APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5156908-53.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: GIGLIARDI APARECIDO MARQUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: DIEGO RICARDO TEIXEIRA CAETANO - SP262984-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5156908-53.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA APELANTE: GIGLIARDI APARECIDO MARQUES DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: DIEGO RICARDO TEIXEIRA CAETANO - SP262984-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta em ação de conhecimento, que tem por objeto condenar o réu a conceder o benefício de prestação continuada, previsto no Art. 203, da CF/88 e regulado pelo Art. 20, da Lei nº 8.742/93, a pessoa deficiente. O MM. Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a autoria ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$998,00, observada a gratuidade da justiça. Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, sustentando que preenche os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial. Subiram os autos, sem contrarrazões. O Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5156908-53.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA APELANTE: GIGLIARDI APARECIDO MARQUES DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: DIEGO RICARDO TEIXEIRA CAETANO - SP262984-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De acordo com o Art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Sua regulamentação deu-se pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que, no Art. 20, caput e § 3º, estabeleceu que o benefício é devido à pessoa deficiente e ao idoso maior de sessenta e cinco anos cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. In verbis: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. O benefício assistencial requer, portanto, o preenchimento de dois pressupostos para a sua concessão, de um lado sob o aspecto subjetivo, a deficiência e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a hipossuficiência. No que concerne ao requisito da hipossuficiência econômica, extrai-se do laudo social assinado eletronicamente em 17/10/2018, que o autor Gigliardi Aparecido Marques dos Santos, nascido em 19/01/1989, solteiro, escolaridade ensino médio, desempregado, residia com sua genitora Silvana Aparecida Marques de Oliveira, nascida em 14/04/1971, desempregada, com o padrasto Carlos Roberto Gonçalves, nascido em 19/06/1961, trabalhador rural empregado formalmente, e com o sobrinho Everton Henrique Marques de Oliveira dos Santos Dias, nascido em 21/02/2002, estudante. A família residia em casa própria, construída em alvenaria, com laje, piso, rebocada e pintada, por uma suíte, dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e uma área externa com churrasqueira. Os cômodos estavam guarnecidos com o necessário para o conforto da família, tendo sido constatado, além dos itens básicos, a existência de três televisores de 32, 40 e 42 polegadas, rack e um computador. A renda familiar era proveniente do salário do genitor, no valor declarado de R$800,00. Foram informadas despesas no montante de R$1.546,90, com alimentação (R$700,00), energia elétrica (R$283,20), água (R$41,70), gás (R$70,00), medicamentos (R$42,00), prestação de um terreno (R$330,00), e internet (R$80,00). Concluiu a Assistente Social que a renda per capita familiar estava abaixo do limite de ¼ do salário mínimo e que o autor atendia ao índice do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, que estabelece situação de vulnerabilidade, famílias com renda per capta de até meio salário mínimo vigente. Como cediço, o critério da renda per capita familiar não é o único a ser considerado para se comprovar a condição de necessitado da pessoa idosa ou deficiente que pleiteia o benefício. Em consulta ao CNIS nesta data, constata-se que o salário do padrasto do autor, no mês de agosto de 2018 em que realizado o estudo social, correspondeu a R$2.409,46 e, embora tenha sofrido variações no período, se manteve acima do valor de um salário mínimo. Acresça-se que na data do requerimento administrativo apresentado em 03/08/2016, a genitora do autor estava empregada formalmente desde 02/06/2014, com salário também superior ao valor de um salário mínimo, e embora seu contrato tenha sido rescindido em 17/02/2017, voltou a laborar para o mesmo empregador em 05/06/2017, tendo permanecido até 30/03/2018, e após passou a efetuar recolhimentos como empregada doméstica. Quanto ao autor, constata-se que ele retornou ao mercado de trabalho em 03/02/2020 e usufruiu do benefício de auxílio doença no período de 20/02/2020 a 29/07/2020. Por outro ângulo, como se vê do estudo social, a família reside em imóvel próprio e possui gastos com internet e prestação de um terreno, incompatíveis com a alegada condição de miserabilidade. Em face do exposto, analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não está caracterizada a situação de vulnerabilidade e risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial, ainda que se considere que a família do autor viva em condições econômicas modestas. Nessa esteira, traz-se a lume jurisprudência desta Corte Regional: "PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CARÊNCIA DE AÇÃO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 20, §3º, DA LEI N. 8.742/93. PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO. VALORAÇÃO DE TODO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. INCAPACIDADE PARA O LABOR. REEXAME DE PROVAS. BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. I - A preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada, uma vez que, não obstante a singeleza de seu termos, é possível deduzir de seu contexto a alegação de suposta violação ao art. 20 da Lei n. 8.742/93, a embasar a rescisão com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC. II - A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito e com este será apreciada. III - A possibilidade de se eleger mais de uma interpretação à norma regente, em que uma das vias eleitas viabiliza o devido enquadramento dos fatos à hipótese legal descrita, desautoriza a propositura da ação rescisória, a teor da Súmula n. 343 do STF. IV - A r. decisão rescindenda, sopesando as provas constantes dos autos (laudo médico pericial, laudo social e CNIS), concluiu pelo não preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão do benefícios assistencial (comprovação de incapacidade total para o labor e demonstração de miserabilidade). V - Conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93(ADI 1.232/DF), a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009). VI - O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013. Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização ". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. VII - É de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial. VIII - Não obstante a r. decisão rescindenda tenha destacado como prova da ausência de miserabilidade a renda familiar per capita superior a ¼ de salário mínimo, outros elementos probatórios foram também considerados para apreciação da condição econômico-financeira da parte autora, notadamente o laudo social, que faz referência ao imóvel em que a autora e sua família residiam (...Residem em casa própria, composta por 2 quartos, sala, despensa, cozinha e banheiro, guarnecida com mobiliário e utensílios necessários para o conforto da família..). IX - Na apreciação de eventual violação de lei, há que ser considerada a situação fática existente por ocasião do ajuizamento da ação subjacente. No caso em tela, a r. decisão rescindenda se ateve ao laudo social (07.06.2011), ao laudo médico (30.08.2011) e ao CNIS referente ao companheiro da autora, o Sr. Luciano dos Santos, no ano de 2011, para concluir pela ausência de miserabilidade. Alterações posteriores em sua situação econômico-financeira, que poderiam, em tese, colocá-la na condição de hipossuficiência econômica, ensejariam a propositura de nova ação objetivando a concessão do benefício assistencial, todavia, em sede de rescisória, não é possível considerar fatos posteriores ao feito subjacente. X - Em relação à ocorrência ou não de incapacidade para o labor, cabe assinalar que tal análise implicaria a reapreciação de provas, o que é vedado na ação rescisória. XI - Em face de a autora ser beneficiária da Justiça Gratuita, não há condenação em ônus de sucumbência. XII - Preliminares rejeitadas. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente." (TRF3, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0018333-24.2013.4.03.0000/SP, Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento Terceira Seção, publicado no D.E. em 09/10/2014); “CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. I - Não obstante o implemento do requisito etário, verifica-se que não restou comprovada a miserabilidade da parte autora. II - Observo que não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial. III - Não há condenação da apelante em verbas de sucumbência, por se tratar de beneficiária da assistência judiciária gratuita. IV - Apelação da parte autora improvida.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044063-42.2015.4.03.9999/SP, Rel. Desembargador Federal Sergio Nascimento, 10ª Turma, D.E. 30/05/2016); "PREVIDENCIÁRIO. ART. 543-C, §7º, INC. II, DO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. I- O Colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que a miserabilidade alegada pela parte autora deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso concreto, de acordo com todas as provas apresentadas nos autos, não devendo ser adotado o critério objetivo de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, bem como que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não deve ser computado no cálculo da renda per capita. II- Não ficou comprovada a miserabilidade, requisito indispensável para a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n.º 8.742/93. III- Aplicação do art. 543-C, §7º, inc. II, do CPC. IV- Agravo improvido. Acórdão mantido.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011300-03.2006.4.03.9999/SP, Proc. 2006.03.99.011300-0/SP, Rel. Desembargador Federal David Dantas, 8ª Turma, D.E. 21/03/2016); e "AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPROVIMENTO. 1 - O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 2 - Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da hipossuficiência social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto. 3 - A hipossuficiência da parte autora não foi comprovada. Encontra-se assistida por seus familiares. O Benefício Assistencial não se presta à complementação de renda. Benefício previdenciário indevido. 4 - Agravo legal improvido." (AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036868-06.2015.4.03.9999/SP, Relator Desembargador Federal Paulo Domingues, 7ª Turma, publicado no D.E. em 28/03/2016). Desse modo, ausente um dos requisitos legais, a parte autora não faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada do Art. 20, da Lei nº 8.742/93 Cabe relembrar que o escopo da assistência social é prover as necessidades básicas das pessoas, sem as quais não sobreviveriam e que o benefício não se destina à complementação de renda. Consigno que, com a eventual alteração das condições descritas, a parte autora poderá formular novamente seu pedido. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA LEI Nº 8.742/93. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO CARACTERIZADA.
1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser considerado para se comprovar a condição de necessitado da pessoa idosa ou deficiente que pleiteia o benefício.
3. Analisando o conjunto probatório, é de se reconhecer que não foi comprovada a situação de vulnerabilidade e risco social a ensejar a concessão do benefício assistencial. Precedentes desta Corte.
4. Apelação desprovida.