APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004809-69.2008.4.03.6002
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA CARDOSO SALES
Advogado do(a) APELADO: MELINE PALUDETTO PAZIAN - SP247805-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004809-69.2008.4.03.6002 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA CARDOSO SALES Advogado do(a) APELADO: MELINE PALUDETTO PAZIAN - SP247805-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora): Cuida-se de recurso de apelação apresentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – em face de sentença proferida em demanda previdenciária, que julgou procedente pedido de restabelecimento de pensão por morte proposto por Maria Cardoso Sales, em face do falecimento de seu companheiro, por entender que há respaldo legal para a concessão do benefício à trabalhador rural falecido anteriormente à 1971. Em razões recursais, sustenta, em síntese, que a lei vigente à época do passamento não vislumbrava a concessão do benefício de pensão por morte à trabalhador rural, fato este que só aconteceu com a vigência da Lei nº 8.213/91, bem como que as provas carreadas não lograram êxito na demonstração do labor campesino dele; e que a companheira não estava inserida no rol dos dependentes do instituidor do benefício. Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004809-69.2008.4.03.6002 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA CARDOSO SALES Advogado do(a) APELADO: MELINE PALUDETTO PAZIAN - SP247805-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora): Da remessa oficial A remessa oficial deve ser conhecida. Com efeito, o artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973, com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.352/2001, dispõe não estar sujeita ao reexame necessário a sentença em ações cujo direito controvertido não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos. Nesse sentido, segue o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. PERDA DA AUDIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. PRESSUPOSTOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, exceto quando se tratar de valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos. 2. Afastado, na origem, o direito ao auxílio-acidente, em razão de inexistirem os pressupostos à sua concessão, impede o reexame da matéria, em âmbito especial, o enunciado 7 da Súmula desta Corte. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento." (STJ, AgRg no Ag 1274996/SP, Rel. Min. Celso Limongi, 6ª Turma, DJe 22.06.2010) No caso dos autos, considerando a data inicial do pagamento (01/05/2011 e a inicial do benefício (20/01/2006), bem como o valor do bem obtido, verifico que a hipótese excede os 60 salários mínimos. Passo ao exame do mérito. Da pensão por morte A pensão por morte é benefício previdenciário assegurado pelo artigo 201, inciso V, da Constituição da República, consistente em prestação de pagamento continuado. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento. Do óbito O óbito do Sr. José Augusto Pereira ocorreu em 09/03/1968 (ID 90335439 – p. 28). Assim, em atenção ao princípio tempus regit actum, previsto na súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a lei regente da concessão de pensão por morte é a vigente na data do falecimento, notadamente o Estatuto do Trabalhador Rural, previsto na Lei nº 4.213/1963. Da qualidade de segurado A concessão do benefício requer a demonstração da qualidade de segurado ou o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, a teor da Súmula 416 do C. STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009). Na hipótese, destaco que não há objeção para a concessão do benefício à trabalhador campesino falecido anteriormente à 1971, pois a Lei nº 4.214/1963 reconheceu a condição de segurado obrigatório do rurícola (arrimo de família), criou o Fundo de Assistência Previdenciária do Trabalhador Rural – FUNRURAL – e garantiu aos segurados e dependentes todos os benefícios atribuídos ao segurado e dependentes rurais. Confira-se: Art. 158. Fica criado o "Fundo Assistência e Previdência do Trabalhador Rural", que se constituirá de 1 % (um por cento) do valor dos produtos agro-pecuários colocados e que deverá ser recolhido pelo produtor, quando da primeira operação, ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, mediante guia própria, até quinze dias daquela colocação. § 1º - Na hipótese de estabelecimento fabril que utilise matéria prima de sua produção agro-pecuária, arrecadação se constituirá de 1% (um por cento) sôbre o valor da matéria-prima própria, que fôr utilizada, § 2º - Nenhuma emprêsa, pública ou privada, rodoviária, ferroviária, marítima ou aérea, poderá transportar qualquer produto agro-pecuário, sem que comprove, mediante apresentação de guia de recolhimento; o cumprimento do estabelecido neste artigo. Art. 160. São obrigatòriamente segurados os trabalhadores rurais, os colonos ou parceiros, bem como os pequenos proprietários rurais, empreiteiros, tarefeiros e as pessoas físicas que explorem as atividades previstas no art. 3º desta Lei, êstes com menos de cinco empregados a seu serviço. (g. m.) Art. 161. Os proprietários em geral, os arrendatários, demais empregados rurais não previstos no artigo anterior, bem como os titulares de firma individual, diretores, sócios, gerentes, sócios solidários, sócios quotistas, cuja idade seja, no ato da inscrição até cincoenta anos, poderão, se o requererem tornar-se contribuinte facultativo do IAPI. § 1º - A contribuição dos segurados referidos neste artigo será feita à base de 8% (oito por cento) sôbre um mínimo de três e um máximo de cinco vêzes o salário mínimo vigorante na região. § 2º - Os segurados referidos neste artigo e seus dependentes gozarão de todos os benefícios atribuídos ao segurado rural e dependente rural. (g. m.) Nesse sentido, colaciono julgado do C. Tribunal da Cidadania: ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO- PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. (...) IV - Em relação à possibilidade de concessão de pensão por morte de trabalhador rural, cujo óbito ocorreu em data anterior a 1971, mister se faz alguns esclarecimentos. (g. m.) V - Importante destacar que o fato gerador da pensão é a morte do instituidor, a qual será regida pela legislação então em vigor (REsp n. 612.090/PE, Relatora a Ministra Laurita Vaz). VI - No caso concreto, o óbito ocorreu em 1964 conforme delineado no acórdão à fl. 383. Nesta época, encontrava-se em vigor a Lei n. 4.214/1963, também chamada de Estatuto do Trabalhador Rural. Este diploma legal, reconheceu, primeira vez, a condição de segurado obrigatório ao rurícola (arrimo de família) e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - FUNRURAL (arts. 158 e 160). (g. m.) VII - Segundo o parágrafo 2º do art. 161 da referida lei, os segurados e seus dependentes gozariam de todos os benefícios atribuídos ao segurado rural e dependente rural. VIII - Já no inciso I art. 162, a lei definia como dependente a esposa do trabalhador rural. IX - Desta forma, aplicando-se a legislação vigente à época do óbito, conclui-se inexistir óbice à concessão da pleiteada pensão a dependente do trabalhador rural. (g. m.) (...) XII - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1657099/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019) Da dependência econômica da autora De fato, o artigo 162 da Lei nº 4.214/1963 não prevê a companheira como dependente do segurado: Art. 162. São dependentes do segurado, para os fins desta lei: I - a espôsa, o marido inválido, os filhos de qualquer condição quando inválidos ou menores de dezoito anos, as filhas solteiras de qualquer condição, quando inválidas ou menores de vinte e um anos; Il - o pai inválido e a mãe: lIl - os irmãos inválidos ou menores de dezoito anos e as irmãs solteiras, quando inválidas ou menores de vinte e um anos. § 1º O segurado poderá designar, para fins de percepção de prestações, qualquer pessoa que viva sob sua dependência econômica. § 2º A pessoa designada apenas fará jus à prestação na falta dos dependentes enumerados no item l dêste artigo, e se por motivo de idade condição de saúde ou encargos domésticos, não puder angariar os meios para seu sustento. Todavia, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a convivência entre homem e mulher, como se casados fossem, era considerada como relação concubinária e já recebia proteção jurídica, em razão de evolução doutrinária e jurisprudencial. Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária realizada em 03/04/1964, editou a Súmula 380, que previa a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. E considerando-se que o rol estabelecido no artigo 162 não é taxativo, porquanto permitia ao segurado designar, para fins de percepção de prestações, qualquer pessoa que viva sob sua dependência econômica (§ 1º), entendo não haver obstáculo legal para a concessão do benefício à concubina. Do caso dos autos Inicialmente, há que se reconhecer o direito dos dependentes do trabalhador rural à percepção de pensão por morte, ainda que falecido antes de 1971. Isso porque a Lei Complementar nº 11/71 passou a alcançar os trabalhadores rurais e seus dependentes estendendo a eles a proteção previdenciária, inclusive com relação ao benefício de pensão por morte cujo óbito ocorresse a partir de 25/05/1971. No entanto, a partir de 1º/04/1987, com a edição da Lei nº 7.604, de 26/05/1987, foi ampliado o direito à percepção de pensão por morte previsto na LC nº 11/71, que passou a ser concedida aos dependentes do trabalhador rural falecidos anteriormente a 26/05/1971 Nesse sentido, esta E. Nona Turma: E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. ÓBITO EM 1966. ESPOSA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. ATIVIDADE RURAL COMO EMPREGADO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA, HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Em matéria de pensão por morte, o princípio segundo o qual tempus regit actum impõe a aplicação da legislação vigente na data do óbito do segurado. II - O falecimento ocorreu em 20.05.1966, quando ainda estava em vigor a Lei nº 3.807/1960, cujo art. 3º, II, expressamente excluía da cobertura previdenciária os trabalhadores rurais. III - Somente a partir da Lei Complementar nº 11/71 é que os trabalhadores rurais e seus dependentes passaram a ter proteção previdenciária. IV - A Lei Complementar nº 11/71 só poderia ter aplicação aos fatos ocorridos a partir de sua vigência, de modo que o direito à pensão por morte para os dependentes dos trabalhadores rurais só poderia ser reconhecido se o óbito ocorresse a partir de 25.05.1971, vedada a retroatividade. V - Com a edição da Lei nº 7.604, de 26.05.1987, a pensão por morte prevista na LC nº 11/71 passou a ser devida, a partir de 1º.04.1987, aos dependentes do trabalhador rural falecido em data anterior a 26.05.1971. VI - A autora deve comprovar que o falecido tinha enquadramento em alguma das alíneas do § 1º do art. 3º da Lei Complementar nº 11/71, bem como sua condição de dependente na data do óbito. VII - A prova documental fornece início de prova material acerca da atividade rurícola do falecido, e foi corroborada pela prova testemunhal, restando mantida a condição de segurado na data do óbito. VIII - Sendo esposa, conforme comprovado com a certidão de casamento juntada, a autora tinha a condição de dependente. IX - Termo inicial fixado em 1º-4-1987, observada a prescrição quinquenal, tendo em vista que o requerimento administrativo foi formulado apenas em 12.04.2017. X - A renda mensal do benefício é de um salário mínimo. XI - As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos e de juros moratórios a partir da citação. XII - A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF. XIII - Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente, bem como Resolução 458/2017 do Conselho da Justiça Federal. XIV - O percentual da verba honorária será fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data desta decisão (Súmula 111 do STJ). XV - Apelação provida. Tutela antecipada. De outra parte, analisando a prova documental, destaco que elas são robustas e comprovam a qualidade de trabalhador rural do instituidor do benefício no dia do passamento. Confira-se: - ID 90335439 – p. 28: certidão de óbito (1968), declarado pela autora e informando que o falecido era pecuarista. - ID 90335439 – p. 30/32: certidões de nascimentos (1953, 1956 e 1958) dos filhos constando que o falecido era lavrador - ID 90335439 – p.57: recibo de entrega de propriedade rural ao falecido (1966) -ID 90335439 – p. 62: imposto sobre a propriedade territorial rural em nome do falecido (1967) E quanto à união existente entre autora e falecido, além de ter sido ela a declarante do óbito dele, a autarquia federal já havia concedido o benefício aqui pleiteado desde 13/01/2005 a 15/11/2005 (ID 90335439 – p. 105), restando, assim, inconteste a dependência econômica dela. Dessarte, tendo a autora logrado êxito na comprovação de todos os requisitos necessários à concessão do benefício aqui pleiteado, escorreita a r. sentença guerreada, que deve ser integralmente mantida. Ante o exposto, conheço da remessa oficial e nego provimento a ela, bem como ao recurso de apelação da autarquia federal. É como voto.
(APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 5120827-42.2019.4.03.9999, RELATORA Desembargadora Federal MARISA SANTOS, TRF3 - 9ª Turma, Intimação via sistema 22/11/2019)
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. LEI Nº 4.214/1963. RURAL. CONCUBINATO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADAS.
1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.
2. Não há objeção para a concessão do benefício à trabalhador campesino falecido anteriormente à 1971, pois a Lei nº 4.214/1963 reconheceu a condição de segurado obrigatório do rurícola (arrimo de família), criou o Fundo de Assistência Previdenciária do Trabalhador Rural – FUNRURAL – e garantiu aos segurados e dependentes todos os benefícios atribuídos ao segurado e dependentes rurais. Precedente.
3. Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a convivência entre homem e mulher, como se casados fossem, era considerada como relação concubinária e já recebia proteção jurídica, em razão de evolução doutrinária e jurisprudencial.
4. Demonstrados todos os requisitos necessários à concessão do benefício da pensão por morte.
5. Recurso não provido.