem, e não são raras, em que a parte autora, ameaçada por uma situação perigosa, não pode aguardar a tramitação do processo sem prejuízo moral ou material insuscetível de reparação ou dificilmente reparável (...)” (Tutela Antecipada na Seguridade Social. 1ª ed., São Paulo: Ed. LTr, 2003, p. 47). Passo à apreciação do meritum causae. DA PENSÃO POR MORTE O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco). A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência. A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que: "A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a: V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º." A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de 1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado, em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida. Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da supracitada lei. A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a: "denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social. São Paulo: LTr, 1998, p. 594). Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber: "Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo." É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses. Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela percepção de seguro-desemprego. Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários. Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido. De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica. DO CASO DOS AUTOS O óbito da instituidora, ocorrido em 17 de janeiro de 2018, restou comprovado pela respectiva certidão (id 145629134 – p. 12). No que se refere à qualidade de segurada, os extratos do CNIS, carreados aos autos pelo INSS, revelam vínculos empregatícios estabelecidos em interregnos intermitentes, entre maio de 1989 e julho de 2015. Ao tempo do óbito, a de cujus era titular de aposentadoria por invalidez (NB 32/181.283.973-9), instituída desde 11 de março de 2017, e cessada em razão do falecimento (id. 145629135 – p. 23/28). Passo à análise da questão referente à união estável que, nestes autos, se revela existente entre pessoas do mesmo sexo. A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a proteção especial à família, reconheceu a união estável como entidade familiar, conforme art. 226, § 3º, in verbis: "Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...). § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Inicialmente, é preciso destacar que a jurisprudência de nossos tribunais tem adotado a interpretação no sentido de que união estável alcançada pela constitucional proteção não está calcada na identidade de gênero sexual ou na potencialidade de reprodução de ambos os conviventes. O que a caracteriza, segundo é a afetividade, ou seja, a identificação de um vínculo afetivo prolongado, com propósitos em comum, que consolidam uma entidade familiar. É evidente que o legislador constituinte, ao tempo em que cuidou da ampliação do conceito de família de forma a abarcar a união estável, não pretendeu excluir o relacionamento homoafetivo de seu amparo, ainda que, a esse respeito, tenha deixado uma lacuna. A omissão é preenchida facilmente com uma análise integrativa dos diversos princípios contemplados na Carta Magna, tal como o da igualdade (art. 5º, I) e o da não-discriminação (art. 3°, IV), de onde se infere a liberdade na adoção da própria orientação sexual. Aliás, a liberdade sexual está diretamente ligada ao direito à intimidade garantido no art. 5º, X, da Constituição Federal, não sendo relevante à garantia de tratamento igualitário, que a escolha de parceiro se faça entre indivíduos de mesmo sexo. É válido ressaltar que a mesma Carta Magna, em seu art. 201, V, assegurou o benefício de pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes, sem qualquer distinção quanto ao sexo. Dessa forma, o companheiro do segurado, desde que comprovada a vida em comum, integra o rol do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e, portanto, tem a sua dependência econômica presumida em relação a ele, por lhe serem assegurados, face ao princípio da igualdade, os mesmos direitos previdenciários atribuídos aos heterossexuais e a mesma prerrogativa de concorrência em relação aos demais dependentes elencados no inciso I do referido dispositivo legal. Ademais, o direito de acesso dos homossexuais aos benefícios previdenciários em face de seus companheiros segurados já foi decidido em sede da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0/RS, conforme ementa que segue: "CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos. 2. Às ações coletivas não se nega a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. 4. Tratando-se de dano de âmbito nacional, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada. 5. O princípio da dignidade humana veicula parâmetros essenciais que devem ser necessariamente observados por todos os órgãos estatais em suas respectivas esferas de atuação, atuando como elemento estrutural dos próprios direitos fundamentais assegurados na Constituição. 6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. 7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. 9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial - em alguns países de forma mais implícita - com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. 11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão". (TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, j. 27/07/2005, DJU 10/08/2005). A abrangência nacional da decisão supra referida restou confirmada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2000.04.01.044144-0, cuja ementa segue transcrita: "CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. NORMAS CONSTITUCIONAIS. CF, ART. 226, § 3º. INTEGRAÇÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS HOMOSSEXUAIS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AMPLITUDE DA LIMINAR. ABRANGÊNCIA NACIONAL.LEI N.º 7.347/85, ART. 16, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 9.494/97. (...). 2. É possível a abrangência de dependente do mesmo sexo no conceito de companheiro previsto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, frente à Previdência Social, para que o homossexual que comprovadamente vive em dependência de outro não fique relegado à miséria após a morte de quem lhe provia a subsistência. (...). 4. A nova redação dada pela Lei n.º 9.494/97 ao art. 16 da Lei n.º 7.347/85, muito embora não padeça de mangra de inconstitucionalidade, é de tal impropriedade técnica que a doutrina mais autorizada vem asseverando sua inocuidade, devendo a liminar ter amplitude nacional, principalmente por se tratar de órgão federal" (TRF4, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 27.06.2000, DJU 26-07-2000, p. 679). O INSS, em observância à decisão proferida na mencionada ação civil pública, editou a Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000, estabelecendo procedimentos específicos para a concessão de benefícios previdenciários à pessoa homossexual, estendendo, em tais situações, as mesmas rotinas administrativas antes disciplinadas na IN nº 20, de 18 de maio de 2000. No caso dos autos, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre a requerente e a falecida segurada, que de fato foram companheiras por cerca de dez anos. O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados aos autos, os quais vinculam ambas, inicialmente, desde 2011, ao imóvel situado na Rua Olga Moraes Liotta, nº 79, em Guarulhos – SP e, na sequência, na Rua Manoel Abreu, nº 348, no mesmo município. Ao tempo do óbito, residiam na Rua Patriarca, nº 212, Jardim Paulista, em Guarulhos – SP. Em audiência realizada em 19 de março de 2019, foram inquiridas a autora e uma testemunha, além de um informante do juízo, irmão da falecida segurada. Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou ter convivido maritalmente com a segurada, por cerca de dez anos, sendo que ambas já tinham filhos havidos de outros relacionamentos. Esclareceu que a assistiu, quando ela foi acometida por grave enfermidade e passou a ser submetida a sessões de hemodiálise, e que estiveram juntas até a data do falecimento. A testemunha Cibele Cibien afirmou conhecer a parte autora há cerca de quinze anos. Esclareceu que, por volta de 2008, a autora esteve em sua residência, fazendo uma visita, quando apresentou Vani como sendo sua amiga. No entanto, logo na sequência, soube que elas passaram a conviver maritalmente no mesmo endereço, juntamente com três filhos da autora. A segurada tinha uma filha, que já havia atingido a maioridade e deixado a residência da genitora. Esclareceu ter vivenciado que elas estiveram juntas até a data do falecimento. Inquirido como informante do juízo, o depoente Valmir Barrocal Alves esclareceu ser irmão da de cujus e que o relacionamento da autora com a segurada era de conhecimento da família. Acrescentou que a autora e a segurada passaram a conviver maritalmente, por volta de 2008. Na residência, inicialmente, moravam também a filha da segurada e três filhos da parte autora. Quando o estado de saúde de Vani se agravou, a autora a acompanhava nas sessões de hemodiálise e a assistiu até a data do falecimento. Dessa forma, restou demonstrada a união estável vivenciada entre a autora e a falecida segurada, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios. Conforme restou consignado na sentença, por ocasião do falecimento da companheira, a autora, nascida em 11/11/1976, contava com a idade de 41 anos, sendo aplicável à espécie a alínea c (item 5) do inciso V do § 2º do artigo 77 da Lei n. 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 13.135/2015, que prevê a duração do benefício em 20 (vinte) anos. Em face de todo o explanado, a postulante faz jus ao benefício de pensão por morte, a contar da data do falecimento da segurada. Por ocasião da liquidação da sentença, deverá ser compensado o valor das parcelas auferidas por força da antecipação da tutela. CONSECTÁRIOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência. DISPOSITIVO Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS. Os honorários advocatícios serão fixados por ocasião da liquidação do julgado, nos termos da fundamentação. Mantenho a tutela concedida. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. HOMOAFETIVOS. ÓBITO EM 2018, NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.213/91. CONVIVIO MARITAL POR MAIS DE DOIS ANOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IDADE DA AUTORA. LEI 13.135/2015. CARÁTER TEMPORÁRIO DA PENSÃO.
- O óbito da instituidora, ocorrido em 17 de janeiro de 2018, restou comprovado pela respectiva certidão.
- No que se refere à qualidade de segurada, os extratos do CNIS, carreados aos autos pelo INSS, revelam vínculos empregatícios estabelecidos em interregnos intermitentes, entre maio de 1989 e julho de 2015. Ao tempo do óbito, a de cujus era titular de aposentadoria por invalidez (NB 32/181.283.973-9), instituída desde 11 de março de 2017, e cessada em razão do falecimento.
- O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
- In casu, ficou satisfatoriamente comprovada a vida comum, de forma ininterrupta, entre a requerente e a segurada instituidora, que de fato foram companheiras por cerca de dez anos. Há prova documental a indicar a identidade de endereço de ambos.
- O endereço de residência também comum, vem demonstrado em vários documentos acostados aos autos, os quais vinculam ambas, inicialmente, desde 2011, ao imóvel situado na Rua Olga Moraes Liotta, nº 79, em Guarulhos – SP e, na sequência, na Rua Manoel Abreu, nº 348, no mesmo município. Ao tempo do óbito, residiam na Rua Patriarca, nº 212, Jardim Paulista, em Guarulhos – SP.
- Em audiência realizada em 19 de março de 2019, foram inquiridas a autora e uma testemunha, além de um informante do juízo, irmão da falecida segurada. Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou ter convivido maritalmente com a segurada, por cerca de dez anos, sendo que ambas já tinham filhos havidos de outros relacionamentos. Esclareceu que a assistiu, quando ela foi acometida por grave enfermidade, e que estiveram juntas até a data do falecimento.
- A testemunha Cibele Cibien afirmou conhecer a parte autora há cerca de quinze anos. Esclareceu que, por volta de 2008, a autora esteve em sua residência, fazendo uma visita, quando apresentou Vani como sendo sua amiga. No entanto, logo na sequência, soube que elas passaram a conviver maritalmente no mesmo endereço, juntamente com três filhos da autora. A segurada tinha uma filha, porém, já havia atingido a maioridade e deixado a residência. Esclareceu ter vivenciado que elas estiveram juntas até a data do falecimento.
- Inquirido como informante do juízo, o depoente Valmir Barrocal Alves esclareceu ser irmão da de cujus e que o relacionamento da autora com a segurada era de conhecimento da família. Acrescentou que a autora e a segurada passaram a conviver maritalmente, por volta de 2008. Na residência, inicialmente, moravam também a filha da segurada e três filhos da parte autora. Quando o estado de saúde de Vani se agravou, a autora a acompanhava nas sessões de hemodiálise e a assistiu até a data do falecimento.
- Dessa forma, restou demonstrada a união estável vivenciada entre a autora e a falecida segurada, sendo desnecessária a comprovação da dependência econômica, por força do disposto no artigo 16, § 4º da Lei de Benefícios.
- Conforme restou consignado na sentença, por ocasião do falecimento da companheira, a autora, nascido em 11/11/1976, contava com a idade de 41 anos, sendo aplicável à espécie a alínea c (item 5) do inciso V do § 2º do artigo 77 da Lei n. 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 13.135/2015, que prevê a duração do benefício em 20 (vinte) anos.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Tutela antecipada mantida.
- Apelação do INSS a qual se nega provimento.