Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5293686-30.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: LEANDRO DE ALMEIDA QUIRINO

Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP255948-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5293686-30.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: LEANDRO DE ALMEIDA QUIRINO

Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP255948-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença proferida em demanda proposta objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República.

A r. sentença julgou improcedente o pedido formulado (ID 138215315).

A ação foi ajuizada em 22/08/2019. Atribuiu-se à causa o valor de R$ 59.880,00 (cinquenta e nove mil, oitocentos e oitenta reais). A sentença foi proferida em 24/01/2020.

Em suas razões recursais, a parte apelante alega, em síntese, preencher os requisitos legais para o restabelecimento do benefício pretendido, motivo pelo qual requer a reforma do julgado.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Egrégia Corte Regional.

Manifesta-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso, vez que demonstrados os requisitos legais para o restabelecimento do benefício (ID 146847608).

É o relatório.

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5293686-30.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: LEANDRO DE ALMEIDA QUIRINO

Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA APARECIDA DE OLIVEIRA - SP255948-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

 

 V O T O 

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

O presente recurso é tempestivo e atende aos demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

Passo ao exame da insurgência recursal propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

A Constituição da República em seu artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário-mínimo, nos seguintes termos, in verbis:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

 

A Lei nº 8.742, de 7/12/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), deu eficácia às normas constitucionais do inciso V do artigo 203, e criou o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20, in verbis:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.         (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020)

A LOAS está regulamentada, atualmente, pelo Decreto nº 6.214, de 26/09/2007.

Registre-se, também, que “a assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, com repercussão geral (Ministro MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, publ. 22-09-2017)

 

IDOSO E PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do amparo assistencial. O requerente deve comprovar: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida por família.

 A pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei nº 10.741, de 01/10/2003 (Estatuto do Idoso).

A pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é considerada aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. (redação dada pela Lei nº 13.146, de 06/07/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei nº 12.470, de 2011.

Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Nona Turma conforme o excerto da ementa que ora trazemos à colação:

CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.

(...)

II - O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida independente não eram definidores da deficiência.

III - Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o trabalho e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei. O que define a deficiência é a presença de “impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 20, § 2º, da LOAS).

(...)

(TRF 3ª Região, 9ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5119154-48.2018.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS, julg. 28/07/2019)

 

Da mesma forma, ainda sobre o conceito de pessoa com deficiência, dispõe a Súmula nº 48 da TNU, in verbis: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.” (Redação alterada na sessão de 25.4.2019, DJe nº 40, Data: 29/04/2019).

A avaliação de deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, na forma preconizada pelo § 6º do artigo 20 da LOAS (redação da Lei nº 12.470, de 2011).

Nesse sentido, inclusive, é a dicção da Súmula 80 da TNU: “Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”.

Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei nº 13.846, de 18/06/2019).

 

DO NÚCLEO FAMILIAR

O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, in verbis:

Art. 20 (...)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.     (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP nº 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei nº 9.720, de 30/11/1998).

 

DA COMPOSIÇÃO DA RENDA

O cômputo da renda para fins de aferição da situação de hipossuficiência não pode indicar outros benefícios sociais, segundo o que foi preconizado pelo artigo 20, § 4º, in verbis:

Art. 20 (...)

§ 4º  O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.      (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Houve alteração dessa regra, pelo parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741, de 2003, o Estatuto do Idoso, que passou a admitir que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família idoso não seria computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita. Todavia a Colenda Corte Suprema, no julgamento do RE nº 580.963/PR, decidiu pela inconstitucionalidade por omissão parcial, sem pronúncia de nulidade, da referida norma, conforme a seguinte ementa, cujo excerto trago à colação:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

(...)

4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 580963, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, publ. 14/11/2013)

 

Essa declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade permite a manutenção da norma inconstitucional no ordenamento jurídico até a edição de nova lei substituindo-a.

Nessa linha de intelecção, o Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.355.052, Tema Repetitivo 640, sob a sistemática do art. 543-C do CPC/1973 (artigo 1.036 do CPC/2015), firmou entendimento no sentido de que não se computa o valor de um salário-mínimo percebido por idoso a título de benefício assistencial ou previdenciário para fins de aferição de hipossuficiência de núcleo familiar.

Confira-se:

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.

1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.

2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.”

(REsp 1.355.052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)

 

Atualmente, perdeu o sentido a discussão acerca da aplicação do artigo 34 da Lei nº 10.741, de 2003, Estatuto do Idoso, para fins da composição da renda.

Isso porque a Lei nº 13.982, de 02/04/2020,passou a prever expressamente que não será computado um benefício assistencial na composição da renda para fins de concessão de outro BPC, conforme o novel § 14 incluído no artigo 20 da LOAS, in verbis:

“Art. 20 (...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.”

Portanto, conforme o entendimento jurisprudencial firmado pelas Cortes Superiores, recente positivado pelo legislador, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário-mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.

 

DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA

A definição legal do conceito de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram a evolução legislativa e jurisprudencial.

Convém anotar os textos que permearam a vontade do Legislador Federal, fixando o requisito nos seguintes termos:

Art. 20 (...)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.   (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.   (Redação dada pela Lei nº 13.981, de 20)  (Vide ADPF 662)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:  (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)

I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;  (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

Na esfera judicial, o parâmetro consistente na renda per capta de ¼ (um quarto) do salário-mínimo, como critério objetivo, foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. (ADI 1232, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998)

Nesse diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça referendou o entendimento no sentido de que o exame do conjunto probatório para aferição da condição de miserabilidade deveria ter como vetor o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a fim de garantir ao requerente suas necessidades básicas de subsistência física, conforme consignado no julgamento do Tema 185 no REsp 1.112.557, sob o rito dos repetitivos, assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido.”

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)

Entretanto, diversas leis haviam sido editadas dispondo sobre diferentes critérios à concessão de outros benefícios de natureza assistencial como, por exemplo: a inscrição da família no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, Lei nº 12.470, de 31/08/2011; a Bolsa Família, Lei 10.836/2004; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Lei 10.689/2003; o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03; o Bolsa Escola, Lei 10.219/01; a concessão pelo Poder Executivo de apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, Lei 9.533/97; dentre outros.

Essa circunstância conduziu à conclusão inevitável no sentido de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário-mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.

A persistência dos debates conduziu o Colendo Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei Assistencial, no julgamento do RE nº 567.985, sob os auspícios da repercussão geral, cuja ementa foi assim redigida:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critério objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194, publ. 03-10-2013)

 O precedente emanado do julgamento fixou o Tema 27: “Meios de comprovação do estado miserabilidade do idoso para fins de percepção de benefício de assistência continuada”, com a seguinte Tese: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.

No ano de 2020, com o intuito de estabelecer medidas excepcionais de proteção social, tendo em vista a emergência de saúde pública decorrente da pandemia internacional da covid-19, foi alterado o § 3º do artigo 20 da LOAS, pela Lei nº 13.981, de 23/03/2020, passando a prever que o critério objetivo seria majorado para 1/2 (metade) do salário-mínimo.

Todavia, em 24/03/2020, foi protocolada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF n° 662, pela Presidência da República em face do Projeto de Lei do Senado n. 55, de 1996, na parte que promove alteração no art. 20, §3º., da Lei n. 8.742;93 (LOAS), por descumprimento dos seguintes preceitos fundamentais: art. 1º, caput; art. 2º; art. 5º., LIV e § 2º.; art. 37; art. 195, §5º; todos da Constituição e arts. 107 a 113 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Foi acolhido o pedido liminar pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, que em 03/04/2020 assim se pronunciou: “Concedo, em parte, a medida cautelar postulada, ad referendum do Plenário, apenas para suspender a eficácia do art. 20, § 3º, da Lei 8.742, na redação dada pela Lei 13.981, de 24 de março de 2020, enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições previstas no art. 195, §5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO”.

Em 02/04/2020, contudo, foi editado novo diploma legislativo, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, alterando novamente o § 3º do artigo 20 da LOAS para retornar a sua redação original.

 

DO CASO CONCRETO

Trata-se de pedido de restabelecimento de benefício assistencial ao deficiente.

A perícia médica, realizada aos 01/10/2019 (ID 138215285) trouxe as seguintes conclusões:

 

6- Conclusão

Ao avaliar o autor foi constatado ser hemofílico com história de episódios de hemartrose em articulações diversas. Mal sem nexo causal laboral. Considerando os dados apresentados e o exame físico, concluo que há incapacidade laboral parcial e permanente, ou seja, não deve exercer atividades com risco de trauma ou com peso acima de 5 Kg, não deve trabalhar em altura.

7- Quesitos do requerente (Fls. 10/ 11)

1 – Quais são as doenças? E o número do CID? Hemofilia. D 66.

2 – Descrever a patologia e sintomas destas. Possui deficiência do fator de coagulação III que repõe através de medicamento endovenoso com aplicação domiciliar.

3 – Necessita o(a) Autor(a) de assistência médica e fisioterápica? Médico.

4 – Está ou não o(a) Autor(a) acometido(a) de doença que o(a) incapacita, total ou permanente e qual é o grau da incapacidade? Não.

5 O(A) Autor(a) possui alguma deficiência física ou neurológica? Não.

6 – A doença é perpétua e exige tratamento contínuo? Sim.

7 – O quadro é irreversível ou não? Incurável.

8 – Diante do quadro apresentado, é possível informar se houve/se há a redução da capacidade laborativa do(a) Requerente? Sim, há restrições descritas na conclusão deste laudo. 

 

Verifica-se que o autor tem hemofilia, doença de cunho incurável. O laudo médico afirma estar incapacitado parcial e permanentemente para atividade laboral, com  impedimento para exercer atividades laborativas com risco de trauma ou com peso acima de 5 Kg e em alturas.

O autor, nascido em 1998, recebeu o benefício por 10 (dez) anos, período em que, ainda adolescente, necessitava dos cuidados da mãe que, portanto, não tinha a possibilidade de exercer atividade com remuneração fixa, vez que necessitava cuidar do filho menor. O benefício do autor foi cessado quando ele já havia completado 21 anos, estava casado e com uma filha (inclusive como consignado no laudo social). 

Os impedimentos, como visto acima, limitam-se a atividades com peso, em alturas ou com risco de trauma. O laudo consigna possibilidade de exercer atividades habituais, além de outras funções laborais de caráter leve e que não demandam grande esforço físico.  Acrescente-se que o autor, nascido em 1998, é bastante jovem, atualmente com 23 anos de idade, e com possibilidade de adaptar-se a outras atividades. 

É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 436 do CPC/1973 e do artigo 479 do CPC/2015. Contudo, no caso em tela, não foram acostados aos autos elementos com o condão de infirmar as conclusões do expert, razão pela qual há que se prestigiar a conclusão da prova técnico-pericial.

Desta forma, entendo que o autor não se enquadra no conceito de deficiente, nos termos do artigo 20, § 2º, da LOAS, uma vez que não possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Nesse sentido, colaciono o julgado desta E. Turma:

PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.

- O benefício de prestação continuada exige, para a sua concessão, que a parte comprove ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).

- A prova pericial produzida é insuficiente para demonstrar a existência de impedimento de longo prazo, apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.

- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.

(TRF 3ª Região, 9ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5693132-64.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES, julgado em 18/06/2020, Intimação via sistema DATA: 25/06/2020)

 

Consigne-se que nada impede que novo pleito seja formulado, no caso de alteração da situação fática, que acarretem a deficiência, com impedimento de longo prazo, como, por exemplo, a impossibilidade de adaptar-se a outras atividades. 

 Desta forma, não caracterizada a sua deficiência, fica prejudicada a análise da hipossuficiência econômica, uma vez que os requisitos para a concessão do benefício são cumulativos.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora,  nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AUSENTES DOS REQUISITOS LEGAIS. RESTABELECIMENTO DO AMPARO ASSISTENCIAL. NÃO CABIMENTO.

 

- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso co 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993). 

- O amparo assistencial exige, para sua concessão, que o requerente comprove ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei nº 8.742/1993) ou ter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, § 2º, da LOAS).

- Ausente o requisito da deficiência, não é devido o benefício, vez que os requisitos estabelecidos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993 são cumulativos.

- Apelação da parte autora não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.