Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009914-49.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA ANTONIA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: LEONE LAFAIETE CARLIN - SP298060-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009914-49.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA ANTONIA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: LEONE LAFAIETE CARLIN - SP298060-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

 

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença proferida em demanda previdenciária, submetida à remessa necessária, que julgou procedente o pedido de pensão por morte pleiteado por Maria Antônia Ferreira Vieira, decorrente do falecimento de seu companheiro.

A autarquia federal sustenta, em síntese: a) preliminarmente, a ausência de interesse de agir diante da ausência do prévio requerimento administrativo; b) a nulidade processual e cerceamento de defesa, pois o sistema processual digital não permite a juntada aos autos da mídia dos depoimentos das testemunhas, ficando disponibilizada em cartório, prejudicando a defesa da recorrente; c) a não comprovação, pela autora, da união estável com o falecido; e d) a redução da condenação da verba honorária para 10% (dez por cento).

Sem contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0009914-49.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA ANTONIA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: LEONE LAFAIETE CARLIN - SP298060-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

 

Da remessa oficial

A sentença foi publicada na vigência do CPC de 2015 (após 18/03/2016), razão pela qual aplica-se o Enunciado Administrativo nº 3, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

Depreende-se do artigo 496, inciso I e § 3º, inciso I, que apenas as causas cuja condenação alcançar 1.000 (mil) salários mínimos devem ser submetidas à remessa necessária.

É certo que, sob a égide do CPC de 1973, o C. STJ assentou que era obrigatória a remessa necessária na hipótese de sentença ilíquida contra a União e suas autarquias, conforme o precedente emanado do julgamento do REsp Repetitivo nº 1.101.727/PR, (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, j. 04/11/2009). Foi, inclusive, editada a Súmula 490: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas" (STJ, Corte Especial, j. 28/06/2012).

Verifica-se, entretanto, que o C. STJ revisitou o tema, face à redação do artigo 496, inciso I e § 3º, inciso I, do CPC, aplicando a técnica do overrinding no REsp nº 1.101.727/PR quanto às demandas previdenciárias, considerando que as condenações nesses casos, ainda que ilíquidas, regra geral não superam o valor de 1.000 (mil) salários mínimos, concluindo, assim, pela dispensa da remessa necessária. Precedentes: STJ, REsp 1844937/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019; TRF 3ª Região, 9ª Turma,  Remessa Necessária Cível - 6078868-74.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, j. 02/04/2020.

Nesse diapasão, ainda que aparentemente ilíquida a sentença, resta evidente que a condenação ou o proveito econômico pretendido pela parte autora não excede o novo valor de alçada do CPC, consistente em mil salários mínimos.

Assim sendo, não conheço da remessa oficial.

 

Das Preliminares Do prévio requerimento administrativo e do cerceamento de defesa.

Inicialmente, afasto as preliminares arguidas.

A autora comprova que requereu administrativamente o pagamento do benefício, que foi indeferido pela autarquia federal por entender que não restou demonstrada a dependência econômica dela (ID 92037658 – p. 6).

E não há que se falar em cerceamento de defesa em virtude da disponibilização em cartório judicial dos depoimentos colhidos em audiência, porquanto foi certificado que eles foram juntados aos autos (ID 92037658 – p. 17), possibilitando o acesso às partes da prova realizada.

 

Da pensão

A pensão por morte é benefício previdenciário assegurado pelo artigo 201, inciso V, da Constituição da República, consistente em prestação de pagamento continuado.

A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.

 

Do óbito

O óbito do instituidor do benefício ocorreu em 22/11/2014 (ID 92037655 – p. 18).

Em atenção ao princípio tempus regit actum, cristalizado na súmula 340 do C. STJ, a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, com a redação em vigor na data do óbito, desde que haja compatibilidade e não exista disposição em sentido diverso.

 

Da qualidade de segurado

A concessão do benefício requer a demonstração da qualidade de segurado ou o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, na forma do artigo 102 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, bem como do teor da súmula 416 do C. STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009).

Na hipótese, verifico que o falecido era aposentado por idade (ID 92037657 – p. 2), restando, portanto, comprova a qualidade de segurado dele.

 

Da dependência econômica

A companheira foi incluída na primeira classe de dependentes do segurado, presumindo-se a sua dependência econômica, condicionada à comprovação da união estável, conforme disposto pelo artigo 16, inciso I, e §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.213, de 21/07/1991, in verbis:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;   (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)          (Vigência)

(...)

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada

§ 5º A prova de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (incluído pela Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019)

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.  (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.  (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar, na forma do artigo 226, § 3º da Constituição da República, e seus parâmetros estão previstos no artigo 1.723 do Código Civil, que assim dispõe:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Desse modo, a identificação do momento preciso no qual se configura a união estável depende da comprovação dos requisitos insertos no artigo 1723 do CC, a saber: convivência pública (união não oculta da sociedade), continuidade (ausência de interrupções), durabilidade, e objetivo de estabelecer família, tanto sob a perspectiva subjetiva (tratamento familiar entre os próprios companheiros) quanto objetiva (reconhecimento social acerca da existência do ente familiar).

Anote-se que, até 17/01/2019, o entendimento acerca da comprovação da união estável seguia o teor da Súmula 63 da TNU: “A comprovação de união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material. A partir de então, por decorrência da vigência da Medida Provisória nº 871, de 18/01/2019, foi inserido no ordenamento o sistema da prova legal ou tarifada, exigindo-se o início de prova material. Posteriormente, com a sua conversão na Lei nº 13.846, de 18/06/2019, acresceu-se do requisito de temporariedade, mediante a exigência de documento contemporâneo, produzido no interregno de 24(vinte e quatro) meses anteriores ao óbito.

No caso dos autos, a cabal demonstração da qualidade de companheira do falecido na data do óbito, observada a Súmula 63 da TNU, é suficiente para legitimá-la ao recebimento da pensão por morte, considerando-se a presunção da dependência econômica.

É esse o entendimento do Colendo Tribunal da Cidadania:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO À COMPANHEIRA DO FALECIDO. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO CONFIGURADA.  PRECEDENTES DO STJ.

(...)

2. Outrossim, extrai-se do acórdão objurgado que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do STJ de que a existência de união estável faz presumir à companheira sua dependência econômica quanto ao falecido, legitimando-a à percepção de pensão por morte. (g. m.)

3. Recurso Especial não provido.

(REsp 1678887/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017)

 

No mesmo sentido, confira-se o julgado desta Egrégia Nona Turma:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. CORREÇÃO MONETÁRIA.

(...)

- A dependência econômica da companheira é presumida, consoante o disposto no art. 16, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, mas a existência da união estável deve ser comprovada. (g. m.)

- Conjunto probatório apto a demonstrar a existência de união estável na ocasião do óbito. É devido o benefício.

(...)

 (TRF 3ª Região, 9ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5019872-39.2018.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 04/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/06/2020)

 

 

Do caso dos autos

As provas carreadas demonstram a existência de união estável entre a autora e falecido, por longo período, que perdurou até o dia do óbito.

Nesse sentido, a título de prova material, destaco os seguintes documentos:

 

- ID 92037655 – p. 17: Certidão de Casamento na Igreja Evangélica Pentecostal (2009)

- ID 92037656 – p. 2: Identidade de Membro da igreja Evangélica Pentecostal Jesus é a Vitoria, constando o falecido como cônjuge da autora (2010)

- ID 92037656 – p. 3: Contrato de arrendamento rural em nome do casal (2010)

 

E corroborando com a prova material, os depoimentos das testemunhas foram uníssonos e estão em sintonia com os argumentos da autora, não deixando dúvidas que o casal conviveu por longo tempo em união estável, até o dia do passamento, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, devendo, assim,   prosperar o pedido de concessão de pensão por morte.

Escorreita a r. sentença guerreada, que deve ser integralmente mantida.

 

Dos honorários advocatícios

Não há razão para reduzir a condenação da verba honorária, já que estabelecida dentro dos parâmetros determinados no artigo 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC.

 

Ante o exposto, não conheço da remessa oficial e nego provimento à apelação do INSS.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA.

1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.

2. Demonstrados o óbito e a qualidade de segurado do instituidor do benefício.

3. A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º da CF) e seus parâmetros estão previstos no artigo 1.723 do Código Civil.

4. Com relação à previdência, o artigo 16, I e § 4º da Lei nº 8.213/91, estabelece a companheira como beneficiária do segurado, cuja dependência econômica é presumida.

5. As provas carreadas inclinam para a comprovação da existência de união estável entre o casal, que perdurou até o passamento.

6. Remessa oficial não conhecida e recurso não provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.